Tribunais de Contas – Quem Controla o Controlador?

Pesquisador de Brasília conclui que Poder Executivo é o que mais influencia os Tribunais de Contas nos Estados

Por Gisiela Hasse Klein*

Tribunal de Contas de SC Foto: Douglas Santos/ACOM-TCE/SC

Um estudo feito pelo pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Guilherme Brandão nos anos de 2015 e 2016 sugere que o Poder Executivo é quem mais exerce influência sobre os Tribunais de Contas estaduais. Durante sua pesquisa de mestrado, Brandão analisou os 27 tribunais de contas dos Estados e do Distrito Federal, avaliando o nível de transparência das informações prestadas pelas cortes de contas e o histórico político dos conselheiros no período 2015/2016.

O resultado mostra que a grande maioria dos Tribunais não apresenta em seus sites informações básicas de interesse público. Além disso, existe uma relação de cumplicidade entre os tribunais e seus controlados – órgãos do Poder Executivo e Legislativo. É o que o pesquisador chama de alto índice de politização e governismo nos Tribunais de Contas, que deveriam emitir pareceres técnicos e isentos sobre o uso do dinheiro público, mas acabam negligenciando a função, pois os conselheiros têm vínculos políticos e/ou familiares com os controlados.

Foto: MPC/SC

Com relação à transparência, Brandão criou uma escala de 0 a 5 para medir a transparência ativa nos sites institucionais, considerando uma série de detalhes técnicos e de informações. A média de todos os tribunais ficou em 3,4 pontos, considerada baixa pelo pesquisador. Há casos graves como tribunais que não disponibilizam seus relatórios de atividade, bem como os pareceres prévios das contas do governo.

Além da falta de transparência ativa por parte dos Tribunais, Brandão verificou, também, excessiva politização nessas cortes. A politização ocorre, principalmente, em função da falta de critérios objetivos para a nomeação dos conselheiros. “As nomeações não visam garantir o interesse da sociedade civil, por meio da indicação de burocratas imparciais e experientes. Na prática, as escolhas recaem basicamente sobre deputados e secretários de governos que, devido às suas filiações partidárias e políticas, tendem a efetuar julgamentos interessados das contas públicas. Sem falar que não há qualquer participação direta da sociedade nesse processo”, ressalta Brandão.

O objetivo do estudo é entender a quem os Tribunais de Contas prestam contas no Brasil. Para tanto, o pesquisador explorou as teorias de accountability e a Teoria Principal-Agente ou Teoria da Agência, como também é conhecida. Esse conceito explica situações nas quais alguém (agente) atua em nome de outro (principal) pelo fato de possuir certos tipos de habilidades ou recursos que o principal não possui. Ocorre uma delegação de função, atividade e tomada de decisão. Essa teoria tem origem na Economia da Informação e é aplicada à Administração Pública.

Nessa relação, o agente tem alto grau de discricionariedade, autonomia decisória, expertise e informação privilegiada, mas ele não será recompensado se não agir em benefício do principal e pode, ainda, sofrer sanções. Já o principal tem desvantagens informacionais em relação ao agente e alto custo para monitorar o seu agente. Essa teoria é usada também na relação eleitor/representante eleito.

Em seu estudo, Brandão tomou esta teoria e considerou os tribunais de contas como agentes, tentando identificar quem seria o principal – sociedade, Poder Legislativo, Poder Executivo ou Poder Judiciário.

Caso o principal fosse a sociedade, o nível de transparência e prestação de contas nos sites institucionais dessas organizações seria bastante elevado, o que não ocorreu. Já na análise do perfil dos conselheiros que integram o corpo diretivo dos tribunais, ficou evidente a influência do Poder Executivo. Dos 136 conselheiros analisados, 81% foram considerados governistas porque tinham ligações partidárias ou políticas com os chefes do Poder Executivo.

A constatação de Brandão não é diferente daquela a que chegou a ONG Transparência Brasil, em 2014. À época, a Transparência Brasil investigou a biografia dos conselheiros. O resultado mostrou que 80% dos conselheiros haviam exercido cargos no legislativo ou executivo, 23% haviam respondido a processos e ao menos 13 conselheiros haviam sido afastados naquele ano por suspeitas de corrupção.

Júlio Marcelo de Oliveira – Foto: MPC/SC

Recentemente, a Pública, agência de jornalismo investigativo, também publicou reportagem especial sobre corrupção nos tribunais de contas estaduais, apontando como principal causa a influência política no corpo diretivo dessas instituições. “O político que ocupa a cadeira de conselheiro terá, na maioria dos casos, uma visão mais simpática ao seu grupo político. O desenho institucional atual é vulnerável à captura política”, disse o Procurador do Ministério Público junto ao TCU e presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (Ampcon), Júlio Marcelo de Oliveira, em entrevista à Pública.

Desde a sua origem no Brasil, os tribunais de contas já desfrutam da garantia de permanência vitalícia dos dirigentes, o que não mudou em períodos autoritários ou democráticos. Atualmente, os tribunais possuem sete conselheiros. Quatro são escolhidos pelo voto dos deputados; um livremente pelo governador; e os outros dois também pelo governador, mas têm de ser auditores e procuradores do Ministério Público de Contas. Esses conselheiros recebem diversos benefícios, como foro privilegiado, cargo vitalício e alta remuneração – o salário-base é de R$ 30.471. Juntos, os tribunais de contas custam mais de R$ 10 bilhões aos cofres públicos, segundo a reportagem da Pública.

Apesar de os tribunais serem órgãos auxiliares do Poder Legislativo, com a missão de fiscalizar o Executivo em benefício da sociedade, a realidade política dos estados alterou a lógica formal dessa instituição. Foi outra constatação do pesquisador Brandão. Para entender esse desvio na atuação dos tribunais, Brandão associação a Teoria Principal-Agente à noção de accountability, como descrita pelos professores José Antonio Gomes de Pinho e Ana Rita Silva Sacramento, onde A é accountable para B se A é obrigado a informar B sobre suas ações e decisões para justifica-las e para sofre punições no caso de desvios. Accountability, nesse sentido, está relacionada à responsabilização que, por sua vez, implica em delegação e, portanto, poderia ser associada à Teoria da Agência.

No caso dos Tribunais de Contas, teríamos a accountability dos agentes de accountability ou a “accountability de segunda ordem” como propõe o cientista político Schedler, na qual os agentes que promovem e fomentam a accountability estão sujeitos às mesmas estruturas institucionais que afetam seus monitorados.

Os caminhos para colocar em prática a accountability de segunda ordem são muitos e passam, principalmente, pelo fortalecimento da sociedade civil, que tem o direito de exigir atuação mais eficiente desses órgãos. Na reportagem da Pública, há o relato de um servidor de Minas Gerais que encontrou na lei a possibilidade de ocupar uma vaga de conselheiro. Apesar de existir previsão legal e de ele ter se candidatado mais de uma vez, jamais foi escolhido. Entretanto, se mais cidadãos passarem a conhecer seus direitos e pressionarem por mudanças, elas ocorrerão. O Ministério Público de Contas é o órgão que atua como auxiliar dos tribunais de contas e pode apresentar denúncias às cortes para que irregularidades sejam apuradas.

Outro caminho é a mudança do desenho institucional dos TCs. Atualmente, há duas propostas de emenda constitucional em tramitação sobre o tema. A PEC 329/2013 que propõe mudança na composição dos tribunais, proibindo indicações políticas. O projeto prevê também que os conselheiros sejam fiscalizados pelo Conselho Nacional de Justiça, assim como todos os juízes, desembargadores e ministros do STF e do STJ.

Já a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) defende que seja criado um Conselho Nacional dos Tribunais de Contas para fiscalizar as cortes de contas. A proposta de mudanças da Atricon está na PEC 22/2017. Ela foi formulada e sugerida pela entidade e apresentada pelo senador Cássio Cunha (PSDB-PB). O projeto assegura a maior parte dos assentos aos membros das carreiras técnicas – cinco no TCU e quatro nos outros tribunais. E prevê o fim das indicações livres do chefe do Executivo e a redução das indicações do Legislativo.

Por ora, no entanto, os tribunais de contas ainda são órgãos desafiados a mostrar seu valor para a sociedade. Controlados, de fato, pelo Poder Executivo, custam bilhões aos contribuintes e se prestam a fazer vistas grossas a irregularidades que custam ainda mais aos cofres públicos.

*Texto elaborado por Gisiela Hasse Klein (gisiela@gmail.com), estudante de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Ouça a entrevista na integra: