A Atividade do Lobby em Foco: Quais as Contribuições em Regulamentá-la no Brasil?

Por Ana Luiza Cadorin, João Vitor Libório da Silva, Monica Duarte e Saulo Francisco Paganela*

A palavra lobby, a qual tem origem do vocabulário inglês, significa “hall”, corredor ou salão, tem seu significado atrelado à atividade de defesa de interesses. Por muitos anos, através de formas ilícitas de se fazer lobby, foi atrelado ao seu nome um sentimento ruim de que essa palavra significasse corrupção ou coisa relacionada. Hoje muito se ouve falar de um “lobby repaginado”, em que se usa outra nomenclatura para a mesma defesa de interesses e que tenta se propagar as formas lícitas e legais para se fazer isso. Hoje o lobby é comumente chamado de Relações Governamentais.

Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a aprovar uma regulamentação, a fim de dar maior transparência à prática do lobby, em março de 2014. Antes disso, os chilenos assistiram a diversos escândalos de corrupção relacionados a essa prática, porém, o país viu na aprovação de uma lei específica sobre o tema uma saída para a transparência e regulamentação da atividade. A partir da lei aprovada, foi criado um sistema online, o “info lobby”, que tornou possível saber quando, onde e quem realizou reuniões com o poder público. Segundo reportagem publicada na revista Carta Capital (2007), esse sistema pode mostrar aos cidadãos chilenos, por exemplo:

[…] que dia o lobista da Uber se reuniu com o ministro de transportes para discutir a legislação sobre mobilidade urbana, ou quais autoridades receberam ingressos para assistir partidas de futebol e também quanto custou e qual foi o motivo de viagens pagas com recursos públicos.

No Brasil, onde a atividade de lobby ainda não é regulamentada, vemos nos noticiários muitas manchetes relacionando o termo lobby com práticas corruptas. A associação pejorativa do termo se popularizou após o deflagrar de diversos casos de corrupção entre empresas privadas, setor público e políticos para a aprovação de leis ou a inserção de pautas com interesses específicos na agenda governamental. Desta forma, o lobby se popularizou no país, mas de forma adversa ao seu significado original.

Segundo a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG), o lobby, hoje também reconhecido pelo nome de Relações Governamentais, é a atividade

[…] por meio da qual os atores sociais e econômicos impactados por proposições legislativas (Parlamento) ou por políticas públicas (Executivo) fazem chegar aos tomadores de decisão política a sua visão sobre a matéria, com o intuito de (i) mitigar riscos econômicos, sociais, institucionais ou operacionais; (ii) oferecer modelo mais equilibrado; (iii) apresentar sugestões pontuais para o melhoramento da proposição; (iv) apresentar fatos, dados e informações importantes para a melhor compreensão do universo sobre o qual a medida terá impacto, de modo a que o tomador de decisão pondere mais elementos na formulação de proposição legislativa ou política pública; (v) alertar para inconstitucionalidades, injuridicidades (inadequação ao ordenamento jurídico vigente), e má técnica legislativa. (ABRIG, 2017)

A atividade de Relações Governamentais se refere, portanto, à busca de influência de setores sociais e privados no processo decisório junto a autoridades públicas e ao governo, algo que é parte do processo democrático. A relação entre os setores público e o privado, uma vez que seja feito de modo  transparente, aberto e legal,  tende a fazer aumentar a pluralidade de atores agindo em prol de interesses diversos e a qualificar o debate sobre as alternativas para as decisões que afetam a coletividade. Isso contribuiria para a qualidade do processo democrático e a capacidade para inovações nas políticas públicas, uma vez que mais alternativas poderiam ser apresentadas e negociadas.

Cabe ressaltar que, em alguns materiais, foi possível constatar a diferença entre o que é chamado de lobby e advocacy. Este último estaria ligado a defesas de interesses coletivos, sob uma perspectiva mais social; enquanto o lobby seria reconhecido pela defesa de interesses estritamente de grupos privados.

A regulamentação do lobby vem sendo objeto de debate no Congresso Nacional. O projeto de lei (PL) 1.202/2007 [http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=353631], proposto pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), está atualmente em pauta na Câmara dos Deputados. Em reportagem publicada no jornal Nexo, em 2016, por Bruno Lupion, o projeto é detalhado e comentado. Entre os pontos previstos, está o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam na área de Relações Governamentais junto ao governo federal, e a  prestação de contas anual dos lobistas ao Tribunal de Contas da União (TCU) das atividades e projetos em que atuaram neste período.

A regulamentação do lobby, que já existe em países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, entre outros, surge em um momento importante do debate político da relação entre público e privado no Brasil (NEXO, 2016b). Hoje enfrentamos uma crise de dimensões econômicas, políticas e sociais que afetam o cotidiano de todos os cidadãos do país, fazendo com que o sistema político representativo seja visto como incerto por grande parte da população.

Além do mais, o deflagrar de investigações sobre casos de corrupção nas últimas décadas – caso Banestado, Anões do Orçamento, Lava-Jato e o Mensalão, entre outros – envolvendo os setores público, privado e atores políticos, minaram a credibilidade social da relação entre estes atores.

As crises política e social no Brasil são frutos da crise de representatividade do sistema político por ora adotado. Nos dias de hoje, há um notável afastamento dos desejos da população e no modo como os mandatários democraticamente eleitos, por meio do sufrágio universal, exercem seus mandatos e votam nos espaços institucionais de representação.

A ausência de mecanismos que tragam transparência ao processo de tomada de decisão dos agentes políticos facilita a articulação de esquemas complexos de corrupção e mau uso dos recursos públicos, o que abala ainda mais a credibilidade da classe política, diminui a participação da sociedade nos processos eleitorais e contribui com a crença social de que “todos são iguais” e desonestos.

Ademais, a sociedade se encontra num estágio no qual a resolução dos problemas públicos requer a expressão de visões e interesses, a participação e a influência de diversos atores, não apenas nas decisões, também na execução, transbordando a esfera estatal.

O setor privado e a sociedade civil pressionam o setor público para a inserção de suas pautas na agenda política, requerendo um aparato institucional-legal sólido para que as atividades de Relações Governamentais sejam realizadas baseadas na transparência e consigam fortalecer e suscitar a confiança social no relacionamento entre público e privado. Segundo o professor Sandro Cabral, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em entrevista para o jornal eletrônico Jota (2017), “mais importante que a regulamentação da atividade por lei, é o estabelecimento de normas para disciplinar como o diálogo entre o público e o privado se dará no dia-a-dia.”

Ouça a entrevista na íntegra: 

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS. Relações Governamentais. 2017. Disponível em: http://abrig.org.br/. Acesso em 19 de mai. 2018.

LUPION, Bruno. O governo federal quer regulamentar o lobby. O que pode mudar. Nexo Jornal, 2016. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/20/O-governo-federal-quer-regulamentar-o-lobby.-O-que-pode-mudar. Acesso em 20 de mai. 2018.

LUPION, Bruno. Qual a diferença entre lobby e corrupção em casos investigados pela Lava Jato. Nexo Jornal, 2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/04/23/Qual-%C3%A9-a-diferen%C3%A7a-entre-lobby-e-corrup%C3%A7%C3%A3o-em-casos-investigados-pela-Lava-Jato. Acesso em 20 de mai. 2018.

REDAÇÃO JOTA. RelGov: lei é importante, mas caminho é longo. 2017. Disponível em: https://www.jota.info/legislativo/relgov-lei-e-importante-mas-caminho-e-longo-05042017. Acesso em 20 de mai. 2018

KIM, Suyane. Você sabe o que é lobby político?. Politize!, 2016. Disponível em: http://www.politize.com.br/lobby-politico-o-que-e/. Acesso em 25 de mai. 2018

MOREIRA, Felipe Lélis. Regulamentação do Lobby: porquê o Chile deveria inspirar o Brasil.Carta Capital, 2017. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/01/regulamentacao-do-lobby-porque-o-chile-deveria-inspirar-o-brasil/. Acesso em 25 de mai. 2018

 

*Texto elaborado por Ana Luiza Cadorin (anacadorin@hotmail.com), João Vitor Libório da Silva (joaoliborio02@gmail.com), Monica Duarte (monicadsduarte@gmail.com),
Saulo Francisco Paganela (saulopagn@gmail.com),
estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.