Por que, em um mesmo país, dois estados seguiram caminhos diferentes na comunicação de riscos sobre a COVID-19? Uma análise comparativa entre os estados de Santa Catarina e do Espírito Santo

Por Maria Eduarda Xavier Damásio, Ruan Carlos Tavares e Stefani Miguel Voss*

A comunicação de risco surge da necessidade da sociedade de ter uma resposta a processos específicos relacionados a risco e situações de tomada de decisão diante dos riscos. Portanto, ela serve para analisar situações e servir de alerta, identificando possíveis ameaças que podem levar a crises. Um exemplo é o contexto no qual se insere o tema discutido neste texto, a crise sanitária decorrente da pandemia de COVID-19.

A comunicação de risco é um processo de interação e intercâmbio de informações entre indivíduos, grupos ou instituições sobre ameaças à saúde, à segurança ou ao ambiente, com o propósito de que a comunidade conheça os riscos aos quais está exposta e participe na sua solução. Idealmente, esse processo é intencional e permanente (LOURENÇO; MARCHIORI, 2012).

Durante a pandemia de Covid-19, muitos estados e municípios adotaram medidas de comunicação de risco, sendo que alguns se destacam positivamente, como o estado do Espírito Santo. Neste texto, buscamos explorar e analisar como as medidas e o desempenho se diferenciam de um lugar para outro.

Comunicação de riscos no setor público

A temática vem ganhando espaço entre os tomadores de decisão de entidades públicas e privadas, que perceberam a comunicação de riscos como um instrumento de gestão a fim de aumentar o diálogo entre os envolvidos a respeito de situações de risco que poderiam vir a ameaçar a saúde e integridade física das pessoas (BARREIROS; RINALDI, 2007). A comunicação de risco tem se tornado um assunto mais comum no setor público, em decorrência das diversas catástrofes que aconteceram no Brasil nos últimos anos, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e as inúmeras tragédias climáticas que acontecem constantemente em Santa Catarina.

O intuito da gestão de riscos é diminuir os custos de atividades incertas e aumentar os benefícios sociais e econômicos, seja evitando um problema ou reduzindo as dimensões do mesmo. O governo lida com os riscos por meio de diversas funções e áreas como saúde, assistência social, educação e infraestrutura, buscando criar condições para proteger o meio ambiente, garantir os direitos, o acesso e a qualidade dos serviços públicos e gerar estabilidade que favorece a prosperidade econômica (ÁVILA, 2016).

A importância da transparência na comunicação de riscos

No contexto da pandemia de COVID-19, é imprescindível que se produzam dados e informações de qualidade e que estes sejam disponibilizados de forma detalhada e transparente para toda a população. 

Sabendo disso, a Transparência Internacional (TI) elaborou um ranking de transparência relacionado ao contexto pandêmico, no qual avalia como os portais da transparência dos 26 estados brasileiros disponibilizam as informações acerca das contratações emergenciais. Na escala de pontuação que vai de 0 a 100, o estado de Santa Catarina alcançou, na avaliação feita em 1 de setembro de 2020, 68 pontos, e tem seu desempenho classificado como bom. Enquanto o Espírito Santo apresenta 100 pontos, o que equivale a um ótimo desempenho nesse sentido  (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, 2020). 

Outra maneira de medir a transparência nos estados é o Índice de Transparência da Covid-19, uma iniciativa da Open Knowledge Brasil para avaliar a qualidade dos dados e informações relativas à pandemia do novo coronavírus que têm sido publicados em portais oficiais pela União, pelos estados brasileiros e pelas suas capitais (OKBR, 2021). O ranking mostra que, em 19 de agosto de 2021, Santa Catarina ocupa a 16ª posição, com 64 pontos e nível de transparência considerado bom. E o Espírito Santo ocupa a 1ª posição, com 100 pontos e nível de transparência alto. A figura 1, a seguir, mostra a avaliação dos estados no que diz respeito à transparência.

Figura 1: Índice de Transparência da Covid-19 3.0

Fonte: Open Knowledge Brasil, 2021

Vale ressaltar que em ambos os rankings foram realizadas várias medições e esses dados foram variando com o decorrer do tempo, ao longo da pandemia. Além disso, um levantamento feito pelo Ibope (2020), sobre os impactos da COVID-19 nos municípios, mostra as ações de comunicação sobre o coronavírus adotadas durante a pandemia, como mostra a figura 2 a seguir.

Figura 2: Ações de comunicação sobre o coronavírus adotadas pelos municípios

Fonte: Ibope, 2020

Comparando as figuras supracitadas, vimos que tanto no âmbito dos estados como dos municípios, são necessárias ações que fomentem a transparência, para que a informação chegue a todos.

Ao observar a posição ocupada pelo Espírito Santo em vários rankings, ficamos curiosos sobre o que é feito nesse estado que o torna destaque em transparência na pandemia. Fizemos então uma breve comparação com o estado de Santa Catarina, onde vivemos, focalizando o portal oficial estadual sobre a pandemia, a matriz de risco e as informações sobre a pandemia publicadas em redes sociais dos estados e governadores.

O Caso de Santa Catarina

Com o surgimento da pandemia de COVID-19 no Brasil, o Governo do Estado de Santa Catarina, assim como vários outros estados brasileiros, elaborou algumas iniciativas para informar a população sobre os riscos da doença, além de monitorar o cumprimento das medidas restritivas. Uma delas foi a criação do “coronavirus.sc.gov.br”, portal que disponibiliza informações e serviços relacionados ao combate e a resposta à pandemia. A principal fonte de informações presente nesse portal é a matriz de risco catarinense, representada pelo “Mapa de Riscos” relativo à COVID-19,  um mecanismo que determina o risco potencial em cada região do estado como sendo moderado (azul), alto (amarelo), grave (laranja) ou gravíssimo (vermelho), conforme exemplo na Figura 3.

Figura 3: Mapa de Riscos SC

Fonte: SES/ Divulgação

Os níveis de risco são calculados a partir do isolamento social, investigação, testagem e isolamento de casos, reorganização de fluxos assistenciais e ampliação de leitos. De acordo com cada nível, deve-se seguir as orientações e medidas que estão preestabelecidas no que diz respeito à sociedade em geral, ao setor privado, à gestão pública e à gestão da saúde. O problema é que existe pouca transparência no que diz respeito aos critérios adotados para a classificação dos riscos, ou seja, não é possível saber se as informações disponibilizadas condizem com a realidade. De acordo com  nota de pesquisadores da UFSC, de 22 de setembro de 2020, por exemplo, “a matriz de risco do estado de Santa Catarina precisava ser revisada para que pudesse fazer o diagnóstico mais adequado da situação e permitir ao gestor tomar decisões para suprimir a transmissão comunitária do vírus e reduzir o número de mortes e doentes”.

Além disso, também é possível observar a falta de informações sobre as mudanças feitas ao longo do tempo, na metodologia utilizada para a tomada de decisões. Vale ressaltar que é natural a necessidade de se fazer adaptações no decorrer do processo de combate à pandemia, uma vez que este se trata de um problema complexo que está sendo compreendido à medida que ocorre. Porém, é imprescindível que essas mudanças sejam comunicadas de forma transparente, o que não ocorreu em Santa Catarina.

Outro ponto a ser destacado sobre o “Mapa de Riscos” é que algumas das orientações e medidas preestabelecidas de acordo com cada nível de risco já não estão mais sendo seguidas por parte da gestão pública. Segundo o mecanismo, a Grande Florianópolis apresenta, no dia 20 de agosto de 2021, o nível de risco alto. E uma das orientações previstas para tomada de decisão nesse caso é a suspensão das aulas presenciais do ensino infantil, fundamental e médio, o que não condiz com a realidade. Pois conforme a notícia do ND+, no dia 18 de fevereiro de 2021, quando grande parte do estado encontrava-se em nível de risco gravíssimo,  mais de 500 mil alunos voltaram às aulas presenciais em Santa Catarina, contrariando as medidas de restrição preestabelecidas na matriz de risco e gerando dúvidas sobre a utilidade da mesma.

Portanto, o principal portal de divulgação de dados e informações sobre a pandemia e seus desdobramentos não atende às necessidades da população, uma vez que não disponibiliza todas as informações necessárias para que se possa fiscalizar e questionar as ações dos agentes públicos.

Em decorrência disso, o perfil pessoal do governador de Santa Catarina, Carlos Moisés,  nas mídias sociais tornou-se um dos principais meios para que a população pudesse se manter informada e atualizada sobre o tema. Algo que se observa também em vários outros estados e municípios brasileiros, sobretudo em relação às notícias sobre vacinação.

Por um lado, isso é positivo porque, atualmente, as redes sociais possuem um alcance muito maior do que os sites institucionais, porém o ideal seria que essas informações fossem disponibilizadas no perfil oficial do estado, por exemplo, e não no perfil pessoal do governador. Pois o fato de o perfil pessoal ser mais utilizado para fornecer informações sobre a pandemia do que o próprio perfil oficial do estado pode ser visto como um conflito de interesses, em que não se sabe se a intenção prioritária é atender à demanda da população ou promover a imagem política do governante, principalmente quando as informações são quase que exclusivamente sobre vacinação.

O Caso do Espírito Santo

O Espírito Santo criou o Painel COVID-19, que está disponibilizado no portal “coronavirus.es.gov.br”, que se tornou um mecanismo bastante completo e interativo contendo diversos dados relacionados à pandemia. O painel, conforme Figura 4, é apresentado na homepage do portal e através dele é possível ver informações como o número de casos confirmados, casos suspeitos, testes realizados, casos notificados, casos descartados, óbitos e curados. Além disso, a ferramenta possui a opção de escolher as informações de acordo com a necessidade através de filtros que incluem região, município, evolução da doença, raça/cor, profissionais da saúde, PCD e PCR. Vale ressaltar que no portal de Santa Catarina sobre a pandemia é possível encontrar algumas dessas informações, como os números de casos, óbitos e leitos, porém não com a mesma facilidade. É preciso clicar  na aba “Transparência”, depois em “Painéis” e então escolher o painel desejado que vai ser aberto em outra página.

Figura 4: Painel COVID-19 ES

Fonte: Painel COVID-19 ES (2021)

Por meio do portal “coronavirus.es.gov.br”, são divulgados ainda painéis com dados sobre o isolamento social, a ocupação de leitos, a distribuição e a aplicação das doses da vacina. O site apresenta de maneira simples e direta o que é a doença, quais são seus sintomas, como ocorre a transmissão, quais os métodos de prevenção e notícias sobre o tema. Também são disponibilizados um guia de perguntas e respostas sobre medidas restritivas para os municípios classificados nos níveis de risco baixo, moderado, alto e extremo. E uma cartilha com as medidas econômicas tomadas pelo estado para enfrentamento da pandemia. Assim como no portal de Santa Catarina, no qual também é possível encontrar essas informações.

Com relação à matriz de risco, o site apresenta um mapa com o nível de risco de cada município, um instrutivo de cálculo da matriz de risco e uma cartilha sobre a estratégia de mapeamento de risco que contém informações detalhadas sobre a metodologia de classificação dos riscos e as medidas a serem tomadas pelo estado e municípios de acordo com o nível de risco.

Outro mecanismo utilizado na comunicação de risco do estado são as mídias sociais (facebook, instagram e twitter) do Governo do Espírito Santo, onde são divulgados os serviços que estão dispostos no portal institucional citado. Especificamente no instagram, o perfil do governo disponibiliza uma série de links para a população. Alguns desses links direcionam à agendamentos da vacina de COVID-19 (por município), agendamento de testes PCR, aos sites institucionais, dentre outros.

Em seu perfil pessoal, o governador do estado Renato Casagrande compartilha suas ações no governo de forma geral, mas as informações específicas de interesse da população no que diz respeito à pandemia são mais divulgadas no perfil institucional do governo e, principalmente, no site “coronavirus.es.gov.br”.

Considerações finais

Em relação às medidas de enfrentamento da COVID-19, vemos diferenças significativas entre os entes federativos, como visto nos casos de Santa Catarina e Espírito Santo. Os estados e municípios possuem autonomia para tomar diversas decisões relacionadas à pandemia, consequentemente, foi possível criar diferentes abordagens de enfrentamento, o que resultou na discrepância entre os entes federados no que diz respeito às medidas de prevenção e mitigação da doença.

O Espírito Santo, como supracitado, está em primeiro lugar no ranking da transparência ao combate da COVID-19, isso se explica por iniciativas que o governo adotou para repassar os dados à população. As formas de informar são focadas nos perfis institucionais do governo, com o intuito de gerar credibilidade na prestação de serviços e confiança na veracidade dos dados direcionados à população. O estado já possuía um histórico de boas práticas com relação à transparência de dados mesmo antes da pandemia, e isso pode ter contribuído para que a comunicação de risco se desse de maneira tão satisfatória.  

Em Santa Catarina, a principal ferramenta criada para a divulgação de informações sobre a pandemia apresenta algumas limitações e não supre a demanda da população de forma adequada, fazendo com que os principais meios de busca por informações sejam as mídias sociais, mais especificamente, o instagram do Governo SC e o twitter do governador, onde as publicações são voltadas sobretudo para a questão da vacinação e há pouca divulgação das ferramentas de acompanhamento e enfrentamento da pandemia que estão presentes no portal “coronavirus.sc.gov.br”. Isso pode contribuir para a falta de informação sobre a real situação que estamos vivendo e até causar uma falsa sensação de que a pandemia já não é mais um problema.

A análise da condução da pandemia nesses dois estados brasileiros possibilitou a conclusão de que a comunicação de riscos de modo mais ou menos abrangente, está fortemente relacionada à comunicação institucional ou às mídias sociais dos políticos. No Espírito Santo, essa comunicação é feita de maneira mais transparente, com informações detalhadas, de fácil acesso e compreensão. Já em Santa Catarina, a comunicação de riscos não acontece de forma tão satisfatória e o estado ainda tem muito a melhorar no sentido de transparência de dados relativos à pandemia.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Maria Eduarda Xavier Damásio, Ruan Carlos Tavares e Stefani Miguel Voss, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Marta Dulcélia G. Gestão de Riscos no Setor Público. Revista Controle – Doutrina e Artigos,  v.12 (2), p. 179-198, 2016. Disponível em: https://revistacontrole.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/110. Acesso em: 04 jun. 2021.

GOVERNO DE SANTA CATARINA. Coronavírus. 2021. Disponível em: https://www.coronavirus.sc.gov.br/. Acesso em: 20 ago. 2021.

GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO. Coronavírus. 2021. Disponível em: https://coronavirus.es.gov.br/. Acesso em: 20 ago. 2021.

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LOURENÇO, Milene Rocha; MARCHIORI, Marlene. A prática da comunicação de risco nas organizações. FACESI em Revista. Ano 4, v. 4 – ISSN 2177-6636. Londrina, 2012. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:hkUpsnKi7_0J:www.uel.br/grupo-estudo/gecorp/images/Artigo__A_Comunica%25C3%25A7%25C3%25A3o_de_Risco_nas_Organiza%25C3%25A7%25C3%25B5es_Facesi__em_Revista.pdf+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br  Acesso em: 28 jun. 2021.

MACHADO, Caetano. Pesquisadores propõem novo instrumento para análise de protocolos da Covid-19 em SC. 2020. Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/09/pesquisadores-propoem-novo-instrumento-para-analise-de-protocolos-da-covid-19-em-sc/. Acesso em: 20 ago. 2021.

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REDAÇÃO ND. Mais de 500 mil alunos voltam às aulas em Santa Catarina nesta quinta. 2021. Disponível em: https://ndmais.com.br/educacao/527-mil-alunos-voltarao-ao-ensino-presencial-em-sc/. Acesso em: 20 ago. 2021.

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