Coprodução na destinação de resíduos sólidos: o caso da primeira Escola Lixo Zero do Brasil

Por Bruna Teixeira Adriano*

A Escola de Ensino Básico Aldo Câmara da Silva, localizada no município de São José, Santa Catarina, conquistou no ano de 2019 o título de primeira escola Lixo Zero do Brasil. O conceito Lixo Zero consiste em estabelecer uma meta ética, econômica, eficiente e visionária para a redução de resíduos recicláveis e orgânicos por meio da mudança de hábitos e modos de vida dos envolvidos, de forma a incentivar ciclos mais sustentáveis. São pilares do conceito lixo zero os R’s: repensar, reutilizar; reduzir; reciclar (ILZB, 2022).

O tema dos resíduos sólidos entrou em pauta na Escola Aldo Câmara da Silva por meio da aula de português da turma do nono ano, quando a professora Fabiana Nogueira Caetano Mina propôs o assunto para trabalhar o gênero textual artigo de opinião, e tomou maiores proporções após a palestra proferida pelo presidente do Instituto Lixo Zero no Brasil, Rodrigo Sabatine. Era mês de maio e, nesta ocasião, Rodrigo lançou o desafio para a Escola reduzir 90% da produção de lixo até setembro do mesmo ano.

A professora Fabiana e os alunos aceitaram o desafio e foi dado início à transformação. A primeira ação foi a reunião organizada pelos próprios alunos para apresentar ao corpo docente a ideia desenvolvida nos seminários. Neste momento, inverteram-se os papéis, pois ali os alunos tinham muito a contribuir com o conhecimento adquirido após muitas pesquisas, além de poder expressar seu entusiasmo e inspiração. O projeto ultrapassou, portanto, as aulas de português e passou a ser o Projeto da Escola.

A próxima ação para o alcance da ousada meta foi conhecer o tamanho do desafio. Foi realizada a pesagem do lixo produzido pela Escola (Imagem 1). Os alunos, professores e servidores reuniram-se no pátio para descobrir que fora produzido no período de uma semana o total de 139 quilos e 400 gramas de lixo. Alguns sacos foram abertos, o que possibilitou a todos conhecerem a dimensão do problema e o estado do lixo após alguns dias em decomposição. A tomada de consciência de que aquilo era resíduo e que estava sendo enviado para aterro sanitário, enterrado e que ainda pagamos caro por isso, segundo os relatos retratados no documentário Geofilmes (2019), foi impactante.

Imagem 1 – Fotos do dia da pesagem do lixo

Fonte: Instagram Aldocamaradasilva, 2019.

Na sequência, foram criadas caixas de separação de resíduos e realizada uma intensa disseminação e construção de conhecimento. Nesta fase, constatou-se que a maior geração de resíduos era de orgânico, o que fez com que fosse necessário pensar em alternativas de compostagem. A professora de ciências Daniela Lemos Polla, com o envolvimento inicialmente dos alunos do sexto ano, orientou a criação e manutenção das composteiras.

Em julho, houve um grande desafio. A Escola iria promover a primeira festa junina com o propósito do lixo zero (Imagem 2). Foi priorizada a conscientização e orientação durante toda a festa. Orientação visual (cartazes) e oral (chamadas durantes as apresentações) foram utilizadas.  

Imagem 2 – Fotos do dia da festa junina

Fonte: Instagram Aldocamaradasilva, 2019.

A comunidade escolar comprovou estar comprometida com o propósito e o objetivo de uma festa lixo zero foi atingido. A partir de então, o Projeto foi ganhando maiores proporções, apareceu na mídia e foi apresentado pela professora Fabiana e alunos em um evento em Portugal. Em dezembro de 2019, a escola comemorou o reconhecimento de ser uma Escola Lixo Zero. Foram desviados dos aterros sanitários nesse ano, 94% dos resíduos produzidos. No ano de 2021, o percentual foi para 96%.

O que aprendemos sobre coprodução com a primeira escola lixo zero do Brasil?

O conceito de coprodução, proposto pela economista Elinor Ostrom e colegas pesquisadores, refere-se ao envolvimento dos cidadãos na produção de serviços, em conjunto com especialistas ou provedores regulares, públicos ou privados. A coprodução visa atender as necessidades coletivas no âmbito local, reduzindo custos governamentais e valorizando as capacidades dos cidadãos (SCHOMMER; TAVARES, 2017). A destinação de resíduos sólidos dada pela EEB Aldo Câmara da Silva analisada à luz desse conceito reflete como aprendizado principal que a coprodução é possível. Não que seja fácil, mas com engajamento e determinação, coproduzir para atingir o objetivo de ser um espaço lixo zero é possível.

A coprodução requer um amplo envolvimento e o fato de que nem sempre todas as pessoas estão no mesmo nível de engajamento é um desafio. Esta foi a maior dificuldade relatada pelos participantes do projeto. Houve muita resistência de servidores e professores. Foi preciso adaptações no processo, tentativas, avaliações e remodelagens. Os alunos, que estão mais abertos à aprendizagem, tendem a adaptar-se melhor a novas práticas. Para os professores e servidores, mudar hábitos cultivados há muitos anos, não foi uma tarefa fácil. A escola teve que passar por um processo de adaptação que requereu determinação e paciência de todos os envolvidos.

Os resultados no processo de coprodução nem sempre são imediatos e claramente perceptíveis. No caso estudado, as mudanças foram sendo percebidas ao longo do tempo. Aos poucos as latas de lixo não exauriam mais o mau cheiro, a equipe de limpeza começou a perceber uma redução do trabalho na organização das salas de aula e áreas comuns da escola. Foi percebido que dos resíduos era possível gerar valor econômico e social. O material separado e doado para associações de catadores virou oportunidade de renda e trabalho.

A coprodução entre alunos, servidores, professores e toda a comunidade escolar foi além de resultados estruturais, possibilitou transformação de hábitos, mudando a cultura e ultrapassando os limites da escola. Como relatado pela diretora Marciléia Izabel Pereira, antes do projeto a escola tinha constantes problemas de depredações, necessidade de pintura, lavação de carteiras e paredes, o que aumentava os gastos com material de limpeza, o tempo de trabalho das serventes e desgastes administrativos para atender a estes reparos. Após o projeto, os alunos reconheceram a escola como o seu lugar, assim como é a sua casa, o que refletiu em cuidado e zelo para com a escola.

A sensação de pertencimento, de autonomia, o desenvolvimento de habilidades como de articulação, de engajamento, de integração e de interação é algo difícil de mensurar, mas que foi sentido por todos da escola. Para a professora Fabiana, a principal contribuição do projeto, e que podemos levar para a reflexão da coprodução do bem público, é o despertar em cada um do senso coletivo. É reconhecer que cuidar de uma pequena parte é cuidar de toda parte.  É ajudar o sujeito a reconhecer seu lugar e seu papel na sociedade.

* Texto elaborado por Bruna Teixeira, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

Referências:

GEOFILMES. A revolução começa aqui – A 1ª Escola Lixo Zero do Brasil – documentário completo. 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=v8__t451bSc&t=2728s

ILZB – Instituto Lixo Zero. Conceito Lixo Zero. Disponível em: https://ilzb.org/conceito-lixo-zero/

SCHOMMER, P. C.; TAVARES, A. O. Gestão Social e Coprodução de Serviços Públicos. Curso gestão social / concepção e coordenação geral, Cliff Villar; organizadores de conteúdo; João Martins de Oliveira Neto e Jeová Torres Silva Júnior. – Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha/UANE/BID/STDS-Ce, 2017. 288.