Cidadania, Interesse Público e os Protestos de 2015

* Por Guilherme dos Santos Murara


No dia 15 de março de 2015, milhares de cidadãos estiveram nas ruas brasileiras demonstrando descontentamento com o governo. Articulados por meio da internet e das redes sociais, o movimento não levantava bandeiras partidárias ou uma causa específica, consistia em uma ampla gama de descontentamentos. Diversas foram as interpretações e visões acerca deste movimento. Há quem pense que esse clamor seja “golpismo” para influenciar a retirada da presidenta eleita em 2014; em contrapartida, há quem pense que a retirada faz parte da democracia e, assim, o mesmo povo que elege uma governante tem o poder para destituí-la. Sem entrar neste mérito, o que fica evidente é uma sociedade buscando mudanças.
A opinião dos cidadãos geralmente não é levada em consideração pela Administração Pública. Há uma dependência dos governos pelos experts que indicam e orientam os caminhos a serem seguidos. Não é possível afirmar que o norte sugerido pelos experts reflete o que a sociedade almeja. As decisões e as políticas públicas, desde sua definição até sua implementação, caminhariam em direção ao interesse público se houvesse o envolvimento da sociedade, e das organizações que compõem o seu tecido, por meio do compartilhamento de valores.
O envolvimento da sociedade nas políticas públicas é tarefa difícil de realizar. As pessoas sentem que não possuem tempo necessário para trabalhar a democracia. O Estado, então, deve ser um fomentador e facilitador dessa participação, pois ele é o meio para o alcance dos valores compartilhados pela sociedade. O desafio então passa pelo envolvimento dessa sociedade para a definição desses valores e do interesse público a ser perseguido. Vale ressaltar que entre os cidadãos e o governo é necessário que exista um ambiente saudável e ativo de instituições mediadoras, pois isso possibilita foco aos interesses dos cidadãos e prepara os mesmos para o exercício político.
A administração pública deve ser capaz de encorajar mais pessoas a preencher suas responsabilidades com o que é público. Ao mesmo tempo, é necessário que a administração seja sensível para escutar as demandas dos cidadãos. O governo trabalha para servir aos cidadãos, dessa forma, nosso papel não é apenas pagar impostos e receber o serviço, como se meros consumidores fossemos. O cidadão tem como papel olhar para além do autointeresse, é preciso enxergar o interesse público. O governo também deve trabalhar para desenvolver essa capacidade de olhar nos cidadãos.
Este é o momento de refletirmos em sociedade o nosso papel e o papel do governo. Os protestos demonstram que o sistema democrático representativo brasileiro está fracassando. O cidadão busca mudanças, e esse, no meu ponto de vista, deve ser o momento de ouvir os anseios e envolver os cidadãos efetivamente nas políticas e nos serviços públicos. É necessário o diálogo e o engajamento com os cidadãos para compartilhar os valores e interesses comuns. Cada um tem seu papel nesse momento, cada um deve fazer sua parte, seja por meio dos movimentos sociais, empresas, administração pública. Além das vozes nas manifestações, a sociedade necessita também de mais mãos executando.

* Guilherme dos Santos Murara é graduado em administração pública pela Udesc/Esag, especialista em gestão pública pela UFSC; atua como assessor executivo na Fundação Catarinense de Assistência Social, FUCAS, em Florianópolis.

** O texto foi produzido por Guilherme dos Santos Murara no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, no mestrado acadêmico em Administração, na Udesc/Esag.

*** Bibliografia relacionada, sobre interesse público: 
DENHARDT, Janet V.; DENHARDT, Robert B. The New Public Service: Serving, not Steering. New York: M.E. Sharpe, 2007. 

O Novo Serviço Público – um Outro Olhar para a Cidadania

Por Denise Regina Struecker*


     Vivemos tempos de franco descontentamento e sensível quebra de confiança entre cidadãos e agentes políticos. Muito embora as manifestações populares ocorridas recentemente tenham diferentes motivações ou, não raras vezes, demonstrem uma insatisfação difusa, sem bandeiras específicas, o fato é que o momento exige ouvir a voz das ruas e refletir sobre os caminhos da governança. 
      De início, podemos constatar a ânsia da sociedade por um espaço de comunicação com os poderes instituídos. Essa demanda vem crescendo nos últimos anos, e não se limita ao nosso país; é um sinal de que a democracia representativa não consegue, sozinha, traduzir plenamente os anseios da população e atingir as soluções que melhor atendam o interesse público. Pelo contrário, não raro se verifica total descompasso entre a vontade popular e as movimentações políticas. 
      Colocada essa dissonância entre representantes eleitos e população, basta um rápido olhar sobre a situação para concordar com Denhardt e Denhardt (2007, p. 50)[1], quando afirmam que “a atual configuração institucional é hostil à participação cidadã” e que “o fosso entre os líderes e os cidadãos parece substancialmente maior do que antes”. Vários fatores contribuem para reforçar os obstáculos que separam os cidadãos do governo, e somente em casos pontuais se vislumbra a tentativa honesta de diálogo com a sociedade. 
   
     O Novo Serviço Público vem trazer algumas luzes sobre essas questões, como modelo de administração pública que aponta um caminho alternativo, baseado na aproximação e cooperação entre servidores públicos e cidadãos. De acordo com essa visão, baseada nos valores democráticos e humanistas, o cidadão é protagonista e participa da tomada de decisões, auxiliado pelos administradores públicos, que assumem o papel de facilitadores dessa interação. 
     Contudo, merece destaque a necessidade de uma mudança na postura de todos os atores sociais para superar comportamentos historicamente arraigados. Primeiramente, há que se ter vontade política. Cabe às autoridades governantes, altos gestores e legisladores, em todas as esferas, a sensibilidade, coragem e iniciativa de incluir a participação social na formulação, acompanhamento e execução das políticas públicas. Nota-se que aqui reside um dos pontos mais sensíveis dessa evolução: ao compartilhar informações e a própria tomada de decisão, estamos tratando de redistribuição de poder. Um exemplo da resistência à ampliação da participação da sociedade foi a derrota do governo na tentativa de implantação da Política Nacional de Participação Social, rechaçada firmemente pelo Poder Legislativo, por entender que invadia suas prerrogativas constitucionais[2]. 
     A mudança de atitude somente será possível se a participação cidadã for encarada não apenas como um direito, mas sim como uma oportunidade de conferir maior efetividade às ações e serviços públicos. Ainda, depende da percepção que o cidadão não vai fazer as vezes do representante eleito, mas sim construir em parceria as ações que irão melhor atender o interesse público, inclusive coproduzindo bens e serviços públicos. 
     De outro lado, os servidores públicos foram por muito tempo moldados pela burocracia instituída – deles apenas era esperado o cumprimento de tarefas e normas, a submissão à hierarquia e a especialização em sua área. Esse modelo, em maior ou menor nível, tende a gerar alienação e manter o sistema fechado ao ambiente externo. Todavia, a partir do novo paradigma de Administração Pública, o servidor público passa a ter o papel de reconstruir os laços de confiança entre a sociedade e o governo e de ser facilitador desse diálogo. 
     Há que se considerar que não é uma transição fácil. O perfil emergente vai solicitar competência para incentivar a participação da sociedade, para a escuta e mediação de conflitos, inclusive, e o sucesso das iniciativas vai depender – e muito – da forma como serão conduzidas. Apesar de o novo papel ser um campo fértil para o servidor resgatar seus próprios valores de cidadão e, consequentemente, para a auto-realização, faz-se necessária sua sensibilização e capacitação para as novas habilidades que serão exigidas. Aqui, novamente é imprescindível a participação dos gestores públicos, propiciando condições institucionais para que esse desenvolvimento ocorra. 
   
     Por fim, mas não menos importante, percebe-se que os cidadãos ainda se reconhecem mais como consumidores e/ou titulares de direitos do que como agentes ativos dos processos político-administrativos. Em geral, as necessidades buscadas representam interesses eminentemente privados, e nessa visão o único papel do cidadão é exigir a boa prestação do serviço ao qual tem direito, como em uma relação de mercado. 
     À postura crítica dos cidadãos em relação aos governantes, nem sempre corresponde o comprometimento pessoal com a coletividade, mesmo em pequenas ações cotidianas. Faz-se indispensável um resgate da cidadania democrática, assim considerada a participação ativa voltada a valores e objetivos comuns, e o reconhecimento da necessária coexistência equilibrada de diversos interesses. Os cidadãos envolvendo-se na construção do bem público, não apenas com suas vozes, mas também com suas mãos, seus recursos, suas capacidades plenas. 
     Trata-se a cidadania, portanto, de um processo de aprendizagem coletiva. Somente a interação dos atores sociais e o firme compromisso com a consecução do interesse público pode levar a uma nova etapa da Administração Pública. Sendo as necessidades mais complexas, apenas o somatório de esforços e a valorização da contribuição dos cidadãos, com seus saberes cotidianos, irá atingir os resultados esperados pela sociedade. 
* Texto produzido pela mestranda Denise Regina Struecker, do Programa de Pós-graduação em Administração da Udesc/Esag e do grupo de pesquisa Politeia, no contexto da disciplina de mestrado Coprodução do Bem Público, ministrada pela professora Paula Chies Schommer. 
[1] DENHARDT, Janet V.; DENHARDT, Robert B. The New Public Service: Serving, not Steering. New York: M.E. Sharpe, 2007.

Pesquisa mostra que mais de 50% dos eleitores de SC estão pouco interessados nas Eleições

No dia 01 de setembro, uma reportagem do RBS Notícias trouxe à tona uma discussão sobre o (des)interesse dos catarinenses nas eleições e sua lembrança (ou esquecimento) do voto na última eleição. 
A reportagem contou com entrevista aos professores e pesquisadores do Grupo de Pesquisa Politeia, Enio Luiz Spaniol e Paula Chies Schommer, na sala do grupo.
Confira a reportagem:

Felicidade é Caminhar e Andar de Bicicleta

*Por Enio Luiz Spaniol
Em Fronteiras do Pensamento
Enrique Penãlosa de Bogotá: Felicidade é caminhar e andar de bicicleta.
As calçadas são os elementos mais importantes da estrutura democrática das cidades.”
O direito de estacionar não está previsto na Constituição.
Um ônibus transportando 80 pessoas, num processo democrático, tem direito de ocupar o espaço de 80 carros particulares.”
Estas são algumas frases de efeito pronunciadas pelo ex-Prefeito de Bogotá, o urbanista Enrique Peñalosa, em palestra proferida na Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC), nesta segunda-feira a noite, dia 7, em Fronteiras de Pensamento, sob o título “uma cidade mais sustentável”. Ele foi prefeito de Bogotá, entre 1998 e 2001, implantando um sistema de transporte coletivo que hoje é considerado modelo. O ex-prefeito resolveu o problema do trânsito da cidade sem alargar avenidas, mas construindo 350 km de ciclovias e calçadas largas e com a proibição de que os carros estacionassem nas ruas. Enrique preside atualmente o Institute for Transportation and Development Policy (ITDP), ONG norte-americana que presta assistência técnica no desenvolvimento de meios de transporte sustentáveis na Ásia, África e Américas. Estudou Economia e História na Duke University, na Carolina do Norte (EUA) e fez Doutorado em Administração Pública na Universidade de Paris II, França.
Enrique Penãlosa: Ex-Prefeito de Bogotá
Ele disse também, em sua palestra em Florianópolis, que felicidade é caminhar; necessitamos caminhar; caminhar é um prazer. Por isso, urge organizar nossas cidades para a mobilidade das pessoas com calçadas largas e desobstruídas e ciclovias protegidas.
Na crítica que fez às cidades atuais, destacou que se tem a impressão de que as cidades foram feitas para os carros e não para as pessoas. Constroem-se mais autopistas, que são perigosas e não resolvem os engarrafamentos. Pelo contrário, aumentam os mesmos. Construir mais pistas rápidas para veículos com a finalidade de resolver os problemas dos engarrafamentos é como querer apagar o fogo com gasolina, disse o ex-prefeito.
Nesta mesma linha de raciocínio crítico, na busca do entendimento das raízes do problema urbano, relatou que a proposição de construir mais pontes em cidades banhadas com água, para solucionar os problemas de engarrafamento, deve ser motivo de internação do proponente em manicômio e não de atendimento do pedido. Quanto mais autopistas e mais espaços de estacionamento tivermos nas cidades, maiores serão os engarrafamentos.
Outra expressão crítica feita por Peñalosa foi de que usar os shoppings para encontros de lazer é sinal de enfermidade. Disse que os shoppings não são causa, são a consequência.
Em sua palestra mostrou algumas fotos e apontou contradições da estrutura urbanística de Florianópolis. Sugeriu que não se podem ter autopistas perto da água – rios e mar – pois esta riqueza natural deve ser melhor preservada. Propôs grandes calçadas, árvores e muita luz. Uma proposta radical que solucionaria grande parte de nossos problemas de mobilidade em Florianópolis seria faixas exclusivas para ônibus, de acordo com Peñalosa. A foto da democracia seria o ônibus ou o trem transitando livremente e com rapidez em sua faixa exclusiva, enquanto os carros particulares estariam engarrafados em suas pistas. E para sustentar seu argumento, apresentou a aritmética da equivalência entre fixas de ônibus e de carros particulares: uma faixa de ônibus corresponde a 70 faixas de carros individuais.
Foi insistente em duas questões óbvias: ciclovias em maior quantidade, mais espaçosas e mais seguras; e calçadas largas e arborizadas para os pedestres. E, por fim, também propôs, por imagem animada, a cidade de Florianópolis tendo alternadamente uma via para veículos e uma via para ciclistas e pedestres. Assim, a metade das ruas de Florianópolis seriam para ciclistas e pedestres e a outra metade para veículos. Implantar esta forma de mobilidade urbana é uma questão política, não é técnica de engenharia, de acordo com o ex-Prefeito de Bogotá.
O encontro, conduzido por Renato Igor, teve como um dos debatedores o Secretário municipal de Desenvolvimento Urbano e Superintendente do IPUF, Dalmo Vieira Filho. Houve muitas perguntas do auditório da FIESC, que estava lotado e aplaudiu por diversas vezes o ex-Prefeito de capital da Colômbia.

Espero que Florianópolis aprenda com esta experiência. As nossas pesquisas apontam caminhos similares. Os interesses econômicos privados e intensamente controladores precisam de rupturas. Só assim poderemos pensar e pesquisar com mais liberdade; andar a pé e de bicicleta e sermos, quem sabe, mais felizes.
*Enio Luiz Spaniol é Professor de Sociologia no Curso de Administração Pública da UDESC/ESAG. e Pesquisador do Grupo Politeia.

Independência e Democracia

* Por Jeferson Dahmer

Está cada vez mais evidente para a sociedade que a Independência do Brasil, o famoso grito do Ipiranga, em 07 de setembro de 1822, não reverbera como força articuladora de um ideal de país. É mais do que claro que aquele foi um ato liderado e conduzido pela aristocracia da época, sem um devido envolvimento da população. Se o espírito da independência realmente estivesse consolidado, as bases da nossa democracia não estariam asseguradas?

Foto: Mariana Brochado

A onda de mobilizações que tomou conta do país clamando por mudanças, recebe hoje diversas interpretações, significações, distorções, análises científicas e ideológicas. Entretanto, muitos têm concordado que elas são uma crítica e uma resposta à falência do nosso modelo representativo de governo. Com isso, não afirmo que há ares de tomada do poder do Estado pelos que estão nas ruas. Esse é um discurso ultrapassado. O construir, com participação, começa a despontar no horizonte e a ser reconhecido pelo próprio governo como essencial a tomada de decisão e ideal para o fortalecimento democrático.

O cenário atual é desafiador, dinâmico, muda rapidamente. Há dificuldade por parte dos governos em compreender as dinâmicas da sociedade, o momento é de crise das instituições, pelo menos da forma como as conhecemos hoje, hierarquizada, normativa e fechada em uma torre de marfim, certa de que suas convicções dão a tônica das respostas a todos os problemas. Negar-se a reconhecer que a época é de mudança, que a lógica disseminada de ação está em declínio é persistir na sucessão de erros históricos que nos trouxe até os grandes problemas e dilemas da vida moderna. Nesse contexto, continuaremos a perpetuar o eco cansado de um sete de setembro que nos deixa um legado cultural carregado de controvérsias, mas que é fato consumado? Por estar consumado, não significa que não possamos ter outra possibilidade de futuro. A democracia começa a tomar corpo quando a sociedade começa a entender de democracia e a se interessar novamente pela política. Esse talvez seja o primeiro passo rumo ao futuro.

Algumas lições sobre a democracia podem ser compreendidas a partir do legado de Thomas Jefferson. Em Notes of Virginia ele declarou: “Em todo governo na terra, há um vestígio de fraqueza humana, um germe de corrupção e degeneração, que a astúcia vai descobrir e a maldade vai insensivelmente desenvolver, cultivar e aperfeiçoar. Todo governo degenera, se confiado tão somente aos governantes do povo. Assim, o próprio povo é o seu único depositário seguro. E, para torná-lo ainda mais seguro, a mente do povo deve ser aperfeiçoada […].’
Portanto, façamos nossa parte. A nossa real e sólida independência depende do exercício da política por cada um de nós. Esse é o grito que poderá garantir a verdadeira independência do país. Fazer política é a atividade mais nobre de um cidadão ao atuar na esfera pública, participando da vida da cidade, estando ele nos governos, nas empresas, nas organizações e nos movimentos sociais. Estas são apenas reflexões e não respostas, pois a mudança só acontece quando somos capazes de refletir sobre o mundo que nos cerca, sobre as contradições que nos rodeiam. Fazendo a necessária critica ao presente, a partir do legado de nosso passado é que, talvez, possamos chegar à possibilidade objetiva de um futuro democrático e independente.

*Mestrando – Programa de Pós-Graduação em Administração. Área de Concentração: Administração Pública e Sociedade.

De a “Bola da Vez” para a maior “Arquibancada do Brasil”

* Por Jeferson Dahmer
O histórico 17 de Junho de 2013 mostrou ao Brasil e aos seus representantes políticos que a pátria não estava adormecida. Outras manifestações aconteceram em anos recentes com pautas distintas, sem muitas vezes o impacto significativo que aconteceu ontem. Muitas lutas dos movimentos contra a corrupção, a má qualidade dos serviços públicos, a ineficiência na aplicação dos recursos, contra os preconceitos de raça, gênero e opção sexual. Enfim, pautas manifestadas de forma isolada nos últimos anos, ontem gigantemente se encontraram nas diversas capitais brasileiras e extrapolaram as fronteiras do nosso país, clamando por mudança.
Para os governantes é fácil dizer que “estão perplexos”, que “não compreendem” a pauta política do movimento. Se não são capazes de compreender é porque a muito se “esqueceram” (e aí interprete como quiser) de olhar para a sociedade, de enxergar às reais dificuldades com que cada cidadão brasileiro constrói esse país cotidianamente. Da empregada doméstica que pega um ônibus lotado todos os dias para fazer o sustento de sua família até nossos empresários que sofrem com alta carga tributária do país, passando por tantas outras realidades é que agora essas pautas se encontram, se transversalizam e nos querem mostrar a falência do nosso modelo de democracia representativa.
Vamos, portanto, acabar com o Estado? Com os mecanismos de participação que já existem? Com tudo que já se construiu e começar algo novo? NÃO. A falência do modelo nos mostra que devemos refletir e repensar as suas bases, a questão não é acabar com ele. Na noite de ontem, os manifestantes não invadiram o Congresso Nacional, apenas ocuparam um espaço que sempre foi e sempre será seu. Estar insatisfeito com a atual situação econômica do país, com a falta de transparência, contra os abusos de diversas comissões, contra os escândalos de corrupção, contra a falta de condições dignas de saúde e EDUCAÇÃO, contra os exorbitantes gastos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas e, principalmente, com relação à falta de perspectivas quanto a um futuro promissor por parte dos jovens que acreditam na força da democracia e da cidadania é que levaram milhares a resgatar o Congresso e simbolicamente nas ruas do país dizer aos nossos Governantes e ao Povo Brasileiro que a hora da mudança chegou, que a pauta pode até ser difusa, mas sua contribuição maior é colocar o Brasil no rumo certo.
A “bola da vez” era vendida aqui e vista lá fora. Ontem se deu uma resposta contundente da “maior arquibancada do Brasil” da situação como ela realmente é. Colocou-se para fora a insatisfação com questões econômicas, sociais, estruturais, o descrédito em relação ao futuro, mas acima de tudo a vontade de todo brasileiro de ser vencedor, de por amor a sua pátria dizer que um novo Brasil é possível, com cidadãos dizendo o que querem e o que deve ser feito, e o que os cidadãos querem não é apenas manifestar sua opção a cada quatro anos, é também ser responsável e controlador social da riqueza nacional, que tem escoado tão facilmente pelo ralo da corrupção e da ineficiência do gasto e na entrega dos serviços. Talvez esse seja o primeiro passo, mas é o passo mais importante que foi dado depois da democratização e da queda de Collor. A empolgação é imensa e espera-se que a partir de agora as questões políticas do país estejam SEMPRE sob a supervisão de um cidadão vigilante quanto ao seu futuro.
Como estudioso da Administração Pública, muito tenho a apreender com tais lições. Não concordo com algumas posturas, como a depredação do patrimônio público, mas já está claro que isso é fruto de uma minoria. Embora pense que sempre é uma contradição, afinal, quando é Carnaval, urinar em estátua, pular em praças históricas, etc., parece não ser depredação, pois em Carnaval tudo é permitido. E como a mídia adora mostrar isso! O pacifismo das caminhadas de ontem é muito mais simbólico e contagiante para as pessoas do que o sensacionalismo que está sendo mostrado. Entretanto já melhoraram as abordagens no decorrer da semana (Muito bom, ver Arnaldo Jabor se desculpando)!
Não concordo com passe livre, pois de alguma rubrica esse dinheiro vai sair! Talvez do investimento em saúde e educação, acho isso inviável. O caminho é abrir as caixas-pretas do transporte e não colocar o lucro dos empresários acima do acesso a um transporte público de qualidade. É a velha história, o interesse privado sobrepondo-se ao interesse público.
Outra coisa que me impressionou bastante foi a capilaridade da articulação dos movimentos, as mídias sociais estão aí e se alguém tinha alguma dúvida sobre seu potencial mobilizatório e de um espaço livre de manipulação, a organização deste movimento nos trouxe algumas lições. Ali todas as opiniões podem ser vistas e você tem então a possibilidade de compreender melhor as coisas, o caso está aí para ser analisado. Ontem, passei a noite em claro acompanhando os vídeos, as mensagens, os apoios que pipocavam por todo o país, compartilhadas instantaneamente, possibilitando uma injeção de ânimo, de euforia que nos fazia participar pelo curtir e compartilhar (não o ato em si, mas o simbolismo e contribuição que isso representava naquele momento), mesmo não estando nas ruas.

Temos agora a possibilidade de transformar, a hora é agora. Da “maior arquibancada do Brasil” para as instituições públicas, para as organizações não governamentais, para as empresas, com ética, responsabilidade e respeito construir projetos políticos que contribuam para essa transformação. Mudar a lógica da política pública, dos gabinetes governamentais para a formação de agendas com as cidades e com a participação popular. Vamos utilizar e melhorar os canais já existentes. Vamos aderir aos movimentos que pedem por melhorias, que lutam contra abusos, contra irresponsabilidades, que querem um Brasil melhor. Somente assim seremos “a bola da vez” e poderemos comemorar com nossos atletas em campo em 2014 e 2016.