Governo aberto e coprodução como mecanismos para o aprimoramento dos serviços públicos

Por Monyze Weber, Júlia Merlo, Ana Cláudia Savoldi, Renan Berka*

Após três décadas de avanços em participação cidadã, transparência da gestão pública e ampliação do acesso e da qualidade de serviços públicos, o Brasil e seus entes federados vêm enfrentando desafios para manter e ampliar conquistas nessas áreas.

Estudo conduzido por Michener, Contreras e Niskier (2018) sobre a implementação da Lei n. 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, LAI (BRASIL, 2011), evidencia que há muitos avanços em transparência no Brasil, porém os “políticos estaduais e municipais majoritariamente valorizam a opacidade em detrimento da transparência”(MICHENER; CONTRERAS; NISKIER, 2018, p. 613).

A transparência é “um importante instrumento da democracia e, ao passo que reduz os segredos de Estado, amplia o exercício da cidadania, enquanto a cultura do segredo, de forma inversa, fragiliza a democracia” (OLIVEIRA; PFAFFENSELLER; PODESTÁ JÚNIOR, 2019, p. 61). Para que a transparência se consolide, é necessário que se torne algo valorizado pelos cidadãos e pelos agentes públicos, e que o Estado e seus parceiros implementem mecanismos e instrumentos de transparência, acesso a dados e informações, uma vez que

[…] A diminuição da opacidade administrativa propicia maior possibilidade de conhecimento do cidadão sobre a res pública. Com a informação disponível e clara sobre o ente público, o cidadão pode controlar os atos da Administração Pública e estar mais preparado para exercer seu direito de participação (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS, 2010, p. 50)

Uma importante iniciativa em relação a esse tema é o fomento da política pública de governo aberto. A Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) foi lançada em 2011 com o objetivo de difundir e incentivar, globalmente, práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social (OGP, 2011). Em 2016, a OGP lançou o “Programa Piloto de Governos Subnacionais”, envolvendo 15 participantes, entre eles, a Prefeitura de São Paulo. Já Santa Catarina foi o primeiro estado brasileiro a integrar a OGP, na edição lançada em 2020.

A OGP, além de favorecer valores e práticas democráticas, parte do reconhecimento de que os problemas complexos da atualidade não podem ser resolvidos apenas pelos governos. Cidadãos, organizações da sociedade civil, academia e empresas privadas podem ser parceiros na busca de soluções para os problemas públicos. O cidadão não é apenas contribuinte, beneficiário de uma política ou usuário de um serviço, é também alguém que pode participar da ampliação do acesso e da qualidade dos serviços públicos (FREITAS; DACORSO, 2014).

Além de mecanismos e iniciativas que fomentem a transparência e a participação social, cabe fomentar o envolvimento de servidores e gestores dos órgãos e entidades do poder público. Essas iniciativas inovadoras muitas vezes não são “políticas legalmente implementadas” ou “não constam em lei”. Ainda que haja previsões legais, é necessário engajamento e construção de uma cultura de governo aberto à interação com os cidadãos.

Sobre mudanças e o contato com o novo, Feitosa e Costa (2016, p. 2) dizem que “mudanças costumam trazer incertezas e turbulências no ambiente organizacional que podem gerar resistências decorrentes da retirada do indivíduo de uma situação conhecida para uma situação desconhecida, o que afeta o seu comprometimento para com a instituição”. Uma alternativa para lidar com os desafios de construir novas soluções e relações é a cocriação e a coprodução de serviços públicos, envolvendo diferentes atores no setor público e na sociedade. O trabalho conjunto é uma forma de minimizar o choque frente a realidades e desafios novos, compartilhando-se conhecimentos e recursos em rede, o que pode gerar novos modos de trabalhar e alcançar mais eficiência e legitimidade, com soluções mais ajustadas às necessidades e recursos existentes em cada contexto.

Uma iniciativa nesse sentido é a #ACT4delivery, organização sem fins lucrativos idealizada por uma rede de profissionais que identificaram a potencialidade de diferentes atores em coproduzir serviços públicos a partir da formação, pesquisa, aprendizagem e trabalho conjunto.

De acordo com Júnior (2016, p. 11), “o conceito de coprodução cria novos parâmetros para a entrega de serviços públicos que, até então, na visão tradicional do modelo de produção pública, deveriam ser produzidos exclusivamente por agentes públicos”. Diversos textos e autores abordam a coprodução como mecanismo e alternativas para diversos serviços. Esses e muitos outros exemplos mostram que uma prestação de serviços com qualidade e excelência pode vir por meio de parcerias.

A #ACT4delivery está desenvolvendo o curso “A Prática da Coprodução de Serviços Públicos e Accountability” o qual tem como finalidade mobilizar servidores públicos e organizações que estão resolvendo problemas complexos de provisão de serviços públicos que requerem a colaboração de múltiplos atores, ajudando a resolução de seus problemas por meio de ferramentas que os possibilitem entender como a coprodução tem potencial para a resoluções de diversos problemas.

As visões e abordagens dentro da administração pública tem mudado, incluindo novas formas de se ver o serviço público, bem como os mecanismos e formas de se relacionar e criar redes. Com elas, surge a oportunidade para que mais pessoas envolvidas com a administração pública reformulem modos de pensar a atuar, abrindo espaço para novos conhecimentos e metodologias como forma de aprimorar os processos já existentes.

Dentro dos governos, já existem muitos servidores e agentes que promovem mudanças e conexões, e percebem seu papel para alcançar patamares mais ousados em governo aberto e coprodução. Processos como o da OGP podem estimular conexões entre servidores públicos, internamente, e deles com organizações e pessoas fora dos governos, contribuindo para aprimorar a gestão e os serviços públicos. Para os céticos, vale conferir o Guia da OGP para céticos em governo aberto, que mostra resultados concretos e exemplos em várias áreas e países.

Embora já tenhamos muitos avanços em transparência e participação, ainda há muito o que avançar, desde meios para contrapor resistências internas de servidores, resistências de políticos à transparência e ameaças à democracia na atualidade. As iniciativas de parceria e coprodução, como as da ACT4delivery e da OGP junto ao governo de Santa Catarina e seus parceiros mostram que transparência, participação, abertura e colaboração são caminhos relevantes para construir pontes, relações e resultados.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Monyze Weber, Júlia Merlo, Ana Cláudia Savoldi e Renan Berka no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

BORGES JÚNIOR, José Martins. A coprodução de serviços públicos na perspectiva do cidadão: um estudo no distrito federal brasileiro. 2016. 73 f. Monografia (Especialização) – Curso de Administração, Departamento de Administração, Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/16019/1/2016_JoseMartinsBorgesJunior_tcc.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.

BRASIL. Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011. Dispõe sobre o acesso à informação –LAI. BRASIL. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 19 ago. 2021.

FEITOSA, Lívia Vanessa dos Santos; COSTA, Carlos Eugênio Silva da. Inovações no setor público: a resistência à mudança e o impacto causado no comportamento do indivíduo. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GESTÃO DE PROJETOS, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE, 5., 2016, São Paulo. Anais do V SINGEP. São Paulo: Singep, 2016. v. 5, p. 1-16. Disponível em: https://singep.org.br/5singep/resultado/191.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.

FILGUEIRAS, Fernando. Além da transparência: accountability e política da publicidade. Lua Nova : Revista de Cultura e Política, [S.L.], n. 84, p. 65-94, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/3Z88sCrZZbTrnKy5SW6j6MK/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.

FREITAS, Rony Klay Viana de; DACORSO, Antonio Luiz Rocha. Inovação aberta na gestão pública: análise do plano de ação brasileiro para a open government partnership. Revista de Administração Pública, [S.L.], v. 48, n. 4, p. 869-888, ago. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/WHwnb95TWysQcnCQjvtsF3B/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 19 ago. 2021.

MICHENER, Gregory; CONTRERAS, Evelyn; NISKIER, Irene. Da opacidade à transparência? Avaliando a Lei de Acesso à Informação no Brasil cinco anos depois. Revista de Administração Pública, [S.L.], v. 52, n. 4, p. 610-629, ago. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/xJVxcSMSQpQ5qvjBsV7z7ph/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 30 jun. 2021.

OPEN GOVERNMENT PARTNERSHIP (comp.). What’s in the 2020 Action Plans: Discover trends, promising commitments, and more from the latest round of OGP action plans. Disponível em: https://www.opengovpartnership.org/whats-in-the-2020-action-plans/. Acesso em: 12 jun. 2021.

OLIVEIRA, Alan Santos de; PFAFFENSELLER, Ana Claudia de Almeida; PODESTÁ JUNIOR, Arnaldo. Mecanismos de participação política, fiscalização e controle: o papel das ouvidorias e da lei de acesso à informação como instrumentos de comunicação governamental, transparência e publicidade. Revista Científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman, [s. l], v. 2, n. 2, p. 55-69, 2019. Disponível em: http://www.abonacional.org.br/files/revista-abo_2019_web.pdf. Acesso em: 23 jun. 2021.

VAZ, José Carlos; RIBEIRO, Manuella Maia; MATHEUS, Ricardo. DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS E SEUS IMPACTOS SOBRE OS CONCEITOS E PRÁTICAS DE TRANSPARÊNCIA NO BRASIL. Democracia e Interfaces Digitais para a Participação Pública, [s. l], v. 9, n. 1, p. 45-62, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/5111/3700. Acesso em: 20 ago. 2021

Como a alta nas queimadas na Amazônia se relaciona com accountability e qual é nossa responsabilidade individual?

Por Bruna Goulart, Eduarda Simão, Eduarda Vieira e Kariduana Justen​*

O desmatamento da Amazônia preocupa o Brasil e o mundo pelas alterações que pode gerar no funcionamento dos ecossistemas. Dentre os  impactos causados estão a estrutura e a fertilidade do solo na Amazônia e o ciclo hidrológico em diversas regiões do Brasil, afetando também a vida da fauna e flora e  a geração de gases do efeito estufa no planeta Terra (LEGNAIOLI, 2021)

Entre as causas do desmatamento estão a extração de madeira, a mineração, a grilagem de terras públicas e as atividades pecuárias e agropecuárias mal planejadas, pois existem técnicas de agropecuária que não danificam os solos e poderiam ser mais difundidas. Quanto aos fatores que agravam o desmatamento da Amazônia, pode-se ressaltar a impunidade de crimes ambientais e os retrocessos em políticas ambientais (LEGNAIOLI, 2021)

Outro ponto que chama a atenção é o ritmo e proporção que a destruição vem tomando. Entre 2008 e 2018, o desmatamento na Amazônia foi 170 vezes mais rápido do que aquele registrado na Mata Atlântica durante o Brasil Colônia. A perda foi acelerada entre 1990 e 2000, com média de 18,6 mil quilômetros quadrados desmatados por ano, e entre 2000 e 2010, com 19,1 mil quilômetros perdidos anualmente e 6 mil quilômetros quadrados entre 2012 e 2017 (LEGNAIOLI, 2021)

Com isso, sem o devido controle, a taxa de desmatamento poderá atingir patamares anuais entre 9.391 quilômetros quadrados e 13.789 quilômetros quadrados até 2027, se mantida a mesma relação histórica entre rebanho bovino e área total desmatada, considerando que a pecuária é um dos principais vetores de desmatamento na Amazônia e isso pode elevar o desmatamento a um estado irreversível (LEGNAIOLI, 2021).

O Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, durante a recente publicação do relatório da ONU, AR6 Climate Change 2021: The Physical Science Basis pelo Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, (AGÊNCIA BRASIL, 2021), classificou os dados contidos no documento publicado como um alerta vermelho para a humanidade, tendo em vista os diversos impactos negativos no meio-ambiente ocasionados pela ação predatória do homem. Segundo Guterres, os dados apresentados no relatório são “alarmes ensurdecedores: as emissões de gases de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e o desmatamento estão sufocando o nosso planeta”. Diante desta e de outras fontes de dados, não há negacionismo que se sustente frente à crise climática que enfrentamos. 

A legislação brasileira reconhece a necessidade de equilíbrio ambiental e a responsabilidade compartilhada, a começar pela Constituição Federal, que em seu art. 225 dispõe que: 

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). 

Nesse sentido, ressalta-se também a Política Nacional do Meio Ambiente, disposta pela Lei n. 6.938/81, cujo objetivo é evidenciar meios para que se concilie o desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e o equilíbrio ecológico. Dessa forma, tem-se de um lado todo um amparo legal que prevê mecanismos de preservação do meio ambiente, bem como ferramentas para responsabilização daqueles que se opõem à ideia primordial de se ter um ambiente ecologicamente equilibrado e, de outro, observa-se ações predatórias, que vem contribuindo para ampliar os  desequilíbrios.

Diante desse  cenário, cabe o questionamento do porquê um assunto tão importante e com uma legislação estabelecida ainda é um problema descontrolado. O que de certa forma nos parece não ser falta de ferramenta, mas sim omissão daqueles que deveriam assumir a responsabilidade de proteger o que é direito de todos.

Enquanto alguns atores buscam adotar medidas que mitiguem tais consequências negativas, como ocorre em países que buscam reduzir emissões de gases do efeito estufa e incentivar a agricultura orgânica – ainda que de forma não muito expressiva, como Austrália e Argentina, que têm respectivamente 2,93% e 0,5% da produção de orgânicos em sua fatia do total da terra agrícola – outros parecem ir na contramão. Nesse último caso, podemos citar o Brasil, que atualmente, no âmbito federal, vem apresentando significativos retrocessos, colocando a perder até mesmo pequenos avanços que já tivemos, como o próprio caso da aplicação de práticas mais sustentáveis quanto à produção agrícola, apresentando um índice de 0,27% da produção de orgânicos em  sua fatia do total da terra agrícola (BARBOSA, 2016).

A exemplo do problema que está se criando na atual gestão federal temos o corte no orçamento total do Ministério do Meio Ambiente para 2021, que foi de 35,4%, atinge em cheio justamente a área que Jair Bolsonaro, diante da desconfiança internacional, prometeu fortalecer durante seu discurso na Cúpula dos Líderes sobre o Clima (Pontes, 2021).

Em complemento a isso, nesse ano de 2021, o Ministério do Meio Ambiente teve o menor orçamento das últimas duas décadas. O orçamento previsto de R$ 1,72 bilhão para o Ministério e seus dois órgãos ambientais – o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) – funcionarem em 2021 implica na redução de 27,4% na verba para a fiscalização e combate a incêndios quando se comparado com o ano de 2020. Se tomar como base o ano de 2019, a diferença é ainda maior, chegando em uma redução de  34,5% (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2021).

Ademais, o Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais (INPE), está enfrentando grandes desafios, a saber: redução orçamentária, críticas e ataques vindos dos líderes do governo federal sobre os dados produzidos e reestruturação organizacional, dentre outros. A instituição tem um papel fundamental na accountability, pois, com imagens por satélite, realiza o monitoramento ambiental, com foco na Amazônia. Além disso, produz dados sobre o tema, levando mais transparência e informação sobre a realidade ambiental que o Brasil atravessa (ECYCLE, 2021).

Com a situação atual de desmanche que os órgãos ambientais como o Ibama e o do ICMBio enfrentam, bem como diante da descredibilização de instituições ligadas à temática ambiental como o INPE, as organizações da sociedade civil e mídia estão exercendo o papel de importantes instrumentos de accountability ao buscar responsabilizar e dar transparência aos fatos. 

Um exemplo é o Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira que tem por objetivo discutir mudanças climáticas. O observatório denuncia irregularidades e cortes orçamentários na gestão atual do governo federal em relação ao meio ambiente, além de cobrar a prestação de contas do mesmo.

Dito isso, as organizações da sociedade civil e a mídia são poderosos instrumentos de accountability, principalmente no momento que o Brasil vivencia. Dessa forma, o material divulgado por esses atores, como dados, relatórios e denúncias, entre outros, auxiliam a população a formar uma opinião sobre o tema e exercer o controle social. A partir desses dados a população pode exercer a cidadania e atuar em prol do meio ambiente, seja em seus hábitos cotidianos ou ao requisitar que políticos, desde município até União, sejam mais responsáveis pelos seus atos e omissões, afinal o planeta Terra já esperou demais.

Ainda que estejamos diante de uma situação complexa e urgente, certa dose de otimismo é necessária para construir a capacidade de mitigar os impactos que estão à nossa porta. Nas palavras de Guterres (AGÊNCIA BRASIL, 2021), “se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje indica claramente, não há tempo e não há lugar para desculpas”.

Seguindo essa linha, chamamos a atenção para que nós, como cidadãos detentores de direitos e deveres, sejamos  mais atuantes diante da situação ambiental que o país se encontra, cobrando de nossos representantes mais responsabilidade e seriedade. 

O dever de garantir um meio-ambiente equilibrado para todos não é uma atribuição única e exclusiva do Estado. Uma vez que tal dever recai também aos  cidadãos e à iniciativa privada, que apesar de depender do  lucro como máquina motora, não deve se eximir de suas responsabilidades.  Ao falar de meio ambiente, estamos tratando da fonte de vida e não de um mero discurso ideológico, sendo assim um dever coletivo prezar pela sua conservação.

Por fim, evidencia-se a importância de aumentar o número iniciativas que buscam o meio ambiente equilibrado, ademais as articular, coordenar seus esforços e monitorar seus resultados, em um processo cíclico de aperfeiçoamento contínuo. Cada um deve também assumir a responsabilidade dos seus atos, na medida que lhe cabe, entendendo que os impactos nocivos ao meio ambiente vão desde pequenos desleixos até eventos como grandes queimadas. 

Devemos pensar em mudança de hábitos. Há algum tempo, não havia tantos produtos certificados pela sua procedência. Hoje, sabendo onde comprar, podemos nos abastecer de produtos com impacto ambiental positivo e mudar radicalmente nossa forma de vida. E por que não aplicar isso às compras públicas? Por que não começar hoje a aplicar nas minhas compras? São questões para pensar, afinal o mercado está mudando para se adaptar a essa nova forma de consumir. 

É necessário que cada indivíduo tome desde pequenas atitudes, como reciclar o lixo da sua residência, até atitudes tidas como mais expressivas, como adotar um padrão de vida e de consumo mais sustentável. Ademais, a população deve exigir a accountability, a prestação de contas e exercer o controle social do poder público, chamando a atenção para que governantes, legisladores e demais agentes fiscalizadores cumpram seu dever de instrumentalizar e viabilizar as políticas públicas que vão ao encontro da preservação do lugar em que vivemos: a Terra.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Bruna Goulart, Eduarda Simão, Eduarda Vieira e Kariduana Justen, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

Agência Brasil. ONU: Relatório sobre o clima é alerta vermelho. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-08/onu-relatorio-sobre-clima-e-alerta-vermelho&sa=D&source=editors&ust=1629423381060000&usg=AOvVaw38nfv-cDhBf5GYbEreeMxd. Acesso em: 1 ago. 2021.

BARBOSA, Vanessa. Os 10 países com mais terra dedicada à agricultura orgânica. 2016. Disponível em: https://exame.com/economia/os-10-paises-artilheiros-em-agricultura-organica/. Acesso em: 23 ago. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 ago. 2021.

BRASIL. Lei Federal n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 18 ago. 2021.

BRASIL. Lei n. 6.938 de 1981: Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 18 ago. 2021.

ECYCLE. Inpe sob pressão. 2021. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/inpe-sob-pressao/. Acesso em: 23 ago. 2021.

LEGNAIOLI, Stela. Desmatamento da Amazônia: causas e como combatê-lo. 2021. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/desmatamento-da-amazonia/. Acesso em: 1 ago. 2021.

PONTES, Nádia. Corte de verba reforça desmonte da fiscalização ambiental no Brasil. 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/corte-de-verba-refor%C3%A7a-desmonte-da-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-ambiental-no-brasil/a-57327500. Acesso em: 1 ago. 2021.

The Intergovernmental Panel on Climate Change. AR6 Climate Change 2021: The Physical Science Basis. 2021. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/. Acesso em: 18 ago. 2021.

WERNECK, Felipe, et al. Passando a Boiada. São Paulo: Observatório do Clima, 2021. Disponível em: https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/01/Passando-a-boiada-1.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.

Transparência em Florianópolis e a Câmara de Vereadores: exemplos e perspectivas

Por Pedro Braga Montoya e Thaynná Machado Sene*

A transparência como guia da administração pública desponta como um dos temas mais importantes no cenário político contemporâneo. Já a accountability, ou a capacidade de prestar contas e ser responsabilizado por atos e omissões, costuma estar associada ao nível de transparência de um município, além de ser uma demonstração do grau de empenho dos gestores públicos em garantir que a população tenha efetivo acesso às informações públicas relevantes. A transparência contempla desde dados funcionais de servidores até dados mais complexos, como por exemplo o custo de contratações de empresas em processos licitatórios, a execução dos contratos, os critérios de acesso e a qualidade dos serviços públicos. Mais do que apenas apresentar e expor os dados brutos, é papel do gestor público garantir que o cidadão possa compreender facilmente as informações de seu interesse. 

No âmbito municipal, as câmaras de vereadores desempenham as funções típicas do legislativo, o que inclui o controle e a fiscalização das ações do Executivo e a responsabilidade pela transparência da atuação da própria Câmara. Sendo assim, o aprimoramento e o desenvolvimento de novos e melhores mecanismos de transparência requer  um alinhamento institucional que objetive promover a prestação de contas em toda a municipalidade. 

Contexto nacional 

A promulgação da Lei n. 12.527 de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), abriu caminho para uma mudança sem precedentes nas políticas de transparência em todas as esferas de poder no Brasil. Tendo como propósito a “[…] observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”, a Lei trouxe à tona a necessidade de dispor e oferecer mecanismos claros e de fácil acesso para que os cidadãos possam exercer o efetivo controle social. Ao longo dos últimos anos, os governos federal, estaduais e municipais instituíram novas diretrizes e práticas para ampliar o acesso à informação em suas esferas de atuação, também como parte da agenda anticorrupção. 

De acordo com o que se pode observar no Diário Oficial da União, por exemplo, o ritmo dessa transformação se reflete no campo normativo por meio da publicação de normas, leis e diretrizes que expressam os parâmetros de governança pública da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que têm como meta a promoção de um governo aberto e participativo. Por outro lado, o desafio de avançar na transparência é constante em sua implementação, a exemplo do recente decreto que impõe sigilos no governo federal.

Transparência no Executivo e Legislativo em Florianópolis 

Na 2° Edição da Escala Brasil Transparente – Avaliação 360°, elaborada pela Controladoria-Geral da União, e divulgada em maio de 2021, Florianópolis recebeu nota 8.95 em transparência ativa e passiva, em uma escala de 0 a 10. Os pontos negativos em transparência ativa (informações disponibilizadas por iniciativa própria pelo poder público) apontados pelo ranking são: a ausência de relatório estatístico contendo a quantidade de pedidos de acesso à informação recebidos, atendidos ou indeferidos, e a inexistência de base de dados contendo o catálogo e inventário de dados do município. Em relação à transparência passiva (informações disponibilizadas pelo poder público mediante solicitação), foram pontuados os seguintes problemas: a não comunicação da possibilidade de recurso após resposta de pedido de informação e a ausência de resposta objetiva às perguntas realizadas mediante solicitação. De modo geral, a cidade recebeu uma avaliação positiva, embora com algumas ressalvas, como exposto, ainda mais se compararmos ao resultado no ano de 2015, que foi de 8,47. 

O Portal da Transparência da Câmara Municipal de Florianópolis 

A Câmara Municipal de Florianópolis possui um Portal da Transparência ativo na internet em que podem ser encontradas informações sobre todos os contratos e aquisições realizadas a partir do ano de 2011, bem como informações orçamentárias consolidadas. Ainda, é possível consultar dados detalhados sobre despesas e receitas, valores empenhados e pagamentos por favorecido, e dados funcionais de servidores ativos e inativos da Casa. O conteúdo integral de contratos e licitações também pode ser consultado no Portal. O formulário de solicitação de abertura de pedido de acesso à informação foi facilmente localizado no canto direito do site. Há, ainda, o portal da Câmara de Florianópolis, com informações sobre as atividades do Legislativo Municipal.                   

Apesar de o município apresentar uma grande expectativa sobre sua capacidade de gerar inovações em transparência, diante das suas boas condições, é possível notar objeção do Poder Público, no que diz respeito a como a transparência pode se aproximar da participação social, para que os cidadãos possam ter mais atuação e auxiliar ainda mais no resultado.  

Iniciativas pela transparência na Câmara Municipal de Florianópolis 

Em setembro de 2018, a equipe do vereador Gabriel Meurer protocolou o Projeto de Lei n. 17.623/2018, que trata da instituição da Política de Dados Abertos do Poder Público Municipal. O projeto foi elaborado por acadêmicos de Administração Pública da Udesc Esag. Após quase um ano de discussão interna e tramitação por diversas comissões, em agosto de 2019 o projeto foi aprovado na Câmara, sancionado pelo Prefeito Municipal e tornou-se a Lei n. 10.584/2019

A política contempla também o Legislativo Municipal, conforme exposto no inciso I: “I – promover a publicação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública municipal direta, autárquica e fundacional, bem como do Poder Legislativo, sob a forma de dados abertos”. Um dos objetivos da Lei é: “fomentar o controle social e o desenvolvimento de novas tecnologias destinadas à construção de ambiente de gestão pública participativa e democrática e à melhor oferta de serviços públicos para o cidadão”. 

O artigo 3° da Lei apresenta como se dará a instituição da Política de Dados Abertos do Poder Público Municipal:

A Política de Dados Abertos do Poder Público municipal é regida pelos seguintes princípios e diretrizes:
I – observância da publicidade das bases de dados como preceito geral e do sigilo como exceção;
II – garantia de acesso irrestrito às bases de dados, de forma passiva ou ativa, às quais devem ser legíveis por máquina e estar disponíveis em formato aberto;
III – descrição das bases de dados, com informação suficiente para a compreensão de eventuais ressalvas quanto à sua qualidade e integridade;
IV – permissão irrestrita de reuso das bases de dados publicadas em formato aberto;
V – completude e interoperabilidade das bases de dados, as quais devem ser disponibilizadas em sua forma primária, com o maior grau de granularidade possível, ou referenciar as bases primárias, quando disponibilizadas de forma agregada;
VI – atualização periódica, de forma a garantir a perenidade dos dados, a padronização de estruturas de informação e o valor dos dados;
VII – designação de responsável pelo acompanhamento e atualização das bases de dados abertos; e
VIII – disponibilizar canal para prestação de assistência quanto ao uso de dados.

A Lei foi um importante marco para a melhoria das ferramentas de transparência e controle social em Florianópolis, trazendo ao cidadão a possibilidade de acesso fácil aos dados de todos os órgãos vinculados ao poder público municipal.

Embora aprovada em 2019, até agosto de 2021, não se tem informação disponível e acessível ao público sobre o estágio de sua implementação. O que demonstra a relevância e a necessidade de a Câmara atuar não apenas na elaboração de leis, mas também na fiscalização de sua execução. O que exige mobilização da sociedade.

Outro passo da  Câmara Municipal de Florianópolis em favor da transparência foi a implantação do sistema Paperlles Gov, em 2020. Em substituição ao antigo Sistema de Gestão de Documentos (SGD), o Paperless Gov possibilita que todo o fluxo de documentos internos da Câmara seja realizado de forma digital, incluindo as assinaturas dos responsáveis. Dessa forma, quase que instantaneamente os documentos de interesse público podem ser disponibilizados nos canais de comunicação da Câmara e no Portal da Transparência, e aqueles disponibilizados mediante solicitação podem ser enviados mais rapidamente. 

Ainda, a Comissão Parlamentar Especial pela Transparência elaborou, em 2020, um projeto de lei da Política Municipal de Transparência para Florianópolis, que atualmente se encontra em processo de tramitação. O processo de construção envolveu a colaboração entre Câmara Municipal de Florianópolis, sociedade civil e outras organizações públicas. A elaboração do projeto foi o desfecho de um trabalho realizado em conjunto com a participação de vereadores, grupo de pesquisa Politeia da Universidade do Estado de Santa Catarina, Ministério Público de Contas, Controladoria Geral da União, grupo de pesquisa Nigep da Universidade Estadual de Londrina, Observatório Social de Florianópolis, Tribunal de Contas do Estado, Instituto Politize! e Comissão de Moralidade Pública da OAB/SC.     

As iniciativas apresentadas são  passos para fornecer ao cidadão maneiras mais eficazes de fiscalizar o poder público, bem como fazer valer a obrigação dos gestores de dar publicidade aos seus atos. A Câmara Municipal de Florianópolis reflete uma tendência no sentido de  aumentar e melhorar seus sistemas de prestação de contas, como podemos observar no Ranking de transparência, que realiza uma comparação com as demais capitais do país. Entretanto, há limites e obstáculos que merecem atenção dos membros do Legislativo e da população, deixando em evidência a necessidade de mais avanços na Câmara Municipal de Florianópolis em relação aos seus sistemas de prestação de contas.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Pedro Montoya e Thaynná Machado Sene, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Escala Brasil Transparente. Disponível em: https://mbt.cgu.gov.br/publico/avaliacao/escala_brasil_transparente/66#ranking. Acesso em: 11 ago. 2021.

Câmara Municipal de Florianópolis. CPE da CMF propõe política municipal de transparência para Florianópolis. Disponível em: https://www.cmf.sc.gov.br/noticia/cpe-da-cmf-propoe-politica-municipal-de-transparencia-para-florianopolis. Acesso em: 22 ago. de 2021.

Diário Oficial do Município de Florianópolis. Página 2 do Diário Oficial do Município de Florianópolis (DOM-FLN-SC) de 2 de Agosto de 2019. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/254621986/dom-fln-sc-02-08-2019-pg-2. Acesso em: 23 jul. de 2021.

Diário Oficial da União. PORTARIA Nº 356, DE 21 DE JULHO DE 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-356-de-21-de-julho-de-2021-333547616. Acesso em: 11 ago de 2021.

Mapa Brasil Transparente. Avaliações independentes. MBT gov.br. Disponível em: https://mbt.cgu.gov.br/publico/avaliacao/avaliacoes_independentes. Acesso em: 23 jul. de 2021.

Palácio do Planalto. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em 23 de jul. de 2021.

Portal da Transparência da Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: https://transparencia.e-publica.net/epublica-portal/#/florianopolis/portal?entidade=1018. Acesso em 23 jul. de 2021.

SILVEIRA, Camila Mendes Lapolli; SILVA, Júlia Gabriela Maciel da; MACEDO, Jeniffer; RODRIGUES, Manoella Costa. Transparência na Câmara Municipal de Florianópolis: o sistema Paperless Gov e sua contribuição para o Legislativo da Capital. Florianópolis. Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/category/opiniao/. Acesso em: 23 jul. de 2021.

Práticas inovadoras no contexto pandêmico: transparência e acesso a serviços em municípios de Santa Catarina

Por Jadson Pereira, Kauana Keitel, Luiza Kleis e Vitória Lopes*

Momentos de crise podem ser considerados oportunos para a inovação (OCDE, 2017). Traçando um paralelo entre janeiro e julho de 2021, alguns aspectos relativos à  pandemia de COVID-19 podem gerar algum grau de otimismo, ainda que o cenário atual esteja longe do ideal. Um dos saldos do contexto pandêmico pode ser o de inovações impulsionadas nesse período que se consolida na gestão pública. 

Com o intuito de verificar se a atuação nos municípios, mais precisamente nas prefeituras, envolveram aspectos inovadores em decorrência do contexto pandêmico, foi realizado, entre janeiro e julho de 2021, o recorte de um estudo anteriormente iniciado pelas professoras da Universidade do Estado de Santa Catarina, Micheline Hoffmann, Dannyella da Cunha Lemos, e pelos mestrandos Camila Ferreira, Christiana Lima, Eduarda Montibeller Schuch, Jorge Braun Neto e Leonardo Valente Favaretto, denominado Inventário das Práticas Inovadoras em Santa Catarina Orientadas à Pandemia do Novo Coronavírus.

Tal recorte foi denominado Inovação no Serviço Público: Caracterização de Práticas Inovadoras no Serviço Público do Estado de Santa Catarina Em Face à Pandemia do COVID-19 e teve por objetivo caracterizar as práticas inovadoras no serviço público de 14 municípios catarinenses, divididas e enquadradas conforme áreas temáticas que englobam: saúde e bem-estar, assistência social, governança pública, economia e emprego, infraestrutura, segurança, educação e tecnologia da informação e comunicação.

Por meio desse estudo, buscou-se verificar a continuidade das ações anteriormente observadas pelas professoras e mestrandos, assim como mudanças ou implementação de instrumentos que fortalecessem os aspectos inovativos, incluindo a accountability, no que diz respeito à transparência das informações sobre a doença e as medidas adotadas em cada local, bem como a busca por facilitar o acesso aos serviços prestados. 

As informações foram recolhidas através dos sites das prefeituras, englobando as práticas que envolvessem, de alguma forma, aspectos inovadores. Após a análise das práticas, em um segundo momento foram refinadas características das práticas consideradas mais relevantes em relação à accountability. Os municípios que constituíram a amostra da pesquisa foram: Araranguá, Balneário Camboriú, Blumenau, Brusque, Caçador, Camboriú, Chapecó, Florianópolis, Itajaí, Jaraguá do Sul, Penha, São José, Criciúma e Tubarão, nos quais foram encontradas 86 práticas inovadoras, como processo de implementar abordagens originais para obter impacto nas organizações públicas e principalmente na sociedade.

Fonte: Elaborado pelos autores.

Nesse conjunto de 86 práticas, buscou-se identificar aquelas que envolvessem processos típicos de accountability como: transparência, inovação e controle social durante a pandemia de COVID-19. Quatro municípios do estado se destacaram: Araranguá, Chapecó, Criciúma e Blumenau. 

Araranguá utilizou o site da Prefeitura para divulgar informações referentes à COVID-19 através de boletins diários, disponibilizou o site para a população consultar as informações referentes à doença e, ainda, foram  divulgados  postos e datas para a vacinação. 

Em Chapecó, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano ampliou a desburocratização, buscando agilidade e economia para os contribuintes, com os processos inteiramente online; ocorreu a criação do Ponto Web, um novo sistema de ponto para os servidores públicos, auxiliando principalmente os funcionários que fornecem serviços externos, modernizando a administração pública e;  foram divulgadas as datas para realização de vacinação em seu site

Em Criciúma, visando desburocratizar e facilitar o atendimento da população, a Prefeitura criou o Centro de Planejamento Urbano, unificando setores que envolvam liberação e fiscalização de construções; criou e manteve atualizado o painel de indicadores referentes à COVID-19 em seu próprio site e; passou a utilizar o Sistema Aprova Digital, um sistema para reduzir o tempo de tramitação de processos e atendimento ao público, com intuito de desburocratizar e dar maior transparência. 

No município de Blumenau, foram diversas as ações tomadas: foram divulgadas informação para os cidadãos através do Boletim Coronavírus em seu site; foi realizado o lançamento do novo portal de transparência, visando atender integralmente a Lei de acesso à informação e ir além; também foi feita a divulgação de datas e postos para vacinação e a divulgação de audiências públicas. Um dos principais pontos foi a nova versão do aplicativo Pronto Mobile, sendo um canal confiável e imediato para atendimento à população na área da saúde e por fim, receberam o Prêmio de boas práticas na Educação Infantil durante a pandemia

Blumenau tornou-se uma referência durante a pandemia, principalmente com o lançamento do novo portal de transparência, além das diversas divulgações em seu hotsite e redes sociais. Vale ressaltar que Blumenau já se destacava anteriormente em transparência, por exemplo, tendo sido vencedora do Prêmio de Boas Práticas em Gestão Pública Udesc Esag nos anos de 2016 e 2018. O Prêmio, conforme seu edital, visa identificar, reconhecer, estimular e premiar práticas inovadoras de gestão, entendidas como um conjunto de ações e procedimentos que consolidam avanços na realização do interesse público, implementado em órgãos públicos e em organizações da sociedade civil no estado de Santa Catarina. O tema do Prêmio, nas edições 2016, 2018 e 2020, foi Transparência com Cidadania. 

O contexto da pandemia de COVID-19 vem acelerando um processo que possivelmente demoraria anos para acontecer na administração pública e na sociedade. Os exemplos abordados, incluindo sistemas para transparência de dados, transição de pontos para sistemas online e o processo de compras envolvem muita divulgação de informação por parte do governo. Além disso, os boletins diários que aconteceram em diversas cidades transformaram certas informações que nunca eram divulgadas em públicas, principalmente levando em consideração o início da vacinação – você pode acompanhar o ranking de vacinas aqui – mas podemos pontuar ainda a falta de transparência em outros aspectos relacionados à pandemia, como a propagação da doença e as recomendações à população. Uma possível questão é  se a Administração Pública continuará a acelerar esse processo  ou se o impulso às práticas consideradas inovadoras reduzirá.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Jadson Pereira, Luiza Kleis, Kauana Keitel e Vitória Jéssica de Almeida Lopes, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

ABGI. O que é inovação ? 2021. Disponível em: https://brasil.abgi-group.com/radar-inovacao/o-que-e-inovacao/. Acesso em: 12 ago. 2021.

BETTER POLICIES FOR BETTER LIVES. Home page. 2021. Disponível em: https://www.oecd.org/. Acesso em: 22 ago. 2021.

HOFFMANN, Micheline, LEMOS, Dannyela, FERREIRA, Camila, LIMA, Christiana, SCHUCH, Eduarda, NETO, Jorge, FAVARETTO, Leonardo. Inventário das Práticas Inovadoras em Santa Catarina Orientadas à Pandemia do Novo Coronavírus, 2020. Disponível em: https://www.udesc.br/esag/comunidade/inovacaonapandemia. Acesso em 24 ago. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARARANGUÁ, 2021. Disponível em: https://www.ararangua.sc.gov.br/. Acesso em 10 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BALNEÁRIO CAMBORIÚ, 2021. Disponível em: https://www.bc.sc.gov.br/. Acesso em 10 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BLUMENAU, 2021. Disponível em: https://www.blumenau.sc.gov.br/. Acesso em: 10 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE BRUSQUE, 2021. Disponível em: https://portal.brusque.sc.gov.br/. Acesso em: 11 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAÇADOR, 2021. Disponível em: https://www.cacador.sc.gov.br/. Acesso em: 11 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMBORIÚ, 2021. Disponível em: https://camboriu.sc.gov.br/. Acesso em: 11 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ, 2021. Disponível em: https://www.chapeco.sc.gov.br/. Acesso em: 11 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CRICIÚMA, 2021. Disponível em: https://www.criciuma.sc.gov.br/site/. Acesso em 13 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, 2021. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/. Acesso em: 11 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAJAÍ, 2021. Disponível em: https://www.itajai.sc.gov.br/. Acesso em 12 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE JARAGUÁ DO SUL, 2021. Disponível em: https://www.jaraguadosul.sc.gov.br/. Acesso em 12 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PENHA, 2021. Disponível em: https://www.penha.sc.gov.br/. Acesso em 13 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ, 2021. Disponível em: https://saojose.sc.gov.br/. Acesso em 13 jul. 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE TUBARÃO, 2021. Disponível em: https://www.tubarao.sc.gov.br/. Acesso em 10 jul. 2021.

SANTA CATARINA, Governo do Estado. Balanço da Vacinação. 2021. Disponível em: http://www.coronavirus.sc.gov.br/vacinacao/ . Acesso em: 12 ago. 2021. 

Pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ no sistema penitenciário brasileiro: o que dizem (e não dizem) os dados

Por Fernanda Biava Cassettari, Sofia Liz e Luiz Ricardo M. de Carvalho*

Fonte: Foto tirada por Fernanda Biava Cassettari

Ao buscar informações referentes à população carcerária no Brasil, constatam-se que são poucos os dados oficiais referentes a pessoas em privação de liberdade – os que existem são de difícil acesso -, o que é agravado quando a pesquisa trata sobre pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ no sistema prisional brasileiro. Este fato acaba por silenciar e dificultar o reconhecimento de demandas específicas dessa população  (InfoPen, 2019).

Considerando que o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking de assassinatos de transexuais e travestis, segundo dados divulgados por organizações não-governamentais no país e no mundo, tais como o Grupo Gay da Bahia e a Transgender Europe (TGEU), a situação se mostra também grave quando se detecta a invisibilidade dessa população no sistema carcerário.

Diante de tal cenário, e como forma de orientar e estabelecer procedimentos quanto às pessoas autodeclaradas LGBTQIA+, o Departamento Penitenciário Nacional, DEPEN, instituiu, através da Portaria GABDEPEN n. 10, de 24 de janeiro de 2019,  um grupo de trabalho para a elaboração de um manual de procedimentos para revista e proposta para capacitação de agentes prisionais nesse tema. A nota técnica n. 7/2020 é baseada nos Princípios de Yogyakarta, que compreende que a orientação sexual é “uma referência à capacidade de cada pessoa de experimentar uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero” (Princípios de Yogyakarta, 2006). 

Neste sentido, a orientação sexual se divide em:

HeterossexualCapaz de sentir atração emocional, afetiva e/ou sexual por indivíduos do gênero oposto.
HomossexualCapaz de sentir atração emocional, afetiva e/ou sexual por indivíduos do mesmo gênero, podendo ser gays (gênero masculino) ou lésbicas (gênero feminino).
BissexualPessoas que se relacionam afetiva e sexualmente com ambos os sexos. 
Fonte: Nota Técnica DEPEN 07/2020.


Já a identidade de gênero é entendida como uma “experiência interna, individual e profundamente sentida que cada pessoa tem em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sentimento pessoal do corpo e outras expressões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de falar e maneirismos” (Princípio de Yogyakarta, 2006). A identidade de gênero contempla:

LésbicaDenominação específica para mulheres que se relacionam afetiva e sexualmente com outras mulheres.
GayDenominação específica para homens que se relacionam afetiva e sexualmente com outros homens. 
TravestiPessoas que pertencem ao sexo masculino na dimensão fisiológica, mas que socialmente se apresentam no gênero feminino, sem rejeitar o sexo biológico.
TransgêneroPessoas que são psicologicamente de um sexo e anatomicamente de outro, rejeitando o próprio órgão sexual biológico.
TranssexualMulheres trans: pessoas que se identificam como mulheres, mas não foram designadas mulheres no nascimento; Homens trans: pessoas que se identificam como homens, mas não designados homens no nascimento.
IntersexoPessoas que com características físicas ou biológicas, como a anatomia sexual, os órgãos reprodutivos, os padrões hormonais e/ou cromossômicos que não se encaixam nas definições típicas de masculino e feminino.
Fonte: Nota Técnica DEPEN 07/2020.
O caso do sistema prisional brasileiro e as políticas LGBTQIA+

A abordagem ao tema da atenção específica a pessoas LGBTQIA+ no sistema penitenciário requer a produção e disponibilização de dados e informações, o monitoramento e a avaliação das práticas e a participação de diversos envolvidos – servidores públicos, organizações da sociedade civil, pesquisadores e a população carcerária LGBTQIA+, o que remete à  accountability. Para abordar o tema sob essa perspectiva, partiu-se de leis, decretos, portarias e notas técnicas referentes às pessoas declarantes LGBTQIA+ no sistema fechado. As referidas legislações adotam as siglas LGBT e/ou LGBTI.

O DEPEN realizou uma pesquisa, em 2020, que possibilitou o conhecimento do cenário nacional do grupo LGBTI nas unidades prisionais. O estudo identificou, a partir de respostas de 23 estados e no Distrito Federal,  10.457 pessoas em privação de liberdade que se autodeclaram LGBTI, entre elas “3.165  lésbicas, 2.821  gays, 3.487  bissexuais, 181 homens trans, 248 mulheres trans, 561 travestis e 14 intersexuais” (DEPEN, 2020).

Além disso, é necessário analisar a Resolução Conjunta n. 1, de 15 de abril de 2014, que estabelece os parâmetros de acolhimento à população LGBTQIA+ no âmbito das unidades prisionais brasileiras, e a Resolução n. 366, de 20 de janeiro de 2021, que altera a Resolução n. 348, de 13 de outubro de 2020, ambas baseadas na Constituição Federal de 1988, Princípios de Yogyakarta e demais tratados internacionais, e a Lei Federal n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal). Constata-se que as duas normativas consideram a vulnerabilidade a que essas pessoas estão expostas e orientam as(os) profissionais envolvidas(os) nesse sistema acerca do que é a transexualidade; os direitos fundamentais dessa população; e os modos de atuação profissional. Estes devem ser baseados nos direitos humanos, que asseguram a dignidade e o respeito à diversidade, tendo como meta estabelecer um trabalho na reintegração desses indivíduos na sociedade, diminuindo a taxa de reincidência de criminalidade, oportunizando o convívio em sociedade e restabelecendo os laços cidadãos dessas populações em situações de privação de liberdade.

Além de promover medidas para a população carcerária LGBTQIA+, é preciso que ocorra um diálogo com instituições ativas na elaboração de políticas para a população LGBTQIA+ e também instituições como a Academia de Administração Prisional e Socioeducativa (ACAPS), responsável pela capacitação dos policiais penais e agentes penitenciários. Esse tipo de interação pode ser realizada visando elaborar manuais de procedimentos voltados à comunidade carcerária LGBTQIA+, bem como o desenvolvimento de cursos de capacitação para os servidores do sistema penitenciário acerca da temática.

Podemos observar, também, alguns desafios para que a legislação referente à população carcerária autodeclarada LGBTQIA+ seja cumprida da melhor forma. Um dos desafios para a aplicabilidade de leis e normas sobre o tema  é a existência e disponibilização de  dados confiáveis e acessíveis, favorecendo a transparência e a accountability. Atualmente, a falta de dados relacionados ao tema dificulta eventuais acompanhamentos e, principalmente, a responsabilização quanto ao cumprimento ou não da legislação existente, bem como a avaliação e aprimoramento das ações e políticas que buscam lidar com o desafio.

Uma das possibilidades levantadas para promover conhecimento, capacitação e engajamento dos envolvidos diz respeito à proposta de espaços de escuta ativa com acolhimento, individual ou coletivo, podendo ser concretizados por meio de rodas de conversa mensais, conforme abordado por Campos e Rosa (2020). Estas rodas podem ser separadas, ou não, em grupos e devem, preferencialmente, contar com a sensibilização dos profissionais do local, além de  auxílio de profissionais da área de psicologia, direito e assistência social.

Considerações finais

Percebe-se que a temática da população LGBTQIA+ no sistema penitenciário está, gradualmente, sendo mais explorada por países como Estados Unidos, Portugal e França. O estudo de temas como esse faz com que os dados relacionados a essa realidade sejam mais valorizados, demandados e utilizados, da mesma forma com que haja mais  cuidado com sua qualidade e disponibilização. Espera-se que no Brasil o interesse por dados sobre a população LGBTQIA+ no sistema penitenciário brasileiro também aumente e, com isso, possamos fortalecer a accountability e a transparência do tema e das políticas e serviços públicos nessa área, no cenário nacional.

Outra estratégia é a sistematização e publicização dos dados da população carcerária autodeclarada LGBTQIA+, ação relacionada a princípios de accountability, de modo que se possa analisar dados e atribuir responsabilidades. Com a ampla divulgação desses dados, a transparência se torna parte de todo o processo, auxiliando a fiscalização e acompanhamento por parte dos órgãos responsáveis e da população. Por fim, para que se ampliem os caminhos e alternativas para enfrentar esses desafios, é preciso que se construa mecanismos para provocar o Estado e a sociedade a voltarem seu olhar para temas como esses. Abordagens sobre a temática carcerária vêm expandindo seus horizontes de diversas formas como, por exemplo, a criação de museus penitenciários ao redor do mundo. A população, por sua vez, precisa ser estimulada a frequentar esses espaços e, à medida que isso ocorra,  se amplie o  diálogo entre sociedade e  governo, definindo-se novos padrões de expectativas e novas formas de responder a elas, ou seja, novas formas de accountability.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Fernanda Biava Cassettari, Sofia Liz e Luiz Ricardo M. de Carvalho, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

ACAPS. Academia de Administração Prisional e Socioeducativa. Disponível em: https://www.acaps.sc.gov.br/. Acesso em 23/08/2021.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 24 ago. 2021.

BRASIL.  Lei de Execução Penal n. 7.210 de 11 de julho de 1984. Brasília, 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 24 ago. 2021.

BRASIL. Resolução Conjunta n. 1, de 15 de abril de 2014. Disponível em: https://www.gov.br/depen/pt-br/composicao/cnpcp/resolucoes/2014/resolucao-conjunta-no-1-de-15-de-abril-de-2014.pdf/view. Acesso em 23 ago. 2021.

BRASIL. Resolução n. 348, de 13 de agosto de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3519. Acesso em: 23 ago. 2021.

BRASIL. Resolução n.º 366, de 20 de janeiro de 2021. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original19295820210125600f1c369fdc6.pdf. Acesso em 23 ago. 2021.

BRASIL. Nota Técnica n. 7/2020. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen-publica-nota-tecnica-com-orientacoes-para-populacao-lgbti-encarcerada-1/copy4_of_SEI_MJ11156365NotaTcnica.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.

CAMPO, Aline; ROSA, Camila Simões. Rodas de conversa em prisões. Revista Temas em Educação, João Pessoa, Brasil, v. 29, n.2, p. 249-267, maio/jul., 2020.

CLAM. Princípios de Yogyakarta. Disponível em: http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.

DEPEN. Mais de 10 mil presos se autodeclaram LGBTI no Brasil. Disponível em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/mais-de-10-mil-presas-se-autodeclaram-lgbti-no-brasil. Acesso em 23 ago. 2021.

GGB. Grupo Gay da Bahia. Disponível em: https://grupogaydabahia.com.br/2021/05/14/relatorio-observatorio-de-mortes-violentas-de-lgbti-no-brasil-2020/. Acesso em 23 ago. 2021.

INFOPEN. Presos em unidades prisionais no Brasil. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZWI2MmJmMzYtODA2MC00YmZiLWI4M2ItNDU2ZmIyZjFjZGQ0IiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 23 ago. 2021.

TGEU. Transgender Europe. Disponível em: https://tgeu.org/. Acesso em: 23 ago. 2021.

Blockchain e transparência: o Estado brasileiro está pronto para essa inovação?

Por Allan Conradi, Guilherme Setti, Maria Noemia Bez Fontana e  Vitória de M. Bassanezi*

Com a expansão do Bitcoin, a tecnologia blockchain ganhou popularidade, mas o que muitos ainda não sabem é que o seu uso não se limita a transações de criptomoedas. Na verdade, o blockchain é como um protocolo de segurança que pode ser utilizado para enviar e armazenar os mais diversos tipos de informações. O termo surgiu do encontro do mundo tecnológico com o das finanças e vem ganhando a atenção em diversos segmentos e países. Por ser um assunto novo, um pouco complexo e que envolve dinheiro, acaba gerando muitas dúvidas para as pessoas e organizações públicas e privadas. 

A tecnologia blockchain, desenvolvida para ser à prova de fraudes, pode ser  considerada vital para o processo de transformação digital de um país, pois possibilita que todos os indivíduos e organizações mantenham os seus registros auditáveis, transparentes e, principalmente, seguros. Isso porque, para que um documento possa ser registrado no blockchain, faz-se necessário que seja antes auditado pelos demais indivíduos, que irão confirmar a autenticidade de seu conteúdo. Uma vez validado, o seu registro torna-se imutável, garantindo a confiabilidade de seus registros.

O que é blockchain?

Blockchain é um sistema que permite rastrear o envio e recebimento de alguns tipos de informação pela internet, uma forma de enviar um tipo de informação que é rastreada e auditada por todos que estão nessa rede. As bases desses registros são distribuídas e compartilhadas globalmente de forma descentralizada. Tudo ocorre através de uma rede peer-to-peer, com os participantes registrando as informações em blocos, que geram impressões digitais do seu conteúdo chamado de hash (informação verbal)¹, como demonstrado na figura 1:

Figura 1  – Funcionamento genérico de uma blockchain.

Fonte: Comissão Europeia adaptada pelo TCU

Quando aplicado ao setor público,  o blockchain  permite  alcançar um novo patamar  de integridade,  de accountability e de transparência. Nesse caminho, o Tribunal de Contas da União, TCU, desenvolveu em 2020 um estudo sobre como essa tecnologia poderia ser aplicada à Administração Pública Federal, em especial à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, Banco Central do Brasil – BCB, Banco do Brasil S.A, Banco Nacional do Desenvolvimento econômico e  Social – BNDES, Caixa Econômica Federal – CEF, Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência – DATAPREV, Instituto Nacional e Tecnologia da Informação – INTI, Petróleo Brasileira S.A, Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil – RFB, Secretaria Especial da Desburocratização, Gestão e Governo Digital, e Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO. 

O estudo, consolidado no Acórdão n. 1613/2020, do Plenário daquele tribunal, visou identificar com  profundidade as funcionalidades da tecnologia blockchain, de modo a compreender o seu potencial disruptivo na melhora dos serviços digitais da administração pública, sob a ótica da desburocratização e combate à corrupção. Como resultado, o TCU entendeu que atualmente a blockchain poderia ser aplicada de forma a ampliar e melhorar a área de tributação, ampliando a  transparência das transações financeiras, que uma vez registradas poderiam ser facilmente monitoradas e auditadas. 

Ainda, a blockchain poderia ser aplicada aos serviços de saúde, permitindo que  dados de prontuários fossem disponibilizados de forma segura, transparente e fácil acesso pelos atores que participam do serviço universal de saúde. Além disso, a tecnologia seria útil à identificação pessoal dos cidadãos, bem como na  gestão de convênios e programas pela Administração Pública, a partir do amplo monitoramento da aplicação dos recursos públicos e contratos celebrados. 

Tais recursos já podem, inclusive, serem vistos em implementação no estado de Santa Catarina. Recentemente, a Secretaria de Estado da Administração, por intermédio da Diretoria de Gestão de Licitações e Contratos, e a Rutgers University, por intermédio da Rutgers Accounting Research Center and Continuous Auditing & Reporting Lab, realizou um acordo de cooperação técnica para o uso da tecnologia nos processos de compras públicas visando garantir mais transparência aos mesmos (CHINAGLIA, 2021). Igualmente, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina faz uso de uma solução em blockchain da Receita Federal que permite a consulta da base de Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Brasil.

Para além das áreas citadas no estudo, a Corte de Contas da União pontuou que o potencial da tecnologia estudada é tão significativo que se acredita que a mesma poderá vir a ser útil em áreas que sequer foram cogitadas até o momento. 

A despeito do exposto, o estudo jogou luz também à ausência de regulação do uso da tecnologia no país, enfatizando ser o amadurecimento regulatório da temática um requisito essencial para o aproveitamento de todo o potencial da tecnologia. Além disso, foi pontuado que, ante o caráter inovador da tecnologia, não se têm atualmente muitos profissionais habilitados para o seu uso, sendo necessária a capacitação das equipes de TI dos órgãos públicos, ou recrutamento de novos profissionais.

Diante das inúmeras possibilidades de uso de blockchain, e também das dúvidas, incertezas e possíveis resistências, estaria o Estado brasileiro preparado para envolver os  agentes públicos rumo a essa inovação que pode contribuir para a transparência pública, os serviços públicos e a própria democracia? 

Destaca-se, no mesmo sentido, a iniciativa Rede Nacional de Governo Digital (Portaria n. 23, de 4 de abril de 2019) do Governo Federal, coordenado juntamente aos chefes do Executivo estaduais e municipais, com o intuito de promover a transformação digital do setor público, permitindo a implementação de plataformas digitais de atendimento aos serviços públicos, bem como a formação e desenvolvimento de aptidões do servidor público para esse atendimento. 

A tecnologia blockchain, uma vez que segura e confiável em relação às informações postas permite, uma vez vistas incongruências ou desacordos ao interesse comum e público, a contestação da população frente às tomadas de decisão, estimulando a participação cidadã. A tecnologia blockchain permite que a autoridade centralizadora do governo se descentralize em vários aspectos, tomando seu papel, em certa medida, como administrador dos dados e responsável pela configuração, operação e manutenção das aplicações. Essa autoridade, independente da esfera (federal, estadual ou municipal), apesar de existir um mito de que a descentralização gera riscos à soberania dos estados, é colocada como a responsável pela qualidade e eventuais problemas nos dados e, dessa forma, não isenta o Estado de suas responsabilidades e não fere sua soberania.

¹ Fala do palestrante Luis Roloff em aula da disciplina Sistemas de Accountability, Udesc Esag, em 03 agosto 2021.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Allan Conradi, Guilherme Setti, Maria Noemia Bez Fontana e Vitória de M. Bassanezi, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

CHINAGLIA, Rafael. Santa Catarina fecha acordo para usar blockchain em contratações públicas. Exame, 2021. Disponível em: https://exame.com/future-of-money/blockchain-e-dlts/santa-catarina-fecha-acordo-para-usar-blockchain-em-contratacoes-publicas/. Acesso em: 23 de agosto de 2021.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ACÓRDÃO 1613/2020 – PLENÁRIO. TCU, 2020. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/documento/acordao-completo/1613%252F2020/%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0/%2520?uuid=ce034160-bbc6-11ea-ad32-519ab286dea0. Acesso em: 17 de agosto de 2021.

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. PORTARIA Nº 23, DE 4 DE ABRIL DE 2019. DOU, 2019. Disponível em:
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/70491912/do1-2019-04-08-portaria-n-23-de-4-de-abril-de-2019-70491574. Acesso em: 24 de agostos de 2021.

Por que, em um mesmo país, dois estados seguiram caminhos diferentes na comunicação de riscos sobre a COVID-19? Uma análise comparativa entre os estados de Santa Catarina e do Espírito Santo

Por Maria Eduarda Xavier Damásio, Ruan Carlos Tavares e Stefani Miguel Voss*

A comunicação de risco surge da necessidade da sociedade de ter uma resposta a processos específicos relacionados a risco e situações de tomada de decisão diante dos riscos. Portanto, ela serve para analisar situações e servir de alerta, identificando possíveis ameaças que podem levar a crises. Um exemplo é o contexto no qual se insere o tema discutido neste texto, a crise sanitária decorrente da pandemia de COVID-19.

A comunicação de risco é um processo de interação e intercâmbio de informações entre indivíduos, grupos ou instituições sobre ameaças à saúde, à segurança ou ao ambiente, com o propósito de que a comunidade conheça os riscos aos quais está exposta e participe na sua solução. Idealmente, esse processo é intencional e permanente (LOURENÇO; MARCHIORI, 2012).

Durante a pandemia de Covid-19, muitos estados e municípios adotaram medidas de comunicação de risco, sendo que alguns se destacam positivamente, como o estado do Espírito Santo. Neste texto, buscamos explorar e analisar como as medidas e o desempenho se diferenciam de um lugar para outro.

Comunicação de riscos no setor público

A temática vem ganhando espaço entre os tomadores de decisão de entidades públicas e privadas, que perceberam a comunicação de riscos como um instrumento de gestão a fim de aumentar o diálogo entre os envolvidos a respeito de situações de risco que poderiam vir a ameaçar a saúde e integridade física das pessoas (BARREIROS; RINALDI, 2007). A comunicação de risco tem se tornado um assunto mais comum no setor público, em decorrência das diversas catástrofes que aconteceram no Brasil nos últimos anos, como o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho e as inúmeras tragédias climáticas que acontecem constantemente em Santa Catarina.

O intuito da gestão de riscos é diminuir os custos de atividades incertas e aumentar os benefícios sociais e econômicos, seja evitando um problema ou reduzindo as dimensões do mesmo. O governo lida com os riscos por meio de diversas funções e áreas como saúde, assistência social, educação e infraestrutura, buscando criar condições para proteger o meio ambiente, garantir os direitos, o acesso e a qualidade dos serviços públicos e gerar estabilidade que favorece a prosperidade econômica (ÁVILA, 2016).

A importância da transparência na comunicação de riscos

No contexto da pandemia de COVID-19, é imprescindível que se produzam dados e informações de qualidade e que estes sejam disponibilizados de forma detalhada e transparente para toda a população. 

Sabendo disso, a Transparência Internacional (TI) elaborou um ranking de transparência relacionado ao contexto pandêmico, no qual avalia como os portais da transparência dos 26 estados brasileiros disponibilizam as informações acerca das contratações emergenciais. Na escala de pontuação que vai de 0 a 100, o estado de Santa Catarina alcançou, na avaliação feita em 1 de setembro de 2020, 68 pontos, e tem seu desempenho classificado como bom. Enquanto o Espírito Santo apresenta 100 pontos, o que equivale a um ótimo desempenho nesse sentido  (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL, 2020). 

Outra maneira de medir a transparência nos estados é o Índice de Transparência da Covid-19, uma iniciativa da Open Knowledge Brasil para avaliar a qualidade dos dados e informações relativas à pandemia do novo coronavírus que têm sido publicados em portais oficiais pela União, pelos estados brasileiros e pelas suas capitais (OKBR, 2021). O ranking mostra que, em 19 de agosto de 2021, Santa Catarina ocupa a 16ª posição, com 64 pontos e nível de transparência considerado bom. E o Espírito Santo ocupa a 1ª posição, com 100 pontos e nível de transparência alto. A figura 1, a seguir, mostra a avaliação dos estados no que diz respeito à transparência.

Figura 1: Índice de Transparência da Covid-19 3.0

Fonte: Open Knowledge Brasil, 2021

Vale ressaltar que em ambos os rankings foram realizadas várias medições e esses dados foram variando com o decorrer do tempo, ao longo da pandemia. Além disso, um levantamento feito pelo Ibope (2020), sobre os impactos da COVID-19 nos municípios, mostra as ações de comunicação sobre o coronavírus adotadas durante a pandemia, como mostra a figura 2 a seguir.

Figura 2: Ações de comunicação sobre o coronavírus adotadas pelos municípios

Fonte: Ibope, 2020

Comparando as figuras supracitadas, vimos que tanto no âmbito dos estados como dos municípios, são necessárias ações que fomentem a transparência, para que a informação chegue a todos.

Ao observar a posição ocupada pelo Espírito Santo em vários rankings, ficamos curiosos sobre o que é feito nesse estado que o torna destaque em transparência na pandemia. Fizemos então uma breve comparação com o estado de Santa Catarina, onde vivemos, focalizando o portal oficial estadual sobre a pandemia, a matriz de risco e as informações sobre a pandemia publicadas em redes sociais dos estados e governadores.

O Caso de Santa Catarina

Com o surgimento da pandemia de COVID-19 no Brasil, o Governo do Estado de Santa Catarina, assim como vários outros estados brasileiros, elaborou algumas iniciativas para informar a população sobre os riscos da doença, além de monitorar o cumprimento das medidas restritivas. Uma delas foi a criação do “coronavirus.sc.gov.br”, portal que disponibiliza informações e serviços relacionados ao combate e a resposta à pandemia. A principal fonte de informações presente nesse portal é a matriz de risco catarinense, representada pelo “Mapa de Riscos” relativo à COVID-19,  um mecanismo que determina o risco potencial em cada região do estado como sendo moderado (azul), alto (amarelo), grave (laranja) ou gravíssimo (vermelho), conforme exemplo na Figura 3.

Figura 3: Mapa de Riscos SC

Fonte: SES/ Divulgação

Os níveis de risco são calculados a partir do isolamento social, investigação, testagem e isolamento de casos, reorganização de fluxos assistenciais e ampliação de leitos. De acordo com cada nível, deve-se seguir as orientações e medidas que estão preestabelecidas no que diz respeito à sociedade em geral, ao setor privado, à gestão pública e à gestão da saúde. O problema é que existe pouca transparência no que diz respeito aos critérios adotados para a classificação dos riscos, ou seja, não é possível saber se as informações disponibilizadas condizem com a realidade. De acordo com  nota de pesquisadores da UFSC, de 22 de setembro de 2020, por exemplo, “a matriz de risco do estado de Santa Catarina precisava ser revisada para que pudesse fazer o diagnóstico mais adequado da situação e permitir ao gestor tomar decisões para suprimir a transmissão comunitária do vírus e reduzir o número de mortes e doentes”.

Além disso, também é possível observar a falta de informações sobre as mudanças feitas ao longo do tempo, na metodologia utilizada para a tomada de decisões. Vale ressaltar que é natural a necessidade de se fazer adaptações no decorrer do processo de combate à pandemia, uma vez que este se trata de um problema complexo que está sendo compreendido à medida que ocorre. Porém, é imprescindível que essas mudanças sejam comunicadas de forma transparente, o que não ocorreu em Santa Catarina.

Outro ponto a ser destacado sobre o “Mapa de Riscos” é que algumas das orientações e medidas preestabelecidas de acordo com cada nível de risco já não estão mais sendo seguidas por parte da gestão pública. Segundo o mecanismo, a Grande Florianópolis apresenta, no dia 20 de agosto de 2021, o nível de risco alto. E uma das orientações previstas para tomada de decisão nesse caso é a suspensão das aulas presenciais do ensino infantil, fundamental e médio, o que não condiz com a realidade. Pois conforme a notícia do ND+, no dia 18 de fevereiro de 2021, quando grande parte do estado encontrava-se em nível de risco gravíssimo,  mais de 500 mil alunos voltaram às aulas presenciais em Santa Catarina, contrariando as medidas de restrição preestabelecidas na matriz de risco e gerando dúvidas sobre a utilidade da mesma.

Portanto, o principal portal de divulgação de dados e informações sobre a pandemia e seus desdobramentos não atende às necessidades da população, uma vez que não disponibiliza todas as informações necessárias para que se possa fiscalizar e questionar as ações dos agentes públicos.

Em decorrência disso, o perfil pessoal do governador de Santa Catarina, Carlos Moisés,  nas mídias sociais tornou-se um dos principais meios para que a população pudesse se manter informada e atualizada sobre o tema. Algo que se observa também em vários outros estados e municípios brasileiros, sobretudo em relação às notícias sobre vacinação.

Por um lado, isso é positivo porque, atualmente, as redes sociais possuem um alcance muito maior do que os sites institucionais, porém o ideal seria que essas informações fossem disponibilizadas no perfil oficial do estado, por exemplo, e não no perfil pessoal do governador. Pois o fato de o perfil pessoal ser mais utilizado para fornecer informações sobre a pandemia do que o próprio perfil oficial do estado pode ser visto como um conflito de interesses, em que não se sabe se a intenção prioritária é atender à demanda da população ou promover a imagem política do governante, principalmente quando as informações são quase que exclusivamente sobre vacinação.

O Caso do Espírito Santo

O Espírito Santo criou o Painel COVID-19, que está disponibilizado no portal “coronavirus.es.gov.br”, que se tornou um mecanismo bastante completo e interativo contendo diversos dados relacionados à pandemia. O painel, conforme Figura 4, é apresentado na homepage do portal e através dele é possível ver informações como o número de casos confirmados, casos suspeitos, testes realizados, casos notificados, casos descartados, óbitos e curados. Além disso, a ferramenta possui a opção de escolher as informações de acordo com a necessidade através de filtros que incluem região, município, evolução da doença, raça/cor, profissionais da saúde, PCD e PCR. Vale ressaltar que no portal de Santa Catarina sobre a pandemia é possível encontrar algumas dessas informações, como os números de casos, óbitos e leitos, porém não com a mesma facilidade. É preciso clicar  na aba “Transparência”, depois em “Painéis” e então escolher o painel desejado que vai ser aberto em outra página.

Figura 4: Painel COVID-19 ES

Fonte: Painel COVID-19 ES (2021)

Por meio do portal “coronavirus.es.gov.br”, são divulgados ainda painéis com dados sobre o isolamento social, a ocupação de leitos, a distribuição e a aplicação das doses da vacina. O site apresenta de maneira simples e direta o que é a doença, quais são seus sintomas, como ocorre a transmissão, quais os métodos de prevenção e notícias sobre o tema. Também são disponibilizados um guia de perguntas e respostas sobre medidas restritivas para os municípios classificados nos níveis de risco baixo, moderado, alto e extremo. E uma cartilha com as medidas econômicas tomadas pelo estado para enfrentamento da pandemia. Assim como no portal de Santa Catarina, no qual também é possível encontrar essas informações.

Com relação à matriz de risco, o site apresenta um mapa com o nível de risco de cada município, um instrutivo de cálculo da matriz de risco e uma cartilha sobre a estratégia de mapeamento de risco que contém informações detalhadas sobre a metodologia de classificação dos riscos e as medidas a serem tomadas pelo estado e municípios de acordo com o nível de risco.

Outro mecanismo utilizado na comunicação de risco do estado são as mídias sociais (facebook, instagram e twitter) do Governo do Espírito Santo, onde são divulgados os serviços que estão dispostos no portal institucional citado. Especificamente no instagram, o perfil do governo disponibiliza uma série de links para a população. Alguns desses links direcionam à agendamentos da vacina de COVID-19 (por município), agendamento de testes PCR, aos sites institucionais, dentre outros.

Em seu perfil pessoal, o governador do estado Renato Casagrande compartilha suas ações no governo de forma geral, mas as informações específicas de interesse da população no que diz respeito à pandemia são mais divulgadas no perfil institucional do governo e, principalmente, no site “coronavirus.es.gov.br”.

Considerações finais

Em relação às medidas de enfrentamento da COVID-19, vemos diferenças significativas entre os entes federativos, como visto nos casos de Santa Catarina e Espírito Santo. Os estados e municípios possuem autonomia para tomar diversas decisões relacionadas à pandemia, consequentemente, foi possível criar diferentes abordagens de enfrentamento, o que resultou na discrepância entre os entes federados no que diz respeito às medidas de prevenção e mitigação da doença.

O Espírito Santo, como supracitado, está em primeiro lugar no ranking da transparência ao combate da COVID-19, isso se explica por iniciativas que o governo adotou para repassar os dados à população. As formas de informar são focadas nos perfis institucionais do governo, com o intuito de gerar credibilidade na prestação de serviços e confiança na veracidade dos dados direcionados à população. O estado já possuía um histórico de boas práticas com relação à transparência de dados mesmo antes da pandemia, e isso pode ter contribuído para que a comunicação de risco se desse de maneira tão satisfatória.  

Em Santa Catarina, a principal ferramenta criada para a divulgação de informações sobre a pandemia apresenta algumas limitações e não supre a demanda da população de forma adequada, fazendo com que os principais meios de busca por informações sejam as mídias sociais, mais especificamente, o instagram do Governo SC e o twitter do governador, onde as publicações são voltadas sobretudo para a questão da vacinação e há pouca divulgação das ferramentas de acompanhamento e enfrentamento da pandemia que estão presentes no portal “coronavirus.sc.gov.br”. Isso pode contribuir para a falta de informação sobre a real situação que estamos vivendo e até causar uma falsa sensação de que a pandemia já não é mais um problema.

A análise da condução da pandemia nesses dois estados brasileiros possibilitou a conclusão de que a comunicação de riscos de modo mais ou menos abrangente, está fortemente relacionada à comunicação institucional ou às mídias sociais dos políticos. No Espírito Santo, essa comunicação é feita de maneira mais transparente, com informações detalhadas, de fácil acesso e compreensão. Já em Santa Catarina, a comunicação de riscos não acontece de forma tão satisfatória e o estado ainda tem muito a melhorar no sentido de transparência de dados relativos à pandemia.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Maria Eduarda Xavier Damásio, Ruan Carlos Tavares e Stefani Miguel Voss, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Marta Dulcélia G. Gestão de Riscos no Setor Público. Revista Controle – Doutrina e Artigos,  v.12 (2), p. 179-198, 2016. Disponível em: https://revistacontrole.tce.ce.gov.br/index.php/RCDA/article/view/110. Acesso em: 04 jun. 2021.

GOVERNO DE SANTA CATARINA. Coronavírus. 2021. Disponível em: https://www.coronavirus.sc.gov.br/. Acesso em: 20 ago. 2021.

GOVERNO DO ESPÍRITO SANTO. Coronavírus. 2021. Disponível em: https://coronavirus.es.gov.br/. Acesso em: 20 ago. 2021.

IBOPE. Impactos da COVID-19 nos municípios. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/arquivos/pesquisa_PCS_Ibope/Impactos_e_acoes_Covid-19_nos_municipios.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.

LOURENÇO, Milene Rocha; MARCHIORI, Marlene. A prática da comunicação de risco nas organizações. FACESI em Revista. Ano 4, v. 4 – ISSN 2177-6636. Londrina, 2012. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:hkUpsnKi7_0J:www.uel.br/grupo-estudo/gecorp/images/Artigo__A_Comunica%25C3%25A7%25C3%25A3o_de_Risco_nas_Organiza%25C3%25A7%25C3%25B5es_Facesi__em_Revista.pdf+&cd=3&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br  Acesso em: 28 jun. 2021.

MACHADO, Caetano. Pesquisadores propõem novo instrumento para análise de protocolos da Covid-19 em SC. 2020. Disponível em: https://noticias.ufsc.br/2020/09/pesquisadores-propoem-novo-instrumento-para-analise-de-protocolos-da-covid-19-em-sc/. Acesso em: 20 ago. 2021.

OPEN KNOWLEDGE BRASIL. Índice de Transparência da Covid-19 3.0. Disponível em: https://transparenciacovid19.ok.org.br/. Acesso em: 20 ago. 2021.

REDAÇÃO ND. Mais de 500 mil alunos voltam às aulas em Santa Catarina nesta quinta. 2021. Disponível em: https://ndmais.com.br/educacao/527-mil-alunos-voltarao-ao-ensino-presencial-em-sc/. Acesso em: 20 ago. 2021.

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