Coprodução de resíduos orgânicos em Florianópolis: por mais minhoca na compostagem e mais informação na cabeça

Por Bruna Teixeira, Marilan Cristina Albuquerque e Vanessa Alves*

O Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) de Florianópolis, instituído pelo Decreto Municipal nº 17.910 em 22 de agosto de 2017, determina que os resíduos sólidos recicláveis, tanto a fração orgânica como a seca, não mais sejam enviados ao aterro sanitário. O modelo de gestão de resíduos sólidos deve privilegiar a não geração, a minimização da geração e o manejo diferenciado dos resíduos sólidos, com a triagem, e compostagem e a recuperação dos resíduos que constituem bem econômico e valor social. A disposição final é exclusiva dos rejeitos, de forma ambientalmente adequada (PMGIRS, 2017).

Na mesma linha, a Lei nº 10.501, de 08 de abril de 2019, conhecida como a Lei de Compostagem, estabelece que, até 5 de junho de 2030, cem por cento dos resíduos orgânicos no município de Florianópolis sejam destinados à compostagem. Nos noticiários, acompanhamos manchetes que evidenciam o compromisso da cidade em se tornar um ícone da gestão de resíduos sólidos ao pretender ser a primeira cidade “Lixo Zero” do Brasil.

A meta é audaciosa. Atualmente a Companhia Melhoramentos da Capital, Comcap,  recolhe, em média, 205 mil toneladas de lixo por ano. Cerca de 78% do resíduo recolhido é material que poderia ser reciclado ou encaminhado à compostagem, no entanto, apenas 8% atualmente é desviado do aterro sanitário (KALFELTZ; SANTOS, 2021, p. 9). Para mudar essa realidade e aproximar-se da meta estabelecida, o PMGIRS contém um conjunto de ações que remodela e amplia a dinâmica da destinação correta dos resíduos sólidos. Entre elas, está o projeto denominado “Minhoca na cabeça” (Figura 1). 

Figura 1 – Logo do Projeto Minhoca na Cabeça

Fonte: PMF, 2022.

O Projeto “Minhoca na Cabeça”, de iniciativa da Prefeitura Municipal de Florianópolis e de realização da Comcap, incentiva a reciclagem doméstica do resíduo orgânico por meio da doação de minhocários. O projeto consiste na doação de kits e promoção de oficinas (Figura 2) que incentivam e orientam os cidadãos a realizarem sua própria compostagem. Assim, os resíduos orgânicos (restos de alimentos, de origem vegetal e animal, como frutas, verduras, casca de ovo) têm como destino a compostagem no próprio quintal das casas.

Figura 2 – Oficinas do Projeto Minhoca na Cabeça

Fonte: PMF, 2022.

O Projeto vem complementar outras iniciativas já existentes. Há muitos anos, o assunto é pauta na cidade e muitas ações nesse sentido já são organizadas por diversos segmentos da sociedade. A horta urbana do Parque Cultura do Campeche (PACUCA) e a Revolução dos Baldinhos da comunidade Chico Mendes são alguns exemplos. Estas iniciativas podem ser vistas sob as lentes da coprodução do bem público, pois conforme Ostrom (1996), a coprodução caracteriza-se por ações que, com a união das partes, resultam no alcance de objetivos e resultados que seriam difíceis de serem alcançados por ações isoladas.

As informações sobre o que constitui o projeto “Minhoca na Cabeça” estão disponíveis em uma linguagem acessível, com vídeos e imagens que transparecem o interesse da sociedade e do poder público em resolver esse problema e promover mudança de visão e hábitos. No entanto, quando procuramos conhecer os critérios de seleção dos participantes, como lista de espera ou o número de participantes ativos, bem como valores e quantidades que envolvem os recursos e os resultados dos projetos, tivemos dificuldade no acesso às informações.

Inicialmente, a primeira dificuldade enfrentada foi na realização do cadastro para fazer parte do projeto, uma vez que no site não consta nenhuma programação de quando o projeto estará disponível para novas inscrições. Para o levantamento de informações mais concretas, buscamos o órgão responsável, que nos orientou que fizéssemos contato por e-mail. No entanto, não obtivemos retorno a respeito dos questionamentos realizados.

 Em uma apresentação e debate do tema que promovemos em disciplina na Universidade, convidamos e contamos com a presença do vereador Marcos José de Abreu (Marquito), autor da Lei da Compostagem. A presença do vereador nos possibilitou tomar conhecimento de maneira mais aprofundada acerca da Política Municipal de Resíduos Sólidos, da Lei da Compostagem e do funcionamento do aterro sanitário no município de Florianópolis. O vereador demonstrou que as metas da Lei de Compostagem, se seguidos os moldes de operacionalização e o ritmo de implementação atuais, dificilmente serão alcançadas. É preciso acelerar e ampliar os trabalhos da Prefeitura, Comcap, parceiros e demais envolvidos.

O que mais nos chamou atenção durante nossa pesquisa sobre o tema foi a dificuldade de acesso às informações. A página oficial do projeto “Minhoca na cabeça” contém informações apenas da descrição do projeto em si, mas carece de dados técnicos e quantitativos. Além disso, não disponibiliza um cronograma ou lista de espera para as próximas inscrições do programa. Este fato pode reduzir o interesse e a confiança da comunidade no Projeto. Ressaltamos, neste sentido, o estudo de Rocha e coautores (2021), que destacam a importância dos mecanismos de transparência e accountability na coprodução do serviço público. Além disso, a informação apresentada de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão é um importante instrumento do cidadão acompanhar e participar das ações públicas. Conforme Rocha e coautores (2019), a transparência como elemento estruturante da coprodução contribui para aproximar servidores públicos e cidadãos, promover confiança e viabilizar projetos.  

O problema dos resíduos sólidos é amplo e necessita do envolvimento de todos os atores sociais para ser resolvido. Um passo para isso é saber onde estamos para traçarmos os melhores caminhos para chegarmos aonde queremos. Estamos longe da meta? Quanto exatamente? Onde estamos errando? Onde estamos acertando? O que precisa ser ajustado? “Minhoca na Cabeça” é um bom projeto? Como melhorar e ampliar? Comecemos assim, preenchendo a cabeça com mais informações e deixemos as minhocas para a compostagem. 

* Texto elaborado por Bruna Teixeira, Marilan Cristina Albuquerque e Vanessa Alves, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

REFERÊNCIAS 

FLORIANÓPOLIS. Lei nº 10.501, de 8 de abril de 2019. dispõe sobre a obrigatoriedade da reciclagem de resíduos sólidos orgânicos no município de Florianópolis. Florianópolis, SC, 9 abr. 2019. Disponível em: <https:/ /leismunicipais.com.br/a/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2019/1051/10501/lei-ordinaria-n10501-2019-dispoe-sobre-a-obrigatoriedade-da-reciclagem-de-residuossolidos-organicos-no-municipio-de-florianopolis>. Acesso em: 27 maio 2022.

KALFELTZ, Jade; SANTOS, Kainã Pacheco. Lixo Impossível: Gestão de Resíduos em Florianópolis. 2021. 38 pag. Relatório Técnico de Trabalho de Conclusão de Curso – Departamento de Jornalismo do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, setembro de 2021.

OSTROM, Elinor. Crossing the great divide: coproduction, synergy and development. World Development, Vol. 24, No. 6, pp. 1073-1087.1996.

PLANO MUNICIPAL DE GESTÃO INTEGRADA DE RESÍDUOS SÓLIDOS, PMGIRS. Florianópolis, 2017. Disponível em <https://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/pmgirs/>. Acesso em 27 de maio de 2022.

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Projeto Minhoca na Cabeça, 2022. Página inicial. Disponível em: <https:// https://www.pmf.sc.gov.br/sistemas/MinhocaCabeca/saibaMais.php >. Acesso em 27 de maio de 2022.

ROCHA, Arlindo Carvalho; SCHOMMER, Paula Chies; DEBETIR, Emiliana; PINHEIRO, Daniel Moraes. Elementos estruturantes para a realização da coprodução do bem público: uma visão integrativa. Cadernos EBAPE. BR, v. 19, p. 538-551, 2021.

ROCHA, Arlindo Carvalho; SCHOMMER, Paula Chies; DEBETIR, Emiliana; PINHEIRO, Daniel Moraes. Transparência como elemento da coprodução na pavimentação de vias públicas. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 24, n. 78, 2019.