Uma análise sobre a transparência nos planos de vacinação: como estamos em Florianópolis

Por Felipe Flach, Marllon de Matos, Thiago de Faria e Vitor Kretzer *

Desde o início da pandemia de Covid-19, nota-se crescente preocupação acerca da disponibilidade de informações referentes aos dados sobre a difusão do vírus e da doença, seus impactos e os planos de ação para seu combate. Cresceu, também, a importância dada às práticas de accountability e aos mecanismos que buscam promover a transparência de qualquer informação referente ao vírus e à resposta à pandemia pelos governos das esferas  municipal, estadual ou federal.

Declarada no dia 30 de janeiro de 2020 como uma pandemia mundial pela Organização Mundial da Saúde, a Covid-19 evidencia o crescimento das iniciativas multilaterais e colaboração global como meio de enfrentamento do problema (acesse para saber mais sobre os aprendizados após um ano de Covid-19). Transparência e coordenação mostram-se como elementos-chave dos processos que envolvem tanto a pesquisa e o desenvolvimento, quanto o planejamento e a implementação dos planos de combate, sejam eles pela vacinação, políticas de isolamento ou métodos de prevenção (MSF, 2020).

Tão crucial quanto os aspectos ligados ao vírus e à doença e seus efeitos, é  a preocupação  com os investimentos voltados à gestão e à manutenção de toda a base que permite a pesquisa, a produção e a disponibilização das vacinas, a divulgação de dados abertos relativos à pandemia e a clareza quanto às decisões e estratégias e seus efeitos. Todo esse aparato, além de auxiliar na tomada de decisão e contribuir para o enfrentamento do vírus e seus efeitos, está ligado  a um tema que, ainda mais em circunstâncias como esta, está na base da  administração pública, a transparência dos processos (MSF, 2020).

Na  esfera municipal, no estado de  Santa Catarina, a transparência se mostra relevante aos olhares de parte da população e do setor público, sobretudo quando o assunto é a vacinação que pode evitar a Covid-19. Pode-se perceber isso, por exemplo,  pela orientação administrativa circular MPC 001/2021 divulgada pelo Ministério Público de Contas (MPC-SC), que, além de orientar a respeito da criação de um banco de dados interno detalhado a respeito dos planos de vacinação municipais, oferece instruções para ampliar a transparência sobre esses planos.

A nota tem como objetivo o apoio à população, que muitas  vezes carece desses dados e informações, ampliando e implementando a accountability das diversas etapas do processo – definição de critérios, forma de elaboração do plano, prazos e monitoramento da implementação e dos resultados. Busca construir,  também, para  enfrentar os chamados “fura filas”, que, ao se aproveitar da falta de controle e transparência de dados da vacinação, acabam se imunizando de forma irregular (MPC-SC, 2021).

Algumas organizações da sociedade civil, como a Open Knowledge Brasil, Observatório Covid-19 BR e Transparência Internacional – Brasil, desenvolveram uma nota técnica para avaliar a qualidade dos dados e a disponibilidade das informações sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Alguns dos pontos levantados nessa nota podem servir de referência para avaliar o desempenho dos municípios.

A avaliação é feita por meio de 7 categorias, divididas em 30 itens. O resultado mostrou que, em fevereiro de 2021, apenas 8 desses 30 itens estavam disponíveis para a população de forma adequada. Os restantes são divididos entre dados indisponíveis (9), incompletos (11) e inconsistentes (2).

A partir desse resultado, foram identificados alguns problemas que ocorrem frequentemente, como, por exemplo, a repetição de registros da mesma pessoa, que pode ser observado na Figura 1, a seguir:

Figura 1 – Registro Duplicado para Vacinação no Brasil

Fonte: Nota Técnica – Transparência da Vacinação. 

De acordo com a nota técnica, “os maiores casos de repetição do mesmo paciente têm como origem, por exemplo, o sistema “Saudetech”, contratado por municípios do Paraná e Santa Catarina para gestão de suas redes de Saúde”.

Outro problema levantado foi a dificuldade de realizar análises mais profundas a partir dos dados fornecidos sobre o Covid-19 no Brasil. Atualmente, não é possível fazer o download dos dados em uma planilha, dificultando a análise e o tratamento dos dados. Nesse sentido,  as campanhas de imunização  promovidas pelos órgãos de saúde públicos das cidades  demonstram fragilidade na  transparência. 

Em recente análise feita sobre o Plano de Vacinação de Florianópolis, observou-se que, apesar do seu nível de transparência ser alto de acordo com o Transparência Covid-19, ainda assim vem apresentando inúmeros desafios relacionados à sua gestão, como a ausência da participação direta do Conselho Municipal de Saúde na sua elaboração, de modo a  atribuir mais participação para a população, apoio de especialistas externos para aprimoramento de características técnicas do plano e a dificuldade em definir prazos, dado que não há previsibilidade sobre a disponibilidade de vacinas no país.

O Covidômetro é uma tentativa de auxiliar na gestão dos dados sobre o Covid-19 e atua com informações atualizadas em tempo real sobre o número de vacinados em Florianópolis. Apesar disso, ainda encontra-se indisponível uma relação mais profunda sobre os blocos de vacinação e seus prazos, comprometendo o atingimento dos objetivos definidos no Plano de Vacinação.

Assim, pode-se entender que as iniciativas tomadas até agora apresentam dificuldades para definir prazos entre os grupos de entrega. Uma vez que não há previsibilidade de vacinas no país, devido a impasses de outras correntes da esfera pública, nos encontramos em um situação delicada quando se fala em concluir os objetivos do Plano de Vacinação do município de Florianópolis.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Felipe Flach, Marllon de Matos, Thiago de Faria e Vitor Kretzer, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

COVID-19, Transparência. Índice de transparência da Covid-19. Disponível em: https://transparenciacovid19.ok.org.br/. Acesso em: 29 mar. 2021.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DE SANTA CATARINA. MPC/SC orienta municípios a ampliar transparência de dados sobre vacinação. 2021. Publicação em site. disponível em: https://www.mpc.sc.gov.br/noticias/mpc-sc-orienta-municipios-a-ampliar-transparencia-de-dados-sobre-vacinacao/. Acesso em: 22 mar. 2021.

MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. A busca por uma “vacina para todos” destaca a importância da coordenação e transparência em pesquisa e desenvolvimento para COVID-19. Disponível em: https://www.msf.org.br/opiniao/busca-por-uma-vacina-para-todos-destaca-importancia-da-coordenacao-e-transparencia-em. Acesso em: 22 mar. 2021.

OPEN KNOWLEDGE BRASIL. NOTA TÉCNICA TRANSPARÊNCIA DA VACINAÇÃO Uma análise de organizações da sociedade civil. Florianópolis: Caixa Preta, 2021. 21 p. Disponível em: https://www.ok.org.br/wp-content/uploads/2021/03/Nota_Tecnica_Vacinacao_04032021.pdf. Acesso em: 29 mar. 2021.

PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. Covidômetro. Disponível em: https://covidometrofloripa.com.br/. Acesso em: 29 mar. 2021.

PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. PLANO DE VACINAÇÃO CONTRA COVID-19 EM FLORIANÓPOLIS. Florianópolis: Prefeitura de Florianópolis, 15 jan 2021. 23 p. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/18_01_2021_13.25.54.ffdfac71625cabfa212fe11b9f96e47e.pdf. Acesso em: 29 mar. 2021

Para saber mais

Fonte: O modelo de negócio das vacinas

O modelo de negócio das vacinas:

Este mini documentário de 24 minutos do Financial Times explica o funcionamento da indústria e do mercado de vacinas global antes e depois da covid-19, levantando também questões relacionadas a financiamento, risco, retorno, transparência e incentivos de empresas e governos.

“O mercado farmacêutico global era de US$1,3 trilhões em 2019. As vacinas representavam apenas 3% dele, gerando receitas de US $33 bilhões ao ano. Isso comparado a US $142 bilhões de receitas de drogas contra câncer. Então como funciona a economia das vacinas? Quem as financia? Quão lucrativas são? E a pandemia de covid-19 e as novas tecnologias mudarão o mercado de vacinas para sempre?”

“A Moderna espera uma receita de US $18,4 bilhões com vacinas contra a covid-19 este ano. Não revelou sua margem de lucro. A Pfizer estima gerar US$ 15 bilhões em receitas, com uma margem de lucro de mais de 20%.”

Em uma de suas falas no documentário, Bill Gates diz: “Os valores envolvidos comparados a custos de pesquisa e desenvolvimento com vacinas normais são de dezenas de bilhões de dólares. Talvez um total de US $25 bilhões. Isso é gigantesco no mundo das vacinas. Mas relativamente ao custo econômico da pandemia, que é de trilhões de dólares, é realmente como um erro de arredondamento. Esse é o melhor dinheiro que foi gasto por governos durante essa pandemia”. Também está disponível a transcrição do vídeo.

Transparência na Câmara Municipal de Florianópolis: o sistema Paperless Gov e sua contribuição para o Legislativo da Capital

Por Camila Mendes Lapolli Silveira, Júlia Gabriela Maciel da Silva, Jeniffer Macedo e Manoella Costa Rodrigues *

Florianópolis, em 2017, foi considerada a capital brasileira que possui o menor índice de transparência passiva (aquela em que o poder público fornece informações quando solicitadas pelos cidadãos). Através da metodologia Escala Brasil Transparente (EBT), a cidade obteve 2,08 pontos em uma escala até 10. O levantamento foi realizado pela Controladoria Geral da União (CGU), com base no grau de cumprimento de dispositivos da Lei de Acesso à Informação (LAI)

A metodologia utilizada pela EBT consiste em solicitar quatro requerimentos de acesso à informação, sendo que três são realizados nas áreas da saúde, educação e assistência social, e o quarto concentra-se na regulamentação do acesso à informação pelo ente federativo. O relatório apontou que a forma alternativa de solicitar dados pelos cidadãos não foi localizada, não funcionava, estava fora do ar ou em manutenção. Devido a essas conclusões, Florianópolis ocupou a última posição entre as capitais brasileiras, naquele período. A Figura 1 mostra o ranking das capitais brasileiras analisadas pela EBT.

Figura 1 – Ranking das capitais na Escala Brasil Transparente em 2017

Fonte: CGU (2017)

Com a pressão sofrida a partir dos resultados de 2017, Florianópolis avançou no quesito transparência, pois na segunda avaliação da CGU, a cidade subiu sua nota para 6,87. Na nova metodologia utilizada pelo EBT – Avaliação 360º, e divulgada em 2018, além da transparência passiva, estudou-se também a transparência ativa – na qual o poder público publica as informações sem a necessidade de solicitação por parte dos cidadãos. A Figura 2 mostra a nota da cidade de Florianópolis na avaliação de 2018. 

Figura 2 – Nota de Florianópolis no mapa do estado.

Fonte: CGU (2018)

A segunda edição da EBT – Avaliação 360º, que foi publicada em março de 2021, mostra mais uma vez um aumento na nota da cidade (Tabela 1).

Tabela 1 – Nota de Florianópolis nas edições da EBT

Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em CGU (2017, 2018, 2021)

Apesar da necessidade de aperfeiçoar os mecanismos que promovem a transparência, os resultados para a cidade são significativos. Algumas iniciativas que impulsionam e cobram a transparência no município estão sendo trabalhadas em conjunto com a Câmara Municipal de Florianópolis. 

O Projeto de Lei nº 17.623/2018, que propõe a política de dados abertos do poder municipal, foi uma iniciativa do então vereador Gabriel Meurer, em parceria com estudantes do curso de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag. O PL foi promulgado pela Lei n. 10.584, de 02 de agosto de 2019, e tem como objetivo: 

I – promover a publicação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública municipal direta, autárquica e fundacional, bem como do Poder Legislativo, sob a forma de dados abertos;
II – aprimorar a cultura de transparência pública;
III – franquear aos cidadãos o acesso, de forma aberta, aos dados produzidos ou acumulados pelo Poder Público municipal, sobre os quais não recaia vedação expressa de acesso;
IV – facilitar o intercâmbio de dados entre órgãos e entidades da administração pública municipal e as diferentes esferas do município;
V – fomentar o controle social e o desenvolvimento de novas tecnologias destinadas à construção de ambiente de gestão pública participativa e democrática e à melhor oferta de serviços públicos para o cidadão;
VI -fomentar a pesquisa científica de base empírica sobre a gestão pública;
VII – promover o desenvolvimento tecnológico e a inovação nos setores público e privado e fomentar novos negócios;
VIII – promover o compartilhamento de recursos de tecnologia da informação, de maneira a evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos na disseminação de dados e informações;
IX – aprimorar a oferta de serviços públicos digitais;
X – proporcionar maior liberdade de análise de dados por parte dos cidadãos; e 
XI – fomentar a coprodução dos serviços públicos.

No dia 23 de setembro de 2020, deu entrada na Câmara Municipal de Florianópolis, o Projeto de Lei nº 18.124/2020, que dispõe sobre a instituição da Política Municipal da Transparência em Florianópolis. Esse projeto de lei teve como autor a Comissão Parlamentar Especial pela Transparência, que tinha o vereador Pedro Silvestre como presidente e o vereador Gabriel Meurer como relator. Também fizeram parte dessa comissão os vereadores Celso Sandrini, Claudinei Marques e Marcos José de Abreu. Além desses, participaram da Comissão o Grupo de pesquisa Politeia, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc Esag), a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público de Contas (MPC/SC), o grupo de pesquisa Nigep, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Observatório Social de Florianópolis, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/SC), o Instituto Politize! e a Comissão de Moralidade Pública da OAB/SC.

O projeto de lei conta com 9 seções, sendo elas: disposições preliminares, acesso à informação, transparência em serviços públicos, transparência em contratações públicas, participação e controle social, inovação tecnológica, estrutura de implementação, fiscalização e monitoramento da política, metas e prazos e, por último, as disposições finais.

Com o término da legislatura dos vereadores de Florianópolis em 2020, o Projeto de Lei foi arquivado, mas, no dia 24 de fevereiro de 2021 entrou em processo de desarquivamento para dar continuidade. Com a possível implementação desse projeto de lei, a esperança do ex-vereador Pedro Silvestre é que a cidade de Florianópolis se torne referência nacional em transparência.

Figura 3 – Comissão Parlamentar Especial pela transparência.

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021)

Figura 4 – Apoiadores da Comissão Parlamentar Especial

Fonte: Elaborada pelas autoras (2021)

Em 2020, sabendo da necessidade de trazer eficiência à tramitação interna e pensando em ampliar a  transparência e o bom uso  do dinheiro público, o então presidente da Casa Legislativa, Vereador Fábio Braga (PSD), introduziu o sistema Paperless Gov para substituir o antigo Sistema de Gestão de Demandas (SGD). O sistema foi criado pela empresa prestadora de serviço VH, mas sem novos gastos.

Diferente do proposto pelo sistema SGD, o Paperless Gov proporciona realizar a tramitação de documentos internos de forma totalmente online, auxiliando na diminuição do uso de papel e na publicação de documentos pela página do órgão municipal, aumentando a transparência das ações legislativas internas. Assim, possibilitando que as informações sejam publicadas de forma mais rápida para o acesso dos cidadãos. 

O Paperless Gov auxilia na publicação de informações referentes às ações realizadas internamente na Câmara Municipal de Florianópolis, já que, por ser um sistema totalmente online, é mais simples adicionar novas informações no site da casa legislativa. Na Figura 5, a seguir, pode-se observar o sistema que acontece para a publicação de informações a partir do uso do Paperless Gov

Figura 5 – Disseminação da informação através do PaperLess Gov.

Fonte: Adaptado de GOMIDE, 2020. 

Desse modo, promovendo as iniciativas citadas, o município de Florianópolis continua, gradativamente, a melhorar suas políticas de transparência. Os  resultados obtidos pela EBT mostram que, na comparação com o desempenho anterior,  houve uma melhora no cumprimento da Lei de Acesso à Informação. Ainda que, na comparação com outros municípios e com o governo do estado de Santa Catarina, torna-se evidente que Florianópolis pode avançar mais. Não apenas para cumprir o básico da legislação em transparência, também para aprimorar a qualidade e o acesso aos serviços públicos, prevenir  corrupção e desperdício e melhorar a qualidade dos gastos públicos.

As  iniciativas mencionadas  contribuem  para expressar a expectativa de diversos segmentos locais de que se avance em transparência da gestão pública,  não esquecendo que a institucionalização de uma cultura política e de métodos transparentes são realizados gradativamente pelos diversos grupos da sociedade e do poder público, em interação.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Camila Mendes Lapolli Silveira, Jeniffer Macedo, Julia Gabriela Maciel da Silva e Manoella Costa Rodrigues, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

ALVES, Felipe. Florianópolis é a pior Capital quando se fala em transparência. nd+ [publicado em: 16/05/2017 às 08h50]. Disponível em: https://ndmais.com.br/noticias/florianopolis-e-a-pior-capital-quando-se-fala-em-transparencia/. Acesso em: 10 mar. 2021.

Diário Oficial do Município de Florianópolis. Página 2 do Diário Oficial do Município de Florianópolis (DOM-FLN-SC) de 2 de Agosto de 2019. Jusbrasil. [publicado em: 2 ago. 2019]. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/254621986/dom-fln-sc-02-08-2019-pg-2. Acesso em: 08 mar. 2021.

GOMIDE, Hudson.Paperless Gov. VH Soluções em Software. [2020?],  Florianópolis. Apresentação Power Point.

Mapa Brasil Transparente. Avaliações independentes. MBT gov.br. Disponível em: https://mbt.cgu.gov.br/publico/avaliacao/avaliacoes_independentes. Acesso em: 25 de março de 2021.  

Para saber mais:
Transparência Municipal: Avançando desde a Câmara de Florianópolis
Comissão Parlamentar Especial pela Transparência no Município de Florianópolis
Transparência em Florianópolis: perspectivas e desafios contemporâneos

Licitações sob o ponto de vista das empresas e do serviço público

Uma breve análise sobre a transparência do processo e a qualidade da execução do objeto.

Por Bruno Azevedo, Freya Bayer, Marcela Neiva e Vanessa Royer *

Como a accountability pode ocorrer nas compras públicas, sob o ponto de vista do poder público e sob a ótica do fornecedor? É o que abordamos neste texto.

Iniciamos com uma apresentação geral da legislação existente no país no tocante às compras públicas, mencionamos algumas dificuldades comuns  encontradas pelas empresas privadas, bem como os requisitos e precauções a serem tomados quando estas pretendem ser contratadas pelo Estado para fornecer um produto, realizar uma obra ou prestar um serviço. A intenção principal é instigar a reflexão sobre a necessidade de se pensar em accountability sob o ponto de vista de diferentes envolvidos no processo de compras públicas. 

Previamente à análise, cabe dar um passo atrás e destacar o conceito de accountability, aqui entendido como responsabilização pessoal e institucional pelos atos praticados e a exigência de prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado. Em contextos democráticos, a accountability envolve mecanismos relativos a regras estatais intertemporais, ao processo eleitoral e ao controle institucional sobre o mandato (Abrucio e Loureiro, 2005). Para saber mais você pode acessar este vídeo

Uma das bases da accountability é a transparência, por meio da qual, no contexto da administração pública, os representantes políticos ou servidores públicos disponibilizam dados e informações sobre sua atuação. Esses dados podem ser utilizados por outros órgãos da administração pública, instâncias de controle, organizações privadas, como empresas fornecedoras e parceiros em projetos. 

Para que as contratações públicas sejam realizadas de forma organizada e transparente, o Estado criou um aparato legal capaz de abarcar diversas formas de compra, para diversos preços e objetos. Para saber mais sobre como se estruturam os processos de compras públicas no Brasil e sobre estudos e tendências nessa área, você pode acessar este artigo sobre compras públicas.

As licitações, por meio das quais se realiza a maior parte das compras públicas, exigem das empresas a sua submissão ao ordenamento jurídico, que busca definir procedimentos e critérios para as contratações e proteger a administração pública de ações que possam lhe trazer prejuízos. 

Entre as leis que regem as contratações públicas, estão a Lei n. 8.666/93 conhecida como a Lei Geral das Licitações, a Lei n. 10.520/2002, conhecida como a Lei do Pregão, a Lei n. 12.349/2010, que regulamenta o Art. 3º da Lei n. 8.666/93, a Lei n. 12.462/2011, que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), e em caso de Micro e Pequenas Empresas, a Lei n. 123/2006, Lei n. 147/2014, Lei n. 13.979/2020 e a Medida Provisória n. 926/2020.

A Lei n. 8.666/93 abarca uma série de possibilidades de compra. Entre as modalidades que institui estão a concorrência, para contratações de maior valor, a tomada de preços, para contratações de valor intermediário, o concurso, para contratação de trabalhos intelectuais, o convite, através da carta convite, para instrumentos de menor valor, e o leilão, para venda de bens móveis e imóveis.

O Pregão é a modalidade de licitação mais utilizada atualmente, destinada à aquisição de bens e serviços considerados comuns, independentemente do valor da licitação. A legislação define que são comuns aqueles objetos cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. Não se aplica às contratações de obras, às locações imobiliárias, às alienações em geral e nem aos bens e serviços especiais.

Em 2010, foi sancionada a Lei n. 12.349/2010, que estabeleceu preferência de produtos nacionais em licitações, e também estendeu seus efeitos aos bens e serviços originários de países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), a fim de privilegiar os mercados mais regionalizados. Entretanto, ela tratou de prever situações em que a concessão de preferências não seria admitida. Não se aplicam as ditas preferências aos bens e aos serviços cuja capacidade de produção ou prestação no país seja inferior à quantidade a ser adquirida ou contratada; ou ao quantitativo fixado com fundamento no § 7º do art. 23 da Lei n. 8.666/93. Além disso, cabe à Administração Pública avaliar os casos em que a contratação de produtos de origem nacional ou de países do Mercosul são realmente vantajosos.

O Regime Diferenciado de Contratação, instituído pela Lei n. 12.462/2011, seria aplicado apenas às contratações de obras e serviços necessários aos eventos Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas, perdendo sua validade após 2016. A Lei do RDC começou a sofrer alterações, permitindo o uso do procedimento para ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), licitações e contratos para obras e serviços de engenharia do sistema público de ensino e obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

A Lei n. 123/2006, também conhecida como Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (MPE), instituiu um tratamento mais simples e favorável para as Micro e Pequenas Empresas, na medida em que criou o mais recente estatuto nacional para este ramo. Já a partir das alterações promovidas pela Lei n. 147/2014, o Microempreendedor individual (MEI) passa a ser considerado política pública de incentivo à formalização e inclusão social. 

Por último, cabe destaque à Nova Lei de Licitações, referente ao Projeto de Lei nº 4.253, de 2020 que prevê alterações e acréscimos à Lei nº 8.666/1993 com o objetivo de tornar as contratações mais eficientes e atualizar vários aspectos. Uma análise sobre a nova lei pode ser vista neste texto.

Do ponto de vista das empresas, existe uma série de requisitos para que seja possível participar de um processo de contratação. A Cartilha do Fornecedor do Sebrae abre orientações pontuando que, para começar a vender para o governo, é preciso que a empresa se prepare com toda documentação necessária e que permita comprovar:

  • sua habilitação jurídica – a legalidade da empresa, ramo de atividade e situação societária;
  • sua qualificação técnica –  laudos técnicos, declarações ou documentos comprobatórios do tipo de produto ou serviço que é capaz de oferecer;
  • sua qualificação econômico-financeira – a situação financeira da empresa, comprovada pelo balanço patrimonial, demonstrações contábeis do último exercício e certidão negativa de falência.  Em muitas das vezes, também são exigidas informações sobre o patrimônio da empresa, a fim de verificar se tem condição de assumir determinados compromissos;
  • sua regularidade fiscal – comprovantes de cadastramento e regularidade com o CNPJ, certidões demonstrando regularidade com as Fazendas federal, estadual e municipal, FGTS e regularidade relativa à seguridade social (INSS).

Uma vez concluída essa fase, a empresa estará apta a buscar oportunidade de venda para os governos nas mais diversas esferas. A depender do segmento de atuação, do seu porte ou experiência com contratações públicas, as empresas podem focar suas atenções a contratações no âmbito municipal, estadual ou federal, ou certos setores específicos. Percebe-se uma certa segmentação, ou especialização conforme serviço ou produto que a empresa oferece, e conforme as necessidades do poder público. 

Ainda segundo a Cartilha do Sebrae, e também de acordo com a convidada em aula de sistemas de accountability  da Udesc Esag, Doutora Gisele de Souza Pes, gerente na área de licitação e contratos da empresa Plansul, ao identificar oportunidades, é aconselhável que a empresa tome precauções e faça uma análise de riscos versus oportunidades. Cabe avaliar minuciosamente os editais e verificar se tem condições de atendê-los, sem que comprometa um percentual muito significativo de seu capital de giro e estoque, e se tem condições de cumprir o contrato nos quesitos qualidade e prazos, haja vistas as penalidades previstas com o seu descumprimento.

Vale lembrar que o interesse do Estado tem supremacia sobre os demais entes participantes nos processos de compras públicas. Nesse sentido, a empresa deve, em havendo atraso nos pagamentos ou inadequação dos seus produtos ao esperado, ser capaz de absorver os custos e lidar com imprevistos. Convém, também, que formalize antes, durante e ao final do certame, todos os pedidos e dúvidas, por escrito, além de, ao final, solicitar o “Atestado de boa Execução”, o que agregará valor à sua qualificação nos eventos futuros. 

Finalmente, a empresa deve atentar para os efeitos da Lei n. 12.846/2013, que, independentemente da pessoa física que possa realizar ilícito em seu nome, prevê a punição administrativa e civil da pessoa jurídica que corrompa agentes públicos e cometa fraude em contratos ou licitações. A mesma Lei autoriza que seja requerido do participante de licitação a comprovação de programa de compliance

O compliance é uma das tendências atuais na iniciativa privada, e é posto em prática através da implementação de programas de integridade, que orientam a organização a adotar uma postura mais transparente, lícita, ética e íntegra, não só internamente, mas também visando às relações com o público externo, inclusive as contratações públicas.

A partir do que foi exposto, é possível perceber que, no que tange à accountability, o setor público precisa constantemente se atualizar através de legislações e mecanismos de controle e transparência de contas públicas para que seus atos sejam realizados sob os princípios constitucionais da publicidade, da eficiência, da legalidade e da imparcialidade. Nota-se ainda que, para que seja vantajoso para uma empresa se lançar nesse mercado das contratações públicas, é necessário que isso seja feito de igual maneira com responsabilidade e busca pela eficiência. Muitos são os desafios impostos, tanto pelos requisitos, quanto pelas modalidades de contratação, quanto pela concorrência e dificuldade em entregar serviços e produtos tão específicos. 

Além disso, as empresas precisam estar preparadas para arcar com prejuízos e imprevistos devido a atrasos em pagamentos e burocracias criadas pelo poder público. Por último, é preciso pensar que, sob o ponto de vista das empresas, o controle dos processos e da qualidade dos serviços prestados é fundamental. 

Conclui-se que são inesgotáveis as questões que podem ser refletidas no âmbito das contratações públicas e na accountability do processo e entre os envolvidos. Enquanto o poder público precisa se responsabilizar por seus atos, existe uma contrapartida das empresas, que precisam se adequar e superar concorrência e desafios ao participar dos processos licitatórios. Além disso, cabe lembrar que existe um cidadão esperando por qualidade e eficiência nos serviços públicos, e especial cuidado com os gastos públicos. Por fim, pode-se esperar tanto evoluções, como retrocessos no entendimento geral sobre o assunto nas legislações que o regem e nos desafios que o permeiam nas práticas, em cada contexto concreto. Por fim, ressalta-se a importância de sobressair as aprendizagens e mudanças geradas, mesmo em cenários de clara desordem.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Bruno Azevedo, Freya Bayer, Marcela Neiva e Vanessa Royer, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability.In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

ALVES, Lidiana; ARAKAKI, Sabrina. Compliance e o setor público: mais burocracia? Politeia. Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/compliance-e-o-setor-publico-mais-burocracia/. Acesso em 17 mar. 2021.

Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas. Como preparar a sua empresa para vender para o governo? Disponível em: http://www.cndl.org.br/comprasgovernamentais/. Acesso em: 17 mar. 2021.

DONELLA, Geovana. Compliance. Disponível em: https://capitalaberto.com.br/secoes/explicando/o-que-e-compliance/. Acesso em: 17 mar. 2021.

FENILI, Renato. Uma rápida incursão à vindoura nova Lei de Licitações. Disponível em: https://www.sollicita.com.br/Noticia/?p_idNoticia=17198&n=uma-r%C3%A1pida-incurs%C3%A3o-%C3%A0-vindoura-nova-lei-de-licita%C3%A7%C3%B5es. Acesso em: 17 mar. 2021.

FERNANDES, Ciro. Compras Públicas no Brasil: tendências de inovação, avanços e dificuldades no período recente. Administração Pública e Gestão Social, 4(11), 1-19, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufv.br/apgs/article/view/7262. Acesso em: 29 mar.2021.

LUZ, Suyane; JACOMINI, Barbara; LANGE, Manuela. Fragilidades na transparência em compras públicas evidenciadas em época de pandemia no estado de Santa Catarina. Politeia. Disponível em: http://politeiacoproducao.com.br/fragilidades-na-transparencia-em-compras-publicas-evidenciadas-em-epoca-de-pandemia-no-estado-de-santa-catarina/. Acesso em: 29 mar. 2021.

NOVELLETO, Amanda. Compliance e Licitações – parte 2. Disponível em: https://www.effecti.com.br/compliance-e-licitacoes-parte-2/. Acesso em: 17 mar. 2021.

PINHO, J. A. G. SACRAMENTO, A. R. S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, 43 (6): 1343-68, nov./dez. 2009. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6898. Acesso em: 28 mar. 2021.

SANTA CATARINA, CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Guia de Procedimentos e de identificação dos principais riscos em aquisições e contratações diretas destinadas ao enfrentamento da COVID-19. 1 ed. 2020. Disponível em: https://www.cge.sc.gov.br//wp-content/uploads/2020/04/GUIA-DE-PROCEDIMENTOS-CONTRATA%c3%87%c3%95ES-COVID-19.pdf. Acesso em: 28 mar. 2021.

SEBRAE. Cartilha do fornecedor. Disponível em: http://www.cndl.org.br/comprasgovernamentais/assets/pdf/fornecedor.pdf. Acesso em: 17 mar. 2021.

Recorde de queimadas no Pantanal brasileiro em 2020: responsabilidades e caminhos para evitar a destruição do meio ambiente

Por Carolini Oliveira, Débora Palma, Eliza Malheiros e Larissa Amaro *

O pantanal brasileiro registrou no ano de 2020 a maior taxa histórica de queimadas desde 1998, ano em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) iniciou o levantamento de dados ambientais. Em 2019, foram registrados 10.025 focos de incêndio, já  em 2020 o número chegou a 22.116 (INPE), um aumento de mais de 100% se comparado ao ano anterior. 

Segundo Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM, 2020, s.p.), “o incêndio em florestas tropicais não é natural. Ele é causado principalmente pela ação humana alimentada por um ambiente mais seco, que faz o fogo escapar de um pasto ou de uma área desmatada, por exemplo, e entrar na mata”. Sendo assim, os principais fatores responsáveis pelas queimadas são: o aumento das atividades agrícolas e pecuaristas, a ação humana ou antrópica, aliados ao clima tropical de tempo seco (Figura 1).

Figura 1 – Principais fatores responsáveis pelas queimadas

Fonte: Elaborado pelas autoras, com base em Mundo Educação UOL (2020)

O desmatamento e a queimada são ações vinculadas, as árvores são cortadas e retiradas da área escolhida para formação de pastagem. Em seguida, o solo é queimado como uma forma de adubagem e preparo para formação dos pastos que abrigarão a produção de bovinos. Porém, sabe-se que muitas vezes essa queimada ganha maiores proporções e dificulta o controle. Suas consequências são negativas para a região, com a perda da biodiversidade, o desequilíbrio do ecossistema, o empobrecimento do solo, além do aumento do índice de gases que ajudam no efeito estufa.

Conforme dados do Mapbiomas, a criação de pastagem no pantanal aumentou de 0,4 para 2,3 Mha, unidade em milhão de hectares, enquanto a área de floresta e savana diminuiu de 5,7 para 4,3 Mha, entre os anos de 1985 a 2019. Acompanhando essa linha do tempo, temos as multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). De acordo com informações divulgadas pelo Poder360 a partir de análise de dados do Instituto, as autuações do órgão são as menores dos últimos 21 anos. De janeiro a maio de 2020, ocorreu uma queda de 54% no número de multas em relação ao ano anterior, sendo que 2019 já havia registrado o menor número desde 2000. Além disso, o número de fiscais ambientais do órgão caiu pela metade nos últimos 10 anos.

Pode-se dizer que a diminuição da fiscalização de crimes ambientais está atrelada aos cortes orçamentários realizados nas instituições responsáveis por essa função, o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Em comparação ao último mandato, do presidente Michel Termer (MDB), o projeto orçamentário de 2021 prevê um corte de 25,4% em ações de controle e fiscalização ambiental, além de 37,6% para prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias.

Outro importante aliado do Meio Ambiente no Brasil é o INPE, responsável por realizar pesquisas, monitoramento e disseminação de dados. Juntamente com o IBAMA, o INPE lançou o Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (CIMAN), uma plataforma que monitora as queimadas e focos de incêndio em todo o país com a integração de dados de satélites de informação, fotos e detalhes das equipes que estão em campo combatendo o fogo, em tempo real.

O INPE é uma peça-chave para o controle do desmatamento e queimadas. Os dados gerados pelo Instituto são de suma importância para os planos de ação. Porém, diante de dados sobre o aumento do desmatamento no Brasil publicados pelo INPE, o atual Presidente da República afirmou que os dados não condizem com a realidade e colocou em xeque a imagem do órgão.

Conforme Art. 41 da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre “sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente” (BRASIL, 1998), provocar incêndio em mata ou floresta é crime ambiental:

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

De acordo com o Código Penal Brasileiro:

Art. 18 – Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime doloso (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Percebe-se uma abertura para a exploração dos recursos naturais perante as ações realizadas pelo atual governo, com corte no orçamento, falta de fiscalização, e quase nenhuma responsabilização, chegando a ser irrisória arrecadação de apenas 5% das multas aplicadas pelo órgão responsável. A responsabilização ambiental é um ponto de vulnerabilidade em nosso sistema penal. Grandes crimes ambientais vêm ocorrendo ano após anos e pouco se vê sobre o comprometimento com os danos irreparáveis causados.

Na contramão desse descaso, as organizações da sociedade civil juntamente com o apoio da comunidade local e universidades mobilizam recursos para conter as chamas, cuidar dos animais feridos e dar apoio às famílias afetadas pelo fogo, como é o caso da Missão Gralha Azul.

O envolvimento de diversos atores, do local ao global, mostra-se crucial para enfrentar o desafio das mudanças climáticas. 

Bill Gates, empresário mundialmente conhecido, trouxe em 2021 questionamentos sobre a ação do homem no meio ambiente e o futuro do planeta Terra no livro intitulado “How to avoid a climate disastear”. O livro descreve cinco pontos para trilhar o caminho para evitar os desastres climáticos, são eles: compromisso governamental, compromissos corporativos, mudanças de comportamento, inovação e tecnologia e redução do “ágio verde” (Figura 2). 

Figura 2 – Livro “How to avoid a climate disastear”

Fonte: Elaborado pelas autoras, incluindo capa de Gates (2021)

Em resumo, o enfrentamento da crise climática, agravada pelas queimadas, passa pela coprodução do bem público, com envolvimento direto e ativo do cidadão nas iniciativas comunitárias e no processo de elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas. E pela governança colaborativa, processo por meio do qual diversos atores buscam solucionar problemas coletivos complexos, gerando valor público a partir de conexões e interações em um sistema de redes.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Carolini Oliveira, Débora Palma, Eliza Malheiros e Larissa Amaro, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS:

BRANT, Danielle; MACHADO, Renato. Apesar de incêndios, governo corta orçamento do Ibama e ICMBio em 2021. Valor Econômico, 13 set. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/13/apesar-de-incndios-governo-corta-oramento-do-ibama-e-icmbio-em-2021.ghtml. Acesso em: 10 mar. 2021.

BRANT, Danielle; MACHADO, Renato. Bolsonaro critica diretor do INPE por dados sobre desmatamento que prejudicam nome do Brasil. Folha de São Paulo, 19 jul. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/07/bolsonaro-critica-diretor-do-inpe-por-dados-sobre-desmatamento-que-prejudicam-nome-do-brasil.shtml. Acesso em 11 mar. 2021.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 10 mar. 2021. Acesso em: 10 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 10 mar. 2021.

CIMAN. Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/ciman/. Acesso em: 10 mar. 2021.

Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Programa Queimadas – Monitoramento dos Focos Ativos por Estado. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/. Acesso em: 10 mar. 2021

MALI, Tiago. PINTO, Paula Silva. Ibama aplica o menor número de multas em 21 anos. Poder 360, 24 jun. 2020. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/ibama-aplica-o-menor-numero-de-multas-em-21-anos-m/. Acesso em: 10 mar. 2021.

MAPBIOMAS. 17,5% do Brasil já queimou pelo menos uma vez em 20 anos. 03 dez. 2020. Disponível em: https://mapbiomas.org/175-do-brasil-ja-queimou-pelo-menos-uma-vez-em-20-anos-2. Acesso em: 10 mar. 2021.

MAPBIOMAS. PANTANAL Evolução anual da cobertura e uso da terra (1985-2019). Disponível em: https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/Infograficos/Colecao5/MBI-Infograficos-pantanal-5.0-BR-rev.jpg. Acesso em: 12 mar. 2021.

MENDONÇA, Gustavo Henrique. Queimadas no pantanal. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/queimadas-no-pantanal.htm. Acesso em: 10 mar. 2021.

THE INTERCEPT BRASIL – Maiores desmatadores da Amazônia. 31 jan. 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/01/31/maiores-desmatadores-amazonia/. Acesso em 12 mar. 2021.

Para saber mais:
Webinar: Pantanal uma discussão necessária.

Fake news no cenário brasileiro em tempos de pandemia

Por Amanda Amaral de Menezes, Gustavo Marques Adão e Isabel Cristina Chagas *

Fake news é um termo em inglês usado para se referir a informações falsas, publicadas por veículos de comunicação, geralmente redes sociais, como se fossem reais. Para Allcott e Gentzkow (citados por Carvalho et al., 2020), “as fake news são as notícias intencionais e comprovadamente falsas, que podem induzir as pessoas ao erro”. Grande parte dessas informações é viral, ou seja, se espalha de maneira rápida.

Hoje em dia, a internet é uma ferramenta de extrema importância para acessar informações referentes a vários assuntos. Em tempos de pandemia, a internet auxilia a população em relação às notícias sobre saúde, doença e cuidados. Entretanto, com a evolução da tecnologia, as fake news também podem ser disseminadas com mais facilidade, sendo divulgadas em diversos canais e transmitidas aos usuários como sendo verdadeiras, porém não condizem com a realidade (Neto et al., 2020). A partir do momento em que as fake news passaram a ser difundidas no cenário da COVID-19, tornaram-se um problema de saúde pública. 

De acordo com Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco (2020), a diferença entre a pandemia da COVID-19 para outras que já existiram no mundo é que, em outros tempos, a tecnologia não era tão forte como atualmente. Segundo a Organização das Nações Unidas, ONU, (2020), a tecnologia é uma ferramenta digital valiosa, trazendo informações em tempo real para o mundo inteiro, mas também vinculam informações de cunho enganoso ou falso, ameaçando a saúde física e mental da população. 

Desde o começo da pandemia, diversas informações novas, sobre temas complexos e que ainda estão sendo compreendidos por cientistas e gestores públicos, vem sendo divulgadas. Muitas delas, entretanto, caracterizam-se como fake news, o que aumenta as incertezas frente ao desafio que já é imenso. Evidências científicas são contestadas inclusive por alguns governantes, o que acaba por confundir e influenciar parte da população a adotar práticas inadequadas, gerando desinformação e aumento de risco para as pessoas.

A Organização Pan-Americana da Saúde, OPAS, (2020) alerta para os riscos das desinformações sobre a COVID-19 sobre formas de prevenção, transmissão e origem da doença, que se difundem de forma muito rápida e entendidas como verdadeiras na mesma velocidade, modificando o comportamento da população e consequentemente fazendo com que as pessoas assumam riscos desnecessários. 

Assim, alguns órgãos públicos como a Organização Mundial da Saúde, OMS, Ministérios da Saúde e outros órgãos de governo, a exemplo de Taiwan, desenvolveram estratégias que tem como intuito identificar e corrigir essas informações duvidosas veiculadas principalmente por redes sociais, reforçando o enfrentamento à desinfodemia da COVID-19 (Neto et al., 2020). 

O Ministério da Saúde brasileiro criou em 2020 uma página para o combate a fake news sobre a COVID-19. Nessa página, consta um número de WhatsApp por meio do qual a população pode tirar dúvidas referentes a informações duvidosas, com auxílio de uma equipe técnica do Ministério, que faz a checagem das informações. Ainda, as informações no site são categorizadas como “Isto é fake news” ou “Esta notícia é verdadeira”. 

Existem, ainda, agências especializadas em checar a veracidade de notícias suspeitas e de boatos, entre elas: o portal de fake news do site do Ministério da Saúde; Projeto Comprova – Jornalista colaborativo contra a desinformação, onde estão os principais jornalistas do país; Lupa, a primeira agência de fact-checking (checagem de fatos) do Brasil, da Folha de São Paulo; Aos Fatos e UOL Confere

O quadro 1 exemplifica tipos de fake news sobre a pandemia encontradas por algumas dessas agências especializadas.

Quadro 1 – Exemplos de fake news relacionadas à pandemia de COVID-19

Fonte: Adaptação dos autores, com base em Neto et al., 2020.

Segundo o Instituto Reuters e a Universidade de Oxford (2020), as principais fontes de desinformação sobre a pandemia da COVID-19 são: influenciadores digitais, políticos, celebridades, figuras públicas e as redes sociais. Tal grupo é responsável por cerca de 70% das notícias que são veiculadas e, desse total, 20% eram notícias falsas (Institute Business Education, 2020).

A disseminação de fake news, de acordo com a diretora geral da Organização Europeia de Consumidores, BEUC, Monique Goygens, em entrevista para o Portal R7 (2018), ocorre sobretudo por meio de plataformas de empresas como Facebook e Google, que se beneficiam maciçamente de usuários lendo e compartilhando notícias falsas e devem assumir responsabilidade para combater o fenômeno. Para ela, não deve ser responsabilidade da população desbancar notícias falsas. De todo o modo, algumas dicas (Figura 1) podem ser úteis para que as pessoas consigam identificar notícias falsas:

Figura 1 – Dicas para identificar notícias falsas

Fonte: IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions), 2017.

Um estudo realizado pela organização Avaaz divulgado em maio de 2020 revelou que 9 em cada 10 brasileiros foram alvo de notícias falsas sobre a pandemia. Para Flora Arduini, coordenadora da Avaaz, há muito dinheiro nas campanhas de desinformação, tendo pessoas poderosas por trás. A pesquisadora ainda afirma que as pessoas não consomem só uma fake news, o algoritmo influencia na entregabilidade e recomenda para cada vez mais pessoas, e por isso, elas acreditam que aquela fake news é uma verdade (Lopes, 2020).

Para Batista (2020), a identificação e punição dos autores das fake news ainda é uma tarefa difícil para as autoridades. No Brasil, ainda não há legislação específica para esse tipo de crime, mas existe o Projeto de Lei n° 2.630, de 2020, em tramitação, que visa estabelecer normas relativas à transparência de redes sociais e o combate às fake news. Essas medidas de combate às fake news ganham espaço e se relacionam aos trabalhos da  Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news, que atua para investigar e responsabilizar empresas, políticos e organizações que financiam e disseminam essas notícias (Neto et al., 2020).

Em meio às dificuldades de coibir as informações falsas e os responsáveis por difundi-las, a pandemia de COVID-19 se agravou no Brasil e as fake news seguem presentes em nosso cotidiano. A pandemia vem mostrando que, independente de classe ou cor, todos estão sujeitos a se contaminar com o novo coronavírus. Assim como o vírus se espalha de forma rápida, as fake news também alcançam grande proporção, trazendo prejuízo à população em relação às informações divulgadas. Durante a pandemia, o crescimento das notícias falsas ocorreu exponencialmente. Neste contexto, fica evidente que a saúde pública é prejudicada com a desinformação, pelo simples fato que essas prejudicam as medidas de prevenção e tratamento em saúde e desorientam a população.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Amanda Amaral de Menezes, Gustavo Marques Adão e Isabel Cristina Chagas, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

AVAAZ. Estudo O Brasil está sofrendo uma infodemia de Covid-19. Disponível em: https://secure.avaaz.org/campaign/po/brasil_infodemia_coronavirus/ . Acesso em: 28 mar 2021.

BATISTA, Rafael. Fake News. Mundo Educação, 2020. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/curiosidades/fake-news.htm. Acesso em: 21 mar. 2021.

CARNEIRO, Fabiana Lumena. Fake News Propagandas por Meio Digital no Brasil: Desafios para a Governança e a Gestão Pública Contemporânea. Belo Horizonte. 2018. Disponível em: http://monografias.fjp.mg.gov.br/bitstream/123456789/2446/1/Fake%20news%20propagadas%20por%20meio%20digital%20no%20Brasil.pdf. Acesso em: 21 mar. 2021.

CARVALHO, Leonardo de Souza Lourenço; et al. Fake News na Pandemia da COVID-19: Um desserviço à Sociedade Brasileira. Revistas Cenas Educacionais, 2020. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/cenaseducacionais/article/view/9300/7128. Acesso: 15 mar. 2021.

IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions). Como Detectar Notícias Falsas. Disponível em: https://www.ifla.org/publications/node/11174. Acesso em: 22 mar. 2021.

INSTITUTE BUSINESS EDUCATION. Especialistas Falam sobre o Impacto das Fakes News. Fundação Getúlio Vargas, 2020. Disponível em: https://www.ibe.edu.br/dia-da-imprensa-fake-news. Acesso em: 26 de mar. 2021.

LOPES, Rodrigo. “Há muito dinheiro nas campanhas de desinformação, há pessoas poderosas por trás”, diz coordenadora da Avaaz. Gaúcha ZH, 2020. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/tecnologia/noticia/2020/05/ha-muito-dinheiro-nas-campanhas-de-desinformacao-ha-pessoas-poderosas-por-tras-diz-coordenadora-da-avaaz-ckar1ggp800ds015n4dxqyivn.html.Acesso em: 23 mar. 2021

NETO, Mercedes; et al. Fake News no Cenário da Pandemia de COVID-19. Cogitare enferm, 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.72627. Acesso em: 15 mar. 2021.

Organização Pan-americana da Saúde – OPAS. Entenda a Infodemia e a Desinformação na Luta contra a COVID-19. Disponível em: https://iris.paho.org/handle/10665.2/52054. Acesso em: 27 mar. 2021.

Organização das Nações Unidas – ONU. Desinformação: Uma Arma Secreta em Tempos de Pandemia. Disponível em: https://nacoesunidas.org/desinformacao-uma-arma-secreta-em-tempos-de-pandemia. Acesso em: 27 mar. 2021.

Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – UNESCO. Desinfodemia: Decifrar a desinformação sobre a COVID-19. Paris: ONU, 2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000374416_por.  Acesso em:  27 mar. 2021.

R7. Facebook e Google se beneficiam das notícias falsas”, diz organização. Disponível em: https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/facebook-e-google-se-beneficiam-das-noticias-falsas-diz-organizacao-13032018. Acesso em: 23 mar. 2021.

Programas de compliance contribuem para o combate a fraudes?

Por Eddye Maikel Rozar Goulart, Nathália Campos de Souza e Nathália Malty Dias *

Nos últimos anos, algumas legislações têm emergido no Brasil com intuito de coagir ou incentivar órgãos e entidades da administração pública a adotarem mecanismos de integridade, a exemplo dos programas de compliance, como uma alternativa para prevenir e mitigar a corrupção. Nesse texto, sob a perspectiva do Triângulo de Cressey, busca-se analisar se os programas de compliance contribuem para o combate à fraudes.

Fraude

O dicionário Michaelis (1998) define fraude como “ato de má-fé que tem por objetivo fraudar ou ludibriar alguém”. Mais especificamente, Costa e Wood Jr. (2012, p. 465) evidenciam que a fraude corporativa ocorre “quando os agentes fraudadores identificam uma oportunidade, tomam sucessivas decisões visando obter vantagens ilícitas e gerenciam a mise-en-scéne para ocultar tais decisões e seus efeitos”. 

Sob esse entendimento, o Tribunal de Contas da União – TCU (2018, p. 19) considera fraude e corrupção como sinônimos, que expressam “tanto o abuso de poder quanto o falseamento ou ocultação da verdade, com vistas a enganar terceiros, sendo ambos para obter vantagem indevida para si ou para outrem”. Segundo Almeida e Alves (2014), na apuração de fraudes, constantemente, é possível identificar um dos três elementos do Triângulo de Cressey.

Triângulo da Fraude

O Triângulo da Fraude, também conhecido como o Triângulo de Cressey, foi elaborado por Donald Cressey em 1953, quando entrevistou mais de 120 encarcerados por crimes de colarinho branco nos Estados Unidos. Através dessa pesquisa, o sociólogo identificou três elementos como desencadeadores de fraudes: necessidade, oportunidade e racionalização.

A necessidade, gatilho desse processo, constitui-se de um problema que o transgressor considera não-compartilhável, como “medo de perder a ocupação atual, o alcance ou manutenção de um dado padrão de vida e problemas pessoais” (MACHADO; GARTNER, 2017, p. 111). Esse pilar do triângulo considera o contexto em que o fraudador está inserido, dependendo da sua percepção individual do problema (SANTOS, 2011), e tornando-se um estímulo ao delito quando a fraude é percebida como a única possibilidade de resolvê-lo (SCHUCHTER; LEVI, 2013).

Então, o indivíduo analisa a vulnerabilidade do objeto ou recurso cuja obtenção almeja, bem como os meios e capacidade para execução da fraude (SANTOS, 2011). Em seguida, utiliza sua posição de confiança, seu conhecimento e a oportunidade para cometê-la (MACHADO; GARTNER, 2017; SCHUCHTER; LEVI, 2013). O Referencial de Combate à Fraude e Corrupção do TCU (2018) indica que a oportunidade está aliada à percepção do baixo risco de ser pego e define o método que será utilizado pelo fraudador, surgindo em um contexto de controles ineficazes e falhas na governança. 

Por fim, o indivíduo racionaliza seu ato, buscando justificá-lo como aceitável ou neutro, no lugar de criminoso ou impróprio, considerando sua percepção moral do dilema ético enfrentado (SANTOS, 2011; SCHUCHTER; LEVI, 2013). Usualmente, “os transgressores se veem como pessoas comuns e honestas que são pegas em más circunstâncias” (TCU, 2018, p. 20).

Com base no Triângulo da Fraude, Albretch, Howe e Romney desenvolveram, em 1984, o conceito da Escala de Fraude. De acordo com Santos (2011), a escala mensura a potencialidade de fraude utilizando três indicadores: problemas imediatos que o indivíduo está sofrendo no meio em que está inserido, falhas de controle interno e integridade pessoal. Monitorando os riscos de desconformidade com leis e regulamentos (TCU, 2018), o compliance consiste em um instrumento para mitigar e prevenir fraudes.

Compliance

O termo compliance é derivado do verbo inglês to comply, que significa agir de acordo, ou ainda em conformidade com leis e regulamentos internos ou externos (LIRA, 2014). Cabe informar que a literatura não é clara quanto às diferenças entre os termos “compliance”, “integridade” e “conformidade”. Para alguns autores são considerados como alternativas de tradução da nomenclatura estrangeira, e para outros como designações mais específicas do tema. Para esta discussão, o entendimento adotado será o mesmo do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (2018), que os reconhece como sinônimos.

No Brasil, o primeiro avanço legal no sentido de institucionalização do compliance foi a promulgação da Lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção Brasileira já que, como apontam Gabardo e Castella (2015), viabilizou a punição de pessoas jurídicas, bem como seus dirigentes, administradores e outras pessoas a ela vinculadas por atos corruptos praticados contra a Administração Pública – ou seja, tornando-as accountable.

Além disso, outro acréscimo da legislação foi considerar como atenuador das sanções cabíveis “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (BRASIL, 2013) – onde entram os programas de compliance.

Programas de compliance

Segundo definição do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE (2016, p. 9), programas de compliance constituem-se de “um conjunto de medidas internas que permitem prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis decorrentes de atividade praticada por um agente econômico e de qualquer um de seus sócios ou colaboradores”. 

Em 2019, passou a vigorar a Lei 17.715/2019, que instituiu a obrigatoriedade da adoção de um Programa de Integridade e Compliance em todos os órgãos e entidades governamentais do Estado de Santa Catarina. Sua implementação, no âmbito do Executivo, vem sendo coordenada pela Secretaria Executiva de Integridade e Governança, SIG. Na redação do dispositivo legal, Programa de Integridade e Compliance é definido como “o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de prevenção, detecção e correção de práticas de corrupção, fraudes, subornos, irregularidades e desvios éticos e de conduta” (SANTA CATARINA, 2019).

Programas de compliance como mecanismos de controle de fraudes

Nas políticas de combate à fraude, a adoção de programas de compliance tem se mostrado relevante (CUEVA, 2017), fomentando a conformidade da ação organizacional à legislação. Dentre as 70 Novas Medidas Contra a Corrupção estabelecidas pela Transparência Internacional – Brasil, três sugerem a adoção de mecanismos de governança e compliance (TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL – BRASIL, 2018).

De acordo com Schramm (2018, p. 205), o compliance:

[…] realiza as suas atividades de forma preventiva, contínua e permanente, sendo responsável por verificar e assegurar, dia após dia, que as diversas áreas e unidades da organização conduzem suas atividades em conformidade com a legislação e regulamentação aplicável ao negócio, observando as normas e procedimentos internos destinados à prevenção e controle de riscos. Além disso, o compliance é responsável pela manutenção de canais de comunicação internos, pela realização de treinamentos periódicos e pela constante conscientização acerca da necessidade de adoção de posturas éticas.

Por sua vez, o TCU (2018, p. 19-20) considera como fatores relacionados com a percepção de oportunidade, aresta do Triângulo da Fraude, “a assunção de que a organização não está ciente; o fato de os servidores não serem verificados periodicamente quanto ao cumprimento das políticas; a crença de que ninguém se importa nem vai considerar a transgressão grave”.

Assim, fica nítido que os programas de compliance tem o potencial de contribuir para o enfrentamento da fraude, levando em conta a convicção de que, mesmo havendo extrema necessidade, sem a oportunidade e com desincentivos à racionalização, a fraude não ocorrerá (TCU, 2018). 

Contudo, para que esse objetivo seja efetivamente alcançado, é necessário que a implementação de programas de compliance seja amparada por esforços sistemáticos que garantam sua aplicação prática. Nesse sentido, cabe ressaltar que a empresa ou entidade não precisa necessariamente designar uma área responsável por essa gestão, já que independentemente disso cada colaborador deve gerir os riscos inerentes às suas atividades e agir em conformidade com os regulamentos no dia a dia.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Eddye Maikel Rozar Goulart, Nathália Campos de Souza e Nathália Malty Dias, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

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Desastre na Lagoa da Conceição: o que podemos aprender sobre governança e accountability?

Por Luisa Botelho Matte, Marina Hinterholz Lauschner e Bruna Luiza Gama Correia *

A enxurrada que ocorreu na última semana do mês de janeiro em Florianópolis atingiu moradores do bairro da Lagoa da Conceição. Na manhã do dia 25 de janeiro, houve o rompimento de uma lagoa artificial de infiltração que recebe efluente tratado da Estação de Tratamento de Esgotos da região. Segundo a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), responsável pelo serviço, a grande quantidade de água da chuva naqueles dias provocou o rompimento da estrutura. 

As consequências foram casas inundadas, carros arrastados e moradores que precisaram ser resgatados por botes do Corpo de Bombeiros. A força e a intensidade da água foram significativas, como mostra a Figura 1. A principal via do bairro, a Avenida das Rendeiras, foi interditada. Com o rompimento, o órgão hoje trabalha na recolocação de tubulações e de bombas danificadas pelas fortes chuvas para normalizar o sistema. Conforme a Casan, não há risco sanitário, já que a água é tratada

Figura 1 – Carros atingidos por vazamento na Lagoa da Conceição.

Foto: Defesa Civil/Divulgação.

Devido ao ocorrido, a Casan foi acusada por crime de poluição ambiental, após o rompimento do lago artificial. Um inquérito foi aberto pela Polícia Civil para investigar os motivos que provocaram o ocorrido, além dos danos ambientais causados na região, como a fauna marinha que foi afetada. De acordo com a delegada Beatriz Ribas Dias dos Reis, que está à frente da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais (DRCA), não restam dúvidas sobre o crime de poluição. O inquérito, além de envolver a esfera municipal – devido aos danos causados no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, que concentra um dos ambientes mais frágeis da Ilha de Santa Catarina, a restinga – envolve ainda a esfera federal, porque também atingiu a água do mar. 

Cabe ressaltar que, conforme o art. 54 da  Lei nº 9.605 de 1998, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, caracteriza-se como “crime ambiental causar poluição de qualquer natureza em níveis que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora” (BRASIL, 1998). 

Nesse sentido, o crime pode ser doloso, em que há intenção de causar o resultado, e culposo, quando o agente influenciou a causa ao resultado por imprudência ou negligência. 

Conforme o § 2º, V, do mesmo artigo, se o crime “ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos”, a pena será reclusão, de um a cinco anos (BRASIL, 1998).

Isso exposto, há indícios que a inundação da Lagoa é fruto da negligência de atuação da Casan frente às inconformidades já citadas, enquadrando-se assim, como crime ambiental. Ademais, conforme os relatos dos moradores da Lagoa da Conceição sobre o cheiro de esgoto após a inundação, nos faz refletir sobre qual o nível de tratamento que a  água da estação de evapoinfiltração  estava recebendo.  

A empresa pública também foi multada pela Prefeitura Municipal de Florianópolis (PMF) no valor de R$ 15 milhões. A Casan informou, ainda, que a auditoria interna, aberta para apurar o que provocou o rompimento da lagoa artificial, está em andamento e que “a equipe técnica da Casan está levantando todas as informações possíveis e avaliando todas as hipóteses” (BATTISTELLA, 2021). 

O Ministério Público Federal em Santa Catarina (MPF-SC) também instaurou inquérito civil para apurar as responsabilidades pelo rompimento ocorrido. O objetivo é verificar se a manutenção da estação estava em dia, bem como identificar o plano de risco do sistema de esgotamento sanitário, responsabilidades e formas de reparação à sociedade e ao meio ambiente. 

Como medida compensatória, a Casan lançou um edital público referente ao processo de indenização. Uma das medidas emergenciais foi um pagamento no valor de R$ 10 mil para os moradores atingidos. No entanto, o Movimento dos Atingidos por Barragens denuncia que esse edital não é legítimo, pois foi elaborado sem participação dos atingidos e prevê apenas o ressarcimento patrimonial, excluindo direitos os danos morais, psicológicos e ambientais, entre outros. A comunidade local, reunida por meio de uma comissão de atingidos, elaborou um documento com uma série de reivindicações que foram apresentadas à Casan e ao Governo do Estado. 

Além disso, uma comissão na Câmara de Vereadores foi criada para acompanhar o processo e fazer a negociação entre os moradores e a empresa. A Câmara, que por duas semanas intermediou as negociações com moradores da região atingida, reconheceu os esforços da Casan para recuperar os danos causados com o deslizamento da lagoa de evapoinfiltração (LEI). 

Figura 2 – Manifestação realizada por moradores na Lagoa da Conceição, em Florianópolis.

Foto: Graziane Ubiali.

Ainda em março de 2021, a Casan segue apurando o que ocorreu e tem se disponibilizado no atendimento às recomendações e investigações dos órgãos fiscalizadores como o MPF  e a Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram).

Em entrevista à CBN Diário, o presidente da Associação Catarinense de Engenheiros Sanitaristas e Ambientais (ACESA), Vinicius Ragghianti, afirmou que o modelo de estação de tratamento localizado na Lagoa da Conceição deve ser revisto. Ele também disse que, apesar de ter licença ambiental, a estação não é projetada para se comportar como uma barragem. De fato, a região onde está localizada é um local muito próximo às dunas e às residências dos moradores.

As duas unidades de tratamento de esgoto da Casan na Lagoa da Conceição estão em área de preservação permanente, e utilizam tratamento não adequado em relação à lagoa artificial de infiltração que recebe seus efluentes tratados. É preciso pensar modelos de saneamento ecológico que combinem o tratamento secundário com outros mais apropriados para tratar o nitrogênio e o fósforo, que são elementos que contribuem com o processo de eutrofização. Ainda, é constatado que a lagoa de evapoinfiltração que está na região das dunas não possuía uma obra de engenharia, logo não há um projeto técnico daquela obra, e, consequentemente, não há um plano emergencial de rompimento de barragem. Esse fator também é algo que dificulta hoje a negociação do processo de indenização com os moradores atingidos pelo rompimento da barragem. 

 Figura 3 – Rompimento da lagoa artificial em Florianópolis.

Foto: Corpo de Bombeiros de Florianópolis/Divulgação.

É importante destacar que a própria Casan já identificava em 2017 a necessidade de se estudar alternativas para a disposição final do esgoto tratado na região (CASAN, 2017). Em processo do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), está registrada a constatação de valores elevados de nutrientes inorgânicos, acima dos valores máximos permitidos pela legislação, ou a eventual presença de patógenos como aqueles relacionados a hepatite no esgoto tratado (SCHLINDWEIN et al., 2010). O que reforça a preocupação sobre as consequências da  recente tragédia. 

Portanto, é importante que eventos como esse sirvam de alerta para a necessidade urgente de uma gestão eficiente da bacia hidrográfica da Lagoa da Conceição por parte dos governantes, com a participação ativa da comunidade local. 

Ainda, indagamos sobre a multa que a Casan – empresa pública do estado de Santa Catarina, que possui concessão do município de Florianópolis para atuar na área de saneamento básico – recebeu, no valor de R$15 milhões pela Prefeitura Municipal de Florianópolis: quem paga essa multa? Tendo em vista que, sendo uma empresa pública, o Estado é o principal acionista, seríamos nós, os contribuintes, que acabaríamos tendo que arcar com esse valor? Para isso ainda não há uma resposta. Nesse sentido, observamos que uma área em que há muito a ampliar transparência e a accountability é a de execução de multas e demais punições/acordos ambientais, pois muitas acabam não sendo aplicadas. 

De acordo com dados do Banco de Dados Abertos do Ibama, até 20 de fevereiro de 2020, apenas 25.933 das 59.239 multas aplicadas na Região Sul, composta pelos estados: Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul, foram quitadas. Esse número representa 43,7% do total. 

Para Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), ao ser questionado pelo (o)eco, defende que a inefetividade de cobrança das multas é histórica. Segundo ele, “(…) os órgãos ambientais recebem historicamente muita pressão política. Mesmo com a emissão de multas, sabe-se que elas não são pagas. As empresas entram com recurso judicial e, por pressão política, os órgãos não fazem o encaminhamento da sequência dos processos, que caducam”.

Outra forma pela qual o Ibama deixa de arrecadar é com as multas que são, posteriormente, canceladas. De modo geral, as penalizações são anuladas pois o órgão estabeleceu que elas não deveriam ter sido aplicadas. Desde 1980, o número chegou perto de 36 mil multas canceladas, somando R$ 1,9 bilhão.

No final das contas, o fator alarmante é: os pequenos infratores são os maiores pagadores de multas. Enquanto isso, as sanções aos grandes crimes ambientais acabam canceladas ou são beneficiadas por longos processos e disputas judiciais, que adiam o pagamento.

Outro ponto para analisarmos a governança pública é que no início de 2019, após ser realizada uma batimetria na lagoa, os profissionais da Casan perceberam grande acúmulo de sedimento no fundo da lagoa artificial, e solicitaram à PMF, via Floram, autorização para lançar o efluente tratado em área vizinha, visando a limpeza e manutenção da lagoa em operação. Porém, a Floram/PMF não concedeu autorização à Casan para realizar esse serviço. 

Nesse sentido, a governança pública presente nesse assunto sério, que envolve aspectos ambientais, sociais e econômicos, mostra-se fragilizada em vários aspectos. Entre eles, a falta de clareza sobre responsabilidades e papéis dos vários órgãos envolvidos, falta de coordenação entre os mesmos, baixo grau de participação cidadã e alternativas de saneamento construídas sem perspectiva de longo prazo, baseada em  ideologias ou visões políticas nem sempre fundamentadas em informações e conhecimentos  técnicos. O que vemos, na prática, são prejuízos incalculáveis que atravessam os meios econômicos, sociais, patrimoniais e ambientais. A incapacidade dos órgãos de controle, comunidade e poder público de chegarem a um consenso e construir uma agenda mínima com convergência em pontos vitais e combinação de modelos de saneamento é que trava a solução para esse tipo de problema crucial como saneamento básico. 

Como a governança do saneamento envolve diversos atores, cada um deles teria seus papéis e responsabilidades no “sistema de accountability“. A coordenação entre esses vários envolvidos, e o efetivo exercício de seus papéis, por meio dos diversos instrumentos de regulação, planejamento e monitoramento, é necessária para que a accountability seja também efetiva. 

Devemos lembrar que saneamento é garantir o equilíbrio ambiental e, sobretudo, garantir a qualidade de vida. No caso do desastre ambiental sem precedentes ocorrido na Lagoa da Conceição, suas consequências ainda se sucedem, juntamente às aprendizagens e eventuais mudanças sobre a percepção do assunto, que podem ou não se concretizar. 

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Luisa Botelho Matte, Marina Hinterholz Lauschner e Bruna Luiza Gama Correia, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

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