Como a alta nas queimadas na Amazônia se relaciona com accountability e qual é nossa responsabilidade individual?

Por Bruna Goulart, Eduarda Simão, Eduarda Vieira e Kariduana Justen​*

O desmatamento da Amazônia preocupa o Brasil e o mundo pelas alterações que pode gerar no funcionamento dos ecossistemas. Dentre os  impactos causados estão a estrutura e a fertilidade do solo na Amazônia e o ciclo hidrológico em diversas regiões do Brasil, afetando também a vida da fauna e flora e  a geração de gases do efeito estufa no planeta Terra (LEGNAIOLI, 2021)

Entre as causas do desmatamento estão a extração de madeira, a mineração, a grilagem de terras públicas e as atividades pecuárias e agropecuárias mal planejadas, pois existem técnicas de agropecuária que não danificam os solos e poderiam ser mais difundidas. Quanto aos fatores que agravam o desmatamento da Amazônia, pode-se ressaltar a impunidade de crimes ambientais e os retrocessos em políticas ambientais (LEGNAIOLI, 2021)

Outro ponto que chama a atenção é o ritmo e proporção que a destruição vem tomando. Entre 2008 e 2018, o desmatamento na Amazônia foi 170 vezes mais rápido do que aquele registrado na Mata Atlântica durante o Brasil Colônia. A perda foi acelerada entre 1990 e 2000, com média de 18,6 mil quilômetros quadrados desmatados por ano, e entre 2000 e 2010, com 19,1 mil quilômetros perdidos anualmente e 6 mil quilômetros quadrados entre 2012 e 2017 (LEGNAIOLI, 2021)

Com isso, sem o devido controle, a taxa de desmatamento poderá atingir patamares anuais entre 9.391 quilômetros quadrados e 13.789 quilômetros quadrados até 2027, se mantida a mesma relação histórica entre rebanho bovino e área total desmatada, considerando que a pecuária é um dos principais vetores de desmatamento na Amazônia e isso pode elevar o desmatamento a um estado irreversível (LEGNAIOLI, 2021).

O Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, durante a recente publicação do relatório da ONU, AR6 Climate Change 2021: The Physical Science Basis pelo Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC, (AGÊNCIA BRASIL, 2021), classificou os dados contidos no documento publicado como um alerta vermelho para a humanidade, tendo em vista os diversos impactos negativos no meio-ambiente ocasionados pela ação predatória do homem. Segundo Guterres, os dados apresentados no relatório são “alarmes ensurdecedores: as emissões de gases de efeito estufa provocadas por combustíveis fósseis e o desmatamento estão sufocando o nosso planeta”. Diante desta e de outras fontes de dados, não há negacionismo que se sustente frente à crise climática que enfrentamos. 

A legislação brasileira reconhece a necessidade de equilíbrio ambiental e a responsabilidade compartilhada, a começar pela Constituição Federal, que em seu art. 225 dispõe que: 

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988). 

Nesse sentido, ressalta-se também a Política Nacional do Meio Ambiente, disposta pela Lei n. 6.938/81, cujo objetivo é evidenciar meios para que se concilie o desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente e o equilíbrio ecológico. Dessa forma, tem-se de um lado todo um amparo legal que prevê mecanismos de preservação do meio ambiente, bem como ferramentas para responsabilização daqueles que se opõem à ideia primordial de se ter um ambiente ecologicamente equilibrado e, de outro, observa-se ações predatórias, que vem contribuindo para ampliar os  desequilíbrios.

Diante desse  cenário, cabe o questionamento do porquê um assunto tão importante e com uma legislação estabelecida ainda é um problema descontrolado. O que de certa forma nos parece não ser falta de ferramenta, mas sim omissão daqueles que deveriam assumir a responsabilidade de proteger o que é direito de todos.

Enquanto alguns atores buscam adotar medidas que mitiguem tais consequências negativas, como ocorre em países que buscam reduzir emissões de gases do efeito estufa e incentivar a agricultura orgânica – ainda que de forma não muito expressiva, como Austrália e Argentina, que têm respectivamente 2,93% e 0,5% da produção de orgânicos em sua fatia do total da terra agrícola – outros parecem ir na contramão. Nesse último caso, podemos citar o Brasil, que atualmente, no âmbito federal, vem apresentando significativos retrocessos, colocando a perder até mesmo pequenos avanços que já tivemos, como o próprio caso da aplicação de práticas mais sustentáveis quanto à produção agrícola, apresentando um índice de 0,27% da produção de orgânicos em  sua fatia do total da terra agrícola (BARBOSA, 2016).

A exemplo do problema que está se criando na atual gestão federal temos o corte no orçamento total do Ministério do Meio Ambiente para 2021, que foi de 35,4%, atinge em cheio justamente a área que Jair Bolsonaro, diante da desconfiança internacional, prometeu fortalecer durante seu discurso na Cúpula dos Líderes sobre o Clima (Pontes, 2021).

Em complemento a isso, nesse ano de 2021, o Ministério do Meio Ambiente teve o menor orçamento das últimas duas décadas. O orçamento previsto de R$ 1,72 bilhão para o Ministério e seus dois órgãos ambientais – o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) – funcionarem em 2021 implica na redução de 27,4% na verba para a fiscalização e combate a incêndios quando se comparado com o ano de 2020. Se tomar como base o ano de 2019, a diferença é ainda maior, chegando em uma redução de  34,5% (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2021).

Ademais, o Instituto Nacional de Pesquisas Ambientais (INPE), está enfrentando grandes desafios, a saber: redução orçamentária, críticas e ataques vindos dos líderes do governo federal sobre os dados produzidos e reestruturação organizacional, dentre outros. A instituição tem um papel fundamental na accountability, pois, com imagens por satélite, realiza o monitoramento ambiental, com foco na Amazônia. Além disso, produz dados sobre o tema, levando mais transparência e informação sobre a realidade ambiental que o Brasil atravessa (ECYCLE, 2021).

Com a situação atual de desmanche que os órgãos ambientais como o Ibama e o do ICMBio enfrentam, bem como diante da descredibilização de instituições ligadas à temática ambiental como o INPE, as organizações da sociedade civil e mídia estão exercendo o papel de importantes instrumentos de accountability ao buscar responsabilizar e dar transparência aos fatos. 

Um exemplo é o Observatório do Clima, uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira que tem por objetivo discutir mudanças climáticas. O observatório denuncia irregularidades e cortes orçamentários na gestão atual do governo federal em relação ao meio ambiente, além de cobrar a prestação de contas do mesmo.

Dito isso, as organizações da sociedade civil e a mídia são poderosos instrumentos de accountability, principalmente no momento que o Brasil vivencia. Dessa forma, o material divulgado por esses atores, como dados, relatórios e denúncias, entre outros, auxiliam a população a formar uma opinião sobre o tema e exercer o controle social. A partir desses dados a população pode exercer a cidadania e atuar em prol do meio ambiente, seja em seus hábitos cotidianos ou ao requisitar que políticos, desde município até União, sejam mais responsáveis pelos seus atos e omissões, afinal o planeta Terra já esperou demais.

Ainda que estejamos diante de uma situação complexa e urgente, certa dose de otimismo é necessária para construir a capacidade de mitigar os impactos que estão à nossa porta. Nas palavras de Guterres (AGÊNCIA BRASIL, 2021), “se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje indica claramente, não há tempo e não há lugar para desculpas”.

Seguindo essa linha, chamamos a atenção para que nós, como cidadãos detentores de direitos e deveres, sejamos  mais atuantes diante da situação ambiental que o país se encontra, cobrando de nossos representantes mais responsabilidade e seriedade. 

O dever de garantir um meio-ambiente equilibrado para todos não é uma atribuição única e exclusiva do Estado. Uma vez que tal dever recai também aos  cidadãos e à iniciativa privada, que apesar de depender do  lucro como máquina motora, não deve se eximir de suas responsabilidades.  Ao falar de meio ambiente, estamos tratando da fonte de vida e não de um mero discurso ideológico, sendo assim um dever coletivo prezar pela sua conservação.

Por fim, evidencia-se a importância de aumentar o número iniciativas que buscam o meio ambiente equilibrado, ademais as articular, coordenar seus esforços e monitorar seus resultados, em um processo cíclico de aperfeiçoamento contínuo. Cada um deve também assumir a responsabilidade dos seus atos, na medida que lhe cabe, entendendo que os impactos nocivos ao meio ambiente vão desde pequenos desleixos até eventos como grandes queimadas. 

Devemos pensar em mudança de hábitos. Há algum tempo, não havia tantos produtos certificados pela sua procedência. Hoje, sabendo onde comprar, podemos nos abastecer de produtos com impacto ambiental positivo e mudar radicalmente nossa forma de vida. E por que não aplicar isso às compras públicas? Por que não começar hoje a aplicar nas minhas compras? São questões para pensar, afinal o mercado está mudando para se adaptar a essa nova forma de consumir. 

É necessário que cada indivíduo tome desde pequenas atitudes, como reciclar o lixo da sua residência, até atitudes tidas como mais expressivas, como adotar um padrão de vida e de consumo mais sustentável. Ademais, a população deve exigir a accountability, a prestação de contas e exercer o controle social do poder público, chamando a atenção para que governantes, legisladores e demais agentes fiscalizadores cumpram seu dever de instrumentalizar e viabilizar as políticas públicas que vão ao encontro da preservação do lugar em que vivemos: a Terra.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Bruna Goulart, Eduarda Simão, Eduarda Vieira e Kariduana Justen, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

Agência Brasil. ONU: Relatório sobre o clima é alerta vermelho. 2021. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-08/onu-relatorio-sobre-clima-e-alerta-vermelho&sa=D&source=editors&ust=1629423381060000&usg=AOvVaw38nfv-cDhBf5GYbEreeMxd. Acesso em: 1 ago. 2021.

BARBOSA, Vanessa. Os 10 países com mais terra dedicada à agricultura orgânica. 2016. Disponível em: https://exame.com/economia/os-10-paises-artilheiros-em-agricultura-organica/. Acesso em: 23 ago. 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 ago. 2021.

BRASIL. Lei Federal n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 18 ago. 2021.

BRASIL. Lei n. 6.938 de 1981: Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. 1981. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm. Acesso em: 18 ago. 2021.

ECYCLE. Inpe sob pressão. 2021. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/inpe-sob-pressao/. Acesso em: 23 ago. 2021.

LEGNAIOLI, Stela. Desmatamento da Amazônia: causas e como combatê-lo. 2021. Disponível em: https://www.ecycle.com.br/desmatamento-da-amazonia/. Acesso em: 1 ago. 2021.

PONTES, Nádia. Corte de verba reforça desmonte da fiscalização ambiental no Brasil. 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/corte-de-verba-refor%C3%A7a-desmonte-da-fiscaliza%C3%A7%C3%A3o-ambiental-no-brasil/a-57327500. Acesso em: 1 ago. 2021.

The Intergovernmental Panel on Climate Change. AR6 Climate Change 2021: The Physical Science Basis. 2021. Disponível em: https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/. Acesso em: 18 ago. 2021.

WERNECK, Felipe, et al. Passando a Boiada. São Paulo: Observatório do Clima, 2021. Disponível em: https://www.oc.eco.br/wp-content/uploads/2021/01/Passando-a-boiada-1.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.