Blog do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – UDESC/ESAG
Por Paula Chies Schommer, Fabiano Maury Raupp, Victoria Moura de Araújo e José Francisco Salm Jr.
Texto publicado no Blog Gestão, Política & Sociedade, do Estadão, elaborado na etapa final do projeto de pesquisa aplicada “Proposta de padronização para a Geração de Dados Abertos em Compras e Contratações Públicas“. O projeto foi realizado entre 2021 e 2023, sob a coordenação do grupo de pesquisa Politeia Udesc Esag, em parceria com a Prefeitura de Blumenau, a Secretaria de Administração do governo do estado de Santa Catarina, a organização da sociedade civil act4delivery. A iniciativa envolveu uma rede de diversos parceiros governamentais, da sociedade civil e órgãos de controle.
Texto completo – clique aqui ou na imagem a seguir:
Professora Paula Schommer, da Udesc Esag, fala durante o evento no Salão Nobre da Prefeitura de Blumenau – Foto: Marcelo Martins/PMB
Pesquisadores da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) apresentaram nesta terça-feira, 11, em Blumenau, o resultado de um projeto de pesquisa aplicada com potencial de ampliar a transparência dos processos de aquisição de bens e serviços pelos municípios. A ideia é padronizar a geração de dados sobre compras e contratações públicas em formato aberto, a partir de um projeto piloto implantado em parceria com a Prefeitura de Blumenau.
O projeto foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa Politeia, ligado ao Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc. O estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Além da Prefeitura de Blumenau, também participam da coordenação do projeto a organização da sociedade civil Act4Delivey e a Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina (SEA-SC)
A solução apresentada e validada em Blumenau demonstrou que é possível estruturar dados e compartilhá-los de forma padronizada, criando um modelo útil tanto para as prefeituras quanto para os cidadãos. Com isso, as informações podem ser mais facilmente acessadas, analisadas e comparadas, principalmente quando envolvem um grande volume de dados.
Dados abertos
A professora Paula Schommer, líder do grupo de pesquisa Politeia, da Udesc Esag, explica que foram apresentados durante o evento três resultados do projeto. Além de uma proposta para a geração de dados de compras e contratações públicas em formato aberto, foi desenvolvida uma metodologia de coprodução (envolvendo diferentes atores) de uma solução para um problema público e um projeto de criação da Rede Catarinense de Dados Abertos.
Agora o padrão de produção e publicação de dados abertos testado em Blumenau será difundido para outros municípios. Esse trabalho de institucionalizar a dar sustentabilidade a uma rede de dados abertos será coordenado pela Associação dos Municípios do Vale Europeu (Amve) – da região de Blumenau – e pelo Consórcio de Inovação na Gestão Pública (Ciga), com a participação de outros parceiros, entre eles o grupo de pesquisa Politeia, da Udesc Esag, organizações da sociedade civil municipais e internacionais e Governo do Estado .
Por Caroline Castro, Hellen De Paula Aparício e Mariana Rocha*
A temática dos dados abertos está em voga e desperta o interesse de pesquisadores, gestores públicos, organizações da sociedade civil, órgãos de controle e da sociedade que promove o controle social sobre as ações do governo. De acordo com o Art. 4º IV da Lei do Governo Digital, o conceito de dados abertos pode ser definido, como:
“IV – dados abertos: dados acessíveis ao público, representados em meio digital, estruturados em formato aberto, processáveis por máquina, referenciados na internet e disponibilizados sob licença aberta que permita sua livre utilização, consumo ou tratamento por qualquer pessoa, física ou jurídica” (Brasil, Lei Federal nº 14.129, de 2021).
O governo federal brasileiro publica seus dados por meio do Portal Brasileiro de Dados Abertos (dados.gov.br), canal para conhecimento e controle de todos os atos públicos. De acordo com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP- Elaboração de Plano de Dados Abertos), o portal de dados abertos se diferencia dos portais de transparência, pois estes têm o objetivo principal de aumentar o controle sobre as despesas e receitas do governo, enquanto o portal dados.gov.br tem o objetivo de ser o ponto referencial para a busca e o acesso a dados públicos brasileiros de todo e qualquer assunto ou categoria.
De acordo com o relatório produzido pelo Open Data Barometer (Report – From promise to progress | Open Data Barometer) em 2018, o Brasil era o 14º colocado entre 30 países no quesito dados abertos. O conjunto de dados em que menos pontuou são os seguintes: “Os dados legíveis por máquina e reutilizáveis estão disponíveis como um todo?”; “Os dados são licenciados abertamente?”; “Foi fácil encontrar informações sobre esse conjunto de dados?” e “Os identificadores de dados são fornecidos para elementos-chave no conjunto de dados?”. Em contrapartida, os conjuntos em que mais pontuou foram: “Os dados existem?”; “Está disponível on-line pelo governo de alguma forma?”; “O conjunto de dados é fornecido em formatos legíveis por máquina e reutilizáveis?” e “O conjunto de dados está disponível gratuitamente?”.
Em 2007, um grupo de trabalho do Open Government Data (Dados Abertos — Português (Brasil)) reuniu-se na Califórnia, Estados Unidos da América, para definir os princípios dos Dados Abertos Governamentais, sendo eles os seguintes 8 princípios:
Completos: Todos os dados públicos estão disponíveis. Dados públicos são dados que não estão sujeitos a limitações válidas de privacidade, segurança ou controle de acesso.
Primários. Os dados são apresentados tais como os coletados na fonte, com o maior nível possível de granularidade e sem agregação ou modificação.
Atuais. Os dados são disponibilizados o mais rápido possível para preservar o seu valor.
Acessíveis. Os dados são disponibilizados para o maior alcance possível de usuários e para os propósitos mais variados possíveis.
Processáveis por máquina. Os dados são razoavelmente estruturados para possibilitar o seu processamento automatizado.
Acesso não discriminatório. Os dados estão disponíveis a todos, sem que seja necessária identificação ou registro.
Formatos não proprietários. Os dados estão disponíveis em um formato sobre o qual nenhum ente tenha controle exclusivo.
Livres de licenças. Os dados não estão sujeitos a regulações de direitos autorais, marcas, patentes ou segredo industrial. Restrições razoáveis de privacidade, segurança e controle de acesso podem ser permitidas na forma regulada por estatutos.
Quanto à importância dos dados abertos para as compras e contratações públicas, destaca-se, segundo a organização da sociedade civil Open Contracting Partnership (OCP), uma melhor relação custo-benefício para os governos, concorrência mais justa e igualdade de condições para os negócios, especialmente para as empresas menores, bens, obras e serviços de maior qualidade para os cidadãos, prevenção de fraudes e corrupção e análise mais inteligente e melhores soluções para problemas públicos.
No que se refere ao embasamento legal quanto à transparência no Brasil, o Art.37 da Constituição Federal de 1988, traz que a Administração Pública direta ou indireta, em todos os níveis federativos, deverá obedecer a 5 princípios, sendo um deles o princípio da publicidade. Este princípio prevê que sejam transparentes as ações do poder público, dessa forma as compras e contratações também devem ser publicizadas, fazendo com que toda a sociedade tenha acesso às informações.
A Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de acesso à informação (LAI), regulamenta o direito de que qualquer pessoa possa solicitar e obter informações de entidades e órgãos públicos, das diferentes esferas e poderes. Outra legislação importante para a transparência é a Lei n° 14.129, de 29 de março de 2021, que dispõe de regras para o aumento da eficiência da administração pública, através de instrumentos como a inovação digital e a desburocratização.
Em relação a práticas do Estado, o governo brasileiro, lançou em 2011, junto com outros sete países, a Open Government Partnership (Parceria para Governo Aberto), que prevê incentivar mundialmente a transparência dos governos e promover o acesso à informação aos cidadãos (Portal Gov.br, 2022). O Brasil está, em 2022, executando o seu 5° Plano de Ação de Governo Aberto, assim como outros países membros estão realizando as estratégias na vigência 2023-2028.
Além disso, o governo brasileiro criou o Plano de dados abertos (PDA), referente ao biênio 2021-2023, o qual prevê as estratégias para a implementação da abertura dos dados na Secretaria de Governo da Presidência da República. O PDA busca disponibilizar os dados em formatos abertos, melhorando o processo de transparência e o acesso às informações. Além da Secretaria do Governo da Presidência da República, outros órgãos estão criando seus planos de dados abertos, em cumprimento ao Decreto n ° 8.777 de 11 de maio de 2016, que institui a Política de Dados Abertos do Poder Executivo Federal.
As compras e contratações públicas têm um lugar de destaque no mercado mundial. Segundo a OCP, a contratação pública é o maior mercado do mundo, com a movimentação anual estimada em US$ 13 trilhões.
O governo é um dos principais compradores e contratantes no Brasil. De acordo com o Portal de Transparência do Governo Federal, o valor total gasto em contratações até o mês dezembro de 2022 foi de R$ 16, 97 bilhões, por meio de licitações, dispensa e inexigibilidades. Já o ano de 2021 registrou o valor total de R$ 55,24 bilhões nessas modalidades, como mostra o quadro 1, a seguir.
Quadro 1: Valor total de compras e contratações públicas no Brasil (2018 – 2022)
Ano
Quantidade de Licitações com Contratação
Valor total das contratações (Licitação, Dispensa ou inexigibilidade)
2018
152.886
R$ 126,49 Bilhões
2019
146.443
R$ 94,04 Bilhões
2020
131.835
R$ 94,53 Bilhões
2021
18.676
R$ 55,24 Bilhões
2022
5.586
R$ 16,97 Bilhões
Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Portal de Transparência do Governo Federal (2022)
Nesse contexto, ao considerar o alto valor das compras e contratações públicas, a relevância de que essas sejam de boa qualidade e que se evite a corrupção, nota-se a importância da contratação aberta para a transparência, controle social e accountability. A contratação aberta vai além da publicação das informações, ela se refere à disponibilização de modo acessível e reutilizável, ao considerar os princípios dos dados abertos.
Iniciativa em Compras e Contratações Públicas
A temática da contratação aberta é atual e demanda investimento para que os propósitos sejam colocados em prática. Um exemplo da aplicação é um projeto, realizado em rede, no estado de Santa Catarina. O Grupo de Pesquisa Politeia, da Udesc Esag, em parceria com a Prefeitura Municipal de Blumenau, Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina e a Act4Delivery, lançou e está desenvolvendo o Projeto “Proposta de padronização para a Geração de Dados Abertos em Compras e Contratações Públicas”. O projeto, segundo seu site oficial, objetiva:
Desenvolver uma proposta de um padrão para a geração de dados relativos aos processos de compras e contratações públicas, que otimize a disponibilização desses dados por municípios para cidadãos e órgãos de controle externo, em conformidade com os princípios de dados abertos (UDESC, 2022)
Para conhecer mais o projeto, convidamos a integrante da equipe Victória Moura Araújo para trazer suas percepções a respeito de sua execução. Victória é graduada em administração pública pela Udesc Esag, possui experiência em gestão e articulação de redes, atua desde 2017 em projetos envolvendo múltiplos atores em parceria com o governo, empresas e organizações da sociedade civil, e representa a Act4Delivery na equipe do projeto. Victória comentou a respeito do projeto:
“O projeto surgiu a partir da demanda da Prefeitura Municipal de Blumenau, por meio da Secretaria de Gestão Governamental. O município, que possui um vasto histórico de iniciativas de transparência e participação social, recebeu uma notificação do MPSC em razão do não cumprimento da LAI no que diz respeito à publicação em formatos abertos. Percebemos então que, embora as legislações que tratam de dados abertos representam um avanço significativo na agenda, ainda temos um longo caminho para criar mecanismos que permitam a sua execução na íntegra.
Para resolver essa “dor” foi firmado um projeto em parceria com a Udesc para o desenvolvimento de um padrão para a geração de dados de compras e contratações públicas para a PMB, mas que pudesse também ser replicado por outros municípios. Foi criada e concebida uma comunidade para a definição da padronização. Tratando-se de uma metodologia colaborativa de definição de padrão, um dos desafios encontrados é a mediação das relações e interesses dos diversos grupos envolvidos: governo, sociedade civil, academia e mercado.”
Nota-se que, mesmo diante do arcabouço legislativo, a implementação dos dados abertos em compras e contratações públicas enfrenta diferentes problemas, sendo eles técnicos ou políticos, como é o exemplo da ausência do padrão ontológico, que está sendo desenvolvido pelo projeto. Tal fato não significa que há falta de interesse por parte dos gestores, pois as questões podem ser complexas e depender de diferentes esferas da sociedade e do Estado.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Caroline Ribeiro de Castro, Hellen De Paula Aparício e Mariana Rocha Miranda, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 03 de nov. de 2022.
BRASIL. DECRETO 8.777, DE 11 DE MAIO DE 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8777.htm> Acesso em 11 de dez. 2022
BRASIL. LEI N° 12.527, DE NOVEMBRO DE 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12527.htm>. Acesso em: 05 de nov. de 2022.
BRASIL. LEI N° 14.129 DE 29 DE MARÇO DE 2021. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14129.htm>. Acesso em 05 de nov. de 2022.
BRASIL. Portal Brasileiro de Dados Abertos. Disponível em: <https://dados.gov.br/home>. Acesso em 04 de dez. de 2022.
ENAP. Elaboração de Plano de Dados Abertos. Disponível em: <https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/3152/1/M%C3%B3dulo%201%20-%20Conceitos%20de%20Dados%20Abertos.pdf>. Acesso em: 06 de dez. de 2022.
GOV.BR. O que é a iniciativa. Disponível em: <https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/o-que-e-a-iniciativa>. Acesso em: 03 de nov. de 2022.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano de dados abertos. Disponível em: <https://www.gov.br/secretariadegoverno/pt-br/acesso-a-informacao/dados-abertos/plano_de_dados_aberto___secretaria_de_governo-1.pdf > Acesso em 11 de dez. de 2022.
Texto elaborado por Paula Chies Schommer, Fabiano Maury Raupp, José Francisco Salm Jr., Florencia Guerzovich, Rodrigo de Souza Pereira e Victória Moura de Araújo
Publicado em 20 de setembro de 2022 no Blog Gestão, Política & Sociedade do Estadão
Neste podcast, Isabella Ferro conversa com Hana Mesquita, Manu Halfeld e Marina Garrote sobre a relação entre as tecnologias, o uso de dados e os direitos reprodutivos.
Hana Mesquita é advogada e pesquisadora na área de proteção de dados e novas tecnologias. Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e integrante do grupo de pesquisa Legalite – PUC-Rio. É pesquisadora da Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa desde junho de 2021.
Manu Halfeld é mestranda em Ciência Política (UFMG) e bacharel em direito pela mesma Universidade. Pesquisadora e especialista em Privacidade da Safernet Brasil.
Marina Garrote é advogada. Mestranda em Processo Civil pela Universidade de São Paulo. Especialista em Gênero e Sexualidade pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Este material foi idealizado pelo grupo composto pelas estudantes Bárbara Becker, Isabella Ferro, Maria Eduarda Machado, Mélanie Finkler e Natália Nunes, como parte de trabalho da disciplina de Sistemas de Accountability, ministrada pela Professora Paula Schommer no curso de Administração Pública da UDESC/ESAG. Foi gravado com Manu Halfeld e Marina Garrote no dia 06 de julho de 2022, e com Hana Mesquita no dia 14 de julho de 2022.
Por Shely de Farias, Valeska Boscato Eede e Carlos Eduardo Machado Massulo*
Entre os instrumentos para garantir os direitos básicos à vida dos transexuais e enfrentar as desigualdades históricas que afetam essa população, estão as leis e o aparato estatal para seu cumprimento. Apesar da importância das leis, apenas isso não garante a proteção à vida dos transexuais. É importante que se tenha conhecimento dessas leis e que as informações sobre esse tema, que ainda hoje é um tabu, sejam difundidas para a sociedade. Os dados sobre o cumprimento ou não da legislação são também fundamentais para a manutenção e o aprimoramento das políticas que afetam diretamente a sobrevivência dos transexuais.
O Brasil está dentro do grupo de países com maior número de leis em defesa das pessoas LGBTQIA+. A Constituição de 1988, apesar de não fazer menção explícita ao tema, assegura em diversos artigos a todo e qualquer cidadão o direito à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à igualdade, à liberdade, bem como aos direitos civis e políticos.
Há também leis específicas, como a Portaria nº 2.836 do Ministério da Saúde, em 2011, que estabeleceu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, com o objetivo de promover a saúde dessa população, instituindo mecanismos de gestão para atingir mais equidade no Sistema Único de Saúde, SUS, e a Resolução nº 175, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou proibição às autoridades competentes de recusarem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero. Ainda, em 2019, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, o STF decretou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, com base na Lei nº 7.716/1989, até que uma lei específica que trate sobre a homofobia e transfobia seja elaborada.
Na imagem 1, a seguir, é possível ver a situação atual quando o assunto são leis relacionadas à orientação sexual no mundo. A coloração varia entre aqueles com maior aparato protetivo legal – quanto mais intenso o azul, mais desenvolvido é o arcabouço legal de proteção de direitos – e aqueles com maior aparato legal voltado à criminalização, em que quanto mais intenso o vermelho, mais fortes são as penalidades.
Imagem 1 – Leis de orientação sexual no mundo
Em contrapartida, ao buscar por dados em relação à violência às pessoas LGBTQIA+, podemos identificar que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo há alguns anos, além de registrar outros atos de crueldade. Segundo o projeto de pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM), que monitora, coleta e analisa os relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero em todo o mundo, desde o início do levantamento, o Brasil tem sido o país que mais reporta assassinatos de pessoas trans no mundo.
Dados atualizados em 2021 pela Transgender Europe (TGEU) mostram que, do total de 4.042 assassinatos catalogados, 1.549 foram no Brasil. Ou seja, sozinho, o país acumula 38,2% de todas as mortes notificadas de pessoas trans do mundo. A atualização de 2021 revelou, ainda, o total de 375 casos reportados de pessoas trans em 74 países em todo o mundo, entre 1 de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021. Conforme é possível visualizar no gráfico a seguir (Imagem 2), o Brasil permanece como o país que mais assassinou pessoas trans do mundo neste período, com 125 mortes, seguido do México (65) e dos Estados Unidos (53).
Segundo a TGEU, no entanto, esses números não representam a transfobia no Brasil, já que não existem dados oficiais sobre a população trans. São redes como o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), Antra e a Rede Trans que fazem o levantamento desses dados. Além disso, estima-se uma quantidade gritante de casos não reportados e mortes com motivação transfóbica não registradas no sistema de segurança pública.
Mas quais os motivos para o contraste: um dos países que tem mais leis de proteção à diversidade de gênero é também o que mais mata? O caminho que buscamos para entender essa questão foi pela accountability e seus princípios, sendo ela uma obrigação que os governos e agentes públicos têm de justificar e explicar suas ações (answerability) e serem responsabilizados por seus atos e omissões (enforcement). Uma das dimensões essenciais para se garantir a accountability é a informação, disponibilizada de forma transparente e confiável, pois sem isso não é possível aplicar os instrumentos de controle e encontrar soluções para os problemas identificados.
A informação pública possibilita a accountability, enriquece o debate para a criação e avaliação das políticas públicas, reforça a defesa dos direitos humanos e ajuda a prevenir e combater a corrupção. Com a transparência de dados e informações, os cidadãos podem inclusive apurar se tais informações estão de acordo com a realidade. O que vemos no Brasil com a falta de dados oficiais sobre as mortes dos transexuais parte de uma prerrogativa em que, se não há dados, não há responsabilização. A ausência de dados qualificados e disponíveis é um mecanismo que o governo e outros responsáveis utilizam para evitar a responsabilização.
Por isso, é importante que a sociedade cobre que essas informações sejam fornecidas de forma efetiva e que haja o cumprimento dos instrumentos legais já existentes. A confiança já está afetada, o espaço público, corrompido, a violência, difundida. Para que se possa (re)construir confiança nas relações entre as pessoas e entre cidadãos e governantes, para que se possa proteger a vida e os direitos, e desenvolver a democracia, há que promover continuamente a transparência, a accountability, a participação cidadã e o controle social. Para as pessoas transexuais, é uma questão de sobrevivência.
* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Shely de Farias, Valeska Boscato Eede e Carlos Eduardo Machado Massulo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.
ILGA (Brasil, 2020). Mapas: leis de orientação sexual. Este mapa é apoiado pelos dados coletados em Homofobia Patrocinada pelo Estado 2020: Atualização da Visão Geral da Legislação Global (publicado em dezembro de 2020). Disponível em: <https://ilga.org/maps-sexual-orientation-laws >. Acesso em: 06 jun. 2022.
No campo ambiental, a história é um pouco mais antiga, pois em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) já estabelecia a divulgação de dados e informações ambientais. Uma alteração desta lei, em 1989, passou a prever a prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando o Poder Público a produzir tais informações, quando inexistentes. Outra lei que se destaca é a Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei nº 10.650/2003), que determina o acesso público a documentos e informações ambientais pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Além disso, outras leis ambientais possuem a transparência e o acesso à informação como diretrizes e preveem a existência de sistemas e cadastros que permitem a organização e a divulgação de dados e informações ambientais.
Vale lembrar que, desde 2011, o Brasil participa da OGP (Open Government Partnership ou Parceria para o Governo Aberto), uma iniciativa internacional que busca difundir e incentivar práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social. Como membro, o país elabora a cada dois anos um Plano de Ação Nacional, em que assume compromissos com os princípios de governo aberto e delimita as estratégias e as atividades para implementá-los (Figura 1). A partir do terceiro Plano de Ação (2016-2018), a área ambiental passou a integrar os temas e compromissos assumidos pelo país, contribuindo para o avanço de ações na transparência e abertura de dados sobre meio ambiente no âmbito do executivo federal.
Figura 1 – Áreas temáticas dos Planos de Ação | Elaborado pela autora, com base em dados da CGU/OGP
Atualmente, vários órgãos federais envolvidos na gestão ambiental já possuem suas bases de dados abertos. Entretanto, ainda existem obstáculos que precisam ser superados. Um relatório do projeto Achados e Pedidos1 apontou sete grupos de problemas relacionados à transparência de dados ambientais no Brasil (Figura 2):
não produção de dados necessários ao controle social da execução de políticas públicas;
falta de atualização de dados disponíveis;
dificuldades no acesso a informações e dados, mesmo via transparência ativa;
dados descentralizados em múltiplas fontes;
cumprimento insatisfatório da LAI;
ausência de políticas para abertura de dados;
interrupção de produção e disponibilização de dados por questões técnicas.
Figura 2 – Problemas de transparência em dados ambientais | Fonte: Adaptado pela autora com base em Achados e Pedidos (2021)
A este cenário, somam-se a emergência de fake news e discursos de governantes que tentam desqualificar o campo ambiental. Um estudo do Imaflora2 aponta que, desde o início de 2019, foram veiculadas diversas notícias sobre ações do governo federal no sentido de reduzir o acesso à informação ambiental, incluindo a deslegitimação de órgãos públicos responsáveis pela produção de dados ambientais, alterações nos protocolos de comunicação dos órgãos ambientais, ameaças a servidores, elevação do sigilo de documentos públicos e apagões em bases de dados ambientais.
Nesse contexto, destaca-se a importância do trabalho de diversas organizações da sociedade civil, de pesquisadores e da imprensa que atuam ativamente na fiscalização e no monitoramento das ações do Poder Público, além de contribuir para o levantamento e a divulgação de dados socioambientais.
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1 O projeto Achados e Pedidos, é realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Transparência Brasil e Fiquem Sabendo. Por um ano, desde fevereiro de 2020, eles monitoraram a disponibilidade de dados socioambientais no governo federal, em bases de dados produzidas por 43 órgãos federais da gestão socioambiental no Brasil.
2 A Imaflora é uma organização da sociedade civil que atua no Brasil com ações que contribuem para a conservação do meio ambiente. Em uma de suas linhas de ação, dedica-se à construção de políticas ambientais que contenham os princípios de um Governo Aberto.
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*Texto elaborado pela acadêmica de administração pública Gislaine Lilian Rowedder, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.
Referências
ACHADOS E PEDIDOS. Área socioambiental: império da opacidade. Maio 2021. https://www.achadosepedidos.org.br/uploads/publicacoes/Imperio_da_Opacidade_Socioambiental.pdf
IMAFLORA. Mapeamento dos retrocessos de transparência e participação social na política ambiental brasileira – 2019 e 2020. 2021 https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/mapeamento_dos_retrocessos_de_transparencia_e_participacao_social_na_politica_ambiental_.pdf
Lei de Acesso à Informação – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm
Lei de Acesso à Informação Ambiental – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.650.htm
Planos de Ação Nacional do Brasil – https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/planos-de-acao
Política de Dados Abertos do Executivo Federal – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8777.htm
Política Nacional de Meio Ambiente – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm