Blog do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – UDESC/ESAG
O Legislativo tem um papel fundamental na sociedade que exige qualificação e transparência de suas ações. Seu papel de fiscalizador da gestão pública conta com a participação e colaboração, não apenas de órgãos de controle, mas da sociedade como um todo.
O evento é uma iniciativa da Escola de Gestão e Eficiência Legislativa – EGEL em parceria com o Grupo de Pesquisa Politeia da Esag Udesc e contará com a participação de diversas instituições e sociedade civil.
A iniciativa parte de uma agenda de discussões e ações em torno de temas como coprodução do controle, transparência e accountability com o objetivo de construir pontes entre administração pública, universidade e sociedade.
LEGISLATIVO, TRANSPARÊNCIA E GOVERNANÇA COLABORATIVA: como o cidadão participa com o legislativo no controle da gestão pública?
Engajamento, conscientização, expertise, especialização técnica/profissional, conhecimentos complementares, informação e capital social são alguns dos resultantes e ao mesmo tempo requisitos, tanto inputs como outputs, dos processos de coprodução na área ambiental.
Esse campo é propício para práticas de coprodução, conforme podemos observar no controle de espécies exóticas invasoras. Esse desafio envolve competências e responsabilidades legais indissociáveis do Estado, alta complexidade técnica e científica para o planejamento, organização e coordenação das atividades, em conjunto com baixa complexidade operacional para execução de parte delas.
O que são espécies exóticas invasoras?
Define-se como espécies exóticas, conforme a Resolução CONABIO 07/2018: “espécie, subespécie ou táxon de hierarquia inferior ocorrendo fora de sua área de distribuição natural passada ou presente; inclui qualquer parte, como gametas, sementes, ovos ou propágulos que possam sobreviver e subsequentemente reproduzir-se”. São, portanto, espécies não nativas de determinada região. Já as espécies exóticas invasoras são “espécies exóticas cuja introdução e/ou dispersão ameaçam a diversidade biológica”.
Questão pouco conhecida pelo público em geral, as espécies exóticas invasoras são uma das maiores causas da perda de biodiversidade no mundo, juntamente com a perda de hábitats, mudanças climáticas, poluição e sobre-exploração de recursos. Seus impactos são os mais diversos, abrangendo prejuízos ambientais, culturais, sociais e econômicos.
Apesar da complexidade de sua mensuração, estudos como o de Pimentel et al (2000) estimam um impacto financeiro negativo de mais de 314 bilhões de dólares ao ano causado pelas espécies exóticas invasoras na amostra de seis países pesquisados: Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul, Austrália, Índia e Brasil, devido aos danos à agricultura, silvicultura, pecuária, dentre outros. No Brasil, alguns exemplos destas espécies são o mexilhão-dourado, coral-sol e o javali, causando prejuízos à biodiversidade e pecuária conforme informações do site oficial do Ministério do Meio Ambiente, além de espécies de pínus, as quais abordaremos adiante.
Como a sociedade é capaz de responder a problemas como este, que afetam os indivíduos direta e indiretamente no mundo inteiro? A difusão territorial, complexidade e abrangência das espécies exóticas invasoras vão muito além do que dispõem os Poderes Públicos estatais em capacidade administrativa, econômica e operacional para enfrentá-las. Como responder ao desafio?
A coprodução do bem público como alternativa
Elinor Ostrom (1996), precursora de estudos sobre coprodução, discorre sobre o potencial de sinergia das práticas de coprodução. Neste caso, a sinergia ocorre em função da viabilidade econômica e de esforços (inputs) de cada parte: o Estado e os indivíduos. A ação conjunta entre as partes permite alcançar resultados superiores àqueles que seriam obtidos caso as partes trabalhassem isoladamente.
Para lidar com questões de interesse público, como o das espécies exóticas invasoras, não basta a ação isolada do Estado. Se trabalhasse sozinho, o aparato administrativo e operacional necessário para abranger todo o território nacional seria gigantesco e inviável. Estamos, pois, diante de um cenário claro para práticas de coprodução no enfrentamento de problemas públicos.
Poderíamos supor que, quão maior a complexidade do problema, maior a complexidade da rede necessária para combatê-lo, e foi isto que encontramos ao analisar a rede de governança envolvida na busca de soluções à questão das espécies exóticas invasoras.
É interessante observar que a própria Constituição Brasileira de 1988 prevê a abordagem coletiva da temática ambiental em seu Artigo 225:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Brasil (1988, grifo nosso)
No Brasil, o recente Plano de Implementação da Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 16 de agosto de 2018, deu destaque ao tema. O Plano é um dos frutos do trabalho de uma rede de governança que vem trabalhando desde 2017, envolvendo diversos atores, dentre eles, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, de Florianópolis, Santa Catarina, que exerce um dos papéis centrais.
O Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental
Associação sem fins lucrativos fundada em março de 2002 no município de Florianópolis, capital de Santa Catarina, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental foi criado por um grupo de pessoas interessadas na problemática das invasões biológicas, com a missão de “Desenvolver alternativas de conservação ambiental e integrá-las aos processos de desenvolvimento econômico e social, aos sistemas de produção e à rotina da sociedade”.
É composto por uma Diretoria e por colaboradores técnicos, fixos e variáveis, de áreas como Biologia, Engenharia Florestal, Engenharia Agronômica, Direito, Engenharia Ambiental e outras áreas técnicas. Foca suas atividades no apoio ao desenvolvimento de programas de gestão de invasões biológicas no Brasil e na América Latina e na formação de pessoas para o manejo prático de espécies exóticas invasoras, tendo realizado inúmeras ações ao longo desses 16 anos de atuação.
Sua fundadora e atual Diretora Executiva, Dra. Sílvia R. Ziller, é Engenheira Florestal com mestrado em silvicultura e doutorado em conservação da natureza. Possui experiência em análise e restauração ambiental em diversas regiões do Brasil. Trabalhou no setor privado e há 20 anos tem atuação no terceiro setor, com forte interação com o setor público, com especialidade em questões referentes a espécies exóticas invasoras. Proveu treinamento nessa área em mais de vinte países na América Latina e no Caribe. É Fellow da rede Ashoka Empreendedores Sociais desde 2002, que apoiou o início do trabalho do Instituto Hórus; membro da Parceria Global de Informação sobre Espécies Exóticas Invasoras (GIASIP) e da Rede de Especialistas em Espécies Invasoras da IUCN (ISSG), redes internacionais envolvidas na temática e ligadas à Convenção sobre Diversidade Biológica.
A bióloga Dra. Michele de Sá Dechoum, envolvida com ações diversas do Instituto Hórus desde 2008, deu início ao programa de controle de pínus no Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição no ano de 2010. Saídas mensais regulares foram fixadas a partir de 2014, sendo o convite aberto à comunidade. Michele tem mestrado em Biologia Vegetal e doutorado em Ecologia, com experiência de trabalho no setor público, havendo sido Gerente de Recursos Naturais no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, com posterior experiência no terceiro setor e na academia.
Para análise do trabalho do Instituto Hórus sob uma perspectiva de redes de governança e coprodução, selecionamos duas frentes de trabalho nas quais sua atuação é fundamental: a alimentação e a manutenção da Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, por meios colaborativos e de acesso público, e o Programa de voluntariado para controle de espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição.
O programa de voluntariado do Parque das Dunas da Lagoa apresenta os elementos característicos de processos de coprodução, como a existência do corpo técnico de profissionais especialistas, os inputs voluntários na produção pelos próprios indivíduos beneficiários e a atuação em maior ou menor grau do Estado. O caso da Base de Dados apresenta, além de exemplos de coprodução da informação e conhecimento, envolvendo os elementos citados anteriormente, uma ampla e interessante rede de governança.
A BASE DE DADOS E A REDE DE GOVERNANÇA
A Base de Dados nacional de espécies exóticas invasoras, de alimentação e manutenção contínua e voluntária com informações prestadas por diversas pessoas, gerenciada e coordenada centralmente pelo Instituto Hórus, contém registros das espécies exóticas invasoras já presentes no Brasil, seguindo um rol de critérios definidos para sua inclusão.
As informações e imagens são encaminhadas voluntariamente ao Instituto através dos contatos e planilhas disponibilizadas no site oficial. As informações recebidas são analisadas, muitas vezes com o auxílio de colaboradores técnicos eventuais com distintos conhecimentos localizados em diversos estados do país, e posteriormente registradas na Base de Dados. As informações constantes da Base subsidiam a elaboração de informes, planos estratégicos e diagnósticos oficiais por entes governamentais federais e estaduais, dando publicidade à questão, no intento de fortalecer sua disseminação, conscientização e promover ações de controle.
A Base de Dados nacional foi estabelecida em 2005 como parte da rede temática sobre espécies exóticas invasoras I3N, a qual está ligada por sua vez à Rede Inter-Americana de Informação sobre Biodiversidade (IABIN), criada pelos governos dos países das Américas em 2001. Até 2011, essa Rede foi financiada por projeto do Banco Mundial. Desde então, é mantida pelos seus líderes, sendo estes os representantes de cada país membro. Conforme informações disponíveis na Base de Dados: “os representantes são designados pelos pontos focais da IABIN em cada país em acordo com a Coordenação da Rede I3N”. No caso do Brasil, a sua líder representante é a Dra. Sílvia R. Ziller, fundadora e diretora executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.
Para conduzir nossa análise, partimos de aspectos considerados pelos especialistas em redes e governança pública Tony Bovaird e Elke Löffler (2002) para caracterizá-las: um cenário de múltiplos stakeholders (atores); a negociação entre esses atores; as características dos processos-chave na interação social (transparência, integridade, inclusão etc.) como valiosas em si mesmas; seu aspecto inerentemente político; as estruturas de mercado, hierarquias (como as burocracias) e as redes cooperativas como estruturas facilitadoras e mecanismos de direção. Adotamos, ainda, o conceito de governança pública de Kooiman (1993, p. 258): “O padrão ou estrutura que emerge em um sistema sociopolítico como um resultado ‘comum’ ou resultado dos esforços de intervenção interativa de todos os atores envolvidos”.
Percebemos a extensão das ações do Instituto Hórus para além do âmbito nacional, interagindo tanto com o Estado, como com indivíduos coprodutores locais, grupos de especialistas e demais redes e atores internacionais. Destaca-se a resiliência da rede como um todo na manutenção de suas ações, ao longo de todo este período, em boa parte com formas alternativas e colaborativas de financiamento.
Em conversa com a Dra. Sílvia R. Ziller, nos fora elucidado o fato de que praticamente a totalidade das ações do Programa de Voluntariado do Instituto Hórus, detalhado adiante, são financiadas de forma coletiva, através de crowdfunding, principalmente por parte de pessoas físicas. A alimentação e a manutenção da base de dados, por sua vez, tem recebido pequenos aportes de recursos do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (IPEF), utilizados para contratar uma bióloga para a inclusão de dados. A manutenção do website e das redes sociais, até as ações de coprodução em si, tanto da informação e do conhecimento, como do manejo das espécies, como abordaremos adiante, são realizados de forma voluntária por membros engajados com maior ou menor frequência, mas de forma geral com interesses convergentes em torno do tema ambiental.
Dentre os interesses de atuação da rede, além da questão central da conservação da biodiversidade, identificamos o capital social gerado pelas interações. A colaboração técnica entre as partes é favorecida na troca de informações e conhecimento entre atores nacionais e internacionais, necessária devido à diversidade de áreas de especialização (ecologia, botânica, fauna, etc.).
Destacamos, ainda, o papel do Estado na rede, predominante nas questões de codesigner, atuando nas regulamentações e normatizações inerentes ao seu caráter legal indissociável das questões ambientais, como por exemplo a demarcação das Áreas de Preservação ou legislação de caráter geral. Atua também como cogestor, na edição de políticas estratégicas e fiscalização, por exemplo. Entre os entes estatais que se relacionam com as ações do Instituto Hórus, estão órgãos executivos federais, como o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); estaduais, como o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado da Bahia (INEMA) e outros órgãos estaduais; bem como municipais, como a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FLORAM) de Florianópolis, e os respectivos órgãos legislativos de cada esfera.
O conhecimento destes fatores nos permitiu ter uma breve noção da amplitude da rede e de seu formato aberto, envolvendo a colaboração e variada interação entre redes locais, redes internacionais, formadas por indivíduos, organizações da sociedade civil, grupos de pesquisa e Estado.
Apesar da atuação do Estado predominar nos aspectos políticos e estratégicos, a governança do tema em questão ocorre bilateralmente no sentido em que a atuação dos atores da sociedade civil subsidia a elaboração destas políticas e normatizações pelo Estado, e as normatizações e políticas regem as ações daqueles. Uma abordagem à problemática ambiental, por sua natureza difusa e complexa, não obedece a uma lógica em que as soluções dependem somente do Estado ou localmente e possam ser resolvidas por uma estrutura formal, hierárquica e padronizada, o que nos permite observar e compreender a lógica de atuação em rede.
O PROGRAMA DE VOLUNTARIADO DO INSTITUTO HÓRUS NO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DAS DUNAS DA LAGOA DA CONCEIÇÃO, EM FLORIANÓPOLIS/SC
Unidade de conservação do município de Florianópolis/SC, criada através do decreto municipal nº 231, de 1988, e ampliada pela lei municipal nº 10.388, de 2018, o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição está sujeito à invasão por espécies de pinheiros norte-americanos, em especial Pinus elliottii e Pinus taeda. Este foi introduzido na década de 1960, em uma iniciativa frustrada de sua exploração econômica e estabilização de dunas.
Dentre os impactos provocados por pínus invasores, conforme Dechoum et al. (2018), destacam-se o alto consumo de água; o aumento no risco de incêndios; as alterações nas propriedades do solo; a exclusão de espécies intolerantes à sombra; a redução na riqueza de espécies e plantas nativas e; a alteração da estrutura do hábitat.
Em 2012, o poder público municipal de Florianópolis aprovou a Lei 9097/2012, regulamentada pelo Decreto 17938/2017, os quais contribuem para tratamento da questão, estabelecendo o dever de eliminação de pínus em propriedades particulares do município até dezembro de 2019. O Instituto Hórus, por sua vez, já realizava ações de controle das espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição desde o ano de 2010.
Por iniciativa da Dra. Michele de Sá Dechoum, bióloga vinculada à Universidade Federal de Santa Catarina e ao Instituto, foi estabelecida uma parceria institucional com o objetivo de realizar o controle da invasão por pínus no Parque Municipal e, ao mesmo tempo, propiciar a alunos do curso de biologia uma oportunidade para realizar trabalho prático na área de conservação ambiental.
Esse trabalho é orientado ao controle de indivíduos jovens e de plântulas, realizado por meio de coprodução entre especialistas e voluntários não necessariamente especializados na área. Outra parte do trabalho é voltado ao controle de árvores de maior porte, realizada por motosserristas profissionais contratados e por profissionais técnicos da instituição.
Com o passar do tempo, outras pessoas do público passaram a integrar os grupos de voluntários. A atuação de membros da comunidade vai além do voluntariado clássico, feito em benefício de terceiros. Ocorre a coprodução, pois as pessoas da comunidade se envolvem de modo voluntário, mas também se beneficiam dos resultados da ação, algo que distingue ambos os conceitos, conforme apontam Verschuere, Brandsen e Pestoff (2012). Identifica-se, ainda, os elementos básicos apontados por Brandsen e Honingh (2015) para caracterizá-la como coprodução: a interação de profissionais e indivíduos pertencentes a diferentes organizações, através de esforços não compulsórios e não remunerados (sem contrato profissional) por parte dos cidadãos.
Sob esta perspectiva, cidadãos-usuários do Parque e moradores da região, bem como todos os munícipes de Florianópolis que atuem no programa, podem ser caracterizados como coprodutores, beneficiários diretos e indiretos das ações sob o enfoque geográfico, considerando a indissociabilidade da questão ambiental da vida dos indivíduos locais. Esta perspectiva é reforçada pelas premissas apresentadas pelo Instituto Hórus, disponíveis em seu website oficial, a destacar:
O ser humano faz parte do meio, não está isolado dele e não pode funcionar fora ou isoladamente dos sistemas naturais.
A qualidade ambiental está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida. A exaustão dos recursos naturais leva à exaustão das possibilidades de sobrevivência das pessoas, quer pela limitação da condição econômica, quer pela limitação da qualidade de vida.
Para compreender de perto como se dá o processo, nos voluntariamos para participar em uma das saídas de campo no Parque Dunas da Lagoa, promovida pelo Instituto Hórus, a qual relatamos e descrevemos a seguir.
O Processo de Coprodução do Programa
Verificamos a data e horário da saída, as quais ocorrem mensalmente, programada para 22 de setembro de 2018, através das redes sociais do Instituto (Facebook, seu principal meio de comunicação junto aos cidadãos, tal qual seu website e youtube), e encaminhamos mensagem via email solicitando o agendamento. Informamos a intenção de participar e analisar a experiência sob a perspectiva de rede de coprodução, no âmbito da disciplina de Governança e Redes de Coprodução do Bem Público do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag. A mensagem de confirmação veio logo depois, na qual já constavam instruções preliminares para a saída de campo, tais como horários, ponto de encontro, trajes e outras recomendações.
Na data e local agendados, nos reunimos a outros voluntários pontualmente às oito horas da manhã de sábado. Acompanhados pelas Doutoras Michele Dechoum e Sílvia Ziller, o grupo dirigiu-se ao local de realização da ação. Antes do início das atividades, houve a apresentação dos participantes e uma explicação sobre o programa, informando o contexto, as ações realizadas, o histórico e a problemática do Parque Dunas da Lagoa, os objetivos, os resultados obtidos até então e, ainda, a instrução operacional aos voluntários (coprodutores).
Grupo de voluntários participantes da ação no Parque Dunas da Lagoa junto ao Instituto Hórus em 22/09/2018.
As atividades operacionais constituem basicamente no arranquio ou no corte utilizando serras manuais (fornecidas pelo Instituto juntamente com luvas) de espécimes de pínus de pequeno e médio porte pelos voluntários. A remoção das árvores de maior porte é realizada por membros habilitados do Instituto Hórus, utilizando motosserras, assim como pelos motosserristas profissionais contratados, em outro momento, devido à maior complexidade da operação. Os participantes registram as quantidades removidas em blocos de anotação disponibilizados e fazem a contabilização dos totais de pínus arrancados e serrados em conjunto até o período de intervalo das atividades. Este ocorreu por volta das dez horas da manhã neste dia. Ao final, apresentam nova contagem. Neste dia foram eliminados 4.989 pínus no total. Esse registro das quantidades é fundamental, pois se soma ao controle de desempenho feito pelo Instituto Hórus desde o início de suas atividades, o que subsidia pesquisas científicas e relatórios sobre os resultados.
Análise e Conclusões
A participação na atividade nos permitiu observar a baixa complexidade operacional da ação para os voluntários. O público participante é composto por membros mais frequentes como estudantes e professores da UFSC nas áreas de ecologia, biologia e botânica (já com certa compreensão sobre o assunto), até cidadãos sem conhecimento prévio do tema, membros eventuais da ação, muitas vezes simpatizantes das questões ambientais ou interessados em conhecer e aproveitar as belas paisagens do Parque. Este é considerado um dos fatores de sucesso da coprodução pelo Instituto Hórus, comparada a ações que demandam controle químico das espécies exóticas invasoras, por exemplo, nas quais seria necessária capacitação específica dos participantes, implicando em maiores custos por consequência.
Soma-se a isto a gratificação pessoal que pudemos experienciar ao perceber a eficácia da ação realizada em poucas horas (quase cinco mil pínus eliminados) e da conscientização ecológica adquirida durante a ação sobre um problema até então desconhecido de nossa parte. A oportunidade de contato com profissionais do Instituto Hórus nessa ação nos permitiu conhecer de perto esse trabalho e a problemática, ainda “invisível” para grande parte da sociedade. Esta conscientização vai além das ações desenvolvidas localmente no próprio Parque, ao mesmo tempo que é nutrida por ela. A ação concreta gera mais engajamento por parte dos cidadãos, que passam a estar cientes da questão das espécies exóticas invasoras como um problema global e, principalmente, de seu potencial para coproduzir com especialistas na área e contribuir para resultados concretos.
Destaca-se, ainda, a capacidade do Programa de mensurar e demonstrar seus resultados, traduzidos em valores monetários (economia de R$ 136.596,00 com as ações no período de 2010 a 2017), quantitativos de espécies exóticas removidas (308.014 pínus removidos no total entre 2010 e 2017), projeções de cenários para o Parque conforme os níveis de ação de controle empregados, dentre outras estatísticas obtidas a partir dos dados registrados.
As figuras a seguir, detalhadas no artigo de Dechoum et al. (2018), mostram a projeção de 03 cenários: a) como seria hoje a presença de pínus no Parque das Dunas, caso o programa de voluntariado não houvesse iniciado em 2010; b) a situação presente com o trabalho realizado pelo Instituto e voluntários entre 2010 e 2017, ainda com presença de pínus em áreas vizinhas ao Parque e; c) situação projetada caso se prossiga com ações dentro do Parque, associadas ao cumprimento da legislação pelos moradores vizinhos, com apoio e fiscalização da Prefeitura. Isso demonstra claramente o que a sinergia entre comunidade e governo, voluntários e especialistas, é capaz de produzir.
Fonte: Dechoum et al. (2018, p.10) Fonte: Dechoum et al. (2018, p.11)
Dechoum et al. (2018) apontam, ainda, como elementos favoráveis ao sucesso do programa, a persistência de membros do Instituto e participantes das ações, a facilidade de acesso à área, a integração com programas de gestão local e a relação entre ciência, gestão, financiamento e governança.
Já os principais desafios e limitações encontram-se na necessidade de implementação da legislação municipal citada, para a remoção de pínus no município, principalmente nas redondezas do Parque. Esta depende tanto da atuação dos entes governamentais e dos moradores, como da disseminação de informações e conscientização sobre tal questão, com as quais esperamos ter contribuído com a presente publicação.
Para saber mais e participar
Para participar das ações de voluntariado no Parque Dunas da Lagoa, bem como na Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras e obter mais informações sobre o Instituto Hórus, acesse:
Bovaird T. e Loeffler E. (2002). Moving from excellence models of local service delivery to benchmarking of ‘good local governance, International Review of Administrative Sciences, 67, issue 1: 9-24
Brandsen T. e Honingh M. (2015). Distinguishing Different Types of Co-Production of Public Services: A Conceptual Analysis Based on Classical Definitions, Public Management Review, 8/4: 503-520
Brasil (2018). Resolução n. 07, de 29 de maio de 2018. Dispõe sobre a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, 112. ed. Diário Oficial da União, p. 69-69, maio. 2018. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80049/Conabio/Documentos/Resolucao_06_03set2013.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018.
Dechoum M., Giehl E., Sühs R., Silveira T. e Ziller S. (2018). Citizen engagement in the management of non-native invasive pines: Does it make a difference? Biological Invasions, [s.l.], p.1-20, 13 ago. 2018. Springer Nature America, Inc. http://dx.doi.org/10.1007/s10530-018-1814-0.
Kooiman J. (1993). Modern governance: new government–society interactions. London:Sage.
Ostrom E. (1996). Crossing the great divide: Coproduction, synergy, and development. World Development, 24, issue 6, p. 1073-1087.
Pimentel D., McNair S., Janecka J., Wightman J., Simmonds C., O’Connell C., Wong E., Russel L., Zern J., Aquino T. e Tsomondo T. (2001). Economic and environmental threats of alien plant, animal, and microbe invasions. Agriculture, Ecosystems & Environment, 84(1), 1–20.
Verschuere B., Brandsen T. e Pestoff V. (2012). Co-production: The state of the art in research and the future agenda. Voluntas 23(4): 1083–1101.
*Texto elaborado por Eduardo Beeck Garozzi (edugarozzi@gmail.com) e Lucas Bresolin (lucasbresolin2@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.
Por Gessica Silva, Amanda Arioli Putti e Rafael Tachini de Melo*
Todos os anos, entre os meses de julho e novembro, o litoral catarinense vivencia uma experiência ambiental peculiar: torna-se o principal perímetro reprodutivo e de criação de filhotes da espécie Baleia Franca Austral em águas brasileiras.
Crédito: SCPar Porto de Imbituba
A histórica tradição da caça às baleias-francas em Santa Catarina quase levou a sua extinção na década de 1970. No entanto, um esforço para a preservação da espécie resultou, em 2000, na criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, formalizada por meio de Decreto Federal s/n° de 14 de setembro de 2000.
Também conhecida como Unidade de Conservação (UC), a APA da Baleia Franca abrange nove municípios catarinenses, desde o sul da Ilha de Santa Catarina, onde fica a capital, Florianópolis, até Balneário Rincão, na Região Sul do estado.
Por ser um território densamente ocupado e de grande fragilidade ambiental, pois abriga diversas atividades, tais como mineração, turismo, agricultura e pecuária, pesca industrial e artesanal, etc., desde sua criação, o principal desafio de gestão da UC tem sido a elaboração do seu Plano de Manejo (PM), instrumento legal necessário para o ordenamento da ocupação territorial e da utilização dos seus recursos naturais.
Entre 2000 e 2007, a APA BF foi gerida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O período foi marcado pela criação de rotinas de trabalho e de estruturação de um Conselho Gestor, atendendo o dispositivo legal de criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC, Lei Nº 9.985 de 2000, regulamentado pelo Decreto Nº 4.340, de 22 de agosto de 2002).
Assim, em 2006, nasce o Conselho Gestor da APA da Baleia Franca – CONAPA BF, órgão formado por 42 instituições conselheiras, divididas em uma gestão paritária de três setores: 1/3 do setor público, 1/3 dos usuários dos recursos (moradores, órgãos de representação de classe, universidades etc.) e 1/3 de Organizações Não-Governamentais (ONGs).
Os representantes se submetem voluntariamente à eleição, a cada dois anos, para formação de um novo conselho. Desde 2007, com a criação de uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente (MMA) responsável pela gestão do SNUC, a gestão da APA BF está sob responsabilidade do ICMBio.
A rede CONAPA BF tem como objetivo essencial a proteção da baleia-franca. Sua função é contribuir para o ordenamento do território da APA, a fim de preservar o habitat de procriação da espécie. De forma consultiva, o Conselho auxilia nas decisões do ICMBio sobre questões relacionadas à gestão do território da APA como, por exemplo, na avaliação de Estudos de Impacto Ambiental (EIAS) e Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente (RIMAS). Além disso, nesses últimos 12 anos, o CONAPA BF dedicou-se à elaboração do Plano de Manejo da UC, instrumento que rege a utilização da APA, definindo as regulamentações para o uso e ocupação do território.
Relacionamento em Rede
A rede que constitui e dá sustentação ao CONAPA BF combina características de natureza formal e informal. Formal por ser hierarquizada em sua operação. Como podemos ver na imagem a seguir, a estrutura da rede é constituída pelo presidente, servidor do ICMBio que exerce o cargo de chefe da APA BF; um comitê executivo; câmaras técnicas e grupos de trabalho. O aspecto de uma rede formal também se apresenta no Regimento Internoe na metodologia de condução das reuniões. Convidados, por exemplo, não podem ter a fala se não forem indicados pelos atores formais.
Elaborado pelos autores com base no Regimento Interno.
Já a natureza informal da rede é observada quando a pluralidade dos atores que a constitui participa nos espaços de debate e influencia as discussões e as decisões. Além disso, pelas relações e processos informais gerados a partir da interação e dos objetivos mais formalizados.
Um ponto de destaque da participação social da rede englobada pelo CONAPA é o engajamento dos integrantes e o interesse na cooperação desses nas decisões, formulação das políticas e ações propostas. Por exemplo, durante a plenária para revisão do Plano de Manejo, realizada no segundo semestre de 2018, o contexto vivenciado em dois dias de reuniões do grupo demonstrou que o interesse na participação é tanto que a metodologia de condução dos encontros precisa delimitar quantos conselheiros vão expor a sua opinião sobre cada ponto a ser debatido e o tempo de fala de cada um, rigorosamente cronometrado pela equipe do ICMBio. Ainda assim, os encontros do Conselho se estendem por horas e horas de debate.
Uma hipótese para essa característica é o envolvimento destes pelo mesmo propósito. Tal objetivo é uma prerrogativa da equipe de servidores que trabalha na construção do plano, objetivo expresso no siteda rede como “buscar a participação direta dos atores sociais da região na elaboração, para que o plano de manejo seja um ‘pacto social’ que garanta um desenvolvimento sustentável e diferenciado no sentido da proteção ambiental do território”.
Esse interesse na participação também é evidenciado na quantidade de instituições que disputam as 12 vagas em cada setor, na medida em que geralmente há mais interessados do que o número de cadeiras.
Além do propósito comum, que é a elaboração do Plano de Manejo da unidade, uma vez que a normativa tornará mais clara e personalizada as regras para uso da área, cada grupo de atores busca seus interesses próprios. Entre os benefícios buscados por cada instituição participante, podem ser citados: o uso racional dos recursos naturais da região; a normatização da ocupação e utilização do solo e das águas; o uso turístico e recreativo; as atividades de pesquisa e; o tráfego local de embarcações e aeronaves.
A participação dos atores nos espaços de debate é a oportunidade para colocarem suas necessidades, discutirem as melhores saídas e entrarem em um consenso para que algo seja realizado.
Na imagem a seguir, vê-se um registro do primeiro dia de plenária para finalização do PM, em 27 de setembro de 2018.
Crédito: Géssica Silva.
Em resumo, o trabalho do CONAPA BF vive uma rica experiência de participação social e coprodução em prol da construção de um ambiente em constante evolução e aprendizagem, incluindo divergências e conflitos para a convivência entre as atividades humanas e o propósito da conservação dos biomas presentes na APA e a proteção da baleia-franca. Representa, também, uma iniciativa que atravessa mais de uma década, liderada por um órgão público e fortemente enraizada no engajamento de diversos atores, marcada por fatores como articulação de interesses, codesign de metodologias de mediação e negociação e aprendizagens, como veremos a seguir.
Uma coprodução franca
Dada a diversidade de atores que se envolve no CONAPA BF e a ênfase nos esforços de codesign do Plano de Manejo, é perceptível, através do acompanhamento de um encontro do grupo e de entrevistas com um representante de cada setor, que o Conselho é um espaço fortemente político. Aqui entendendo política como arte de negociação para compatibilizar interesses.
1º dia de plenária para finalização do PM, em 27/09/2018. Crédito: Géssica Silva
Ao longo da elaboração do Plano de Manejo, foi necessário o codesign de metodologias de mediação, negociação e comunicação para que o projeto desenvolvido em conjunto pudesse tomar forma. Esse processo foi do início ao fim discutido com as entidades participantes, através de oficinas de planejamento participativo, grupos de trabalho, câmaras técnicas, oficinas setoriais, intersetoriais e intrassetoriais e nas próprias assembleias ordinárias do Conselho, que ocorrem, no mínimo, quatro vezes ao ano.
Tinha razão o professor Francisco G. Heidemann, catedrático da gestão pública que em 15 de agosto de 2018 disse em sala de aula que a democracia é cara e demorada, propriedades que fizeram, nesse caso, e devem fazer parte de processos democráticos.
Para a própria governabilidade do sistema, percebe-se a importância da equipe técnica do ICMBio como mediadora dos debates, colocando na mesa de discussão o ponto de vista institucional e legal do órgão gestor da APA, mas aceitando a deliberação da maioria dos atores. Também revisões feitas pelo ICMBio passam pela defesa, discussão e aprovação da assembleia.
Durante a finalização do Plano de Manejo, a forma de chegar a uma “opinião comum” entre os atores pauta-se pela apresentação de propostas previamente apresentadas pelas entidades. Aqui, cabe um parênteses para o fato de que os técnicos do ICMBio se preocupam se todos entenderam as propostas, simplificando as informações quando necessário ao entendimento do interlocutor que representa a entidade. Isso denota o reconhecimento de que a participação de atores locais, como pescadores e moradores nativos, é essencial para o Plano.
Crédito: Géssica Silva
Em seguida, é aberta a rodada de discussão, com espaços para falas delimitados por tempo e número de “opinadores”, seguido de votação para verificar a concordância com a proposta. Nesse processo, vê-se debates acalorados, de prós e contras, de personalização da atuação na rede em detrimento da representação institucional e, portanto, de conflitos de interesses negociados, mas não evitados. É um processo demorado, tenso e truncado, que tem mantido a rede engajada e culminou, em 2018, no encaminhamento do que pode ser considerado o primeiro Plano de Manejo da APA da Baleia Franca, que passa agora para a aprovação do ICMBio, em Brasília.
O perfil dos diversos atores, sobretudo do Chefe da APA, coincide com aquele desenhado pelo modelo de administração pública do novo serviço público, caracterizado por Janet e Robert Denhardt como “uma alternativa para a ‘nova administração pública’ que tem origem em uma tradição mais humanista”.
O ‘Novo Serviço Público’ retira sua inspiração da teoria política democrática (especialmente enquanto preocupada com a conexão entre cidadãos e seus governos) e de abordagens alternativas à gestão e ao design organizacional. Desta maneira, o governo e, consequentemente, o servidor têm um papel de articulação e mediação dos atores e cidadãos interessados na política pública.
Neste ponto, destaca-se, como substrato da accountability democrática empreendida pelo Chefe da APA, a governança da rede, a qual inclui diferentes setores de representação institucional e participativa e tenta, a todo momento, compor com todas as partes interessadas. Também promove a responsividade da rede em face dos serviços codesenhados e coproduzidos, desde o Plano de Manejo até iniciativas que veremos a seguir.
Coprodução, codesign e cogestão. Coprodução se refere a relações regulares e de longo prazo entre profissionais prestadores de serviços públicos (em qualquer setor) e usuários, ou outros membros da comunidade, onde todas as partes fazem contribuições substanciais de recursos, protagonizando papéis diferentes de acordo com os seus interesses (BOVAIRD, 2007). A coprodução focaliza a participação do usuário ou da comunidade na entrega ou na implementação do serviço público. Codesign é a participação dos mais diversos atores no desenho do serviço público, enquanto cogestão é o engajamento dos atores interessados no gerenciamento da política pública e na prestação do serviço público. Alguns autores entendem que codesign e cogestão estão inseridos na coprodução, outros preferem distinguir bem os conceitos e práticas. Tony Bovaird, por exemplo, considera coprodução não apenas no relacionamento entre o provedor do serviço público e um conjunto de usuários de serviços públicos, mas também no Planejamento, Atribuição, Desenho, Gerenciamento, Prestação, Monitoramento e Avaliação do serviço público.
Muito além da baleia
Além da elaboração do Plano de Manejo e da avaliação, de maneira consultiva, de EIAS e RIMAS, o processo de cogestão e codesign desenvolvido no âmbito do CONAPA BF enseja o desenvolvimento de outras formas de coprodução de serviços na região da APA, para além do que está delimitado formalmente a priori.
Um dos serviços coproduzidos diz respeito, diretamente, ao objetivo básico de proteção da baleia. O Protocolo de Encalhe, elaborado por especialistas e usuários, trata de procedimentos para lidar com baleias em situação de encalhe nas praias abrangidas pela área de preservação, envolvendo ações delimitadas aos cidadãos, e aquelas a cargo das entidades comprometidas com o procedimento.
Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.
Na interação em questão, verificou-se a coprodução na gestão da APA e uma solução para um problema específico com a participação, na esfera federal, do MMA, IBAMA, ICMBio e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA)/ICMBio; e na esfera local, da APA BF, Prefeitura Municipal Imbituba, CIA Docas (então empresa administradora do Porto), Santos Brasil (empresa responsável pela execução das obras), e o Projeto Baleia Franca (PBF).
Programa de Monitoramento de Baleias-francas do Porto de Imbituba. Crédito: SCPar Porto de Imbituba
O projeto de manejo da abertura da Barra da Ibiraquera também se originou de uma rede formada pela equipe da APA, denominada Comitê Gestor da abertura da barra. Este Comitê leva em consideração os interesses dos moradores locais, dos pescadores e a preservação do meio ambiente para definir o melhor momento da abertura da barra que liga o mar e a lagoa da Ibiraquera, que ocorre naturalmente pela deposição de areia pelo oceano.
Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.
Abertura da Barra de Ibiraquera. Crédito: Simão Marrul Filho
Além disso, há serviços coproduzidos que abarcam a aprendizagem e o compartilhamento de conhecimento entre os atores da rede CONAPA BF, envolvendo contextos que circundam o objetivo básico que os une. As Oficinas de Pesca Artesanal e Surf, por exemplo, buscam proporcionar o diálogo entre os pescadores artesanais e os surfistas, os quais compartilham o mesmo espaço, a praia, para suas respectivas atividades, sobretudo na época da pesca da tainha, quando a atividade de um pode prejudicar a do outro.
Percebe-se que a condução dessas redes pelo ICMBio busca valorizar a inclusão das populações tradicionais na Gestão Participativa e tornar as informações claras em todos os momentos do processo. Estabelece também diálogos e parcerias com o terceiro setor e com a iniciativa privada, sobretudo aqueles que causam impacto à Unidade de Conservação.
Neste contexto, com a entrega da 1ª versão do Plano de Manejo, vê-se como uma provocação para o futuro a própria manutenção da rede, buscando manter seus princípios no processo, valorizar o que foi alcançado e as aprendizagens conquistadas até aqui, com erros e acertos, sendo um grande envolvimento participativo dos atores e uma dinâmica de tomada de decisões eficiente.
Um desafio adicional é a participação destes atores em outras redes no âmbito regional, municipal e local, para que se engajem em “novas coproduções”, incluindo Planos institucionalmente exigidos, como o Plano Diretor e plano de resíduos sólidos, que, em tese, também envolvem atores presentes no CONAPA BF.
O CONAPA BF é uma iniciativa rica em práticas democráticas de governança, participação e controle social, na medida em que o Plano de Manejo foi codesenhado em rede com entidades representativas da região interessada, calcado em uma metodologia que franqueou e promoveu a participação efetiva dos interessados. Esta forma de trabalho da rede mostrou-se custosa sob a perspectiva de tempo, recursos e difusão do conhecimento de maneira permeável a todos, mas rendeu bons frutos ao desenvolvimento equilibrado e sustentável da região da APA BF.
A rede CONAPA BF é um exemplo de que o exercício qualificado da democracia para se construir o desenvolvimento de uma região em que convivem atores com interesses tão diversos pode necessitar uma forma de organização complexa e com alta demanda de esforços e recursos, mas que nem por isso é inviável. A democracia é laboriosa, mas traz resultados profícuos à sociedade e ao cidadão.
*Texto elaborado por Amanda Arioli Putti (amandaarioli.putti@gmail.com), Géssica Silva (gessica.silvasc@gmail.com) e Rafael Tachini de Melo (rafaeltachini@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2018-2, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.
Referências
BOVAIRD, Tony. Beyond engagement and participation: User and community coproduction of public services. Public administration review, v. 67, n. 5, p. 846-860, 2007.
DENHARDT, Janet. V.; DENHARDT, Robert. B. The New Public Service. Serving, not Steering. New York: M.E Sharpe, 2003.
Por Karina Francine Marcelino, João Vitor Libório, Julia Viezzer e Jair Pereira dos Santos*
Como alternativa de equiparação da polícia às demais instituições públicas democráticas, o Policiamento Comunitário surgiu por meio do fortalecimento da participação da comunidade nas questões de segurança pública. A população passa a compartilhar com as instituições policiais a responsabilidade pela segurança, por meio da discussão, estabelecimento de prioridades e estratégias de ação.
O Estado de Santa Catarina, SC, adotou a filosofia de policiamento comunitário em 2001. Alguns exemplos de ações em SC que integram essa filosofia são: Conselhos Comunitários de Segurança, Programa Educacional de Resistência às Drogas, Guarnições de Ronda Escolar, Guarnições de Bike Patrulha, Programa Rota Segura e Rede de Vizinhos.
A Rede de Vizinhos da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), uma estratégia de policiamento constituída por uma metodologia própria e construída a partir de boas práticas vivenciadas no estado e estudos de experiências americanas, britânicas e australianas, surgiu com o intuito de melhorar a comunicação entre os membros das comunidades participantes e a Polícia Militar. Cria-se um espaço em que se compartilham informações e todos se preocupam com o bem-estar e segurança do local em que vivem. São criadas redes, de acordo com os bairros, reunindo vizinhos de uma determinada localidade para atuarem em cooperação e se associarem com o propósito de fortalecer a cidadania ativa do bairro e os vínculos entre polícia e comunidade. É necessário que todos ou a grande maioria dos moradores estejam engajados na segurança da comunidade.
A comunicação entre os vizinhos, com a participação de membros da PM, ocorre sobretudo via aplicativo de mensagens. Esses aplicativos possuem tanto o intuito de criar a cultura de prevenção de ocorrências quanto o de comunicar, após acionar o serviço de emergência da PMSC (telefone 190), quando estas acontecem.
O foco na prevenção é o grande gerador de resultados. Medidas simples como lembretes sobre luzes acesas ou movimentações tornam os membros alertas e unidos contra os problemas. A preocupação não se limita a relatar os casos depois que acontecem, mas sim evitá-los de maneira efetiva.
O programa evolui conforme os membros da rede vão assimilando a aprendizagem ao longo das situações que ocorrem e o tratamento que é dado a cada caso. Distorções acontecem no decorrer do processo, mas a maturidade daquela célula ocorre naturalmente. Exemplo de distorção é o uso do grupo de aplicativo para acionamento do serviço de emergência (deveria ocorrer via telefone 190). Quando isto ocorre, o policial que está no grupo faz as orientações e todos acabam aprendendo.
Além disso, o compartilhamento das informações possibilita maior controle e sistematização dos dados pela PMSC, trazendo cenários mais fidedignos aos gestores públicos. Porém, essas informações não se encontram disponíveis de modo fácil para toda a sociedade, que deseja analisar e compreender os resultados obtidos. Na busca por dados a respeito dos resultados do programa, percebemos que há muito espaço para avançar em accountability – prestação de contas e responsabilização a partir do que é mostrado pelas informações.
Esse compartilhamento de informações, sistematização dos dados e prestação de contas serviria como incentivo para implementação em outras localidades e para busca de informações que iriam possibilitar a compreensão a respeito da filosofia, seus possíveis efeitos na mudança de postura dos envolvidos e na efetiva melhoria da segurança.
Imagem 1: Identificação visual do Programa Rede de Vizinhos PMSC
Fonte: Polícia Militar de Santa Catarina
Nas comunidades em que a rede foi implementada em Florianópolis, as iniciativas ocorrem de forma semelhante. A Polícia Militar realiza reunião de sensibilização na qual explica aos participantes as regras de comunicação, as vantagens e resultados do programa e, partir disso, a rede é criada.
As diferenças que ocorrem de acordo com as localizações estão ligadas aos níveis de engajamento e participação dos membros da rede. É perceptível que nos bairros com uma comunidade mais engajada, a comunicação é mais efetiva, promovendo o surgimento de novas redes. Como exemplo, tem-se a Rede Catarina de Proteção à Mulher, que objetiva direcionar os diversos esforços que a PMSC já realiza no combate e prevenção à violência doméstica.
Porém, mesmo diante das peculiaridade e singularidades de cada contexto analisado, os resultados alcançados são considerados um sucesso. Segundo a notícia publicada em 02/01/2017, no site da Polícia Militar de Santa Catarina, por Cabo Adriana Ribeiro Machado Urbano, a rua que apresentava o maior número de ocorrências no município de Balneário Piçarras, após um período de seis meses de implantação da Rede de Vizinhos, não apresentou uma solicitação de incidente de ocorrência.
Assim, a Rede de Vizinhos PMSC tem o foco na prevenção e é pautada nos valores da cooperação, parceria, engajamento social e interação entre vizinhos. Nesse contexto, o cidadão torna-se protagonista na construção da segurança pública, sendo capaz de transformar a realidade local, em parceria com o policial militar, o qual assume o papel de agregador e motivador, potencializando a capacidade de alcançar resultados positivos por meio da Rede.
Desafios são inerentes a iniciativas inovadoras e abordagens heterodoxas na administração pública e a Rede de Vizinhos, assim como os demais programas de policiamento comunitário, não é exceção. Ampliar o alcance geográfico e a participação da comunidade sem deformar o programa, sabendo que existem diferenças culturais e regionais, é um dos principais desafios. A resposta do policiamento comunitário é simples: a inserção do policial naquela comunidade dará o auxílio para vencer essas barreiras. O tempo dirá se os resultados serão perenes, mas os frutos já apresentados são promissores.
Para saber mais sobre o tema:
Entrevista com o Capitão Cristiano Curado Guedes sobre policiamento comunitário: https://www.youtube.com/watch?v=gnHG0JLw7m4&t=8s
Manual de Policiamento Comunitário: Polícia e Comunidade na Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), 2009:http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/manual_policiamento_comunitario.pdf
DAVIS, Robert C; HENDERSON, Nicole J.; MERRICK, Cybele. Community Policing: Variations on the Western Model in the developing World. Police Practice and Research. v. 4, n. 3, p. 285–300, 2003.
* Texto elaborado por Karina Francine Marcelino (karinamarcelinoo@gmail.com), João Vitor Libório (joaoliborio02@gmail.com), Julia Viezzer (juliaviezzer@hotmail.com) e Jair Pereira dos Santos (jairpsj@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.
Por Karina Francine Marcelino, João Vitor Libório, Julia Viezzer e Jair Pereira dos Santos*
É crescente o interesse em fortalecer, tanto no Brasil como no mundo, a confiança da sociedade nas instituições policiais, melhorar o planejamento e a alocação dos recursos destinados à segurança pública e assegurar a proteção física das pessoas e do patrimônio. Quando a questão é segurança pública, não há como compreendê-la sem a participação cidadã.
A segurança pública, assim como a saúde e a educação, são tipos de serviços que não existem sem o usuário, sem o cidadão. Por mais que saúde, educação e segurança possam ser providos por entes privados e gerar benefícios particulares, há sempre uma dimensão pública envolvida, tanto na provisão como nos efeitos da boa ou má qualidade desses serviços. São bens de natureza pública e privada ao mesmo tempo (Davis e Ostrom,1991).
Com base nisso, surge uma concepção baseada na coprodução e na corresponsabilidade, pois esses elementos tendem a fortalecer a coesão social e a aumentar a satisfação do usuário e a qualidade na entrega dos serviços.
Imagem 1: Moradores comprometidos em prol da comunidade
Fonte: Polícia Militar de Santa Catarina
Lendo assim, nos parece algo óbvio. A Constituição Federal de 1988 já prevê, em seu art. 114, que a “segurança pública não é apenas dever do Estado e direito dos cidadãos, mas responsabilidade de todos”. Essa visão de corresponsabilidade pode ser mais intensa ou menos, a depender da filosofia de policiamento que se adote ou que sobressaia em cada contexto. A concepção de policiamento comunitário vai além, fortalecendo as ideias de compartilhamento de responsabilidades.
Ao contrário do que muitos pensam, não existe apenas uma forma de garantir a segurança pública, tampouco de policiamento. O policiamento comunitário, por exemplo, surgiu como alternativa de equiparação da polícia às demais instituições públicas democráticas, por meio do fortalecimento da participação da comunidade nas questões de segurança pública. A população passa a compartilhar com as instituições policiais a responsabilidade pela segurança, por meio da discussão, estabelecimento de prioridades e estratégias de ação.
O policiamento comunitário é a alternativa a um policiamento de certo modo ainda praticado no Brasil no qual, embora a finalidade de segurança pública buscada seja a mesma, a proximidade com a comunidade é acessória. O período repressivo vivido nos anos anteriores a Constituição de 1988 serviram para sedimentar uma polícia contundente. Por vezes, a adoção de meios e técnicas similares às usadas nas forças armadas afastava os policiais das pessoas a quem se propunham proteger.
Policiamento comunitário é uma filosofia com foco na prevenção dos problemas, sendo imprescindível sua adaptação ao contexto em que é implementado. É considerado como uma política de Estado, pois atravessa diferentes administrações e leva anos para ser integrado pelas forças policiais e pela comunidade.
Experiências de policiamento comunitário ao redor do mundo apontaram para diversidade de elementos constitutivos. Dependendo do local no qual as estratégias e ações são implementadas, apresentam-se novas características e desafios a serem enfrentados.
Com base em estudos de caso feitos por Davis, Henderson e Merrick (2010), os esforços para introduzir o policiamento comunitário deparam-se com dificuldades como baixos níveis de profissionalismo das instituições policiais, desrespeito da sociedade com a aplicação da lei e falta de organização comunitária. Os autores descrevem e analisam a forma como o conceito foi adaptado em países da América Latina e da África, nos anos 1980 e 1990.
No Haiti, por exemplo, o fim do regime ditatorial no país foi marcado pela intervenção internacional liderada pelos Estados Unidos, que constituíram o policiamento comunitário por lá em 1994. Em Uganda, o contexto também era de retomada da democracia. Na ocasião, em 1989, foram contratados dois especialistas britânicos que forneceram treinamento para um quadro de Oficiais de Ligação Comunitária (CLOs). Alguns dos efeitos percebidos foram o fortalecimento de vínculos entre a polícia e as comunidades, ONGs passaram a trabalhar na segurança da comunidade e houve a diminuição da violência doméstica.
No Brasil, as primeiras iniciativas de policiamento comunitário surgiram a partir da década de 1980, baseadas em experiências nos Estados Unidos e no Canadá. Uma convergência de fatores nesse período contribuiu para o seu surgimento por aqui. A reabertura democrática, em meados da década de 1980, mostrou-se campo fértil para inclusão de pautas que primaram pela participação cidadã nas questões sociais: a segurança pública estava nesse rol.
O Estado de Santa Catarina, SC, adotou a filosofia de policiamento comunitário em 2001. Alguns exemplos de ações em SC que integram essa filosofia são: Conselhos Comunitários de Segurança, Programa Educacional de Resistência às Drogas, Guarnições de Ronda Escolar, Guarnições de Bike Patrulha (imagem 2), Programa Rota Segura e a Rede de Vizinhos.
Imagem 2: Policiamento ostensivo com bicicleta
Fonte: Polícia Militar de Santa Catarina
Ao mesmo tempo, por ser uma filosofia de trabalho, o policiamento comunitário não é concebido como um estilo de policiamento limitado ou especializado, nem algo que possa ser imposto de cima para baixo. Portanto, o policiamento comunitário tem como base a comunidade, enfatizando sua participação e envolvimento.
Diante disso, as ações de policiamento comunitário surgem como alternativa de participação cidadã com o intuito de fomentar parcerias, fortalecer a cidadania ativa e as relações interpessoais, por meio do envolvimento de todas as forças vivas da comunidade, na busca de soluções criativas relacionadas aos problemas de segurança e serviços ligados ao bem comum. Mas vale ressaltar, mesmo com todos os benefícios, que essa filosofia não se enquadra como a solução para todos os problemas. Ela precisa estar alinhada a outras estratégias de policiamento.
Para saber mais sobre o tema:
Polícia Militar de Santa Catarina – Polícia Comunitária: http://www.pm.sc.gov.br/cidadao/policia-comunitaria.html
Entrevista com o Capitão Cristiano Curado Guedes sobre policiamento comunitário: https://www.youtube.com/watch?v=gnHG0JLw7m4&t=8s
Manual de Policiamento Comunitário: Polícia e Comunidade na Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), 2009:http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/manual_policiamento_comunitario.pdf
DAVIS, G.; OSTROM, E. A Public Economy Approach
to Education: Choice and Co-Production. International
Political Science Review. v. 12,
nr. 4, p. 313-335, 1991.
DAVIS, Robert C; HENDERSON, Nicole J.; MERRICK, Cybele. Community Policing: Variations on the Western Model in the developing World. Police Practice and Research. v. 4, n. 3, p. 285–300, 2003.
* Texto elaborado por Karina Francine Marcelino (karinamarcelinoo@gmail.com), João Vitor Libório (joaoliborio02@gmail.com), Julia Viezzer (juliaviezzer@hotmail.com) e Jair Pereira dos Santos (jairpsj@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.
Por Bruna Vargas, Jaildo Rosa Junior, Jean Soares e Maria Luciana Trigos*
O Programa Jovem Aprendiz é um projeto do Governo Federal que surgiu a partir da aprovação da Lei 10.097/00 (Lei da Aprendizagem) e de sua regulamentação pelo Decreto Federal 5.598/2005, em consonância com disposições previstas na Constituição Federal de 1988, no Estatuto da Criança e Adolescente da Lei Federal 8.069/1990, e na Consolidação das Leis do Trabalho, Decreto-Lei 5 452/1943.
Seu objetivo consiste em facilitar o ingresso de jovens entre 14 a 24 anos no mundo do trabalho na condição de aprendizes, garantindo a sua formação profissional e desenvolvimento pessoal, sem comprometer os estudos. Concretiza-se a partir do envolvimento de vários atores, vinculados em uma rede, que atuam conforme papéis bem definidos. Participam do Programa: o Estado, as entidades qualificadoras, as empresas contratantes e os aprendizes.
O papel principal do Estado – além de traçar as diretrizes gerais por meio do design e da implementação do Programa – é normativo, cumprindo esta função por meio do Ministério do Trabalho e Emprego, MTE, que supervisiona e controla o Programa, visando sobretudo a salvaguarda dos direitos do jovem.
As entidades qualificadoras possuem duas funções: intermediar o contato entre as empresas contratantes e os jovens e capacitar os aprendizes para atuar no mercado de trabalho, por meio de cursos de aprendizagem e formação técnico-profissional. O Manual de Aprendizagem, elaborado pelo Ministério do Trabalho, estabelece que os Serviços Nacionais de Aprendizagem, como o SENAC e o SENAI, são as instituições qualificadoras por excelência. Caso não haja vagas suficientes para suprir a demanda, as Escolas Técnicas de Educação e as Entidades sem Fins Lucrativos que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, podem ser habilitadas como entidades qualificadoras. Todas devem contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de aprendizagem, de forma a manter a qualidade do processo de ensino, bem como acompanhar e avaliar os resultados.
As empresas podem ser públicas ou privadas, sendo estas uma peça-chave na rede. Além de efetivar a contratação, tem a responsabilidade de acolher o jovem, proporcionando-lhe meios para se desenvolver profissionalmente, respeitando a sua idade, seus conhecimentos e a sua falta de experiência, atribuindo-lhe tarefas compatíveis com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.
Ao jovem, beneficiário do Programa, cabe executar as tarefas que lhe são atribuídas na empresa, participar do curso de formação na entidade qualificadora e manter o bom desempenho escolar.
Os direitos e obrigações de cada parte estão definidas no Manual da Aprendizagem e seu descumprimento pode ensejar a rescisão contratual.
Em Florianópolis, a Irmandade do Divino Espírito Santo, IDES, foco deste estudo, é uma organização sem fins lucrativos e cumpre o papel de instituição qualificadora.
Fundada em 1773, de natureza filantrópica, a IDES possui um extenso histórico de contribuição na área social, desenvolvendo projetos de inclusão e promovendo valores familiares e religiosos. A sua preocupação com a formação do jovem não é apenas como profissional, mas como ser humano, e por isso lhe oferece suporte no âmbito pessoal, de iniciação profissional e familiar. Por meio de um de seus três núcleos, o Núcleo de Formação e Trabalho, NUFT, capacita, insere e acompanha os adolescentes ao mercado de trabalho, proporcionando um processo de formação contínua, garantindo o atendimento dos direitos trabalhistas, previdenciários e o exercício da cidadania, de acordo com o que preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente.
O NUFT desempenha o seu papel na rede realizadora do Programa Jovem Aprendiz por meio de convênios ou contratos firmados com empresas públicas ou privadas, que se tornam financiadoras, por meio de uma taxa administrativa, quando conveniadas com a Instituição. O principal critério de seleção ao Programa é a situação de vulnerabilidade social do candidato a aprendiz. Os demais critérios são alinhados conforme dados da vaga, como morar próximo do trabalho, para que não seja necessário dedicar muito tempo ao deslocamento, o que poderia interferir no desenvolvimento do jovem.
Na entrevista concedida aos autores, estudantes de disciplina do mestrado da Udesc Esag, a Diretora Técnica Izabel Carolina Martins Campos, a Coordenadora Geral Cibele Farias e a Coordenadora do NUFT Karla Moreira detalham alguns aspectos sobre a Instituição IDES e sobre Programa Jovem Aprendiz.
Com base em conceitos de governança em rede e coprodução de serviços públicos, analisou-se o Programa Jovem Aprendiz.
Em primeiro lugar, observa-se que o Programa é percebido pelas empresas contratantes sob diferentes perspectivas, que se manifestam no acolhimento e no tratamento ao jovem. Algumas empresas não revelam uma preocupação tão clara com o caráter social do Programa e o concebem como uma simples obrigação legal ou uma possibilidade de contratar mão de obra corriqueira e de obter benefícios fiscais e econômicos (redução para 2% do FGTS, menor contribuição previdenciária para empresas optantes pelo Simples, dispensa de Aviso Prévio Remunerado, isenção de multa rescisória e pagamento de 50% do salário mínimo aos jovens aprendizes). Sobressai o interesse particular em detrimento do interesse social. Outras veem no Programa uma oportunidade de aprendizagem e de contribuir para a formação de um jovem para a vida profissional, qualificando-o e preparando-o para a convivência social e a participação cidadã.
Em muitos casos, a falta de engajamento das empresas prejudica o cumprimento do propósito do Programa. Por isso, as entidades qualificadoras, além do seu papel de intermediadoras e capacitadoras, precisam conscientizar as empresas sobre a importância do serviço que elas estão prestando à sociedade, entendendo, em primeiro lugar, a realidade do jovem que acolhem.
A professora Carlota Medeiros analisa, em seu livro “Jovem Aprendiz”, as concepções e práticas dos atores sociais envolvidos com o Programa.
O livro é fruto de uma pesquisa realizada com jovens adolescentes acolhidos pelo Instituto Lar da Juventude de Assistência e Educação Parque Dom Bosco, de Itajaí.
O estudo não apenas revela as dificuldades desses jovens, mas indica que elas podem ser superadas quando se deparam com uma instituição cujo objetivo primeiro é atender às demandas dos adolescentes.
O Estado, apesar de regular as diretrizes gerais na concepção e articulação do Programa, não explora todo o potencial da governança compartilhada, que poderia ser desenvolvida no âmbito local por meio da aproximação e desenvolvimento das relações entre os agentes envolvidos. As entidades formadoras, as empresas e os jovens poderiam participar ativamente na rede desenvolvendo uma governança mais dinâmica conforme a sua própria realidade, sem focar apenas na relação contratual, e o Estado poderia prever e estimular essa interação.
Para dinamizar as redes que constituem o Programa Jovem Aprendiz, um aspecto crucial seria o envolvimento dos jovens em todas as etapas do processo, do design do Programa até sua implementação e avaliação contínua. A carência de envolvimento do jovem no design do Programa é algo que nem sempre é compreendido pelos atores, principalmente quanto às atividades a serem desempenhadas e à capacitação. Isso demonstra que, na rede de atores, o jovem, que é o principal beneficiário e razão de ser do Programa, tem apenas o papel de usuário e não de coprodutor do serviço.
Ainda que se observe esses limites, o Programa é relevante como política pública voltada à inclusão social e erradicação do trabalho infantil, proporcionando a jovens a oportunidade de se inserirem no mercado de trabalho, assegurando-lhes seus direitos individuais e trabalhistas.
Há uma extensa produção de artigos e trabalhos que exploram o tema e analisam o alcance do Programa como política pública orientada a minimizar as problemáticas do trabalho infantil e o desemprego de jovens. O artigo “Juventude e Educação Profissionalizante: Dimensões Psicossociais do Programa Jovem Aprendiz” de Maria de Fatima Quintal de Freitas e Lygia Maria Portugal de Oliveira, propõe uma reflexão sobre juventude e educação profissionalizante. A dissertação de Paulo Roberto Moraes da Luz, “Programa Jovem Aprendiz: Um estudo de caso da política pública e suas implicações no mundo do trabalho”, analisa a efetividade social de programas de inserção de jovens no mundo do trabalho.
A inserção do jovem como aprendiz tem sido acompanhada de perto pelo Ministério do Trabalho e Emprego, MTE. O Fórum Nacional de Aprendizagem Profissional, FNAP, realizado periodicamente em Brasília e coordenado pela Secretaria Executiva do Ministério, promove o contínuo debate entre instituições formadoras, órgãos de fiscalização e representação de empregadores e trabalhadores; desenvolve, apoia e propõe ações de mobilização pelo cumprimento de contratação de aprendizes e monitora e avalia o alcance das metas de contratação e efetividade na oferta de programas de aprendizagem profissional. O Ministério aperfeiçoa o seu portal na internet com informações pertinentes à contratação de jovens, cadastramento das entidades qualificadoras e consulta das entidades e cursos validados. Seguindo o princípio da transparência, são divulgados boletins da Aprendizagem Profissional, com informações atualizadas sobre contratações e desligamentos. Os números divulgados nesses boletins podem não refletir exatamente a realidade, haja vista a ausência de um cadastro único e o fato de que muitas empresas não informam os dados.
Observa-se, portanto, que diante de uma problemática desafiadora como a do desemprego de jovens e a do trabalho infantil, as alianças e redes colaborativas entre diferentes atores e setores – Estado, mercado e comunidade e suas organizações – tendem a ser mais efetivos no desenho e na execução de políticas públicas.
O Programa Jovem Aprendiz é um exemplo disso, embora possa explorar muito mais seu potencial de governança compartilhada e coprodução dos serviços. A participação do jovem no design e implementação do Programa, com voz e poder nas decisões e na sua execução, se ocorresse, asseguraria o seu papel como coprodutor do serviço, ao lado das entidades formadoras, das empresas e dos órgãos de governo envolvidos. Isso contribuiria para inovações a partir da criatividade e potencial dos jovens, geraria mais oportunidades de engajamento e responsabilização de todos, e aproximaria o Programa da realidade social e familiar dos jovens. As empresas também podem participar mais ativamente, conscientes da importância de seu papel na formação e qualificação do jovem.
Em suma, já se alcançou bastante por meio da colaboração entre diferentes atores e setores. Há potencial para aproveitar mais os recursos e capacidades das pessoas envolvidas e gerar mais aprendizagem para todos. Pode-se avançar das políticas “para” os jovens, “para” os “beneficiários” e conduzir políticas e serviços públicos “com” eles, com todos os que tem algo a contribuir e aprender no processo.
Referências:
IRMANDADE DO DIVINO ESPÍRITO SANTO (IDES). Núcleo Formação e Trabalho (NUFT). Disponível em: https://www.ides-sc.org.br/nuft. Acesso em: outubro de 2018
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO – MTE. Disponível em: < http://www.mte.gov.br>. Acesso em: outubro de 2018.
MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO E EMPREGO – MTE. Manual da aprendizagem: o que é preciso saber para contratar o aprendiz. Disponível em: <http://www.trabalho.gov.br/images/Documentos/Aprendizagem/Manual_da_Aprendizagem2017.pdf>. Acesso em: outubro de 2018.
*Texto elaborado por Bruna Vargas (bruna__vargas@hotmail.com), Jaildo Rosa Junior (jaildo182@hotmail.com), Jean Soares (jota.soares@hotmail.com) e Maria Luciana Trigos (lucianatrigos@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança, Redes e Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.
O debate em torno de práticas de accountability, coprodução e transparência, transpassa as paredes acadêmicas e lança desafios e oportunidades práticas.
Sistemas anticorrupção e governo aberto têm sido temas de destaque no cenário nacional e internacional diante de um cenário que favorece a pesquisa, a aprendizagem e a coprodução de conhecimento em prol da resolução de problemas globais.
Considerando a importância do debate entre academia e parceiros estratégicos, o Grupo de Pesquisa Politeia traz a consultora Florência Guerzovich, Cientista Política, pesquisadora colaboradora do grupo, para debater os temas em destaque juntamente com o professor José Franscisco Salm Jr, pesquisador na área de Administração Pública e Governo Aberto.
O objetivo é abordar conceitos como Governança Colaborativa, Governo Aberto, Coprodução e Accountability para além da teoria, buscando a construção de uma agenda conjunta de aprendizagem para a prática.
Palestra/Debate:
Governança Colaborativa e Coprodução de Accountability: construindo uma agenda de aprendizagem no Brasil com e para a prática Global.
Debatedores:
Florência Guerzovich. Cientista Política, pesquisadora colaboradora do Grupo Politeia e consultora para organizações internacionais. https://www.thegpsa.org/florencia-guerzovich
Prof. José Franscisco Salm Jr. Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento, professor e pesquisador em Administração Pública e Governo Aberto e membro do Grupo Politeia. http://lattes.cnpq.br/2943569686047674
Mediadora: Profa. paula Chies Schommer, professora e pesquisadora de Administração Pública e líder do Grupo de pesquisa Politeia.
Data: 10/12 – segunda-feira Hora: das 16:00 às 17:30 Local: Sala 008 da ESAG
O evento é aberto ao público, sem necessidade de inscrição.