Qual a relação entre política e esporte? Por que a transparência é tão importante para ambos? Um exemplo sobre a transparência do Avaí Futebol Clube

Por Douglas Oliveira, Luana Andrade, Rinaldo Marcon e Thiago Nunes*

Quando pensamos nas características do Brasil, algumas das primeiras coisas que vêm à mente são o futebol e a política. Ambas talvez nos façam lembrar de corrupção. O futebol é uma atividade que movimenta paixões e muito dinheiro. É um setor que pode ser relevante na economia, chamando a atenção de pessoas, organizações poderosas e possíveis patrocinadoras. Ao mesmo tempo que cresce o olhar dos investidores e associados sobre o futebol, esses também se deparam com a carência de informações, dados e transparência. Veem a necessidade de implantar ferramentas de governança que passem uma visão mais clara a respeito das finanças e da gestão dos clubes.

Um caso marcante associando futebol e corrupção teve como marco o dia 27 de maio de 2015, quando o Federal Bureau of Investigations, FBI, com a chancela do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, comandou uma operação-surpresa em um hotel luxuoso de Zurique, Suíça. Lá estavam os principais dirigentes da Federação Internacional de Futebol, FIFA. Catorze deles foram presos, entres eles José Maria Marin, ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol, CBF.

Os dirigentes eram acusados de corrupção por meio de fraude e lavagem de dinheiro em acordos de marketing e direitos televisivos de transmissão, passando também pela decisão das sedes da Copa do Mundo. O suborno chegou a ultrapassar os 100 milhões de dólares. A partir disso, a primeira medida tomada pelo FBI foi extraditar os detidos para os Estados Unidos.

Esse e outros recentes escândalos envolvendo a FIFA, CBF e o Comitê Olímpico Brasileiro levantaram questões para a gestão esportiva: estamos  acompanhando a gestão dos clubes esportivos? Existe transparência e accountability nos clubes brasileiros? O que tem avançado e o que ainda é frágil em governança de organizações esportivas?

O esporte brasileiro vive um momento único.  Para além da preocupação com investigações e punições, torcedores e dirigentes esportivos começam a perceber que as vitórias não são importantes apenas dentro de campo. Elas precisam de planejamento, preparação e transparência na gestão dos clubes, um novo esquema tático, com uma tabela entre o cidadão e diretoria administrativa do clube, mantendo as contas sob controle, com sinergia.

O processo de transparência nos clubes, porém, ainda ocorre de forma assimétrica. Alguns enxergam vantagens em ser transparentes com seus parceiros, já outros permanecem com uma postura mais fechada quando se trata de transparência, fazendo com que se tenha pouca credibilidade.

Nessa questão, seria possível fazer um paralelo entre futebol e política. Você acompanha a gestão do seu clube? E a gestão feita pelos políticos eleitos? Quando pensamos em transparência e prestação de contas, seria plausível vermos esses dois contextos por meio da mesma lente?

Alguns clubes esportivos vêm adotando uma postura mais transparente com seus associados e patrocinadores, conforme tivemos a oportunidade de verificar no caso do Avaí Futebol Clube. Por meio do website (http://www.avai.com.br/novo/#), na aba “Clube – Transparência”, é possível encontrar o balanço patrimonial, orçamento, estatuto e certidões negativas do clube.

Tivemos também a oportunidade de conversar com o membro do Conselho Fiscal do Avaí, Gilson Kremer, sobre as iniciativas de transparência e melhorias na governança do Clube. De acordo com Gilson, “A transparência e participação dos torcedores nos clubes de futebol é importantíssima, não pode existir uma boa gestão se não existir transparência”. E ele faz o paralelo disso com a participação dos cidadãos na gestão pública e na vida política do país. Somente demandando transparência e informações e participando ativamente dos debates e decisões, teremos uma gestão mais responsável e sustentável, tanto nos clubes de futebol quanto no país, de modo geral.

Fique por dentro de tudo que rolou no nosso bate papo com Gilson Kremer, no Programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, acessando o link Entrevista Rádio.

Para saber mais sobre o tema:

ASSIS, Renan B. de. Governança corporativa no futebol profissional: estudo de caso em um clube brasileiro. Dissertação de mestrado em controladoria e contabilidade. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2017. Disponível em https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12136/tde-20022018-151052/pt-br.php

AVAÍ FUTEBOL CLUBE – Website – http://www.avai.com.br/novo/#

MARTINS, Mariana Z.; REIS, Heloisa Helena Baldy dos. Poder, transparência e democracia nas gestões esportivas. Movimento é vida. Atividades físicas e esportivas para todas as pessoas. In: Relatório nacional de desenvolvimento humano no Brasil 2017. Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, PNUD, 2017. Disponível em:  http://movimentoevida.org/wp-content/uploads/2017/09/Atividades-Fi%CC%81sicas-e-Esportivas-e-Corrupc%CC%A7a%CC%83o.pdf

*Texto elaborado pelos acadêmicos Douglas Oliveira, Luana Andrade, Rinaldo Marcon e Thiago Nunes, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.

O “jogo” por trás dos resultados

Por Cecília Fialho Schmidt, Felipe Campos Gonzaga, Bárbara Seára Tirloni, Felipe dos Santos Peres e Flávia Lanzoni Lauth*

Fonte: Elaborado pelos autores

Não é incomum ouvirmos, quase que todos os dias, as pessoas exigindo transparência nas decisões e ações públicas. De uns tempos para cá, a sociedade se tornou mais presente e participante do cenário político. Não obstante seu papel de telespectador, agora possuímos um papel de extrema importância para o futuro do nosso país, o de protagonista. A participação popular vem se mostrando forte e decisiva nas mais diversas situações ligadas ao interesse público. É desejada a tal da accountability por parte dos governantes, ou, em outras palavras, a responsabilização e prestação de contas dos atos e omissões dos agentes públicos. Bresser-Pereira, já em 2006 observava o que o povo brasileiro tanto pede: instrumentos de controle e responsabilização.

Com a chegada da internet e outros meios de comunicação, os mecanismos de prestações de contas estão mais solicitados, tanto por agentes governamentais quanto por agentes não governamentais, a própria sociedade, organizações da sociedade civil e empresas públicas e privadas.

Mas como saber o que está sendo realmente feito? Como controlar e monitorar a ação política? Para que o nosso dinheiro está sendo utilizado? Quais os resultados alcançados e o quanto isso nos beneficiará, como nação? Essas e outras questões podem ser respondidas se as ações dos agentes públicos acontecerem com maior grau de transparência, envolvimento político dos cidadãos, conformidade a regras e informações substantivas sobre o que se deseja alcançar. Essas são premissas para que a prestação de contas e as decisões da gestão pública considerem o desempenho e os melhores resultados em cada projeto, em cada política e para o país, de modo geral.

Para entender o que é a prestação de contas por desempenho e resultado, pode ser feita uma comparação com um programa de um computador, umsoftware, um conjunto de componentes que visa o melhor funcionamento da máquina. No caso das políticas públicas, há determinadas características para que sempre possa ser editada, aperfeiçoada e atualizada, deixando-a mais aberta para a sociedade realizar o controle social e assim conferir se o desempenho do computador “Máquina Pública” está de acordo com o esperado, ou seja, a promessa da política. Torna-se assim, mais participativa e cíclica, dando oportunidade ao gestor público para avançar e retroceder em suas etapas, deixando-a mais flexível para a sociedade, o administrador público e o interesse público.

Muitos governantes utilizam de discursos bonitos e palavras convincentes para iludir com seus “resultados maravilhosos e 100% de cumprimento do proposto”. A procura pelo melhor desempenho e, consequentemente, melhores resultados, pode ser fracassada se as pessoas que estão por trás das políticas públicas e sua aplicabilidade souberem “jogar o jogo”.

É  comum nos depararmos situações em que o agente público, ao praticar o jogo, ou gaming, como é conhecido no âmbito político, escolhe as metas e projetos mais simples e fáceis de serem atingidos, fazendo com que a população só veja o lado positivo, o êxito em suas propostas e que está fazendo um ótimo trabalho. Porém, quase sempre as propostas mais básicas não resultam em algo tão relevante para a sociedade, no longo prazo. “A palavra gaming se refere à situação em que os controlados aprendem “a regra do jogo” e passam a “jogar” em busca do seu interesse, mesmo que isso seja contrário aos objetivos do sistema” (ASSIS, 2012). Assim, não só cumprem o que é mais fácil, como também cumprem o que lhes favorece mais.

Em debate sobre avaliação de resultados, com a participação do professor Guilherme Kraus dos Santos, observou-se que a prática do gaming no Brasil se dá pelo fato de nossas políticas de controle terem viés punitivo. A avaliação é vista como inimiga do servidor público. A ideia mais difundida é de avaliação voltado ao controle sobre a gestão, as contas, os processos e procedimentos previamente definidos. Quando não estão de acordo com as regras ou as expectativas, o administrador é punido. Este é um dos motivos para que muitos gestores não definam metas complexas ou que tenham alguma dificuldade de atingir plenamente.

Interessante que Robert Behn, em 1998, já pensava nesse foco punitivo que a accountability pode trazer aos gestores públicos. Conforme trecho de seu texto O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática, Behn (1998, pg. 41) afirma que:

“O que significa tornar as pessoas responsáveis pelo sucesso? O que significa tornar as pessoas responsáveis pelo fracasso? Desconheço a resposta definitiva, seja teórica ou empírica. Mas aposto que sei o que os gerentes que devem possuir a accountability pensam. Aposto que eles acreditam, pela própria experiência empírica, que ‘cobrar accountability das pessoas’ significa que se elas fracassam, elas são punidas, e se elas têm sucesso, nada de significativo acontece.”

Precisamos mudar essa mentalidade e mostrar que a transparência da eficácia (quanto um projeto/produto/pessoa atingiu o objetivo), da eficiência (se é realizado da melhor maneira possível, com menos desperdício ou em menor tempo) e da efetividade pública (se o serviço realizado alcançou o que se propunha a atender ou transformar) é aliada tanto do cidadão quanto do gestor público. Pode contribuir não apenas para punir ou premiar, sim para aperfeiçoar as políticas e serviços, gerar aprendizagem e promover confiança nas relações entre cidadãos e governantes. Pode também ajudar a definir metas mais razoáveis em futuras oportunidades.

O controle social, realizado pela sociedade sobre ou com o Estado pode ser analisado  tendo como parâmetro a opinião da sociedade. Se positiva, o administrador está fazendo seu trabalho da melhor maneira possível, nas suas condições. Caso negativa, abre-se oportunidade para as justificativas sobre os motivos, critérios, limites e condições, em cada situação, e para que o serviço oferecido seja alterado, buscando alcançar o interesse público.

Um exemplo de  iniciativa de  transparência de desempenhos e de resultados públicos é o  Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo.  Cada gestão do governo estabelece seus objetivos e os meios que pretende percorrer para alcançá-los no decorrer do mandato, disponibilizando as informações aos  cidadãos. Assim, qualquer pessoa pode acompanhar as metas estabelecidas, conferir o andamento das mesmas e as devidas justificativas, quando não cumpridas no total. As atualizações são feitas semestralmente.

Os interessados também podem cobrar e colaborar para o melhor desempenho em cada meta. debate sobre as metas e seus resultados podem contribuir para que se encontre soluções para os problemas, envolvendo governantes e sociedade. É uma demonstração de como a transparência pode favorecer a aproximação entre a população e o gestor público.

Por outro lado, as cobranças sobre tais metas do governo podem ser utilizadas também para pressionar os gestores em âmbito político e eventualmente gerar distorções que induzem as perspectivas da sociedade. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, por exemplo, quando entrevistado no Jornal Nacional como candidato à presidência do Brasil, em 2018, foi questionado sobre o desempenho das metas de seu governo na Prefeitura, como se o ideal fosse atingir 100%.

O “jogo” por trás de metas e resultados pode ser “jogado” tanto pelos gestores, quanto por aliados e adversários políticos e pela mídia. No fim da história, cabe ao cidadão verificar e acompanhar os processos e entraves da política e da gestão pública, tornando-se o jogador principal do jogo político.

Saiba mais em:

ASSIS, L. O. M. de. Efeitos organizacionais da implantação de metas e remuneração variável por desempenho: o caso da segurança pública em Minas Gerais. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo: FGV, 2012.

BEHN, Robert D. O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática. Revista do Serviço Público (RSP/ENAP). Ano 49, nr. 4, pgs. 5-45, Out-Dez, 1998. Disponível em: http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2712

BRESSER-PEREIRA, L.C. Apresentação. In BRESSER-PEREIRA, L.C. & GRAU, N.C. (coords.) Responsabilização na Administração Pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006.

CARVALHO, Allan Rodrigues de. Gestão para resultados: diagnóstico da avaliação de desempenho em uma organização do Estado brasileiro. Brasília, Enap, 2016. Disponível em:

https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2483/1/Allan%20Rodrigues%20de%20Carvalho.pdf

Vídeo sobre o Plano de Metas de SP: https://www.youtube.com/watch?v=Xe1FnkzHmcg

*Texto elaborado pelos acadêmicos Cecília Fialho Schmidt, Felipe Campos Gonzaga, Bárbara Seára Tirloni, da Silva, Felipe dos Santos Peres e Flávia Lanzoni Lauth, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.

Organizações da sociedade civil, Estado e controle: quais seus papéis e como atuam na política ambiental?

Por Ana Carolina Alves, Renata Marcon e Igor Cardoso*

A formação de organizações da sociedade civil, OSCs, acompanha a origem e o desenvolvimento das comunidades e países. Algumas delas nasceram devido à necessidade de amparo à população e de solução de problemas comuns em áreas de ausência ou difícil intervenção do Estado. Outras se dedicam ao controle social sobre a administração pública e garantia de direitos humanos e ambientais. Cobram dos governos as atitudes e a transparência, e também se tornam mais transparentes em suas ações, permitindo que a sociedade acompanhe mais de perto o que está sendo realizado e seus impactos.

Muitas dessas Organizações têm como características as ações filantrópicas, financiadas pela doação de tempo, conhecimentos e recursos financeiros.  Ao mesmo tempo, as OSCs vêm se profissionalizando e capacitando, conforme as necessidades da sociedade mudam, devido à globalização e à urbanização. Essas Organizações são essenciais para ajudar a superar crises, diminuir as desigualdades sociais e seguir os processos de desenvolvimento.

Uma das áreas de atuação fundamental das organizações da sociedade civil é o meio ambiente, porque através de plataformas por elas criadas é possível o maior monitoramento das áreas e das políticas públicas ambientais. De acordo com o gestor ambiental Renato Morgado, que tivemos o prazer de conhecer um pouco sobre seu trabalho e poder discutir sobre o assunto de políticas ambientais, existem algumas plataformas que foram criadas para esse suporte: Monitoramento de políticas públicas (http://indicar.org.br/); Sistematização e produção de informações (http://ti.socioambiental.org/); Situação das Unidades de Conservação (https://uc.socioambiental.org/) e o Observatório do Clima (http://www.observatoriodoclima.eco.br/).

Os desastres ambientais que vêm ocorrendo no Brasil, como as tragédias decorrentes de rompimento de barragens de minério em Mariana, em 2014, e Brumadinho, em 2019, geram danos ambientais imensos e muitas vidas perdidas. O que esses desastres ocasionaram? Danos a fauna e à flora, à qualidade da água em todo o curso dos rios afetados, até o mar, além de outros impactos que até hoje ainda não foram mensurados.

Mariana, 2014.
Fonte: https://www.otempo.com.br/hotsites/eleições-2018/tragedia-de-mariana-fica-fora-da-campanha-eleitoral-1.2050880

O desmatamento, queimadas e garimpo ilegal andam lado a lado com a corrupção. Fatos noticiados recentemente remetem a questionamentos a relação entre crimes ambientais e o crime organizado que atua desmatando a Amazônia, que age de maneira violenta, corrupta algumas vezes com apoio de policiais, políticos ou agentes do Estado cooptados por meio de propina. Esses desastres ocorrem por consequência do descaso com relação à prevenção aos desastres, falta de estrutura para monitoramento de atuação dessas empresas e políticas públicas insuficientes para zelar pelas áreas de preservação são escassas.

Poderíamos nos perguntar: seria papel somente do Estado esse tipo de controle? O Estado, apesar de ser um grande controlador, não é capaz de realizar e suprir todas as necessidades da sociedade sozinho. Nesse contexto que se insere as ações das organizações da sociedade civil. De acordo com Sikkink (2002, p. 111), para que organizações não-governamentais ou redes de advocacy transnacionais sejam efetivas no questionamento de Estados, também precisam conquistar legitimidade. Para a autora, para que pareçam ter autoridade moral, as organizações da sociedade civil precisam apresentar as seguintes características: a) imparcialidade, independência ou autonomia (interesses coletivos, sem vínculos); 2) veracidade e confiabilidade (oferecimento de informação com qualidade); 3) representatividade (dar voz àqueles pouco representados); 4) accountability e transparência (prestação de contas).

A partir dessa discussão, listamos papéis do Poder Público, das Empresas Privadas e da Sociedade perante os desafios no meio ambiente. É de responsabilidade do Poder Público assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para futuras gerações; é também sua responsabilidade fiscalizar as atividades e os contratos relacionados ao meio ambiente, garantindo que eles não trarão riscos à sociedade; investir em soluções como a criação de leis para limitação e restrição da utilização do solo e também, implementar medidas de prevenção aos desastres, como garantir a fiscalização para conservação ambiental do país.

Sobre o papel das empresas privadas, destacamos a verificação e fiscalização dos riscos, ciente de que suas ações têm consequências. Além disso, realizar estudos sobre os impactos ambientais, seguir as legislações vigentes estabelecidas pelo país e investir em práticas de Responsabilidade Social Empresarial, procurando contribuir com o desenvolvimento econômico de forma sustentável.

Quanto ao papel da sociedade e suas organizações, podem atuar como fiscalizadoras, cobrando mais transparência de informações e prestação de contas e atuação do estado na fiscalização, contribuindo para a prevenção, se organizando para lidar com os impactos da forma mais razoável possível e demandando responsabilização quando há acidentes e crimes. Também devem pressionar as empresas para que elas deem mais importância em relação à sua Responsabilidade Social Empresarial.

De acordo com o texto compartilhado pela Transparência Internacional Brasil nas redes sociais, e a partir da discussão realizada ao longo desse tema, pode-se interpretar que “a corrupção é uma ameaça à capacidade do Brasil de se desenvolver de forma sustentável. As Organizações da Sociedade Civil são peças fundamentais para a luta anticorrupção e a defesa de direitos, o Estado não deve deslegitimar e coibir o trabalho por elas realizado, sendo ele essencial para cobrar atitudes e ações do Governo”, além de acompanhar mais de perto sua atuação, garantido, cada vez mais, que o Estado cumpra seu papel de forma efetiva.

Ouça nosso podcast com um pouco da discussão que tivemos sobre o tema.

REFERÊNCIAS

TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL BRASIL. Disponível em:< https://transparenciainternacional.org.br/home/destaques>. Acesso em: 12 nov. 2019.

BRASIL ESCOLA. Impactos ambientais do acidente em Mariana (MG). Disponível em:<https://brasilescola.uol.com.br/biologia/impactos-ambientais-acidente-mariana-mg.htm>. Acesso em: 12 nov. 2019.

ESTADÃO DE SÃO PAULO. Tragédia de Mariana fica fora da campanha eleitora. 2018. Disponível em:< https://www.otempo.com.br/hotsites/eleições-2018/tragedia-de-mariana-fica-fora-da-campanha-eleitoral-1.2050880>. Acesso em: 12 nov. 2019.

DW BRASIL. A importância da sociedade civil para evitar tragédias ambientais. Disponível em:<https://www.dw.com/pt-br/a-importância-da-sociedade-civil-para-evitar-tragédias-ambientais/a-49068718>. Acesso em: 12 nov. 2019.

KOSLINSKI, Mariane Campelo. Um estudo sobre ONGS e suas relações de ‘Accountability’. Rio de Janeiro, Set, 2007. Disponível em:< http://livros01.livrosgratis.com.br/cp038657.pdf>. Acesso em: 21 out. 2019.

Texto elaborado pelas acadêmicas Ana Carolina Alves, Renata Marcon e Igor Cardoso de Administração Pública, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019. 

O que estamos dispostos a aceitar nas eleições de 2020?

Por Marcos Alan Demikoski, Mariana de Oliveira Fuhrmann e Thais Figueredo*

Fonte: O Cafezinho (2019)

Em uma democracia representativa como a brasileira, espera-se que o povo eleja seus representantes para criar e votar em leis, políticas e outros assuntos governamentais. Para que haja legitimidade na escolha dos representantes, há um processo eleitoral que é administrado por um ente especializado, a Justiça Eleitoral.

Entende-se que a ausência de representatividade democrática leva a uma disfunção do Estado Democrático de Direito que tende a gerar descrédito e desconfiança da população perante suas instituições governamentais. Além do mais, a tendência é de que a ausência de pluralidade representativa faça com que os eleitos governem em causa e interesses próprios, tomando decisões que afetam negativamente aquilo que se pode compreender por interesse público.

Assim, a legitimidade do processo eleitoral, nos apresenta eminente importância, pois é a base que sustenta o nosso pacto político constitucional. Uma eleição não pode ser um jogo de cartas marcadas, o processo deve ser íntegro e transparente para evitar a desconfiança generalizada da população perante o Estado e os eleitos.

Teóricos como Manuel Castells afirmam que nosso contemporâneo pode ser entendido como a era da pós-verdade, na qual as pessoas demonstram certa indiferença aos fatos objetivos e preferem acreditar em apelos emocionais e crenças pessoais. Essa tendência contemporânea leva a uma ruptura da relação entre governantes e governados, produzindo a “total decomposição do sistema político [inclusive] do Brasil”, por exemplo. Tal colapso da democracia liberal enquanto modelo político de representação e governança abre espaço ao pós-liberalismo, sob uma aparente expressão de ordem revestida pelo caos, que figura com partidos nacionalistas, xenofóbicos e críticos à política tradicional.

Para Castells, em tempos de pós-verdade, “a fragmentação da mensagem e a ambiguidade da comunicação remetem a emoções únicas e pessoais constantemente realimentadas por estratégias de destruição da esperança”. Portanto, ao evocar o medo na população, há uma quebra no vínculo entre o pessoal e o institucional, o que facilita a adesão às políticas ultra liberais e conservadoras da extrema-direita levando, por exemplo, um “personagem estrambólico, narcisista e grosseiro como Trump à presidência imperial dos Estados Unidos”, e a Jair Bolsonaro à do Brasil.

Em contraste ao processo eleitoral constitucionalmente instituído no Brasil, a campanha presidencial de 2018 foi marcada pela disseminação de desinformação em larga escala via mídias sociais e aplicativos como o WhatsApp. A proteção dada pela criptografia desses aplicativos dificulta o rastreamento da origem das mensagens, bem como a facilidade de encaminhamento de desinformações de forma viral a um segmento em particular é terreno fértil para a propagação de atos atentatórios ao processo eleitoral democrático.

Para além disso, a qualidade do debate depende de informações qualificadas, verdadeiras, disponíveis e acessíveis à população. 

A consequência das campanhas de desinformação gera muito mais que um cenário eleitoral acirrado, mas uma sociedade dividida, ou melhor, polarizada. Uma sociedade desunida e em conflito é terreno fértil para discursos e narrativas autoritárias que necessitam do senso de desconfiança ao próximo para prosperar.

A disseminação de notícias falsas cria a dúvida, a desconfiança, polariza a sociedade entre nós e os outros, o bem e o mal. A consequência disso é desastrosa para as bases de um Estado de Direito Democrático que demanda principalmente uma sociedade civil unida e com fortes laços de confiança dentre seus cidadãos, ainda que apresentem opiniões divergentes. A confiança fortalece a cooperação entre os cidadãos e reforça as redes que dão alicerce as instituições democráticas.

A desconfiança corrói a sociedade civil organizada, que por conseguinte fragiliza as instituições democráticas deixando espaço para heróis com discursos autoritários prometendo exterminar o outro e seus atos que são reduzidos a criminosos e corruptos.

Atualmente, há algumas ações de investigação judicial eleitoral tramitando em sigilo junto ao Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vencedora do pleito presidencial. Há indícios de abuso de poder econômico, uso abusivo dos meios de comunicação, captação e gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral, corrupção e fraude. Ressalta-se que, se comprovada uma delas, há elementos para o reconhecimento da nulidade do último pleito presidencial.

Ante o exposto, observamos uma polarização e desorientação na sociedade com relação a seus representantes, mas espera-se que nas eleições de 2020, devido ao vários sistemas de combate às fake news, inclusive foi sancionada nesta segunda-feira (11) um trecho da Lei 13.834, de 2019, que pune com dois a oito anos de prisão quem divulgar notícias falsas com finalidade eleitoral. É um caminho para que os filtros e a disseminação de notícias falsas sejam mais rapidamente identificados pela população, com eleitores informados e não mais manipulados por falsas alegações.

Como proposta de resolução, destacam-se os sistemas de accountability, que  podem ser resumidos como ferramentas de controle do aparelho estatal e dos cidadãos, com o objetivo de responsabilizar os agentes não comprometidos com as demandas e princípios democráticos. Em uma democracia, o povo é soberano, o verdadeiro detentor do poder, mas no cenário político em que nos encontramos, parece haver uma inversão de papéis.

Será que em 2020, nas eleições municipais, estaremos dispostos a aceitar o que aconteceu nas eleições de 2018? Cabe a nós, sociedade civil, trabalhar em rede de cooperação de controle social e institucional dos candidatos, partidos políticos e do processo eleitoral, visando evitar distorções que venham a afetar a nossa democracia representativa. 

Confira o nosso bate papo com o Nícola Martins (ouça aqui), egresso em Administração Pública pela Udesc Esag e Bacharel em Comunicação Social pela Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina, SATC. Na conversa, abordamos os desafios ao combate à corrupção e fake news. 

Afinal, o que estamos dispostos a aceitar nas eleições de 2020?  

Gostou do assunto? Leia também sobre o uso de marketing digital eleitoral e seus efeitos e como lidar com esse gigante invisível chamado FAKE NEWS?

Referências
ALTARES, Guillermo. A longa história das notícias falsas: utilização política das mentiras começou muito antes das redes sociais, e a construção de outras realidades era uma constante na Grécia antiga. El País. Madrid (2018). Acesso em 28 de outubro de 2018. 

DOS SANTOS, João Guilherme Bastos et al. WhatsApp, política mobile e desinformação: a hidra nas eleições presidenciais de 2018. Comunicação & Sociedade, v. 41, n. 2, p. 307-334. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v41n2p307-334. Acesso em: 09 nov. 2019.

MAFFESOLI. Michel. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades pós modernas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000

O CAFEZINHO – https://www.ocafezinho.com/2019/07/03/senado-cria-cpi-das-fake-news/ 

SALVAGNI, Julice. Ruptura: a crise da democracia liberal, Manuel Castells, Zahar, Rio de Janeiro, Brasil, 2018, 150 p. Polis. Revista Latinoamericana,  n. 52, 2019. Dispónível em: https://journals.openedition.org/polis/17173. Acesso em: 12 nov. 2019.

SILVA, Fernanda de Barros da. O regime de verdade das redes sociais on-line: pós-verdade e desinformação nas eleições presidenciais de 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: http://repositorio.ibict.br/handle/123456789/1027. Acesso em: 09 nov. 2019.

Agência Senado. Com veto derrubado, lei prevê punição para quem divulgar fake news nas eleições. Brasília, 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/11/com-veto-derrubado-lei-pune-quem-divulgar-fake-news-nas-eleicoes. Acesso em: 12 nov. 2019.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Marcos Alan Demikoski, Mariana de Oliveira Fuhrmann e Thais Figueredo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability,  da Udesc ESAG, ministrada pela profª Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019. 

O que a tecnologia tem a ver com gestão e fiscalização das frotas de veículos de órgãos públicos?

Por Paloma Pietra Guerra, Gabriel Mendonça de Faria, João Victor Hoffmann e Matheus Pimentel*

Segundo a ONG Contas Abertas, o uso de carros oficiais custa em média R$ 1,6 bilhão por ano aos cofres públicos federais no Brasil. Em setembro de 2019, por meio de auditoria interna encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, foram identificados gastos na casa dos R$39 milhões com gasolina e com manutenção de veículos inutilizados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os gastos com veículos são necessários para a realização das atividades públicas, como o custeio de viagens rodoviárias, passagens, manutenção de veículos e imprevistos suscetíveis a órgãos que mantém sua própria frota de veículos. Mas será que esses gastos estão sendo gerenciados da melhor forma?

Esse foi o tema abordado na aula de accountability e compras públicas, na disciplina de Sistemas de Accountability, ministrada pela Prof. Paula Schommer no curso de graduação em administração pública da Udesc Esag. Nesse encontro, os convidados Everton Rosa de Jesus e Daniel Luiz de Maman apresentaram a inovação e a tecnologia como formas de melhorar a gestão e fiscalização dos gastos públicos relacionados a frotas das entidades públicas.

Estudos e práticas recentes no Brasil mostram que, para muitas atividades, não é vantajoso ao serviço público manter seus carros próprios, arcando com a depreciação desses ao longo do tempo, custos com “documentação”, manutenção mensal e, ainda, custos com motoristas e combustível.

A partir da tecnologia que temos hoje e a inovação compreendida em aplicativos de viagem como Uber, 99 POP, Cabify e TaxiGov, parece ser hora de repensar a forma do governo gastar com seus veículos. O TaxiGov, por exemplo, está disponível para o uso de servidores públicos federais desde  2017 e já trouxe uma economia estimada de 22 milhões de reais aos cofres públicos.

Considerando esse cenário, os excessivos gastos com as frotas dos órgãos públicos e suas implicações podem ser vistos como um problema público que merece atenção. A tecnologia parece um bom meio para ajudar o serviço público a lidar com essa questão.

Entende-se a tecnologia como meio para uma melhor gestão e para a fiscalização. Assim, contribuindo para o bom planejamento dos gastos com transparência. Dentre os tipos de tecnologia, vislumbra-se em aplicativos e sistemas de gestão de frota uma saída inovadora para os desafios de gerenciamento de frotas públicas.

Conforme apresentado no programa “Nas Entrelinhas”, da Rádio Udesc, atualmente, no estado de Santa Catarina, 27 prefeituras contam com o GAX – Sistema de Gerenciamento de Frotas, incluindo a de Florianópolis. Desenvolvido pela 3ia.com, o sistema compreende, em uma única interface, todo o gerenciamento de gastos com  os veículos de uma mesma frota, permitindo o planejamento de todas as viagens relacionadas à frota.

Ilustração do GAX Sistema de Gestão de Frotas: Dados disponíveis para o gestor
Fonte: 3ia.com. 2019.

Atualmente, as informações advindas do sistema ficam somente disponíveis aos gestores das frotas. Em Santa Catarina, o município de São Miguel do Oeste já torna essas informações transparentes à população, algo que pode ser seguido pelas demais, uma vez que haja demanda e interesse da cidadania e dos gestores para que isso aconteça.

Assim, a tecnologia proporciona uma tomada de decisão mais precisa e transparente pelo gestor público, o qual é provocado por uma accountability (relacionada à responsabilidade subjetiva (Pinho e Sacramento, 2009; Trosa, 2001), isto é, uma cobrança que este exerce sobre si mesmo quanto à necessidade de prestar contas da maneira correta diante das informações que lhe são colocadas em mãos. Ao mesmo tempo, a cidadania pode demandar e utilizar informações precisas e confiáveis para também controlar a gestão pública e contribuir para o aprimoramento das decisões.

Sob a lógica apresentada, pode-se concluir que a tecnologia e a inovação que permeiam a nova dinâmica social podem ser utilizadas como mecanismos para a diminuição dos gastos públicos e a criação ou aumento da transparência e do controle sobre os gastos com a gestão da frota de veículos na administração pública. Tais premissas são corroboradas pela abordagem de orientação proposta por Amitai Etzioni (2009) para a accountability ou responsabilização, na qual se destaca a importância de coalizão, neste caso entre governos, empresas e cidadãos, para a formulação de alternativas inovadoras para resolução de problemas públicas.

Nesse sentido, pode-se discutir a respeito do papel do mercado junto ao setor público. A iniciativa privada pode desenvolver de maneira mais eficiente soluções inteligentes, enquanto isso o governo pode atuar como financiador, parceiro ou investidor, como defende Mazzucato (2014), na busca por integração de soluções privadas com o setor público, visando sua atualização e trazendo novas oportunidades a serem exploradas.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Paloma Pietra Guerra, Gabriel Mendonça de Faria, João Victor Hoffmann e Matheus Pimentel, na disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.

Referências

ETZIONI, A. Concepções alternativas de accountability: o exemplo da gestão da saúde. In: HEIDEMANN, F.G.; SALM, J.F. (orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UnB, 2009. p. 287-301

MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Portfolio-Penguin, 2014.

PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, v. 43, n. 6: 1343-68, nov./dez. 2009.

TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Brasília: Enap, 2001.

Improbidade administrativa e a administração pública do medo

Por Angelita Hofstetter Vieira, Camilla Reis, Natasha Naomi Ishizaka de Oliveira e Lucas Trilha*

Segundo o Índice de Percepção da Corrupção de 2018, divulgado pela organização Transparência Internacional (2019), o Brasil ocupa a 105º colocação entre 180 países avaliados, pior resultado desde 2012. Entre as razões para o que o país siga caindo de posição nesse ranking, em relação a anos anteriores, estão a falta de resposta às causas estruturais da corrupção e de reformas legais e institucionais. A população, por sua vez, reivindica dos tomadores de decisão as mudanças necessárias a este fim.  

A Lei de Improbidade Administrativa (LIA) n. 8.429, aprovada em 1992, têm levado agentes públicos a responder sobre atos que violem os princípios administrativos, causem prejuízo ao patrimônio público, ou enriquecimento ilícito, tipificados nos artigos 9º, 10 e 11. Isso ocorre, inclusive, no que se refere à contratação pela Administração Pública de obras e serviços, incluindo as compras públicas. No entanto, sua interpretação ainda está em debate, devido à falta de proporcionalidade e critérios objetivos na aplicação das sanções, especificadas no art. 12 da LIA.

Para a gestora Carla Giani da Rocha, da Secretaria de Estado da Administração do Governo de Santa Catarina, “A administração pública hoje vive uma cultura do medo. A lei de improbidade, de certa forma, cerceia desvios e desmandos da administração, mas de outro lado ela engessa e torna a administração ineficiente, e esse custo do medo se paga com a omissão e ineficiência da administração”.

Em agosto de 2019, foi instalada uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para revisar a Lei de Improbidade, Projeto de Lei n. 10.887/18, motivando debates entre esferas do governo, órgãos de controle e sociedade civil.

Nas palavras de Carla Giani, “As legislações não conseguem acompanhar as mudanças que o mundo nos traz, a lei foi pensada em um contexto diverso do atual, e hoje temos uma série de novos fatores que precisam ser absorvidos pela administração pública. Os gestores, muitas vezes, restringem as suas ações e realizam menos da sua missão, por exageros e condenações prévias de uma lei que não protege o servidor que se arrisca e tenta fazer diferente. A lei de improbidade precisa ser atualizada”.

Na implementação de políticas públicas, muitas vezes, a discricionariedade do servidor, ou seja, a autonomia para tomar decisões, pode facilitar desvios, violando princípios administrativos, como moralidade e legalidade, mas nem tudo é improbidade!

A gestora Carla Giani cita a máxima de Hely Lopes Meirelles: “Ao gestor público, tudo que está legislado, ao privado, tudo que não é proibido”. Carla completa “A interpretação restrita dessa frase leva o gestor a só fazer o que está na lei. Outra possibilidade é pensar que onde não há legislação, há espaço para novas legislações, novos projetos e novas propostas. Cito o Secretário de Administração do Governo do Estado de Santa Catarina, que costuma ressaltar duas palavras como guias para o exercício da gestão: equilíbrio e responsabilidade. A fiscalização é necessária, mas não pode ocorrer a ponto de engessar a administração pública. A responsabilidade pelos atos dos agentes públicos deve ser promovida de modo que haja, ao mesmo tempo, uma gestão orientada pela legalidade e eficiência, com inovação”.

A responsabilidade dos agentes públicos pode ser demonstrada pela transparência e pelo diálogo entre os envolvidos nos processos de compras. Muitas vezes, diante da dúvida quanto à legislação relativa a improbidade e corrupção, a administração prefere a inércia, inclusive na inserção de novas tecnologias que irão tornar a gestão mais eficiente. É necessária uma mudança de postura, não só com relação às tecnologias, mas à própria probidade.

Por outro lado, algumas dificuldades de estrutura dos órgãos públicos podem colaborar para irregularidades e uma má aplicação das leis. As regras generalizam realidades diversas. A transparência nos atos da administração pública muitas vezes é falha, o que dificulta a interpretação de informações disponibilizadas.

A propósito, Carla Giani discorre: “Nós precisamos ultrapassar essa visão estanque e já massificada de improbidade. Não há como esperar resultados diferentes fazendo do mesmo modo. Hoje a maioria dos servidores quer fazer a diferença, e estamos sendo estimulados a isso, a contratar soluções inovadoras no mercado”.

A atuação dos agentes públicos nas contratações de serviços e compras públicas deve seguir os princípios norteadores da administração pública, com o objetivo de obter melhores propostas para os problemas públicos. Ao mesmo tempo, considerando a dinâmica do mundo atual, com muitas possibilidades de avanços, mas muitos desafios, é necessária a capacitação e abertura para ideias inovadoras.

As reflexões sobre como coibir práticas ilícitas, por meio da capacitação dos agentes públicos e soluções estratégicas de prevenção diminuem o risco de que irregularidades ou imperícias sejam classificadas como improbidade. Para que se caracterize improbidade, é indispensável o elemento subjetivo “dolo” ou “culpa”.

Os agentes públicos ímprobos devem ser punidos no que couber, de maneira razoável e justa, e a administração pública deve evoluir sempre para que entregue serviços de excelência ao cidadão, com transparência em suas ações.

Ouça aqui a entrevista completa com Carla Giani da Rocha no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc.

Para saber mais sobre o tema acesse:

Notas da Confederação Nacional de Municípios sobre revisão da lei de improbidade administrativa:

https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/comissao-que-vai-analisar-revisao-da-lei-de-improbidade-sera-instalada-na-proxima-semana

https://www.cnm.org.br/comunicacao/noticias/ministros-do-stf-e-do-stj-detalham-equivocos-da-lei-de-improbidade-em-encerramento-de-congresso-na-cnm

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Angelita Vieira, Camilla Reis, Natasha Naomi Ishizaka de Oliveira e Lucas Trilha, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.

Accountability na Saúde Pública: mecanismos de controle social no SUS, quais são e o que se pode esperar?

Por Tamires da Rosa e Rafael Bertoncini Goulart*

 A criação do Sistema Único de Saúde, o SUS, teve origem na década de 1970, quando surgiram diversos movimentos populares, dentre estes, na área de saúde, o Movimento da Reforma Sanitária. Este buscava mudanças e transformações do setor saúde, pressupondo a democratização. Apresentando essa premissa como base, o Movimento cresce nos anos de 1980 e passa a formular alternativas à política de saúde.

Nesse processo, o momento crucial para a criação do Sistema Único de Saúde foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. Nessa Conferência, diferentemente das anteriores, houve uma ampla participação dos setores organizados na sociedade civil, como profissionais da saúde, parlamentares, intelectuais, entre outros profissionais preocupados com a saúde pública.

As resoluções e propostas apresentadas em 1986 embasaram as formulações do Sistema Único de Saúde, que foi oficializado na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. A partir de então, a saúde passou a ser direito de todos e dever do Estado, regida pelos princípios de universalização, descentralização e participação social.

Segundo Correia (2005, p.62), a participação cidadã no SUS, na perspectiva do controle social, foi um dos eixos da 8ª Conferência. No relatório da mesma, se definiu participação em saúde como o conjunto de intervenções que as diferentes forças sociais realizam para influenciar a formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas para o setor de saúde.

De lá para cá, o setor saúde vem desenvolvendo diversos canais e meios que favorecem a participação e o controle compartilhado entre usuários e profissionais. Ao aprimorar as políticas na área de saúde, a qualidade dos serviços e o uso dos recursos públicos, ainda que haja muitos desafios, essas práticas mostram resultado e são referência para outras áreas da administração pública.

Para se obter melhores resultados e uso eficiente de recursos, além da autonomia e qualificação dos gestores públicos, é fundamental instituir processos de accountability em relação às decisões tomadas e aos resultados obtidos. Entre os instrumentos utilizados para se obter o controle social na política de saúde pública, estão os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde.

Com relação a esses instrumentos, o profissional da área de saúde pública, Paulo Sergio, que atuou como diretor de vigilância epidemiológica no município de São José, comentou sobre os mecanismos em entrevista na Rádio Udesc (ouvir entrevista completa). O entrevistado informou que esses mecanismos foram criados pela Lei 8.142/90, tendo o Conselho um caráter permanente e deliberativo no que diz respeito à execução dos aspectos econômicos e financeiros, além de ter a função de exercer o controle social com o objetivo de garantir o atendimento aos interesses da maioria da população. Já a Conferência, que acontece a cada 4 anos, com representação dos vários segmentos sociais, serve para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes. É convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, pelo Conselho de Saúde.

Além desses dois meios de controle social previstos pelo SUS, Paulo Sergio explicou que existem mais dois importantes mecanismos de participação que contribuem para o acompanhamento do controle e da fiscalização das ações e dos recursos financeiros gastos na política de saúde. O primeiro destacado são as Ouvidorias.

Segundo informações do Governo Federal, em 2004, através da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, ficou determinado a criação de Ouvidorias no Poder Judiciário e no Ministério Público no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Territórios. Portanto, com o processo de ampliação dos espaços de participação, a Ouvidoria passou a estar presente nos três poderes da Nação, também nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios, e vem consolidando-se como instância de controle e participação social, destinada ao aprimoramento da gestão pública.

Paulo Sergio destacou que o propósito da Ouvidoria é oportunizar um canal para que a população possa registrar sugestões, reclamações, denúncias e solicitar demandas ao gestor municipal, sendo um mecanismo formal que dá segurança para o usuário se manifestar ao órgão público. Além disso, garante um protocolo para acompanhamento e o direito ao anonimato. Os contatos podem ser realizados de forma presencial, via telefone e/ou via site.

O segundo canal destacado pelo entrevistado são os Observatórios Sociais. Contou que estes são espaços para o exercício da cidadania, reunindo pessoas da sociedade civil que, juntas, buscam respostas junto ao poder público para demandas dos cidadãos. O Sistema OSB é formado por entidades representativas da sociedade civil e voluntários engajados com o objetivo de contribuir para uma gestão pública com transparência, eficiência, eficácia e efetividade, segundo o site oficial da organização. Também de acordo com informações disponíveis no site, dos 147 observatórios ligados ao Sistema OSB, 27 estão em cidades catarinenses. De acordo com o presidente do sistema em Santa Catarina, Leomir Minozzo, o objetivo é desenvolver a cultura da participação cidadã e ser referência no controle de gastos públicos.

Um dos observatórios catarinenses que vem ganhando notoriedade é o Observatório Social de São José, buscando combater desperdícios excessos e desvios de dinheiro público, ao monitorar gastos e demandar transparência, assim contribuindo para economizar dinheiro público.

Além dos mecanismos citados, podem existir outros meios, como os instrumentos de contratualização de resultados, mecanismo que promove a accountability alinhada à chamada Nova Gestão Pública. São ferramentas que buscam promover o aumento da eficiência e efetividade dos serviços públicos, além da transparência e do controle social (BERNARDO, 2011).

A provisão de serviços públicos em parceria entre os governos e as organizações sociais (OSs), entidades públicas não estatais, é um dos exemplos de flexibilização da administração pública que demanda mecanismos específicos de accountability. Como exemplo, destacamos o caso do governo de São Paulo, que por meio de um contrato de gestão, o Estado repassa a entes públicos não estatais a provisão de serviços não exclusivos. Cabe à máquina estatal a regulação e o financiamento básico desse processo (SANO e ABRUCIO, 2008). Em estudo realizado por Sano e Abrucio em 2008, os avanços de gestão das OS da Saúde em São Paulo foram evidenciados por dados referentes à eficácia e eficiência dos gastos públicos e à área de recursos humanos, ainda mais quando comparados ao desempenho dos hospitais estatais paulistas. Entretanto, ressaltaram que os instrumentos de accountability foram pouco utilizados.

De acordo com as premissas do SUS, na perspectiva do controle social, a ampliação da accountability têm contribuído para a redução de práticas clientelistas e para a maior adequação das ações às necessidades da população. O aperfeiçoamento desse sistema, principalmente, no que diz respeito à publicização do que é público e da participação, devem ser contínuos, fortalecendo o exercício do controle social sobre a política de saúde.

Portanto, é importante enfatizar que os instrumentos de controle social, além de conquistas, também são processos de aprendizagem a serem fortalecidos com a participação social nos mais diversos meios e mecanismos, tanto no âmbito do público, quanto do privado. Assim, espera-se que o aumento do controle sobre o poder público possa gerar dois grandes efeitos – a responsabilização que reduz as chances ou permite corrigir erros dos governantes e seus parceiros e, quando for o caso, levar à punição dos responsáveis e; pela existência de múltiplos e ininterruptos instrumentos de accountability, gere-se aprendizagem a cidadãos e policymakers, sejam eles os políticos, sejam os burocratas (SANO e ABRUCIO, 2008).

Referências

A história da saúde pública no Brasil. Intérpretes: Paulo Sérgio. 2018. (7 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yuDpa-nU3t8&t=45s>. Acesso em: 13 jun. 2019.

SANO, Hironobu; ABRUCIO, Fernando Luiz. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no Brasil: o caso das Organizações Sociais de Saúde em São Paulo. Rev. adm. empres. [online], vol. 48, n.3, pp.64-80, 2008.

Ações do Observatório Social de São José ganham destaque na mídia nacional. 2017. Disponível em: http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2017/11/acoes-do-observatorio-social-de-sao-jose-ganham-destaque-na-midia-nacional-9986365.html. Acesso em: 25 jun. 2019.

BERNARDO, Renata Anício. Instrumentos de contratualização de resultados na administração pública como mecanismo de promoção da accountability. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA, 4, 2011, Brasília. Anais… Brasília, 2011.

BRASIL. GOVERNO FEDERAL. História das ouvidorias: Como surgiram as ouvidorias?. Disponível em: <http://ouvidorias.gov.br/cidadao/conheca-a-ouvidoria/historia-das-ouvidorias>. Acesso em: 12 jun. 2019.

CORREIA, Maria Valéria Costa. Desafios para o controle social subsídios para capacitação de conselheiros de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.

LAMBRANHO, Lúcio. O voluntário que faz uma cidade economizar milhões por ano. 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37526368. Acesso em: 25 jun. 2019.

O QUE é o SUS? Sistema Único de Saúde do Brasil: Princípios e diretrizes. Intérpretes: Paulo Sérgio. 2018. (8 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2fpRaU8VkIE&t=349s>. Acesso em: 12 jun. 2019.

OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL (Brasil). O que é um Observatório Social? Disponível em: <http://osbrasil.org.br/>. Acesso em: 14 jun. 2019.

 

*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Tamires da Rosa (tamiresdarosa.e@gmail.com) e Rafael Bertoncini Goulart (rafaelbertoncini@hotmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2019.