Relato da Participação na 2ª Edição do “Programa de Fortalecimento da Função Pública na América Latina” da Fundação Marcelino Botin

Durante os meses de outubro a dezembro de 2011 estive representado o curso de Direito da UNIVALI e de Administração Pública da ESAG/UDESC na 2ª edição do “Programa de Fortalecimento da Função Pública na América Latina” da Fundação Marcelino Botín. Essa organização filantrópica de origem espanhola fundada e mantida pela família do proprietário do Banco Santander, Sr. Emílio Botín, criou em 2010 este programa que visa fortalecer as Instituições na América Latina através da capacitação de futuros líderes e servidores públicos do continente. Por isso, a cada ano a Fundação elege 40 estudantes universitários de até 22 anos e comprovada vocação para o trabalho no Serviço Público. A edição de 2011 contou com cerca de 1000 candidaturas, tendo sido escolhidos representantes do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Colômbia, Peru, Equador, México e Porto Rico. O Brasil é tradicionalmente o país com o maior número de representantes, preenchendo 10 das 40 vagas.

A viagem começa com uma empolgante e atribulada semana no Watson Institute for International Studies, da Universidade de Brown em Providence/RI – EUA, com direito a uma aula inaugural ministrada pelo Ex-Ministro de Economia argentino Domingo Cavallo . A empolgação se deve ao fato de todos os 40 bolsistas (ou becários como todos os brasileiros participantes já se acostumam a falar no final das contas) estarem se conhecendo e se preparando para uma intensa experiência de 8 semanas. Vivenciar um pouco das realidades, competências, desafios de vida de cada um dos participantes é todo um aprendizado. Ainda, nesta primeira semana a maior parte dos brasileiros passa por um processo conhecido como “Latinização”, o que nos leva não apenas a “bailar” salsa com uma estranha naturalidade, como também a questionar um pouco mais se de fato estamos integrados com nossos vizinhos ou até que ponto nossas culturas são realmente diferentes.

A atribulação em Brown é culpa de um cronograma apertado de aulas e leituras preparatórias. Neste momento já começa também a divisão dos acadêmicos em cinco grupos de trabalhos, composto cada um por oito membros nas seguintes categorias: Sociedade Civil, Marco Institucional, Marco Econômico, Marco Jurídico e Educação.

Na segunda semana o programa segue na cidade de Santander – Cantábria, Espanha. O conteúdo acadêmico inicia no primeiro módulo de estudos: Estado de Direito. As aulas, antes inglês passam a ser em espanhol e são ministradas na sede da Fundação.

Na terceira semana começamos um trabalho de “coaching”, uma metodologia de direcionamento profissional e planejamento de carreira. Cada um dos participantes passa a contar com um Coach profissional que ajuda a definir metas para o futuro. Também nessa semana é realizada uma atividade de três dias no Valle de Nansa – zona rural e interiorana da Espanha, onde são desenvolvidas técnicas de trabalho em equipe e liderança. Logo após, partimos para a Galícia onde começamos um “Caminho de Santiago Express” de três dias apenas. Essa foi uma excelente oportunidade para refletir um pouco mais sobre o futuro e acalmar o espírito.

A partir da quarta semana começamos o programa em Madrid, onde passamos a morar na Residência Universitária mais tradicional da cidade. Foi com certeza uma experiência única poder viver no mesmo prédio que serviu de hospedagem para Albert Einstein, Garcia Llorca, Marie Curie, entre outros. Nesta cidade continuamos o conteúdo acadêmico nos seguintes módulos: Teoria Econômica, Comunicação e Sociedade Civil/Participação Cidadã. Ao final de cada módulo são aplicados exames, todos em espanhol. O clima de avaliação é constante e a disciplina é exigida com um impecável rigor europeu.

Ao longo de todo o programa realizamos diversas visitas oficiais que incluíram: Senado, Câmara de Deputados, Embaixada Norte Americana, Banco Central Espanhol, Conselho de Estado da Espanha, Governo de Rhode Island, Governo de Cantabria. Nessas oportunidades contávamos sempre com um tempo para dialogar com representantes dessas instituições. O tema dessas conversas (e também de boa parte de nossas aulas) não fugia quase nunca da assombrosa crise econômica vivida pelos europeus, especialmente pelos espanhóis. Quase sempre a América Latina era ressaltada como “estudo de caso econômico” e a quantidade de literatura sobre o “milagre econômico” brasileiro foi grande.

Um ponto interessante a destacar, relevante para o tema de nossa investigação surgiu na aula ministrada pelo deputado espanhol Ignacio Astarloa que defendeu o Parlamentarismo como sistema de governo mais eficiente para render o governo accountable, na medida em que o Parlamento serve de lócus de discussão contínua, de aprovação e desaprovação do Primeiro-Ministro e conserva o poder de convocá-lo com certa freqüência para inquirições acaloradas.

Durante dois dias na metade da 5ª semana realizamos uma curta viagem até a centenária Universidade de Salamanca, um reduto medieval na modernidade. As paredes do castelo – sede da universidade – estão repletas de símbolos e nomes em suas fórmulas latinas. Mais tarde descobrimos que cada Doutor graduado na Instituição ganha uma pedra do castelo com seu nome em latim abaixo do símbolo de sua ciência. Uma tradição encantadora para qualquer acadêmico.

Na penúltima semana de Programa, (quando quase todos os brasileiros já estão familiarizados com as cantorias das músicas de Mercedes Sosa) nos damos conta de nossas raízes latinas, da importância da integração regional e do óbvio papel de liderança que o Brasil deverá (ou deveria) assumir na Região.

Nesta etapa do Programa somos levados à Bruxelas – Bélgica para visitas oficiais ao Parlamento Europeu e à sede da OTAN. No dia em que chegamos na capital européia (como também é conhecida a cidade), os líderes da União estavam reunidos para decidir sobre a criação do Fundo Europeu de ajuda para a Grécia. Diversos acontecimentos a nível europeu marcaram toda nossa estadia no Velho Continente, inclusive um que deve ter sido novidade na histórica da ciência política moderna: a queda do governo eleito de Silvio Berlusconi, substituído por Mario Monti um economista, que mesmo sem ser parlamentar eleito, foi nomeado ao cargo de Presidente do Conselho de Ministros Italiano. A experiência demonstrou que o processo democrático pode ser relativizado quando a economia de uma das mais importantes nações européias está em jogo.

Na ultima semana da Bolsa, regressamos à Madrid e apresentamos por fim nosso Projeto Final por grupos temáticos. Em nosso Grupo Jurídico, defendemos o combate à “Anomia” na América Latina. O projeto tem por base a obra de um jurista argentino Carlos Nino, autor de “Um país à margem da lei” e inclui a educação para o respeito às normas sociais básicas. Além disso, um dos objetivos do projeto foi promover a participação cidadã através da propagação de metodologias para a criação de “Jornadas de Diálogo Cidadão” com governos locais, utilizando-se das experiências de Bogotá “Como Vamos” e dos indicadores da Plataforma Cidades Sustentáveis.

Não há palavras para descrever o sentimento de amizade por todos meus 39 brilhantes colegas “botineros”, que hoje espalhados pela América Latina continuam um caminho de luta para a construção de um continente mais justo. Encorajo a todos os acadêmicos de nosso curso – que cumpram os requisitos – a passar por essa maravilhosa experiência e entrar para a Rede de Futuros Líderes e Servidores Públicos da América Latina.

Guilherme Augusto Doin

Segue o link do Programa (as inscrições abrirão provavelmente no mês de março): http://www.fundacionbotin.org/postarea.htm/pcatid/1973/

Um comentário em “Relato da Participação na 2ª Edição do “Programa de Fortalecimento da Função Pública na América Latina” da Fundação Marcelino Botin”

  1. Guilherme,

    Obrigada pela generosidade em compartilhar conosco um pouco das emoções e da aprendizagem vividas nesse período. Mal posso estimar a dimensão dessa experiência em sua trajetória e nas dos seus colegas "botineros". Se já sua descrição é tão enriquecedora, imagino viver tudo isso e muito mais que não se pode descrever.

    Sim, também percebi em programas e eventos com colegas latinoamericanos o quanto o Brasil vira as costas para seus vizinhos, enquanto olha para a Europa, os Estados Unidos, agora tambem a Asia. Quem sabe você e seus colegas de Programa nos ajudem a criar mais vias de intercâmbio acadêmico/cultural entre nós?.

    Fiquei curiosa em saber o que lhe indicou o processo de coaching!?

    Será bacana divulgarmos amplamente aos acadêmicos de administração pública sobre o próximo período de inscrições. Podemos publicar este mesmo texto no Blog da Administração Pública? E talvez você poderia escrever um breve texto para enviarmos por email a todos os alunos do curso?

    Abraços, Paula

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