O Novo Serviço Público – um Outro Olhar para a Cidadania

Por Denise Regina Struecker*


     Vivemos tempos de franco descontentamento e sensível quebra de confiança entre cidadãos e agentes políticos. Muito embora as manifestações populares ocorridas recentemente tenham diferentes motivações ou, não raras vezes, demonstrem uma insatisfação difusa, sem bandeiras específicas, o fato é que o momento exige ouvir a voz das ruas e refletir sobre os caminhos da governança. 
      De início, podemos constatar a ânsia da sociedade por um espaço de comunicação com os poderes instituídos. Essa demanda vem crescendo nos últimos anos, e não se limita ao nosso país; é um sinal de que a democracia representativa não consegue, sozinha, traduzir plenamente os anseios da população e atingir as soluções que melhor atendam o interesse público. Pelo contrário, não raro se verifica total descompasso entre a vontade popular e as movimentações políticas. 
      Colocada essa dissonância entre representantes eleitos e população, basta um rápido olhar sobre a situação para concordar com Denhardt e Denhardt (2007, p. 50)[1], quando afirmam que “a atual configuração institucional é hostil à participação cidadã” e que “o fosso entre os líderes e os cidadãos parece substancialmente maior do que antes”. Vários fatores contribuem para reforçar os obstáculos que separam os cidadãos do governo, e somente em casos pontuais se vislumbra a tentativa honesta de diálogo com a sociedade. 
   
     O Novo Serviço Público vem trazer algumas luzes sobre essas questões, como modelo de administração pública que aponta um caminho alternativo, baseado na aproximação e cooperação entre servidores públicos e cidadãos. De acordo com essa visão, baseada nos valores democráticos e humanistas, o cidadão é protagonista e participa da tomada de decisões, auxiliado pelos administradores públicos, que assumem o papel de facilitadores dessa interação. 
     Contudo, merece destaque a necessidade de uma mudança na postura de todos os atores sociais para superar comportamentos historicamente arraigados. Primeiramente, há que se ter vontade política. Cabe às autoridades governantes, altos gestores e legisladores, em todas as esferas, a sensibilidade, coragem e iniciativa de incluir a participação social na formulação, acompanhamento e execução das políticas públicas. Nota-se que aqui reside um dos pontos mais sensíveis dessa evolução: ao compartilhar informações e a própria tomada de decisão, estamos tratando de redistribuição de poder. Um exemplo da resistência à ampliação da participação da sociedade foi a derrota do governo na tentativa de implantação da Política Nacional de Participação Social, rechaçada firmemente pelo Poder Legislativo, por entender que invadia suas prerrogativas constitucionais[2]. 
     A mudança de atitude somente será possível se a participação cidadã for encarada não apenas como um direito, mas sim como uma oportunidade de conferir maior efetividade às ações e serviços públicos. Ainda, depende da percepção que o cidadão não vai fazer as vezes do representante eleito, mas sim construir em parceria as ações que irão melhor atender o interesse público, inclusive coproduzindo bens e serviços públicos. 
     De outro lado, os servidores públicos foram por muito tempo moldados pela burocracia instituída – deles apenas era esperado o cumprimento de tarefas e normas, a submissão à hierarquia e a especialização em sua área. Esse modelo, em maior ou menor nível, tende a gerar alienação e manter o sistema fechado ao ambiente externo. Todavia, a partir do novo paradigma de Administração Pública, o servidor público passa a ter o papel de reconstruir os laços de confiança entre a sociedade e o governo e de ser facilitador desse diálogo. 
     Há que se considerar que não é uma transição fácil. O perfil emergente vai solicitar competência para incentivar a participação da sociedade, para a escuta e mediação de conflitos, inclusive, e o sucesso das iniciativas vai depender – e muito – da forma como serão conduzidas. Apesar de o novo papel ser um campo fértil para o servidor resgatar seus próprios valores de cidadão e, consequentemente, para a auto-realização, faz-se necessária sua sensibilização e capacitação para as novas habilidades que serão exigidas. Aqui, novamente é imprescindível a participação dos gestores públicos, propiciando condições institucionais para que esse desenvolvimento ocorra. 
   
     Por fim, mas não menos importante, percebe-se que os cidadãos ainda se reconhecem mais como consumidores e/ou titulares de direitos do que como agentes ativos dos processos político-administrativos. Em geral, as necessidades buscadas representam interesses eminentemente privados, e nessa visão o único papel do cidadão é exigir a boa prestação do serviço ao qual tem direito, como em uma relação de mercado. 
     À postura crítica dos cidadãos em relação aos governantes, nem sempre corresponde o comprometimento pessoal com a coletividade, mesmo em pequenas ações cotidianas. Faz-se indispensável um resgate da cidadania democrática, assim considerada a participação ativa voltada a valores e objetivos comuns, e o reconhecimento da necessária coexistência equilibrada de diversos interesses. Os cidadãos envolvendo-se na construção do bem público, não apenas com suas vozes, mas também com suas mãos, seus recursos, suas capacidades plenas. 
     Trata-se a cidadania, portanto, de um processo de aprendizagem coletiva. Somente a interação dos atores sociais e o firme compromisso com a consecução do interesse público pode levar a uma nova etapa da Administração Pública. Sendo as necessidades mais complexas, apenas o somatório de esforços e a valorização da contribuição dos cidadãos, com seus saberes cotidianos, irá atingir os resultados esperados pela sociedade. 
* Texto produzido pela mestranda Denise Regina Struecker, do Programa de Pós-graduação em Administração da Udesc/Esag e do grupo de pesquisa Politeia, no contexto da disciplina de mestrado Coprodução do Bem Público, ministrada pela professora Paula Chies Schommer. 
[1] DENHARDT, Janet V.; DENHARDT, Robert B. The New Public Service: Serving, not Steering. New York: M.E. Sharpe, 2007.