Transparência de dados e parcerias na pandemia de COVID-19: exemplos, desafios e aprendizagens

Por Ana Beatriz Rodrigues, Leonardo F. G. Lima, Maria Roquelene Souza e Maiara Silva*

Desde o início da pandemia de Covid-19, observa-se a preocupação com a disponibilidade de informações referentes aos dados sobre a difusão do vírus e da doença, seus impactos e os planos de ação para seu combate. 

Nesse período, entre o final de 2019 e meados de 2021, os meios que buscam promover a transparência de informações e critérios de tomada de decisões ganharam importância, como caminhos para aprimorar a resposta e o gerenciamento dessa grande crise, com algum grau de razoabilidade, controle e previsibilidade, em meio a tantas incertezas e riscos. 

A transparência se tornou aliada para o desenvolvimento de pesquisas e o fortalecimento do planejamento e a implementação dos planos de combate à doença e suas consequências, sejam eles planos de vacinação, políticas de isolamento ou métodos de prevenção. 

Além da relevância da transparência e da accountability na gestão pública, ganharam força os dispositivos que buscam demonstrar a legitimidade de iniciativas de organizações do terceiro setor, universidades e parcerias público-privadas. Mesmo em crise, é possível notar esforços vindos de vários segmentos da sociedade, em busca de sanar grandes problemas como o da pandemia e suas decorrências. 

Exemplos de coprodução e parceria em meio à crise não faltam. É o caso do aplicativo “ISUS”, criado pela Escola de Saúde Pública do Ceará, em parceria com o governo estadual do Ceará. O aplicativo permite que os trabalhadores da linha de frente da saúde consigam se informar e trocar experiências via app. 

Além da criação do aplicativo, em busca de mitigar a falta de equipamentos médicos, uma parceria público-privada entre a Escola de Saúde Pública do Ceará e organizações privadas permitiu a criação de um respirador menos agressivo, o Elmo, um capacete de respiração assistida genuinamente cearense, não-invasivo e mais seguro para profissionais da saúde e pacientes. 

Em casos como esses, é comum que sejam utilizados dispositivos que buscam conferir legitimidade à iniciativa, a fim de demonstrar aos “stakeholders” que os recursos empregados estão sendo bem utilizados e que as tecnologias estão baseadas em conhecimento científico qualificado, o que fortalece a relação entre transparência e accountability. 

Já no município de Florianópolis, foi criado em meio à pandemia o Covidômetro, que é um instrumento de atualização diária de dados relevantes sobre a pandemia de Covid-19 na cidade. A ferramenta ajuda a informar os cidadãos sobre diversos aspectos, como casos suspeitos, casos confirmados, casos curados, ocupação de leitos de UTIs, número de óbitos, vacinação e tendências nos números em cada indicador. Categoriza, ainda, quatro estágios de risco, que são: Risco Potencial Moderado; Risco Potencial Alto; Risco Potencial Alto e Risco Potencial Gravíssimo. Este último é o mais crítico e a cidade esteve sob este alerta por bastante tempo. A cada estágio, corresponde medidas de prevenção e contenção, nem sempre claras e seguidas como referência para a ação. 

Outra iniciativa para orientar e fomentar a transparência durante a pandemia vem do Ministério Público de Contas de Santa Catarina, MP-SC, que, entre outras ações, elaborou e divulgou uma Nota De Orientação Administrativa Circular Mpc 001/2021, sobre Medidas administrativas relativas à transparência no processo de vacinação que devem trazer prazos, critérios, mecanismos de monitoramento e indicar os “fura fila” que, ao se aproveitar de eventual falta de controle e transparência de dados da vacinação, acabam se imunizando de forma irregular. 

O MPC/SC oferece três orientações sobre a transparência de dados: 1) atualização diária, relação nominal de todas as pessoas vacinadas no dia imediatamente anterior, com identificação de nome, CPF, local onde foi feita a imunização, função exercida, vacina utilizada na imunização; 2) Incluir, na página eletrônica do Município, link específico a ser atualizado semanalmente, contendo os principais dados necessários ao acompanhamento da Cobertura Vacinal Municipal, preferencialmente sob o formato de Painel e; 3) Sugere-se a divulgação, por meio do site da Prefeitura Municipal e outros veículos oficiais, de canais para denúncia de “fura fila” da vacinação, preferencialmente via Ouvidoria. 

O MPC/SC ressalta, contudo, que essas orientações não excluem a necessidade de inclusão de dados no sistema específico disponibilizado pelo Ministério da Saúde, ou seja, que seu objetivo é ampliar a transparência pública no estado, não substituir um mecanismo por outro. 

O que podemos aprender com tudo isso é que, apesar dos riscos, desafios e incertezas associados a uma pandemia de tamanha dimensão, além das informações falsas difundidas que provocam desorientação, diversos gestores públicos, organizações privadas, acadêmicas, de terceiro setor e órgãos reguladores e de controle estão buscando promover transparência e accountability. Buscam fazer com que todas as informações possíveis sejam entregues à população, aos pesquisadores e autoridades públicas, para que as ações que estão sendo realizadas durante esse período de pandemia sejam visíveis e para que se encontre soluções para os vários problemas que enfrentamos. Ainda que tudo isso não seja suficiente para lidarmos com os desafios atuais, cabe reconhecer os erros, acertos e aprendizagens e seguir trabalhando em colaboração para que a transparência, o diálogo e a responsabilização se tornem algo contínuo e incorporado às relações entre cidadãos, governos e seus parceiros.

* Texto elaborado em agosto de 2021, pelos acadêmicos de administração pública Ana Beatriz Rodrigues, Leonardo F. G. Lima, Maria Roquelene Souza e Maiara Silva, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2021.

Referências 

FLACH, Felipe; MATOS, Marllon de; FARIA , Thiago de; KRETZER, Vitor. Uma análise sobre a transparência nos planos de vacinação: como estamos em Florianópolis. Politeia Coprodução. 2021. Disponível em: 

<https://politeiacoproducao.com.br/uma-analise-sobre-a-transparencia-nos-planos-de-vacinac ao-como-estamos-em-florianopolis/> Acesso em 12 de agosto 2021. 

SCHOMMER CHIES, Paula. Qual a importância da transparência pública no tempo de pandemia? Politeia Coprodução. 2020. Disponível em: 

<http://politeiacoproducao.com.br/qual-a-importancia-da-transparencia-publica-no-tempo-de -pandemia-o-caso-da-prefeitura-de-florianopolis-que-construiu-um-mecanismo-de-transparen cia-mas-tomou-decisoes-questionaveis-durante-a-sua-ope/> Acesso em 24 de agosto 2021. 

OPEN KNOWLEDGE BRASIL. Disponível 

em:<https://ok.org.br/projetos/transparencia-covid-19/>Acesso em: 12 de agosto de 2021. COVIDÔMETRO FLORIPA. Disponível em: <https://covidometrofloripa.com.br/>

Acesso em: 12 de agosto de 2021. 

ISUS. Disponivel em:<https://i.sus.ce.gov.br/> Acesso em: 12 de agosto de 2021 Elmo. Disponivel em:<https://sus.ce.gov.br/elmo/> Acesso em: 12 de agosto de 2021

A Associação dos Pacientes Renais de Santa Catarina e como a prestação de contas pode ser aliada para a credibilidade de organizações da sociedade civil

Por Guilherme Zomer, Juventino Neto, Luã Costa e Nathan Vieira*

Muitos veem a prestação de contas como uma formalidade burocrática, porém ela pode ter uma grande importância para as organizações da sociedade civil e ser um fator primordial para a legitimidade da organização.

SOBRE A ASSOCIAÇÃO DOS PACIENTES RENAIS DE SANTA CATARINA (APAR)

Fundada em 08 de janeiro de 1997, a Associação dos Pacientes Renais de Santa Catarina, APAR, reúne  pacientes com doenças renais crônicas do estado de Santa Catarina e procura, por meio de diversas parcerias, contribuir para a qualidade de vida de pacientes em tratamento dialítico e já transplantados.

A organização promove ações voltadas para a prevenção de doenças renais, acompanha e busca assegurar tratamento de qualidade nas clínicas de hemodiálise, entrega e apoia medicamentos básicos e de alta complexidade por parte do Sistema Único de Saúde, SUS, além de prestar serviços socioassistenciais para pacientes e suas famílias.

Dentre os projetos realizados, destacam-se as campanhas de prevenção de patologias renais, que são feitas frequentemente pela organização, visando conscientizar e informar a população sobre o tema. A organização atua por meio de  parcerias com órgãos públicos, como a Prefeitura de Florianópolis, e empresas privadas, como na ação “troco solidário”, realizada  com  supermercados, contribuindo para a  compra de alimentos  para o público atendido pela APAR. São feitas, ainda, parcerias com outras organizações da sociedade civil espalhadas por todo o Brasil, com o intuito de fortalecer o trabalho desenvolvido por essas organizações.

QUANTO À PRESTAÇÃO DE CONTAS NAS PARCERIAS COM O ESTADO

Construído ao longo de vários anos e colocado em prática desde 2014, o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) é o principal elemento a orientar e  formalização das responsabilidades e  atividades a serem desenvolvidas na parceria entre governos e OSCs e para que estas prestem  contas junto aos órgãos governamentais existentes. 

O marco regulatório, agenda política ampla que tem o objetivo de aperfeiçoar o ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado, define a prestação de contas na lei 13.019 de julho de 2014, como um procedimento em que se analisa e se avalia a execução da parceria quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade, eficiência e eficácia.

 Através da prestação de contas, pode ser verificado o cumprimento do objeto da parceria e o alcance das metas e dos resultados previstos, compreendendo duas fases: 

a) apresentação das contas, de responsabilidade da organização da sociedade civil; 

b) análise e manifestação conclusiva das contas, de responsabilidade da administração pública, sem prejuízo da atuação dos órgãos de controle.

PRESTAÇÃO DE CONTAS ALÉM DAS OBRIGAÇÕES LEGAIS

Para muitas organizações, como é no caso da APAR, a prestação de contas vai além de uma obrigação legal, ela é um caminho para legitimar as operações da organização, tanto perante aos parceiros quanto perante a população em geral. Uma prestação de contas bem feita, transparente e acessível, além de cumprir as obrigações e exigências legais, mostra para os parceiros e para a população que  se trata de uma organização séria, com credibilidade e confiável. Num país como o Brasil, em que existem diversos casos de corrupção, muitas vezes as organizações podem ser vistas como fachada, locais para lavagem de dinheiro, entre outras coisas, o que é totalmente equivocado, pois tais casos se tratam de exceções, não a regra. Mas tendo em vista que as repercussões são sempre maiores quando ocorrem essas tais exceções, elaborar uma boa prestação de contas se torna fundamental para dar credibilidade para as Organizações da Sociedade Civil.

Há também quem critique deliberadamente as OSCs simplesmente para deslegitimá-las, como fazem alguns políticos, pois essas muitas vezes são críticas e fazem controle social sobre os governos ou sobre temas sensíveis como meio ambiente, direitos humanos, entre outros. Esta é mais uma razão para as OSCs serem proativas na comunicação sobre o que fazem e como fazem. Além disso, existe uma questão de accountability e responsividade – respostas às expectativas substantivas da organização quanto a sua  causa, ao que se propõe e porque existe – que se deve buscar atender. Algo que tem a ver mais com resultados da organização do que com os processos.

 Existem uma série de plataformas que auxiliam OSCs na transparência e na prestação de contas, por exemplo: a plataforma OSC Fácil, a plataforma Bússola Social, a plataforma desenvolvida pela Sísamo, entre outras. Além disso, ainda existem instituições que auxiliam na gestão de OSCs. Por exemplo, a organização OSC Legal, uma iniciativa para o fortalecimento das Organizações da Sociedade Civil com o intuito de auxiliar no gerenciamento e nas suas relações com o setor privado e a administração pública. A OSC Legal busca isso através da promoção de trocas de experiências, da divulgação de informações úteis, da produção e da disseminação de conteúdos relacionados à gestão social e ao direito. 

Outro exemplo é o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis (ICOM), que atua auxiliando a gestão das OSCs e incentivando a participação cidadã na vida comunitária e  no terceiro setor. As principais áreas de atuação do ICOM são: apoio técnico e financeiro para OSCs; investimentos sociais na comunidade; e produção e disseminação de conhecimento. Além disso, a Instituição possui ações voltadas ao fortalecimento, capacitação, consultoria, articulação e doação de recursos para OSCs da região da Grande Florianópolis.

IMPORTÂNCIA DOS PRÊMIOS E DAS RELAÇÕES PARA ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL 

Por conta de sua importância para a sociedade e sua contribuição para a construção do bem público, as organizações sem fins lucrativos podem pleitear títulos, qualificações e certificações junto ao Poder Público, após cumprimento de alguns requisitos exigidos para tal. Esses títulos e certificações, por sua vez, podem conceder benefícios fiscais, reconhecimento público e outros incentivos à manutenção ou ampliação das atividades desempenhadas.

 Alguns títulos e qualificações que podem ser requeridos pelas organizações sem fins lucrativos no âmbito federal são o Título de Utilidade Pública Federal; o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, CEBAS; e o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, OSCIP.

Existem, ainda, premiações que destacam e certificam organizações que atuam em prol do interesse público, reconhecendo sua maturidade organizacional, transparência ou forma de atuação. Neste caso, destaca-se por exemplo o Selo Doar, idealizado pelo Instituto Doar, que legitima e destaca o profissionalismo e transparência nas organizações não-governamentais brasileiras baseando-se em eixos como estratégia de financiamento, comunicação, prestação de contas e governança.

No âmbito estadual, destaca-se a Certificação de Responsabilidade Social de Santa Catarina e o Troféu Responsabilidade Social, que em 2021 chega à 21ª Edição. Tal certificação é destinada como reconhecimento ao trabalho realizado e apresentado nos balanços sociais das organizações escolhidas. A Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) promove a certificação e premiação em parceria com uma Comissão Mista de Certificação de Responsabilidade Social, composta por representantes técnicos de órgãos públicos e da sociedade civil.

Tais honrarias, além de propiciar o reconhecimento das instituições que assumem a responsabilidade social, trazem fôlego e apoio sustentável para a manutenção dos  serviços de caráter público que as OSCs podem oferecer.   

Outra estratégia é a de formar uma rede cooperativa, como um fenômeno crescente no cotidiano das organizações, tornando-se tema de interesse de acadêmicos, empresários e gestores do setor público, setor privado e terceiro setor. 

No caso da APAR, é válido mencionar a parceria com a Associação Renal Vida, ambas associações catarinenses com interesses em comum que se juntam para fortalecer sua causa, por meio de campanhas de prevenção e divulgação de seus serviços.

Com o que foi apresentado, podemos concluir que investir tempo e dedicação na prestação de contas da organização é fundamental e essencial para que a prestação seja um instrumento que vá muito além de uma formalidade ou uma obrigação da instituição. Ela é um instrumento de credibilidade e um vetor para atrair parcerias e visibilidade para as organizações da sociedade civil. 

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Guilherme Zomer, Juventino Neto, Luã Costa e Nathan Vieira, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

ICOM. Icom Floripa, 2021. Sobre o ICOM. Disponível em: <https://www.icomfloripa.org.br/o-icom/>. Acesso em: 20 de Agosto de 2021.

OSC LEGAL. Osc Legal, 2021. Página Inicial. Disponível em: <https://osclegal.org.br/>. Acesso em: 20 de Agosto de 2021.

INSTITUTO DOAR. Selo Doar, 2021. Disponível em: <https://www.institutodoar.org/selo-doar/criterios/>.

INSTITUTO DOAR. Quem somos, 2021. Disponível em: <https://www.institutodoar.org/selo-doar/criterios/>.

GOVERNO FEDERAL. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, 2017. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/assuntos/assistencia-social/entidade-de-assistencia-social/marco-regulatorio-das-organizacoes-da-sociedade-civil-2013-mrosc>.

ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Certificado de Responsabilidade Social de Santa Catarina e Troféu Responsabilidade Social – Destaque SC, 2021. Disponível em: <http://responsabilidadesocial.alesc.sc.gov.br/>. 

O cidadão na linha de frente do combate à corrupção: o “whistleblowing”

Por Rodolfo Macedo do Prado, Débora Cristina Machado Regio e Raphael Mendonça Barros Silva *

O whistleblowing, um instrumento de combate à corrupção que estimula o cumprimento da lei, promove a participação direta do cidadão no auxílio aos órgãos de controle interno e externo, especialmente na descoberta de ilícitos. O mesmo visa receber denúncias feitas por cidadãos comuns, protegendo-os e recompensando-os por isso.
(Saiba mais sobre o Whistleblowing)

No Brasil, especialmente depois da deflagração da denominada “Operação Lava Jato”, nunca se falou tanto em combate à corrupção e na utilização de mecanismos e instrumentos jurídicos para tanto.

O instrumento aqui apresentado ainda não é utilizado no Brasil, o que nos faz refletir: será que apenas a repressão à corrupção já instalada e institucionalizada é capaz de resolver ou amenizar o desvio de verbas públicas e o interesse privado em detrimento do público? Seria hora de investirmos mais em instrumentos de prevenção dentro da gestão pública?

O controle da Administração Pública, por meio de mecanismos próprios, que podem envolver órgãos públicos ou privados, a fim de garantir mais transparência, melhor gestão, mais responsabilidade e responsividade dos agentes públicos, está carente de instrumentos jurídicos para seu auxílio.

Se, de um lado, a Administração Pública busca, através de mecanismos de accountability, trazer mais transparência, responsabilidade, responsividade e melhor gestão da coisa pública, trazendo consigo o cidadão na coprodução de controle, o Direito busca a tutela de princípios constitucionais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.

Juntos, possibilitam o combate à corrupção endêmica e institucionalizada que percebemos após a deflagração de uma série de megaoperações policiais que escandalizaram o país, derrubaram Presidentes da República e expuseram o que há de pior dos agentes públicos.

Quanto ao combate à corrupção, sem a participação do cidadão (o agente de mudança), não haverá chance de vitória ou mesmo de diminuir a alarmante sensação de impunidade que se apresenta hoje no Brasil. Um dos grandes instrumentos para expor tal situação é o whistleblowing, um instituto anglo-saxão semelhante à colaboração premiada, mas voltado ao cidadão que nada tem de relação com a prática de crimes. É, ainda, garantida uma recompensa em dinheiro e um extenso rol de garantias de ordem pessoal – como a integridade física, psicológica, laboral e financeira -, auxilia os órgãos de controle, denunciando a prática de ilícitos e apresentando provas.

Nos Estados Unidos, onde já foram recuperados mais de 26 bilhões de dólares outrora desviados e/ou recebidos de forma ilícita, os cidadãos já se utilizam do sistema de forma ampla e irrestrita, o que foi possível por 7 fatores principais:
1 a mudança na burocracia governamental;
2 leis encorajando as denúncias;
3 leis que protegem os denunciantes;
4 a mídia e os novos suportes organizacionais, como entidades não governamentais;
5 existência institucional dos pesos e contrapesos;
6 valores culturais do povo norte-americano;
7 o “onze de setembro”.

O Direito, pura e simplesmente, não dá conta do combate apenas pelos meios e instrumentos triviais. A Administração Pública, por seu turno, também não consegue, por si só, “estancar a sangria”.

A solução aqui apresentada é o diálogo entre a transparência, responsabilidade, coprodução de controle e os instrumentos jurídicos de combate à corrupção (delação premiada, acordo de leniência, whistleblowing, perda alargada, compliance anticorrupção, etc.), para que se previna e se puna  no âmbito da Administração Pública e, caso necessário, se reprima através de instrumentos jurídicos pertinentes no campo do Direito.

Em recentes manifestações, os Ministros de Estado da Casa Civil, Economia e Justiça defenderam a regulamentação do whistleblowing no Brasil, o que pode indicar que se está próximo da importação do instituto (para mais informações, veja em https://consultorpenal.com.br/sobre-moro-onyx-guedes-e-o-whistleblowing-no-brasil/). Aliás, o Ministro Sérgio Moro incluiu a regulamentação do whistleblowing em seu “Projeto de Lei Anticrime”, mas que ainda peca muito na técnica legislativa.

Muito se faz para combater a corrupção, mas será que é o suficiente? Será que a administração pública sozinha consegue dar conta de solucionar tal problema?

Sem o cidadão capacitado e amparado pela lei, o combate à corrupção está fadado ao fracasso. Para que tais mudanças ocorram, é necessário que a Administração Pública, o Direito e a Cidadania caminhem lado a lado, a fim de promover o bem-estar de todos e garantir que o certo prevaleça. 

A seguir, entrevista sobre o tema com o advogado e estudante de administração pública Rodolfo Macedo do Prado, especialista em Direito Penal Econômico.

Ouça aqui:



Referências:
Blog “Consultor Penal“;
Ações da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA);
Novas Medidas Contra a Corrupção” – Transparência Internacional e FGV Direito.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública
Rodolfo Macedo do Prado (rodolfoprado91@gmail.com), Débora Cristina Machado Regio e Raphael Mendonça Barros Silva, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018.