Por Carolini Oliveira, Débora Palma, Eliza Malheiros e Larissa Amaro *
O pantanal brasileiro registrou no ano de 2020 a maior taxa histórica de queimadas desde 1998, ano em que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) iniciou o levantamento de dados ambientais. Em 2019, foram registrados 10.025 focos de incêndio, já em 2020 o número chegou a 22.116 (INPE), um aumento de mais de 100% se comparado ao ano anterior.
Segundo Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM, 2020, s.p.), “o incêndio em florestas tropicais não é natural. Ele é causado principalmente pela ação humana alimentada por um ambiente mais seco, que faz o fogo escapar de um pasto ou de uma área desmatada, por exemplo, e entrar na mata”. Sendo assim, os principais fatores responsáveis pelas queimadas são: o aumento das atividades agrícolas e pecuaristas, a ação humana ou antrópica, aliados ao clima tropical de tempo seco (Figura 1).
Figura 1 – Principais fatores responsáveis pelas queimadas
O desmatamento e a queimada são ações vinculadas, as árvores são cortadas e retiradas da área escolhida para formação de pastagem. Em seguida, o solo é queimado como uma forma de adubagem e preparo para formação dos pastos que abrigarão a produção de bovinos. Porém, sabe-se que muitas vezes essa queimada ganha maiores proporções e dificulta o controle. Suas consequências são negativas para a região, com a perda da biodiversidade, o desequilíbrio do ecossistema, o empobrecimento do solo, além do aumento do índice de gases que ajudam no efeito estufa.
Conforme dados do Mapbiomas, a criação de pastagem no pantanal aumentou de 0,4 para 2,3 Mha, unidade em milhão de hectares, enquanto a área de floresta e savana diminuiu de 5,7 para 4,3 Mha, entre os anos de 1985 a 2019. Acompanhando essa linha do tempo, temos as multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). De acordo com informações divulgadas pelo Poder360 a partir de análise de dados do Instituto, as autuações do órgão são as menores dos últimos 21 anos. De janeiro a maio de 2020, ocorreu uma queda de 54% no número de multas em relação ao ano anterior, sendo que 2019 já havia registrado o menor número desde 2000. Além disso, o número de fiscais ambientais do órgão caiu pela metade nos últimos 10 anos.
Pode-se dizer que a diminuição da fiscalização de crimes ambientais está atrelada aos cortes orçamentários realizados nas instituições responsáveis por essa função, o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Em comparação ao último mandato, do presidente Michel Termer (MDB), o projeto orçamentário de 2021 prevê um corte de 25,4% em ações de controle e fiscalização ambiental, além de 37,6% para prevenção e controle de incêndios florestais nas áreas federais prioritárias.
Outro importante aliado do Meio Ambiente no Brasil é o INPE, responsável por realizar pesquisas, monitoramento e disseminação de dados. Juntamente com o IBAMA, o INPE lançou o Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional (CIMAN), uma plataforma que monitora as queimadas e focos de incêndio em todo o país com a integração de dados de satélites de informação, fotos e detalhes das equipes que estão em campo combatendo o fogo, em tempo real.
O INPE é uma peça-chave para o controle do desmatamento e queimadas. Os dados gerados pelo Instituto são de suma importância para os planos de ação. Porém, diante de dados sobre o aumento do desmatamento no Brasil publicados pelo INPE, o atual Presidente da República afirmou que os dados não condizem com a realidade e colocou em xeque a imagem do órgão.
Conforme Art. 41 da Lei 9.605/1998, que dispõe sobre “sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente” (BRASIL, 1998), provocar incêndio em mata ou floresta é crime ambiental:
Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.
De acordo com o Código Penal Brasileiro:
Art. 18 – Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime doloso (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Percebe-se uma abertura para a exploração dos recursos naturais perante as ações realizadas pelo atual governo, com corte no orçamento, falta de fiscalização, e quase nenhuma responsabilização, chegando a ser irrisória arrecadação de apenas 5% das multas aplicadas pelo órgão responsável. A responsabilização ambiental é um ponto de vulnerabilidade em nosso sistema penal. Grandes crimes ambientais vêm ocorrendo ano após anos e pouco se vê sobre o comprometimento com os danos irreparáveis causados.
Na contramão desse descaso, as organizações da sociedade civil juntamente com o apoio da comunidade local e universidades mobilizam recursos para conter as chamas, cuidar dos animais feridos e dar apoio às famílias afetadas pelo fogo, como é o caso da Missão Gralha Azul.
O envolvimento de diversos atores, do local ao global, mostra-se crucial para enfrentar o desafio das mudanças climáticas.
Bill Gates, empresário mundialmente conhecido, trouxe em 2021 questionamentos sobre a ação do homem no meio ambiente e o futuro do planeta Terra no livro intitulado “How to avoid a climate disastear”. O livro descreve cinco pontos para trilhar o caminho para evitar os desastres climáticos, são eles: compromisso governamental, compromissos corporativos, mudanças de comportamento, inovação e tecnologia e redução do “ágio verde” (Figura 2).
Figura 2 – Livro “How to avoid a climate disastear”
Em resumo, o enfrentamento da crise climática, agravada pelas queimadas, passa pela coprodução do bem público, com envolvimento direto e ativo do cidadão nas iniciativas comunitárias e no processo de elaboração, implementação e avaliação de políticas públicas. E pela governança colaborativa, processo por meio do qual diversos atores buscam solucionar problemas coletivos complexos, gerando valor público a partir de conexões e interações em um sistema de redes.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Carolini Oliveira, Débora Palma, Eliza Malheiros e Larissa Amaro, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.
REFERÊNCIAS:
BRANT, Danielle; MACHADO, Renato. Apesar de incêndios, governo corta orçamento do Ibama e ICMBio em 2021. Valor Econômico, 13 set. 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/13/apesar-de-incndios-governo-corta-oramento-do-ibama-e-icmbio-em-2021.ghtml. Acesso em: 10 mar. 2021.
BRANT, Danielle; MACHADO, Renato. Bolsonaro critica diretor do INPE por dados sobre desmatamento que prejudicam nome do Brasil. Folha de São Paulo, 19 jul. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/07/bolsonaro-critica-diretor-do-inpe-por-dados-sobre-desmatamento-que-prejudicam-nome-do-brasil.shtml. Acesso em 11 mar. 2021.
BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 10 mar. 2021. Acesso em: 10 mar. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9605.htm. Acesso em: 10 mar. 2021.
CIMAN. Centro Integrado Multiagências de Coordenação Operacional. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/ciman/. Acesso em: 10 mar. 2021.
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Programa Queimadas – Monitoramento dos Focos Ativos por Estado. Disponível em: http://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/portal-static/estatisticas_estados/. Acesso em: 10 mar. 2021
MALI, Tiago. PINTO, Paula Silva. Ibama aplica o menor número de multas em 21 anos. Poder 360, 24 jun. 2020. Disponível em: https://www.poder360.com.br/governo/ibama-aplica-o-menor-numero-de-multas-em-21-anos-m/. Acesso em: 10 mar. 2021.
MAPBIOMAS. 17,5% do Brasil já queimou pelo menos uma vez em 20 anos. 03 dez. 2020. Disponível em: https://mapbiomas.org/175-do-brasil-ja-queimou-pelo-menos-uma-vez-em-20-anos-2. Acesso em: 10 mar. 2021.
MAPBIOMAS. PANTANAL Evolução anual da cobertura e uso da terra (1985-2019). Disponível em: https://mapbiomas-br-site.s3.amazonaws.com/Infograficos/Colecao5/MBI-Infograficos-pantanal-5.0-BR-rev.jpg. Acesso em: 12 mar. 2021.
MENDONÇA, Gustavo Henrique. Queimadas no pantanal. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/queimadas-no-pantanal.htm. Acesso em: 10 mar. 2021.
THE INTERCEPT BRASIL – Maiores desmatadores da Amazônia. 31 jan. 2020. Disponível em: https://theintercept.com/2020/01/31/maiores-desmatadores-amazonia/. Acesso em 12 mar. 2021.
Para saber mais:
Webinar: Pantanal uma discussão necessária.