Processo eleitoral brasileiro – você confia?

Como a polêmica voto de papel versus urna eletrônica pode minar a confiança na democracia e de que forma contrapor esse risco.

Por Joanna Daudt Prieto Farias, Lorenzo Scheidt Breda e  Thiago Guerra de Gusmão*

A cada dois anos temos eleições no Brasil e, esperançosos ou não com a “festa” da democracia, todos nós precisamos nos dedicar a fazer uma boa escolha ou nos esquivar dela. Se, por um lado, isso não é novidade, o que surpreende é a recorrência da preocupação com esse tema no dia-a-dia dos brasileiros. Mesmo em meio a uma pandemia, com diversos assuntos que têm impacto no curtíssimo prazo, muito já se conversa sobre as eleições de 2022.

As eleições no Brasil vêm sendo realizadas por meio de urnas eletrônicas desde 1996, o que não é uma exclusividade nossa, pois outros 15 países possuem processo informatizado – que é recorrentemente criticado pelo Presidente Jair Bolsonaro. Apesar de ser um ferrenho crítico dessa forma de votação, seja ou não de forma fantasiosa, o Presidente (que afirma ter provas de fraudes nas eleições de 2018, mas nunca as apresentou) não é o primeiro a questionar a confiabilidade das urnas.

Na minirreforma eleitoral de 2015, elaborada pelo Congresso Nacional durante o mandato da ex-presidente da república Dilma Rouseff, foi proposta a impressão do voto para conferência do eleitor – Art. 12 da Lei n. 13.165, de 29 de setembro de 2015. O que é semelhante ao que Jair Bolsonaro propõe ao afirmar que trabalhará junto ao Congresso para aprovação de um novo “sistema eleitoral confiável”, que contaria, além da impressão do comprovante do voto, com uma segunda urna para este ser depositado.

O Supremo Tribunal Federal (STF), entretanto,  decidiu de forma liminar em 2018 e definitiva em 2020 que a impressão do voto para conferência do eleitor seria uma medida que violaria o sigilo do voto, ferindo uma cláusula pétrea e sendo, portanto, inconstitucional.

Para reflexão: até que ponto faz sentido que um princípio constitucional, o sigilo do voto, possa limitar a transparência do processo eleitoral e que o cidadão consiga entender o que ocorre "de fato" com o seu voto?

Seja qual for a resposta, em algumas cidades do Brasil – nas eleições de 2002 e de forma experimental – já houve voto impresso junto com o voto na urna eletrônica. Além de tornar o processo mais caro e demorado, os eleitores que participaram do teste não sentiram que a eleição ficou mais confiável e a classificaram como “confusa”.

Na antiguidade, na Ágora grega, os cidadãos manifestavam seu direito de forma explícita por meio da fala, em um único ambiente. Isso ainda ocorre em alguns tipos de votação de representantes políticos, como no Congresso, em Câmaras de Vereadores e Conselhos. Mas o voto do cidadão passou a ser secreto. Conquista essa que abre margem para questionamentos sobre a apuração.

Um exemplo recente de controvérsia na apuração  ocorreu em nosso País, na eleição para a presidência do Senado Federal de 2019, quando foram contabilizadas 82 cédulas de papel na votação – enquanto possuímos apenas 81 senadores – mesmo sendo acompanhada ao vivo por diversos canais de comunicação. 

A questão central do tema não deveria ser se o voto é eletrônico, de papel, por correio ou por ‘fumaça’ – se assim fosse possível votar. O que de fato interessa é se existe alguma verificação que garanta, não apenas que aquele voto do cidadão foi computado, mas também que foi para o candidato por ele escolhido.

A certeza de que a escolha do eleitor foi computada corretamente estabelece uma relação de confiança entre o cidadão e o sistema eleitoral, que fortalece um dos instrumentos basilares da democracia: o voto. A partir dele também há elo entre o eleitor e o candidato – representante e representado.

Cabe sempre lembrar que o poder é do povo, que delega responsabilidades para que outrem faça valer a sua vontade. Daí a importância de que haja uma relação transparente e de confiança entre as partes, pois se fraudes são passíveis de acontecer em todos os lugares, o importante é que seja possível, se não preveni-las, ao menos minimizá-las e – caso venham a ocorrer – identificá-las, para então remediá-las e puni-las.

Certo nível de erro é inclusive aceitável – um provérbio que sintetiza bem isso é “o ótimo é inimigo do bom”. Como todo sistema é passível de  falhas, sempre há um certo grau de risco e por vezes não vale a pena buscar melhorias por conta do alto custo de oportunidade. 

Vale mencionar uma declaração dada a respeito da última eleição americana, que contou com número recorde de eleitores pelos correios e que ficou conhecida pelos questionamentos dos derrotados sobre a  apuração. Donald Trump, candidato à reeleição vencido por Joe Biden, afirma que houve fraude e moveu uma série de processos questionando o resultado das eleições. Sem provas contundentes, a Suprema Corte rejeitou vários recursos e o Secretário de Justiça dos Estados Unidos declarou em dezembro do último ano que “até a data, não vimos fraudes em uma escala que pudesse ter dado à eleição um resultado diferente”.

Atualmente, no Brasil, o nível de confiança do cidadão no processo eleitoral está mais baseado em uma espécie de ‘confiança na instituição’ – no caso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do que na compreensão ou na transparência do processo de apuração dos votos.

É razoável pensar que a participação mais ativa  de outros atores envolvidos – para além da Justiça Eleitoral, dos partidos políticos e dos eleitores – possa melhorar a transparência do processo eleitoral brasileiro como um todo, o que pode ser feito, por exemplo, por meio de debates abertos sobre riscos e caminhos para minimizá-los, bem como  auditorias. 

O mais importante é que o processo eleitoral seja transparente e a apuração do sistema eleitoral seja a mais fidedigna possível. Entretanto, alegações de fraudes sem provas e críticas desacompanhadas de debates profundos acerca das urnas eletrônicas minam a confiança no sistema como um todo. Enfraquecem, para além da instituição Tribunal Superior Eleitoral, a nós cidadãos, ao debilitar o principal instrumento de nossa recente democracia.

De qualquer forma, a intenção é que as participações e questionamentos, para além de interesses legítimos ou puramente eleitorais, venham somar ao processo e contribuam para  tornar as eleições algo mais fácil de ser compreendido. Por meio de um debate qualificado e responsável, voltado a aprimorar os diversos elementos do processo de votação e apuração, articulando e engajando os atores públicos e a sociedade, poderemos seguir nessa tarefa permanente de construir a confiança necessária para o avanço da democracia, com  mais legitimidade ao processo eleitoral brasileiro.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Joanna Daudt Prieto Farias, Lorenzo Scheidt Breda e  Thiago Guerra de Gusmão, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS

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SHALDERS, André. Eleição do Senado: como foi a conturbada disputa que deu vitória a Davi Alcolumbre. BBC, 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47098597. Acesso em: 16 fev 2021.

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VALOR. Secretário de Justiça de Trump diz que não há evidência de fraude eleitoral. Valor Econômico, 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/12/01/secretario-de-justica-de-trump-diz-que-nao-ha-evidencia-de-fraude-eleitoral.ghtml. Acesso em: 21 jan 2021.

Para se aprofundar no tema:
Fragilidades do sistema de voto eletrônico
Possibilidades de auditoria da votação eletrônica
Teste Público de Segurança feito pelo TSE