O que a tecnologia tem a ver com gestão e fiscalização das frotas de veículos de órgãos públicos?

Por Paloma Pietra Guerra, Gabriel Mendonça de Faria, João Victor Hoffmann e Matheus Pimentel*

Segundo a ONG Contas Abertas, o uso de carros oficiais custa em média R$ 1,6 bilhão por ano aos cofres públicos federais no Brasil. Em setembro de 2019, por meio de auditoria interna encomendada pelo Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, foram identificados gastos na casa dos R$39 milhões com gasolina e com manutenção de veículos inutilizados do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Os gastos com veículos são necessários para a realização das atividades públicas, como o custeio de viagens rodoviárias, passagens, manutenção de veículos e imprevistos suscetíveis a órgãos que mantém sua própria frota de veículos. Mas será que esses gastos estão sendo gerenciados da melhor forma?

Esse foi o tema abordado na aula de accountability e compras públicas, na disciplina de Sistemas de Accountability, ministrada pela Prof. Paula Schommer no curso de graduação em administração pública da Udesc Esag. Nesse encontro, os convidados Everton Rosa de Jesus e Daniel Luiz de Maman apresentaram a inovação e a tecnologia como formas de melhorar a gestão e fiscalização dos gastos públicos relacionados a frotas das entidades públicas.

Estudos e práticas recentes no Brasil mostram que, para muitas atividades, não é vantajoso ao serviço público manter seus carros próprios, arcando com a depreciação desses ao longo do tempo, custos com “documentação”, manutenção mensal e, ainda, custos com motoristas e combustível.

A partir da tecnologia que temos hoje e a inovação compreendida em aplicativos de viagem como Uber, 99 POP, Cabify e TaxiGov, parece ser hora de repensar a forma do governo gastar com seus veículos. O TaxiGov, por exemplo, está disponível para o uso de servidores públicos federais desde  2017 e já trouxe uma economia estimada de 22 milhões de reais aos cofres públicos.

Considerando esse cenário, os excessivos gastos com as frotas dos órgãos públicos e suas implicações podem ser vistos como um problema público que merece atenção. A tecnologia parece um bom meio para ajudar o serviço público a lidar com essa questão.

Entende-se a tecnologia como meio para uma melhor gestão e para a fiscalização. Assim, contribuindo para o bom planejamento dos gastos com transparência. Dentre os tipos de tecnologia, vislumbra-se em aplicativos e sistemas de gestão de frota uma saída inovadora para os desafios de gerenciamento de frotas públicas.

Conforme apresentado no programa “Nas Entrelinhas”, da Rádio Udesc, atualmente, no estado de Santa Catarina, 27 prefeituras contam com o GAX – Sistema de Gerenciamento de Frotas, incluindo a de Florianópolis. Desenvolvido pela 3ia.com, o sistema compreende, em uma única interface, todo o gerenciamento de gastos com  os veículos de uma mesma frota, permitindo o planejamento de todas as viagens relacionadas à frota.

Ilustração do GAX Sistema de Gestão de Frotas: Dados disponíveis para o gestor
Fonte: 3ia.com. 2019.

Atualmente, as informações advindas do sistema ficam somente disponíveis aos gestores das frotas. Em Santa Catarina, o município de São Miguel do Oeste já torna essas informações transparentes à população, algo que pode ser seguido pelas demais, uma vez que haja demanda e interesse da cidadania e dos gestores para que isso aconteça.

Assim, a tecnologia proporciona uma tomada de decisão mais precisa e transparente pelo gestor público, o qual é provocado por uma accountability (relacionada à responsabilidade subjetiva (Pinho e Sacramento, 2009; Trosa, 2001), isto é, uma cobrança que este exerce sobre si mesmo quanto à necessidade de prestar contas da maneira correta diante das informações que lhe são colocadas em mãos. Ao mesmo tempo, a cidadania pode demandar e utilizar informações precisas e confiáveis para também controlar a gestão pública e contribuir para o aprimoramento das decisões.

Sob a lógica apresentada, pode-se concluir que a tecnologia e a inovação que permeiam a nova dinâmica social podem ser utilizadas como mecanismos para a diminuição dos gastos públicos e a criação ou aumento da transparência e do controle sobre os gastos com a gestão da frota de veículos na administração pública. Tais premissas são corroboradas pela abordagem de orientação proposta por Amitai Etzioni (2009) para a accountability ou responsabilização, na qual se destaca a importância de coalizão, neste caso entre governos, empresas e cidadãos, para a formulação de alternativas inovadoras para resolução de problemas públicas.

Nesse sentido, pode-se discutir a respeito do papel do mercado junto ao setor público. A iniciativa privada pode desenvolver de maneira mais eficiente soluções inteligentes, enquanto isso o governo pode atuar como financiador, parceiro ou investidor, como defende Mazzucato (2014), na busca por integração de soluções privadas com o setor público, visando sua atualização e trazendo novas oportunidades a serem exploradas.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Paloma Pietra Guerra, Gabriel Mendonça de Faria, João Victor Hoffmann e Matheus Pimentel, na disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.

Referências

ETZIONI, A. Concepções alternativas de accountability: o exemplo da gestão da saúde. In: HEIDEMANN, F.G.; SALM, J.F. (orgs.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: UnB, 2009. p. 287-301

MAZZUCATO, Mariana. O Estado Empreendedor: desmascarando o mito do setor público vs. setor privado. Portfolio-Penguin, 2014.

PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, v. 43, n. 6: 1343-68, nov./dez. 2009.

TROSA, Sylvie. Gestão pública por resultados: quando o Estado se compromete. Brasília: Enap, 2001.