Por Flávio Facha Gaspar e Vinicius Fernandes Sousa Pereira*
Todo o processo de transformação implica em tensões, mudanças de interesses, deslocamento do centro de poder e decisão. Um espaço no qual podemos observar esses elementos na área da educação é o das Instituições de Ensino Superior (IES).
Nesta breve reflexão, buscamos analisar como os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABIs) podem se constituir como indutores na criação da cultura por transparência, produção, aperfeiçoamento e tratamento de dados sobre as populações afrodescendentes, quilombolas, indígenas e ribeirinha no ensino superior.
Para isso, abordamos um pouco da história dos NEABIs e apresentamos a abordagem da accountability social e sua relação com esses Núcleos, enquanto produtores de conhecimento e demandantes de informações, bem como sua influência e participação na formulação de políticas públicas e na vigilância e controle social. Finalmente, analisamos em que medida os NEABIs poderiam ser considerados como indutores na criação da cultura da transparência nas IES.
Os Núcleos de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas (NEABIs)
A história dos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) teve início em 1959, desde sempre vinculados às IES no Brasil. O pioneiro foi o Centro de Estudo Afro-Orientais (CEAO), criado em 1959, na Universidade Federal da Bahia (UFBA). No ano 2000, houve a criação da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), e o primeiro Congresso Brasileiro de Pesquisadores/as Negros/as (COPENE).
Os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (NEABs) mais tarde passaram a ser chamados de Núcleos de Estudos Afro-brasileiro e Indígenas (NEABIs), com o acréscimo da letra I de Indígenas. Os NEABIs “são núcleos que produzem conhecimentos no âmbito do Ensino, da Pesquisa e da Extensão sobre África, diáspora africana, afro-brasileiros e indígenas, além de manterem diálogos permanentes com Black Studies das Américas, África e outros continentes” (NEABI – UNIPAMPA, 2010).
Em algumas universidades públicas, privadas e regionais, a nomenclatura NEAB permanece, porque, dependendo da região, estado e município, cada instituição tem a sua particularidade. No entanto, os núcleos provêm do mesmo movimento de organizações. Portanto, NEAB ou NEABI, ambas possuem no seu bojo a produção de conhecimento sobre as populações africanas, afrodescendentes, indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
Atualmente, existem em torno de 191 NEABIs, Núcleos de diversidades e outros correlatos, que têm em seu horizonte o trabalho para diminuição das desigualdades raciais e étnica em todo o Brasil (NEAB/UDESC, 2018).
Os NEABIs são relevantes articuladores e impulsionadores para implementação das Leis Federais 10.639/2003 e 11.645/2008, que versam sobre as culturas Africanas e afro-brasileiras e indígenas no Ensino Brasileiro em escolas públicas e privadas.
Podemos observar diversos pilares de atuação em diferentes setores, mas em prol de um objetivo comum. A exemplo do NEAB/UDESC e o Coletivo Negro Guerreiro Ramos (CNGR/Esag), que demandam dados sobre estudantes afro-brasileiros, indígenas e pardos, pois esses dados não estão disponíveis para acesso. A obtenção desse tipo de dado é fundamental para a realização e o aprimoramento da gestão e das políticas públicas referentes ao tema.
Ademais, buscam fomentar discussões sobre o assunto no âmbito universitário, visto que muitas vezes a própria universidade não toma à frente das discussões e acaba por delegar essa função aos NEABIs. Já em outras universidades, como é o caso da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), existe uma pró-reitoria da diversidade com foco na abordagem destes assuntos, demonstrando a relevância que a instituição atribui a essas agendas.
Accountability social e a atuação dos NEABIs
O conceito de accountability social está ligado à forma pela qual o estado se relaciona com a sociedade. Dentro desta abordagem, existem várias maneiras e ferramentas do modo como se operacionaliza, através de controle, mobilização social etc. A accountability social busca contribuir para, a partir dos cidadãos que demandam e colaboram com os agentes públicos, tornar os governos mais responsivos diante das demandas da sociedade (PERUZZOTTI e SMULOVITZ, 2006).
Como produtores de estudos e conhecimento, os NEABIs têm produzido já há algum tempo sobre variadas temáticas como: a saúde da população negra no Brasil, a inserção de indígenas no mercado de trabalho a título de exemplo. Essas produções contribuem para os debates mais qualificados e ajudam na formulação de políticas públicas, tecnicamente embasados e mais assertivas.
Enquanto um ator que demanda informações, estão vinculados, por exemplo, aos pedidos de informações detalhadas nas IES sobre quantidade de pessoas negras/pardas e indígenas nas universidades e como está sendo a passagem desses sujeitos na academia com o fito de entender melhor o seu processo formativo.
Como um ator com participação ativa, estamos querendo dizer que os NEABIs participam na formulação de leis, normativas e políticas públicas.
Enquanto uma instituição de controle social e vigilância, os NEABIs contribuem, por exemplo, em situações em que há fraudes no sistema de cotas nas IES.
Ao observarmos os NEABIs e sua atuação na arena dos IES, e tendo em conta a abordagem da accountability social, podemos concluir que os NEABIs se constituem como atores relevantes nas mudanças de paradigmas no ensino superior brasileiro.
A atuação desses Núcleos pode induzir a maneira como as Pró-reitorias e outras instâncias nas universidades públicas e privadas lidam com a questão do ensino da história e cultura Africana e Afro-brasileira, a implementação de políticas de ações afirmativas e diversidade. Os NEABIs também produzem conhecimento sobre esses sujeitos e sua inserção na faculdade.
Os NEABIs têm o poder para se articular com núcleos em todas as partes do país com o intuito de troca de experiência e conhecimento baseados na forma de atuação única de cada unidade e sua importância para a sociedade universitária.
Desta feita, finalizamos dizendo que a accountability social, enquanto base analítica, contribuiria para o entendimento e aprofundamento dos NEABIs como um ator primacial na democratização do ensino no Brasil.
*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Flávio Facha Gaspar e Vinicius Fernandes Sousa Pereira, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.
Referências
Universidade Federal do Pampa – UNIPAMPA. Link: https://sites.unipampa.edu.br/adafi/neabis/historia-dos-neabs/. Acesso em 27/11/2022.
Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/proec/neab. Acesso em 25/11/2022.
Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as – ABPN. Disponível em: https://abpn.org.br/conneabs-2/ . Acesso em 24/11/2022.
Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros – NEAB/UDESC. Disponível em: https://www.udesc.br/neab/biblioteca . Acesso em 23/11/2022.
PERUZZOTTI, Enrique; ENRIQUE, Catalina. Social Accountability: An Introduction. University of Pittsburgh Press, Pennsylvania – USA, 2006.
Coletivo Negro Guerreiro Ramos – CNGR. Localizada na Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc /Esag.