Governo aberto e coprodução como mecanismos para o aprimoramento dos serviços públicos

Por Monyze Weber, Júlia Merlo, Ana Cláudia Savoldi, Renan Berka*

Após três décadas de avanços em participação cidadã, transparência da gestão pública e ampliação do acesso e da qualidade de serviços públicos, o Brasil e seus entes federados vêm enfrentando desafios para manter e ampliar conquistas nessas áreas.

Estudo conduzido por Michener, Contreras e Niskier (2018) sobre a implementação da Lei n. 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação, LAI (BRASIL, 2011), evidencia que há muitos avanços em transparência no Brasil, porém os “políticos estaduais e municipais majoritariamente valorizam a opacidade em detrimento da transparência”(MICHENER; CONTRERAS; NISKIER, 2018, p. 613).

A transparência é “um importante instrumento da democracia e, ao passo que reduz os segredos de Estado, amplia o exercício da cidadania, enquanto a cultura do segredo, de forma inversa, fragiliza a democracia” (OLIVEIRA; PFAFFENSELLER; PODESTÁ JÚNIOR, 2019, p. 61). Para que a transparência se consolide, é necessário que se torne algo valorizado pelos cidadãos e pelos agentes públicos, e que o Estado e seus parceiros implementem mecanismos e instrumentos de transparência, acesso a dados e informações, uma vez que

[…] A diminuição da opacidade administrativa propicia maior possibilidade de conhecimento do cidadão sobre a res pública. Com a informação disponível e clara sobre o ente público, o cidadão pode controlar os atos da Administração Pública e estar mais preparado para exercer seu direito de participação (VAZ; RIBEIRO; MATHEUS, 2010, p. 50)

Uma importante iniciativa em relação a esse tema é o fomento da política pública de governo aberto. A Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) foi lançada em 2011 com o objetivo de difundir e incentivar, globalmente, práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social (OGP, 2011). Em 2016, a OGP lançou o “Programa Piloto de Governos Subnacionais”, envolvendo 15 participantes, entre eles, a Prefeitura de São Paulo. Já Santa Catarina foi o primeiro estado brasileiro a integrar a OGP, na edição lançada em 2020.

A OGP, além de favorecer valores e práticas democráticas, parte do reconhecimento de que os problemas complexos da atualidade não podem ser resolvidos apenas pelos governos. Cidadãos, organizações da sociedade civil, academia e empresas privadas podem ser parceiros na busca de soluções para os problemas públicos. O cidadão não é apenas contribuinte, beneficiário de uma política ou usuário de um serviço, é também alguém que pode participar da ampliação do acesso e da qualidade dos serviços públicos (FREITAS; DACORSO, 2014).

Além de mecanismos e iniciativas que fomentem a transparência e a participação social, cabe fomentar o envolvimento de servidores e gestores dos órgãos e entidades do poder público. Essas iniciativas inovadoras muitas vezes não são “políticas legalmente implementadas” ou “não constam em lei”. Ainda que haja previsões legais, é necessário engajamento e construção de uma cultura de governo aberto à interação com os cidadãos.

Sobre mudanças e o contato com o novo, Feitosa e Costa (2016, p. 2) dizem que “mudanças costumam trazer incertezas e turbulências no ambiente organizacional que podem gerar resistências decorrentes da retirada do indivíduo de uma situação conhecida para uma situação desconhecida, o que afeta o seu comprometimento para com a instituição”. Uma alternativa para lidar com os desafios de construir novas soluções e relações é a cocriação e a coprodução de serviços públicos, envolvendo diferentes atores no setor público e na sociedade. O trabalho conjunto é uma forma de minimizar o choque frente a realidades e desafios novos, compartilhando-se conhecimentos e recursos em rede, o que pode gerar novos modos de trabalhar e alcançar mais eficiência e legitimidade, com soluções mais ajustadas às necessidades e recursos existentes em cada contexto.

Uma iniciativa nesse sentido é a #ACT4delivery, organização sem fins lucrativos idealizada por uma rede de profissionais que identificaram a potencialidade de diferentes atores em coproduzir serviços públicos a partir da formação, pesquisa, aprendizagem e trabalho conjunto.

De acordo com Júnior (2016, p. 11), “o conceito de coprodução cria novos parâmetros para a entrega de serviços públicos que, até então, na visão tradicional do modelo de produção pública, deveriam ser produzidos exclusivamente por agentes públicos”. Diversos textos e autores abordam a coprodução como mecanismo e alternativas para diversos serviços. Esses e muitos outros exemplos mostram que uma prestação de serviços com qualidade e excelência pode vir por meio de parcerias.

A #ACT4delivery está desenvolvendo o curso “A Prática da Coprodução de Serviços Públicos e Accountability” o qual tem como finalidade mobilizar servidores públicos e organizações que estão resolvendo problemas complexos de provisão de serviços públicos que requerem a colaboração de múltiplos atores, ajudando a resolução de seus problemas por meio de ferramentas que os possibilitem entender como a coprodução tem potencial para a resoluções de diversos problemas.

As visões e abordagens dentro da administração pública tem mudado, incluindo novas formas de se ver o serviço público, bem como os mecanismos e formas de se relacionar e criar redes. Com elas, surge a oportunidade para que mais pessoas envolvidas com a administração pública reformulem modos de pensar a atuar, abrindo espaço para novos conhecimentos e metodologias como forma de aprimorar os processos já existentes.

Dentro dos governos, já existem muitos servidores e agentes que promovem mudanças e conexões, e percebem seu papel para alcançar patamares mais ousados em governo aberto e coprodução. Processos como o da OGP podem estimular conexões entre servidores públicos, internamente, e deles com organizações e pessoas fora dos governos, contribuindo para aprimorar a gestão e os serviços públicos. Para os céticos, vale conferir o Guia da OGP para céticos em governo aberto, que mostra resultados concretos e exemplos em várias áreas e países.

Embora já tenhamos muitos avanços em transparência e participação, ainda há muito o que avançar, desde meios para contrapor resistências internas de servidores, resistências de políticos à transparência e ameaças à democracia na atualidade. As iniciativas de parceria e coprodução, como as da ACT4delivery e da OGP junto ao governo de Santa Catarina e seus parceiros mostram que transparência, participação, abertura e colaboração são caminhos relevantes para construir pontes, relações e resultados.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Monyze Weber, Júlia Merlo, Ana Cláudia Savoldi e Renan Berka no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.

REFERÊNCIAS

BORGES JÚNIOR, José Martins. A coprodução de serviços públicos na perspectiva do cidadão: um estudo no distrito federal brasileiro. 2016. 73 f. Monografia (Especialização) – Curso de Administração, Departamento de Administração, Universidade de Brasília, Brasília, 2016. Disponível em: https://bdm.unb.br/bitstream/10483/16019/1/2016_JoseMartinsBorgesJunior_tcc.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.

BRASIL. Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011. Dispõe sobre o acesso à informação –LAI. BRASIL. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 19 ago. 2021.

FEITOSA, Lívia Vanessa dos Santos; COSTA, Carlos Eugênio Silva da. Inovações no setor público: a resistência à mudança e o impacto causado no comportamento do indivíduo. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE GESTÃO DE PROJETOS, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE, 5., 2016, São Paulo. Anais do V SINGEP. São Paulo: Singep, 2016. v. 5, p. 1-16. Disponível em: https://singep.org.br/5singep/resultado/191.pdf. Acesso em: 20 ago. 2021.

FILGUEIRAS, Fernando. Além da transparência: accountability e política da publicidade. Lua Nova : Revista de Cultura e Política, [S.L.], n. 84, p. 65-94, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ln/a/3Z88sCrZZbTrnKy5SW6j6MK/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 10 jul. 2021.

FREITAS, Rony Klay Viana de; DACORSO, Antonio Luiz Rocha. Inovação aberta na gestão pública: análise do plano de ação brasileiro para a open government partnership. Revista de Administração Pública, [S.L.], v. 48, n. 4, p. 869-888, ago. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/WHwnb95TWysQcnCQjvtsF3B/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 19 ago. 2021.

MICHENER, Gregory; CONTRERAS, Evelyn; NISKIER, Irene. Da opacidade à transparência? Avaliando a Lei de Acesso à Informação no Brasil cinco anos depois. Revista de Administração Pública, [S.L.], v. 52, n. 4, p. 610-629, ago. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rap/a/xJVxcSMSQpQ5qvjBsV7z7ph/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 30 jun. 2021.

OPEN GOVERNMENT PARTNERSHIP (comp.). What’s in the 2020 Action Plans: Discover trends, promising commitments, and more from the latest round of OGP action plans. Disponível em: https://www.opengovpartnership.org/whats-in-the-2020-action-plans/. Acesso em: 12 jun. 2021.

OLIVEIRA, Alan Santos de; PFAFFENSELLER, Ana Claudia de Almeida; PODESTÁ JUNIOR, Arnaldo. Mecanismos de participação política, fiscalização e controle: o papel das ouvidorias e da lei de acesso à informação como instrumentos de comunicação governamental, transparência e publicidade. Revista Científica da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman, [s. l], v. 2, n. 2, p. 55-69, 2019. Disponível em: http://www.abonacional.org.br/files/revista-abo_2019_web.pdf. Acesso em: 23 jun. 2021.

VAZ, José Carlos; RIBEIRO, Manuella Maia; MATHEUS, Ricardo. DADOS GOVERNAMENTAIS ABERTOS E SEUS IMPACTOS SOBRE OS CONCEITOS E PRÁTICAS DE TRANSPARÊNCIA NO BRASIL. Democracia e Interfaces Digitais para a Participação Pública, [s. l], v. 9, n. 1, p. 45-62, 2010. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/5111/3700. Acesso em: 20 ago. 2021