Por Emilly Rosa, João Gabriel Almeida, Pabola Mafissoni e Felipe Serpa*
O Brasil é um dos países com maiores índices de violência e criminalidade do mundo (exemplo disso na Figura 1, de um estudo global sobre homicídios). A ação dos órgãos de segurança pública não é suficiente para dar conta do desafio. A coprodução de serviços públicos é uma forma de envolver o cidadão, juntamente com profissionais da área, para que seja possível enfrentar os variados problemas que temos em segurança pública.
Figura 1 Taxa de homicídio por país | Fonte: Revista Época – Estudo Global sobre o Homicídio 2013.
Muitos podem pensar que a coprodução está longe da nossa realidade e que ela pode trazer riscos e dilemas, sobretudo quando se trata de segurança pública. No entanto, nesse texto vamos desmistificar alguns receios comuns e buscar explicar de forma didática sobre essas ações.
O que é coprodução?
A coprodução de bens e serviços públicos ocorre quando o servidor público ou profissional de certa área atua em conjunto com o cidadão-usuário dos serviços e a comunidade para que, nessa junção, ocorra a sinergia. Ou seja, se possa chegar a resultados que o serviço público não conseguiria atingir sozinho.
No texto Segurança cidadã: Formas de envolvimento e propensão do cidadão à coprodução de segurança pública no Distrito Federal (Marting, Farias e Junior, 2019), é possível conhecer as várias formas pelas quais o cidadão pode se envolver na segurança pública, na relação com profissionais da área.
Entre as iniciativas que buscam promover alternativas em segurança pública em Santa Catarina, temos o Programa PROERD, proposto por integrantes da polícia militar no estado, com base em experiências em outros países, que conta com o apoio comunitário para ensinar jovens sobre os riscos das drogas (Figura 1). Outro exemplo é o dos Bombeiros Comunitários, que capacita para atuação de voluntários em conjunto com o corpo de bombeiros. Há, ainda, as estratégias de polícia comunitária, que se inserem na filosofia de policiamento comunitário com foco na prevenção dos problemas e proximidade entre policiais e cidadãos.
Agora que conhecemos alguns exemplos de coprodução em segurança pública, nos diga, você já participou de alguma iniciativa de coprodução e não sabia?
Qual a sinergia?
A busca pela diminuição da violência no Brasil vem sendo desde sempre um dos assuntos mais preocupantes para a Nação. No momento, não há uma solução definitiva, mas quando a população trabalha junto com o Estado, temos o potencial de gerar sinergia, alcançando resultados que nenhuma das partes conseguiria se atuasse isolada.
Se a população e os profissionais atuarem em conjunto para aprimorar o sistema de segurança pública, podemos construir soluções, ao menos parciais, para os problemas que enfrentamos. Se ambos apresentam disponibilidade para aprender, colaborar e ensinar, pode-se ampliar perspectivas e o leque de alternativas possíveis, promover ações efetivas e evitar supostas soluções que ferem direitos e geram ainda mais violência.
Isso pode acarretar em problemas ao invés de soluções?
A coprodução em segurança pública implica questionamentos e dilemas sobre os limites entre a ação especializada, profissional e legal, por um lado, e desvios como o de “fazer justiça com as próprias mãos”, por outro. Ou a ilusão de que é possível garantir sua própria segurança, sem considerar o desafio coletivo. Há também os espaços de poder ocupados pelo crime organizado e as milícias, oferecendo “segurança comunitária” sob coerção, fora do regime do Estado Democrático de Direito.
Hoje, no Brasil, a prática de milícia (Figura 2) é uma grande preocupação. Essa prática ocorre quando agentes da segurança pública, ativos ou não, e algumas pessoas de determinado território se juntam para manter certa ordem, se aproveitando de práticas criminosas e extorquindo a população.
Figura 3 Charge do artista Junião sobre as milícias. Disponível em: https://bemblogado.com.br/site/o-assassinato-de-marielle-franco-e-o-avanco-das-milicias-no-rio/charge-milicia/
Há também casos em que a população local adota procedimentos exagerados e ilegais para promover segurança pública, como limitar a circulação em local público de pessoas que considera suspeitas, muitas vezes apenas baseados em preconceitos ou informações falsas.
Aí vem mais uma pergunta: isso é diferente da coprodução? A resposta é sim! A coprodução tem de ocorrer de acordo com princípios da legalidade, razoabilidade e proteção de direitos fundamentais. Além do mais, deve sempre ter um profissional e órgão responsável como orientador das ações. A partir do momento que a comunidade age sozinha, sem orientação de um especialista e sem responsabilidades claras, há o risco de afastamento da coprodução, da segurança e da democracia.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Emilly Rosa, Felipe Serpa, João Gabriel Almança e Pabola Maffisoni, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.
Referências
AJNZYLBER, Pablo; ARAUJO JUNIOR, Ary de. Violência e criminalidade. Curso de Ciências Econômicas, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Ufmg, Belo Horizonte, 20012001. 50 f. Dissertação (Mestrado) Cap. 1. Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20167.pdf. Acesso em: 11 fev. 2022.
BORGES JÚNIOR, José Martins. A coprodução de serviços públicos na perspectiva do cidadão: um estudo no Distrito Federal brasileiro. 2016. 73 f., il. Monografia (Bacharelado em Administração)—Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
COMO SER BOMBEIRO COMUNITÁRIO. 2022. Disponível em: https://www.cbm.sc.gov.br/index.php/cidadao/como-ser-bombeiro-comunitario. Acesso em: 24 fev. 2022.
MARCELINO, Karina Francine; LIBÓRIO, João Vitor; VIEZZER, Julia; SANTOS, Jair Pereira. Policiamento Comunitário: uma alternativa de participação cidadã na prevenção da violência e melhoria da relação entre polícia e comunidade. Blog Politeia, 20 de dezembro de 2018. Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/policiamento-comunitario-uma-alternativa-de-participacao-cidada-na-prevencao-da-violencia-e-melhoria-da-relacao-entre-policia-e-comunidade/
MARTINS, Isabela Miranda; FARIAS, Josivania Silva; JUNIOR, Lucio Alves Angelo. Segurança cidadã: Formas de envolvimento e propensão do cidadão à coprodução de segurança pública no Distrito Federal. Contextus–Revista Contemporânea de Economia e Gestão, v. 17, n. 2, p. 160-189, 2019.
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REDAÇÃO ÉPOCA (Brasil) (ed.). ONU: Mais de mil homicídios por dia no mundo: segundo relatório baseado em números de 2012, 11% das 437 mil mortes por homicídios intencionais daquele ano aconteceram no Brasil. 2014. Disponível em: https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/noticia/2014/04/mais-de-mil-pessoas-morreram-bassassinadas-por-diab-em-2012-segundo-onu.html. Acesso em: 15 fev. 2022.
TUDO SOBRE: Polícia comunitária. Polícia comunitária. 2022. Disponível em: https://www.pm.sc.gov.br/tudo-sobre/policia-comunitaria. Acesso em: 24 fev. 2022.