Coprodução na educação popular: o caso do 1º pré-vestibular gratuito no Norte da Ilha, em Florianópolis

Por Maicon Estevam, Gabriel da Silveira e Ricardo Souza Silva*

A educação popular é uma realidade em diversas partes do mundo, atravessando diferentes contextos históricos, tomada como ferramenta de resistência para comunidades, bem como instrumento de ascensão social, promoção da cidadania e inserção em uma realidade mais igualitária de condições e direitos. Na educação popular, educandos, educadores e espaços são marcados pela pluralidade e diversidade de identidades, origens e posicionamentos. O termo educação popular apresenta polissemia e flexibilidade, adaptando-se em contextos diversos, mas sempre objetivando o acesso ao conhecimento e a cultura, além da compreensão da multidimensionalidade do indivíduo, onde quer que seja aplicado.

No Brasil, uma teia de projetos relacionados às camadas populares germinou em todas as regiões do país. Pautados na ausência do Estado enquanto promotor de políticas públicas para as comunidades que mais precisam, tais projetos propiciam que os espaços de acesso aos direitos da cidade sejam promovidos pelas próprias iniciativas sociais e comunitárias.

Em Florianópolis, Santa Catarina, os diversos Cursinhos Comunitários evidenciam essas problemáticas. Em uma cidade com uma universidade federal e uma estadual e, ainda, com um polo tecnológico e turístico, a distância financeira entre as pessoas ainda é grande. O abismo entre estudantes de instituições privadas e públicas se verifica também no acesso ao nível superior. Nesse contexto, a educação popular surge como oportunidade de disputar uma vaga na universidade pública para os estudantes das camadas populares. Por vezes, o contraste financeiro é também geográfico, na medida em que o deslocamento das regiões periféricas da ilha até o centro, onde mais instituições de ensino se localizam, demanda muito tempo e dinheiro, devido à deficitária mobilidade urbana.

Neste cenário, em 2019, se iniciaram as aulas do primeiro Cursinho Pré-vestibular Comunitário do Norte da Ilha de Florianópolis, cuja geografia dialoga com o movimento da educação popular na cidade. O Cursinho do Zinga (Figura 1), em seu primeiro ano de atividade, preencheu mais de quatro turmas e, ao superar 40 aprovações em vestibulares ao final do ano, somou uma turma inteira de graduandos do ensino superior tangenciados pela educação popular.

Figura 1 – Logo do Cursinho do Zinga

   

A perspectiva do Cursinho do Zinga caminha junto do entendimento de práticas integradoras entre comunidade e educação. Estas são perceptíveis no contato entre o Pré-vestibular comunitário, no qual todos os professores dão aula de forma voluntária, e a Escola Básica Herondina Medeiros Zeferino, localizada no bairro Ingleses, na região Norte de Florianópolis, espaço este, cedido pela Prefeitura de forma gratuita, onde são ministradas as aulas.

Visualizar a disposição dos cursinhos populares no espaço geográfico, da mesma maneira que o público ao qual atende, as características dos estudantes, os fatores socioeconômicos, bem como a contextualização do acesso à educação durante sua trajetória estudantil, manifesta-se como uma potente amostragem de como se comporta a demografia de vestibulandos e vestibulandas das periferias.

Vislumbrando a distribuição no Mapa 1, a seguir, percebe-se que o Cursinho do Zinga é o único pré-vestibular gratuito no Norte da Ilha. Localizado mais especificamente no bairro Ingleses do Rio Vermelho, em que se nota as diferentes espacialidades constitutivas da trama social brasileira e a concentração e centralização das atividades educacionais.

      Mapa 1: Distribuição dos Cursinhos Gratuitos em Florianópolis, SC

Percebe-se que há uma maior concentração de cursinhos gratuitos na porção central da cidade. O Cursinho do Zinga se instalou em um território onde havia um vazio de preparatórios para o vestibular, o que tonifica a sua importância tanto no aspecto geográfico quanto no formativo. A inserção dos cursinhos populares na região central pode se justificar pela presença das universidades públicas UFSC e UDESC, localizadas em meio a esse espaço geográfico.

Além disso, é notável que, além da distribuição das universidades, se produz no Centro uma série de territórios anexos às edificações verticalizadas. Nas encostas dos morros, em especial ao longo do Maciço do Morro da Cruz, muitos/as trabalhadores/as se instalam a partir da possibilidade de moradia, numa cidade onde a especulação imobiliária e a segregação socioespacial corroboram para a marginalização e o adensamento populacional neste setor. 

Desta forma, não só é plausível e lógico que a maior parte dos cursinhos se posicionem no Centro, mas também é necessário, uma vez que inexiste uma real iniciativa do Estado em estimular e proporcionar o ingresso das pessoas que habitam as periferias da ilha. Portanto, é fundamental que os cursinhos populares ocupem esses lugares.

Com a inserção de um cursinho pré-vestibular gratuito, há o aumento das condições materiais para a entrada das classes populares ao ensino superior público, e o Cursinho do Zinga representa essa possibilidade na região norte da ilha. No entanto, as condições materiais por si só não garantem o ingresso, pois os processos seletivos conteudistas, em especial do vestibular da UFSC e da UDESC, fornecem uma vantagem aos estudantes do ensino médio privado e cursinhos mais alinhados com o pré-vestibular; enquanto cursinhos que projetam uma formação mais ampla precisam encontrar meios de equilibrar os processos e objetivos formativos.

Dessa maneira, importa ressaltar que o Cursinho do Zinga não é e nem pode ser um oásis da educação pré-vestibular popular no norte da ilha de Florianópolis, assim como qualquer outro cursinho popular. O Cursinho do Zinga se coloca como pioneiro na região, de forma que, para além de uma possível expansão (em turmas, voluntários e atividades formais e não formais), seja estimulada a vinda e a elaboração de novos cursinhos populares na região, corroborando com uma educação do povo para o povo, na busca de um mundo novo por meio da educação popular.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Maicon Estevam, Gabriel da Silveira e Ricardo Souza Silva, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer  e pelo doutorando Renato Costa, em 2022.

Referências 

LAVAL, Christian. A escola não é uma empresa: o neoliberalismo em ataque ao ensino público. São Paulo: Boitempo, 2019. 326 p. (Estado de sítio). Tradução de Mariana Echalar.

MARTINS, B. A Geografia do movimento popular. Monografia (Licenciatura em Geografia). Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc – 2021.SANTOS, Milton, 1926 – 2001. Sociedade e espaço: a formação social como categoria e como método. Boletim Paulista de Geografia, nº 54. São Paulo: USP, 1977, p. 81-100.