Por Mariana Amorim, Débora Baldissera e Ingrid Marques*
A coprodução de informações em saúde pública, ou seja, o engajamento mútuo de profissionais e cidadãos na produção de informações relevantes a respeito de uma doença, sua prevenção e tratamento, pode contribuir para prevenir o adoecimento, facilitar o acesso a tratamento e a direitos, bem como aprimorar a relação entre profissionais da saúde, pacientes e familiares.
Vejamos como isso acontece, com base na experiência de duas organizações que atuam na área de câncer, no Brasil e na Escócia.
A Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG) é uma organização da sociedade civil, de direito privado e sem fins lucrativos que trabalha em prol das pessoas portadoras do câncer de cabeça e pescoço e seus familiares em todo o Brasil. Foi criada em 2015 por pacientes portadores do câncer, seus familiares e profissionais da saúde. A missão da ACBG Brasil é “mobilizar a sociedade para que pacientes e portadores da doença tenham acesso a um tratamento integral e de qualidade e conscientizá-los para que tenham acesso aos seus direitos.”
Para alcançar sua missão, a organização definiu três eixos de ação: Advocacy, Inclusão e Informação. O eixo Advocacy trabalha em defesa de pautas de interesse aos pacientes, portadores e profissionais da saúde, garantindo a atenção integral à saúde dos portadores, com a criação de políticas públicas. Em uma das suas conquistas, a ACBG, depois de anos de luta, conseguiu junto ao Ministério da Saúde a inclusão da laringe eletrônica e o reajuste do valor da prótese traqueosofágica na tabela do SUS. Sem essa conquista, os pacientes teriam que desembolsar, no mínimo, 2.000 reais para cada aparelho.
No eixo Inclusão, são trabalhados projetos que visam o acolhimento e a integração dos pacientes na sociedade e trabalham com a implementação de projetos que devolvem a dignidade àqueles que precisam de reabilitação. A associação dá suporte a sete Grupos de Acolhimento a Pacientes, GAL’s, e dois corais, com o programa Cantarolar.
O eixo Informação trabalha na execução e no apoio de campanhas de conscientização, organização de eventos, palestras de prevenção em organizações e escolas e na geração de conteúdos para mídias sociais.
Dentro do eixo Informação, a ACBG participa de diversas ações, envolvendo variados parceiros, como a Campanha Nacional da Prevenção do Câncer de Cabeça e Pescoço, a Campanha do Dia Mundial da Voz, e a Campanha MakeSense.
A Campanha Nacional da Prevenção do Câncer de Cabeça e Pescoço é também conhecida como Julho Verde (Figura 1), e tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do autocuidado e dos primeiros sinais da doença. Na Campanha de 2021, com a pandemia de COVID-19, a associação teve que priorizar o on-line, então fez a distribuição de diversos cards informativos, vídeos com depoimentos de pacientes e informações compartilhadas por profissionais da saúde, realizou 7 audiências públicas com o núcleo de Advocacy e 8 lives informativas. A ACBG também fez a distribuição de sorvetes com propriedades nutricionais aos pacientes em quimioterapia, tornou 31 iluminações públicas da cor verde, lançou e distribuiu carteirinhas de identificação de pacientes com câncer de cabeça e pescoço e mais de 200 envios de materiais de campanha.
Figura 1- Campanha Julho Verde ACBG
Gabriel Marmentini, cofundador e diretor executivo da ACBG e filho de uma sobrevivente do câncer de laringe, explica que a motivação para o engajamento inicial da Associação veio da dificuldade de encontrar informações e do sentimento de desamparo quando sua mãe foi diagnosticada com a doença:
“Fiquei me perguntando o quão mais difícil seria uma situação como essa para pessoas que convivem diariamente com diversas vulnerabilidades. Por isso a ideia de criar uma organização para incidir diretamente no tema, atuando para melhorar as políticas públicas no campo do câncer de cabeça e pescoço – grupo de cânceres onde está classificado o câncer de laringe -, incluir nossos pacientes e portadores na sociedade e disseminar informações para o maior número de pessoas, aumentando as taxas de diagnóstico precoce e, consequentemente, diminuindo as taxas de óbito e as sequelas que prejudicam a qualidade de vida após o câncer”.
A coprodução de informação está presente na ACBG desde o começo de sua história, e é possível destacar que o envolvimento de usuários e da comunidade mudam os modos como os profissionais da saúde atuam.
“Para os profissionais que preferem o caminho do amor – com mais empatia e conexão com os pacientes -, cabe dizer que também acabam aprendendo muito, pois a troca com o público-alvo em questão é extremamente rica”, destaca Gabriel.
“Há um conhecimento profundo sobre várias questões de vida, não apenas sobre a doença, que muitas vezes um determinado profissional não teve acesso anteriormente. Essa é a beleza da coprodução, pois valoriza qualquer tipo de conhecimento e dá voz para todos e todas”, complementa o diretor executivo da ACBG.
Wigtownshire Women and Cancer é um grupo voluntário sem fins lucrativos formado por 9 mulheres capacitadas da cidade de Wigtownshire na Escócia, que fornecem informações, sinalizações e dão voz a mulheres com câncer.
Figura 2 – Wigtownshire Women and Cancer
Por meio de um grupo fechado no Facebook com mais de 195 membros, ocorre uma troca de informações e esclarecimento de dúvidas. Wigtownshire Women and Cancer tem o objetivo de melhorar o bem-estar das pessoas acometidas pela doença, antes ou depois do tratamento, para preencher lacunas em relação ao compartilhamento de informações e disponibilidade de serviços disponíveis. O grupo faz encontros presenciais com a presença de um palestrante do National Health Service para tirar dúvidas sobre assuntos mais técnicos.
O último grande evento do WWAC foi o The Big Fashion Show, que ocorreu um desfile de roupas de lojas apoiadoras com modelos acometidos pelo câncer. Esse evento ocorreu por conta da parceria entre população e empresas, mais de 6.500 Libras foram arrecadadas.
Essas duas organizações são bastante diferentes, mas têm o mesmo objetivo: contribuir na produção e difusão de informações que muitas vezes não são fornecidas pelo poder público às pessoas que precisam delas. É necessário que haja cada vez mais informações qualificadas e conscientização sobre o câncer disponível para a população e, nesse cenário, a coprodução da informação tem um papel importante.
A ACBG Brasil e a Wigtownshire Women and Cancer são exemplos de associações que cumprem seu papel junto à sociedade, buscando fazer a diferença nas políticas públicas e na sociedade em geral. A coprodução, em casos como esses, não só contribui para o serviço de prestar informação à população, como contribui para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida a tantos sobreviventes de câncer.
É importante que administradores públicos e profissionais da saúde entendam a importância dessas organizações e atuem para que elas continuamente possam se desenvolver e seguir fazendo diferença, para melhor, na sociedade.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Mariana Amorim, Débora Baldissera e Ingrid Marques no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.
Referências
ACBG. Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço. 2020. Disponível em: https://acbgbrasil.org/ . Acesso em: 22 fev. 2022.
HALLIDAY, Penny. Wigtownshire Women and Cancer: A new Governance International Co-Production Star Initiative powered by Courage, Compassion and Tea Parties! 2019. Disponível em: https://www.govint.org/good-practice/case-studies/wigtownshire-women-and-cancer/ . Acesso em: 22 fev. 2022.
SCHOMMER, P. C., ROCHA, A. C., SPANIOL, E. L., DAHMER, J., & SOUSA, A. D. de. (2015). Accountability, coprodução da informação e do controle: observatórios sociais e suas relações com órgãos governamentais. Revista de Administração Pública, 49(6), 1375-1400. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/56590