Qual a importância da transparência pública no tempo de pandemia?

O caso da Prefeitura de Florianópolis, que construiu um mecanismo de transparência, mas tomou decisões questionáveis durante a sua operação.

Por Lucas Almeida, Luana Vandresen e Thiago Alves*

A responsabilização sobre a má gestão dos recursos públicos é relativamente recente no Brasil. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi incluída no ordenamento jurídico brasileiro, complementarmente à Constituição de 1988, como o primeiro passo de uma política regulatória que “estabeleceu um padrão de comportamento” sobre todos os entes federativos em relação à gestão dos recursos públicos (SECCHI; COELHO; PIRES, 2019).

Desde então, o Brasil vem avançando sobre questões relacionadas à transparência e ao controle, institutos que fazem parte do conceito de accountability, no que diz respeito a políticas regulatórias. É o caso da Lei de Transparência e da Lei de Acesso à Informação, ambas versando principalmente acerca da transparência de informações públicas, sob perspectivas diferentes.

Enquanto a Lei de Transparência foi construída sob a ótica de a Administração Pública fornecer as informações de forma ativa – isto é, disponibilizando por conta própria as informações nos sítios eletrônicos – a LAI trabalha sob uma lógica passiva, a necessitar que os cidadãos requeiram ao Poder Público as informações públicas que desejam obter, no intuito de efetivar o direito constitucional de acesso à informação. São subordinados a essas Leis os órgãos públicos da administração direta dos três Poderes e de todos os entes federativos, incluindo o Ministério Público e Tribunal de Contas (BRASIL, 2009; 2011).

A partir desse panorama em que o Estado brasileiro começa a construir uma política de transparência – a chegar na compreensão de que não somente o Poder Público deve efetivar o acesso às informações públicas, como também os cidadãos podem requerê-las – é que se levanta a importância da transparência antes e durante a pandemia do novo coronavírus.

Nesse sentido, cabe colocar que, anteriormente à pandemia, a lógica da importância da transparência era principalmente sobre esta ser um “instrumento auxiliar” no combate à corrupção e no controle sobre informações disponibilizadas, que poderiam determinar uma boa ou má gestão.

De outra forma, a atual pandemia nos trouxe uma nova perspectiva de análise da transparência de informações públicas. Perguntas como “Quantos infectados nós temos? Quantas pessoas vieram a óbito? Quantas vidas foram recuperadas? Quais são as medidas restritivas? Quais os procedimentos e as etapas para a compra de insumos para enfrentar a doença?” passaram a ser comuns entre a população. Assim, os jornais, as redes sociais e os agentes políticos deram uma nova importância no olhar sobre transparência pública: aquela que informa o número de mortos, a progressão da epidemia, a capacidade do sistema de saúde, o nível de contágio do vírus e quais são as medidas restritivas que influenciam diretamente na qualidade de vida das pessoas.

É sobre esse novo olhar que a transparência pública ganha um outro patamar de importância: saindo de uma transparência distante da população para uma transparência mais prática, que a população entende impactar diretamente na sua vida.

O Caso da Prefeitura de Florianópolis

Com o advento da pandemia da Covid-19 no Brasil, a Prefeitura do Município de Florianópolis, em abril de 2020, lançou um instrumento chamado “Covidômetro”, que serve para avaliação diária dos casos de coronavírus na cidade, e possui a função de controlar e avaliar de forma objetiva a situação de saúde no Município. Além disso, o instrumento também atualiza e informa a população quanto ao nível do risco de contágio que a cidade está enfrentando em tempo real, bem como as medidas a serem adotadas pelo Poder Público de acordo com o risco.

O instrumento possui basicamente dois espaços: o “painel inicial” (administrado pela Secretaria da Casa Civil) e a “sala de situação”, que utiliza a ferramenta Power BI para apresentação dos dados (administrado pela Secretaria da Saúde em conjunto com a empresa Celk Sistemas). No primeiro, são apresentados os dados e números gerais, as atividades e possíveis restrições determinadas pela Prefeitura, enquanto no segundo são apresentados os dados detalhados e discriminados desde fevereiro de 2020 através de gráficos.

Imagem 1: Sala de Situação (Power BI). Covidômetro.

Fonte: Prefeitura de Florianópolis

 

Os dados da sala de situação são preenchidos pelos profissionais da saúde no sistema da empresa CELK, após os atendimentos realizados em Centros de Saúde. Esses dados ingressam no sistema e geram uma base de dados que é utilizada para a criação dos gráficos disponibilizados na sala de situação, nas páginas 1, 2 e 4.

A página 3 é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde, que coleta os dados desta mesma base e faz um pré-processamento (tratando os dados para ficarem mais fidedignos à realidade), já que os dados brutos (preenchidos pelos profissionais da saúde) podem incorrer na possibilidade de conter erro humano, o que se comprovou em estudo realizado pelos autores em 01/09/2020.

Problemas na transparência do Município de Florianópolis no combate ao COVID-19

Apesar da construção do Covidômetro ser um avanço em relação à transparência de informações no combate ao Covid-19, a Prefeitura de Florianópolis tomou decisões questionáveis ao alterar as restrições de atividades e as recomendações em relação à classificação do risco durante a pandemia. No dia 16 de Julho de 2020, conforme matéria da NSC, o Covidômetro passou de “alto risco” para “altíssimo risco”, o que pelas recomendações antes do dia 16 implicaria em lockdown; na mudança para “altíssimo risco” a recomendação mudou para “fique em casa”.

Além disso, as restrições de atividades também mudaram: o que antes seria uma restrição severa com disponibilidade apenas de serviços essenciais, mudou para atividades bem menos restritivas.

Veja: “Covidômetro e as tomadas de decisão da Prefeitura de Florianópolis”

Um outro problema que pode ser apontado em relação ao Município de Florianópolis são os quesitos não apresentados no Ranking de Transparência no Combate ao Covid-19, realizado pela organização da sociedade civil “Transparência Internacional Brasil”, que coloca Florianópolis na 15° colocação entre as Capitais do país na avaliação de julho de 2020. Esta apresenta que o Município não possuía em seu sítio eletrônico nenhum mecanismo de busca direto e legislação específica em relação às compras emergenciais, bem como não havia nenhum conselho, comissão ou qualquer órgão coletivo que acompanhasse as compras realizadas pelo Município.

Considerações

De fato, pode-se perceber que Florianópolis tem muito a evoluir no debate da transparência e accountability no setor público. É em razão disso que a Universidade, em conjunto com as organizações da sociedade civil, se apresenta como um meio para atuação direta na fiscalização e acompanhamento de questões relacionadas à transparência. O que se propõe é que, cada vez mais, seja fomentada a ideia da tomada de decisão conjunta entre o Poder Público e diferentes categorias da sociedade civil. Para essa fiscalização ser viabilizada, tem-se alguns meios possíveis: webinars, audiências públicas, congressos, ofícios, petições públicas etc.

Além disso, entende-se que a criação de mecanismos de transparência, por si só, não é suficiente para determinar um bom nível de transparência de um ente público. É preciso perceber se as informações são acessíveis, se cumprem com o mínimo estabelecido pelas leis supracitadas e se atendem as expectativas dos cidadãos.

Percebe-se, inclusive, que a discussão da accountability é bastante focada na divulgação e transparência de dados, enquanto a discussão sobre a qualidade desses dados não é tão mencionada. Isso faz com que outros elementos do conceito – que podem se mostrar tão importantes quanto à disponibilização ou não de dados – sejam excluídos do debate.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Lucas Almeida, Luana Vandresen e Thiago Alves, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

BRASIL. Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011. Lei de Acesso à Informação. Brasília, DF: Presidência da República, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 06 set. 2020.

BRASIL. Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000. Brasília, DF: Presidência da República, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm. Acesso em: 8 set. 2020.

BRASIL. Lei Complementar no 131, de 27 de maio de 2009. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm . Acesso em: 8 set. 2020.

SECCHI, Leonardo; COELHO, Fernando de Souza; PIRES, Valdemir. Políticas Públicas: conceitos, casos práticos, questões de concursos. 3. ed. Cengage: São Paulo, 2019.

Com nível altíssimo de risco, recomendação de lockdown some do ‘covidômetro’ de Florianópolis. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/com-nivel-altissimo-de-risco-recomendacao-de-lockdown-some-do-covidometro . Acesso em: 06 set. 2020.

Accountability e acesso a informações da Anatel para o mercado: existe?

Por Bruno Fagundes de Souza, Vinícius Mafra Senna e Victor Alves Sales*

A criação de agências reguladores de serviços públicos no Brasil, a partir dos anos 1990, foi influenciada por modelos adotados em países como os Estados Unidos da América e países da Europa, onde as agências possuem modelos distintos. “Inglaterra e Alemanha, por exemplo, estão em planos opostos. Enquanto o modelo inglês guarda semelhanças com o norte americano, o da Alemanha caracteriza-se como o que menos delega poder às agências regulatórias” (RAMOS, 2005, p.104).

A implementação de agências no Brasil se deu em um período em que se propunha a diminuição do tamanho do Estado, por meio de reformas, programas de privatizações e desestatizações. No tocante a privatizações e desestatização, o Poder Público possuía mais interesse no modelo regulatório nas relações de investimento em serviços públicos e de interesse coletivo, advindas do capital internacional, que influenciaram as regras do jogo e as relações entre poder público e setor privado.

A Agência Nacional de Telecomunicações, Anatel, foi instalada pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT – Lei n° 9.472/97), através do Decreto n° 2.238, como proposta de equilíbrio e ferramenta da gestão pública de modo a combinar o setor privado e seus bônus de investimento no Estado e as garantias de segurança de poder e reputação da continuidade dos serviços.

A Anatel é uma autarquia especial, independente, com autonomia financeira, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

A relação da Anatel com o mercado é norteada pela competência do inciso VI, do art. 156 de seu Regimento Interno, que define sua responsabilidade por “certificar e homologar produtos de comunicação e sistemas de telecomunicações, habilitar laboratórios e designar organismos certificadores”.

Os Organismos Certificadores Designados, OCD, são empresas privadas delegadas pela agência para conduzir processos de avaliação sobre a conformidade de produtos no contexto da certificação compulsória, emitindo certificados para prosseguir com o procedimento de aquisição do selo Anatel. Os testes dos produtos são realizados por meio de Laboratórios de Ensaios, LE, contratados pela empresa interessada na certificação, credenciados pelo Inmetro.

No que tange à accountability e à transparência do processo decisório e dos resultados, e a obrigação de prestação de contas e responsabilização pelas decisões e resultados, as agências reguladoras utilizam mecanismos informacionais, como relatórios, disponibilidade de atas e de notas técnicas; mecanismos institucionais, como ouvidoria e reuniões abertas do conselho diretor e; mecanismos procedimentais, como realização de consultas e audiências públicas.

Quando se trata da visão do mercado, empresas que dependem da Anatel para obter o acesso de algumas informações não é facilitado. A organização possui um portal para consulta de todos os certificados e homologações realizadas por fabricantes de produtos de telecomunicações – que muitas vezes está em manutenção -, porém algumas informações, como a quantidade de fiscalizações realizadas, poderiam ser disponibilizadas de maneira mais simples pela organização.

Sugerimos um teste: se você utilizar qualquer mecanismo de busca na internet e procurar por “Relatórios de Acompanhamento das Atividades de Fiscalização” ou termo similar, encontrará um relatório de 2014. Para acessar os relatórios atualizados, o usuário precisa perder um tempo precioso para localizá-los e, mesmo assim, não possui base de comparação. Os relatórios de cada trimestre não possuem padrão, como por exemplo a versão de 2014 e 2019.

Isso dificulta a relação entre as empresas e a agência reguladoras e com os OCDs, e gera dúvidas sobre critérios, processos, prazos e resultados. Prejudica-se assim a concorrência justa, que por sua vez contribui para a melhoria da qualidade dos produtos e serviços.

O mercado de produtos de telecomunicações no Brasil é desconhecido da população, poucos sabem que os produtos homologados passam por testes morosos, com custos elevados e, que, se não forem aprovados na primeira tentativa, terão que renovar os pagamentos nas posteriores. Os produtos de telecomunicações, por outro lado, são alvo de contrabando e pirataria, o que aumenta a necessidade de fiscalização e acesso à informação sobre as ações da Anatel para o mercado.

Entre as perguntas que ficam, estão: a disponibilização dessas informações, com o devido sigilo das empresas envolvidas, não seria importante para a sociedade ou para o mercado? As quantidades de fiscalizações realizadas não são consideradas importantes para o andamento do mercado? A quem interessa que as informações relativas a processos, critérios e resultados da regulação não sejam transparentes? O que se pode fazer para avançar nesses aspectos?

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Bruno Fagundes de Souza, Vinícius Mafra Senna e Victor Alves Sales, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações, 2019. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/setorregulado/apresentacao-certificacao. Acesso em: 22 out. 2019

ANATEL, Agência Nacional de Telecomunicações. Regimento Interno, estabelecido pela Resolução n° 612, de 2013. Disponível em: http://www.idec.org.br/uploads/audiencias/pdfs/Resolucao_612_2013_Anatel1.pdf . Acesso em: 28 out. 2019.

ANTUNES, L. R. Poder de Polícia da Agência Nacional de Telecomunicações. 2007. Disponível em: https://www.anatel.gov.br/Portal/documentos/sala_imprensa/Monografia%20ER9%20Luciana%20Rolim%20Antunes.pdf. Acesso em: 22 out. 2019.

BINENBOJM, G. Agências reguladoras independentes e democracia no brasil. Revista Direito Administrativo, p. 147–165, 2005. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43622. Acesso em: 14 out. 2019.

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm Acesso em 20 out. 2019.  

GODOI JUNIOR, José Vicente. Agências reguladoras: características, atividades e força normativa. 2008. Dissertação de Mestrado. Marília, Universidade de Marília.

GOMES, F. G. Conflito social e welfare state: Estado e desenvolvimento social no Brasil. Rev. Adm. Pública, v. 40, n. 2, p. 201–234, 2006.

INTELBRAS, 2017. Intranet. Acesso em 15 out. 2019.

INTELBRAS, 2019. Website institucional. Disponível em: https://www.intelbras.com/pt-br/ Acesso em 15 out. 2019.

RAMOS, F. Reforma do Estado e Agências Regulatórias: estudo sobre responsabilização pública a partir da descentralização de poderes e novos instrumentos de governabilidade – O caso Anatel. Tese de doutorado, UFSC, 2005.

SPANIOL, Enio Luiz. A conflitividade na relação do Estado, mercado e sociedade: estudo hemerográfico. Tese de doutorado, UFSC, 2009. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/92289 Acesso em: 02 out. 2019.

Vazamento de Petróleo no Litoral do Nordeste em 2019 – Crime ou acidente ambiental? Quais suas consequências e quem responde por elas?

Por Luiza Almeida, Maria Isabel Bender, Thaina Camilo e Verônica Mafioletti*

O vazamento de 5 mil toneladas de petróleo no litoral do Nordeste brasileiro teve início em setembro de 2019. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, Ibama, informa que o vazamento atingiu 1.004 localidades em 11 estados, em mais de  130 municípios. Quem o causou? Foi um crime ambiental ou um acidente? Os responsáveis foram identificados? Quais foram as consequências e quem responde por elas?

Um ano após o ocorrido, a Marinha do Brasil finalizou a primeira etapa de investigações, mas ainda não se tem noção de quem causou esse dano ambiental imensurável, restando apenas os impactos causados à sociedade, a economia e ao meio ambiente.

O turismo emprega muitas pessoas no Nordeste e o ocorrido afetou principalmente aqueles serviços que têm relação direta com o ambiente marítimo. Além disso, muitos moradores desses locais vivem da pesca e tiveram grande prejuízo por não conseguirem comercializar seus peixes devido ao medo de contaminação por parte da população.

E quanto aos danos permanentes na fauna dos locais atingidos? Como mencionado, o dano ambiental foi imensurável, mas se sabe que este acontecimento levou à contaminação e morte de muitos animais aquáticos.

Segundo informações do  governo brasileiro, o petróleo encontrado nas praias e manguezais foi considerado extremamente tóxico, ao ponto de que inalá-lo poderia causar desde dificuldade na respiração até náuseas e confusão mental. Além disso, o Ministério da Saúde e a Defesa Civil comunicaram à população que evitasse o contato direto e a ingestão da substância, pois caso isso acontecesse, poderia causar a longo prazo danos nos pulmões, problemas no sistema circulatório e até mesmo câncer. A Fiocruz ficou responsável por monitorar os impactos à saúde causados pelo vazamento de petróleo, mas os dados não estão acessíveis.

Fonte: FELIPE BRASIL / FOTOS PÚBLICAS

Definição de Desastre Natural

O desastre natural é caracterizado por tragédias decorrentes de fenômenos naturais, podendo ser de origem climática, geológica, biológica ou astronômica, como furacões, terremotos, chuvas e tempestades. Ou seja, não possuem interferência humana direta (POSUSCS, 2019)

Entretanto, as alterações causadas no planeta devido à presença dos seres humanos podem dar origem a desastres ambientais de diversas naturezas. Devido aos padrões de vida da atualidade, alinhado ao um consumo nada sustentável, interesses econômicos e falta de responsabilidade para com o meio ambiente, a vida na terra tem causado desequilíbrio ambiental, tornando-se gatilho para os fenômenos causadores dos desastres naturais.

O vazamento de petróleo é considerado crime ou acidente?

Na história brasileira, esse vazamento de óleo no Nordeste se configura como a maior tragédia ambiental na costa brasileira, afirma Marcelo Amorim, coordenador-geral de Emergências Ambientais do Ibama: “Esse vazamento atingiu a maior extensão, com certeza. É uma situação que nunca ocorreu na história do país, e desconhecemos se algo similar no mundo“.

Verdade seja dita, um desastre nessa proporção pode ser considerado como acidente ambiental?

Existem estudos e especulações sobre a fonte que gerou o desastre ambiental, seja a primeira acusação ao navio Bouboulina, da grega Delta Tankers, seja a acusação do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, à Venezuela, pelo derramamento de óleo. Ou a hipótese de que os culpados sejam os repetidos vazamentos de óleo na costa ocidental da África trazidos ao Brasil pela corrente oceânica Benguela ou pela influência do Golfo da Guiné.

Em meio a tantas suspeitas levantadas sem comprovação de nenhuma, a lei brasileira não se exime em caracterizar o ocorrido como crime ambiental, segundo o artigo 54 da Lei 9.605, que dispõe sobre “sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente” (BRASIL, 1998):

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

§ 1º Se o crime é culposo:

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena – reclusão, de um a cinco anos. (BRASIL, 1998).

O crime culposo é definido pelo artigo 18 do código penal brasileiro como:

Art. 18 – Diz-se o crime:

Crime doloso

I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

Crime culposo(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Segundo a organização internacional WWF (2019), que atua na área ambiental,  não é possível descartar a hipótese de ter sido um acidente, pois como não se sabe quem causou o derramamento, é necessário investigar se o crime é considerado doloso ou culposo e então definir a responsabilização adequada, tanto na esfera civil, como criminal:

Existem duas esferas de responsabilização neste caso: civil e criminal. No caso da responsabilização civil, o objetivo do Brasil será buscar indenização para cobrir todos os danos econômicos e ambientais, de curto e longo prazo, provocados pelo vazamento. Já no âmbito criminal, será preciso identificar se houve dolo ou culpa, ou seja, se as pessoas envolvidas tiveram a intenção de cometer aquele crime ou assumiram o risco de que esses danos ocorressem (WWF, 2019).

O Código Civil Brasileiro determina, em seu capítulo que dispõe sobre a obrigação de indenizar, que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2002).

            Portanto, o derramamento de petróleo no Nordeste pode ser considerado um crime, independentemente de ter sido um acidente, pois o responsável não reclamou a culpa e não reparou até hoje os danos causados na região. Embora se use o termo acidente, se existe algum dano considera-se que um crime foi cometido, pois os acidentes podem ser evitados. Os danos caracterizam uma violação de direitos e incluem os impactos negativos na economia e no ecossistema local.

Segundo Alencar et al. (2016, p.10), o Estado também deve ser responsabilizado uma vez que:

Há também a responsabilidade objetiva solidária do Estado (poder público) no problema ambiental, não podendo haver excludente porque o poder público é quem é responsável por controlar a fiscalização do meio ambiente. Essa responsabilização do Estado por danos também se vê no art. 225, CRFB/88.

O Ibama disponibilizou um website com informações sobre o derramamento do petróleo. No entanto, de acordo com buscas em websites e segundo a WWF (2019), não se sabe se de fato a investigação está sendo conduzida. Ou se está sendo realizada, quais são as atualizações e descobertas sobre o assunto. Não foram divulgados relatórios técnicos sobre a origem do óleo nem feitas coletas sistemáticas, pois “no futuro, essas amostras serão necessárias para definir as responsabilidades em relação aos atingidos – e em nome da transparência, obrigação e dever dos agentes públicos.” (WWF, 2019). Além disso, não foram divulgados resultados de pesquisas para saber o nível de impacto negativo que o óleo causou no pescado local e das águas, impactando negativamente na economia local.

Esse triste episódio na costa brasileira se soma aos constantes ataques, por parte do governo federal, aos esforços de lidar de forma responsável com as riquezas naturais do Brasil.

Talvez os responsáveis nunca sejam culpabilizados para que arquem com o crime ambiental causado e todas as suas consequências. Isso mostra a enorme fragilidade do sistema de responsabilização brasileiro na área ambiental, como se vê em outros episódios, como os desastres ambientais de Brumadinho/MG e Mariana/MG.

Entretanto, o que há de nobre nessa experiência incomum é a mobilização e a e coprodução envolvendo as comunidades, governos locais e organizações da sociedade civil. Tal fato foi verificado em entrevista com Lais Araujo, coordenadora e fundadora do Xô Plástico, movimento criado para efetuar mutirões de limpeza nas praias do Nordeste brasileiro, que desempenhou um relevante papel na limpeza das áreas afetadas pelas manchas de óleo.

A mobilização da sociedade civil organizada, de universidades e agentes locais também tem gerado cobrança por investigações dos culpados e por medidas para preservar as riquezas oceânicas do litoral brasileiro.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Luiza Almeida, Maria Isabel Bender, Thaina Camilo e Verônica Mafioletti no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências | Para saber mais:

ALENCAR, André Gustavo Oliveira et al. Análise quanto a responsabilidade civil referente ao caso em Mariana/MG: acidente ou crime ambiental? Revista de Trabalhos Acadêmicos-Universo Recife, v. 3, n. 2, 2016.

BRASIL. LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1998.

BRASIL. LEI Nº10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República, 2002.

BRASIL. LEI Nº 7.209, DE 11 DE JULHO DE 1984. Altera dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e dá outras providências.Brasília, DF: Presidência da República, 1984.

Após dez meses, investigações ainda não apontaram responsável por vazamento de óleo.  In: Brasil de Fato. 03 jul. 2020.

Mancha no Litoral. In: Governo do Brasil. 2019.

O que se sabe até agora sobre o derramamento de óleo no Nordeste. In: WWF. 12 nov. 2019.

Qual é a diferença entre crime ambiental e desastre natural? In: USCS. 09 set. 2019.

Um ano após vazamento de óleo no Nordeste, nenhum responsável foi identificado. In: Brasil de Fato.30 ago. 2020.

Campanha cobra respostas após um ano do derramamento de óleo no litoral. In: Notícias Uol. 30 ago. 2020.

Procuradoria Geral do Estado de Santa Catarina: qual seu papel e como dá transparência ao seu trabalho?

Por Nicole Oliveira, Maria Eduarda de Freitas e Monique Rosa*

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina, PGE/SC. é um órgão que visa defender os interesses do estado. Está situado no Poder Executivo, relacionando-se com os demais Poderes – o Legislativo e o Judiciário – e com a sociedade como um todo.

Você sabe a importância que esse órgão tem para o Estado? O que ele faz? Quais os canais utilizados pela PGE para dar transparência ao seu trabalho?

Neste texto, apresentamos um breve histórico sobre a PGE e suas funções, abordando suas práticas de transparência, sob a perspectiva da assessoria de comunicação, vinculada ao gabinete do procurador-geral, que se encarrega de expor as informações nos diferentes canais do órgão.

A Procuradoria-Geral do Estado de Santa Catarina

A PGE/SC foi criada em 1982, por meio da Emenda Constitucional nº 16. Atualmente, para dar suporte aos processos do estado, a estrutura conta com quatorze regionais (Joinville, Joaçaba, São Miguel do Oeste, Chapecó, Lages, Mafra, Jaraguá do Sul, Rio do Sul, Blumenau, Itajaí, Tubarão, Criciúma, Curitibanos e Caçador), além da Sede e Anexos, localizados em Florianópolis, e a Procuradoria Especial, em Brasília (PGE/SC, 2020).

Qual o papel da Procuradoria?

A PGE/SC foi criada com o objetivo de atuar em prol dos interesses do Estado, sendo considerada uma instituição jurídica de advocacia pública do Estado, mais precisamente, atua como advogada do estado de Santa Catarina. Conforme estabelecido na lei complementar nº 317, de 30 de dezembro de 2015, artigo 4,as competências do órgão são:

-cobrar judicialmente os créditos da Fazenda Pública do Estado;

-defender o patrimônio do Estado;

-zelar pela legalidade, moralidade e eficiência dos atos da administração pública estadual;

-examinar e aprovar as minutas dos editais de licitação, de contratos, de acordos, de convênios e de ajustes celebrados por órgãos da administração pública estadual;

-prestar assessoramento jurídico ao governador do Estado na elaboração de ações diretas de inconstitucionalidade, vetos e atos normativos em geral e;

-assessorar o governador do Estado na elaboração de pareceres e de estudos destinados ao estabelecimento de normas, medidas e diretrizes.

Para quem a Procuradoria-Geral exerce seu trabalho?

Para o estado de Santa Catarina, em especial para o governador, em ações diretas de inconstitucionalidade; e para os municípios do estado, quando solicitado. Na sua atuação, se relaciona também com outros órgãos do Executivo, com os demais Poderes, o sistema de controle, seus próprios servidores e os cidadãos.

Como as informações sobre o trabalho da PGE/SC são comunicadas aos interessados e à sociedade? Quem fornece as informações? Quem costuma buscar mais esclarecimentos?

A assessoria de comunicação, ASCOM, vinculada ao gabinete do Procurador-Geral, conforme estabelecido no decreto nº 1.485, de 7 de fevereiro de 2018, art. 29, tem como atribuições:

-programar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com o serviço de comunicação da PGE;

-coletar informações, elaborar material noticioso e encaminhá-los à Secretaria de Estado de Comunicação (Secom);

-prestar assistência ao Procurador-Geral do Estado e às demais unidades organizacionais internas, incluindo os órgãos vinculados na divulgação de informação estatal;

-atender aos profissionais de imprensa e coordenar as entrevistas; coletar e encaminhar ao Procurador-Geral do Estado, em vídeo, áudio, ou impressos, materiais de interesse da PGE;

-promover a divulgação das realizações e programas da PGE e;

-exercer outras atribuições como: prestar auxílio ao ato normativo e atribuições que estão diretamente ligadas ao Procurador-Geral do Estado.

A Ascom, ao buscar mais clareza e facilidade nas informações expostas, objetiva oferecer satisfação tanto para os cidadãos que vão em busca de informações, quanto para os profissionais do próprio órgão. Em entrevista com Felipe Reis, atual assessor de comunicação, e Maiara Gonçalves, ex assessora de comunicação da PGE/SC, apresentamos dúvidas e curiosidades que pudessem esclarecer sobre o papel que exercem e a responsabilidade associada à prestação de contas voltadas à informação de um órgão público.

Felipe Reis – Assessor de Comunicação da PGE/SC
Maiara Gonçalves – Ex-assessora de Comunicação da PGE/SC

           

PERGUNTASRESPOSTAS
Qual o tipo de informação fornecida?Notícias, processos, documentos e pareceres.
Qual o tipo de linguagem?Formal, compreensível e fácil.
Qual o tipo de publicação?Existe a publicação interna e a externa.
Quais os públicos-alvo?Existem dois tipos: cidadãos interessados nas ações do Estado e profissionais do órgão.
Como as informações chegam para a ASCOM?Publicações internas: por meio de sugestão (canais de whatsApp e e-mail), ou a própria assessoria sugere publicar determinado assunto. Publicações externa: através dos procuradores que atuaram em determinado processo, e por e-mail.
Quais os meios de divulgação?Externas: publicadas nas redes sociais, como, Instagram, facebook, twitter, youtube, site da PGE/SC, podcast (vozes da PGE/SC); Internas: clipagem, intranet e comunicado via e-mail.
Quais as boas práticas de transparência?Pode-se citar o boletim jurídico, pois este está disponibilizado no site da PGE/SC, sendo um compilado de tudo que mudou na legislação do Estado, ao longo do mês. Além disso, nele é possível observar se teve alguma nova lei, alteração ou suspensão.
Quais os critérios para publicação?Informações sigilosa (submetida de modo interno) e informação pública (submetida de modo externo); disponibilidade da informação em diferentes canais, a fim de levar a informação para todos; divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; e prezam pela integridade, proatividade e gestão de transparência da informação.

Como atuam outras Procuradorias estaduais? Há algo que se possa aprender com esses exemplos?

Buscando informações de outras Procuradorias estaduais no Brasil, com a finalidade de verificar características de sua transparência, observamos que algumas redes sociais são bem incompletas, o que dificulta o acesso à informação. Muitos nem disponibilizam dados ou o fazem apenas parcialmente.

Das páginas pesquisadas, duas Procuradorias, a dos estados de Goiás e Paraná, mostram características interessantes relativas à transparência.

Segundo informações disponíveis no site da PGE/GO, o órgão oferece ampla consultoria jurídica ao estado de Goiás e, no último ano de 2019, respondeu a 50% das solicitações em um prazo de 5 (cinco) dias. Sob o lema ‘ágil, moderna e eficiente’, visa reduzir a má gestão pública e indicar os caminhos legais a serem seguidos pelos gestores dentro do estado de Goiás. Ademais, visa atuar nas defesas judiciais do estado, monitora e divulga a estimativa de quanto gerou de economia para o estado, ao defendê-lo nessas ações, e, também, ao cobrar o pagamento de valores devidos ao estado.

Já a PGE/PR, conforme informações de seu site, ampliou sua atuação, deixando de ser somente a defesa do estado, mas também a consultoria jurídica dos órgãos da administração, alguns núcleos administrativos foram criados para melhorar as atividades da organização. Diante do aumento da demanda relacionada aos processos, a PGE/PR se orienta por: aprimoramento da consultoria jurídica; redução da litigiosidade, com a adoção de modelos extrajudiciais; sistemas tecnológicos modernos; novos setores gerenciais e pessoal qualificado.

Em uma busca em ambos os sites da Procuradoria, observa-se que há uma seção específica para “acesso à informação”, com tópicos apresentados de forma clara, facilitando o acesso aos dados. Ambos buscam demonstrar com suas práticas se revertem em benefício aos seus estados, enfatizando o retorno que esses órgãos geram.

As informações prestadas pela PGE/SC podem ser vistas por qual ângulo do sistema de accountability?

A accountability envolve a transparência e a prestação de contas sobre atos e omissões praticados por um agente público. No sistema de accountability brasileiro, conforme apresentado pela professora Paula Chies Schommer em vídeo sobre sistemas de accountability, as Procuradorias-Gerais fariam parte do sistema de controle institucional do Executivo, relacionando-se com o controle judicial, o controle legislativo e o controle social (Abrucio e Loureiro, 2005).

Ao buscar promover transparência das informações públicas, para além de cumprir a legislação básica sobre o tema, a comunicação do órgão busca prestar contas à sociedade sobre os processos e atos resolvidos pela PGE/SC em prol dos interesses do estado. O site da PGE e a intranet são os principais canais para expor os atos, processos e ações desenvolvidas, resolvidas e aplicadas pelo órgão. Além disso, as informações se integram ao Portal da Transparência do Poder Executivo do Estado de SC, a outros sites de órgãos do Estado e ao sistema de ouvidoria, em cumprimento à Lei de Acesso à Informação, visto que a organização divulga as ações através de utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação de forma clara, íntegra, com qualidade e autenticidade.

A partir de análise de diferentes procuradorias e os estudos de accountability, observamos que a PGE/SC busca atender a padrões de transparência e expor informações de atos, processos e ações que realiza, com o objetivo de prestar contas para a sociedade. Nas redes sociais, apresenta uma boa expressão gráfica das notícias. O site é estruturado de modo didático, permitido navegação rápida e sem empecilhos. O órgão tem investido na sua área de comunicação institucional, voltada não apenas ao público interno e a outros segmentos da administração pública, também aos cidadãos em geral. Algo que se pode observar como tendência atual em diversos órgãos públicos, possivelmente como resposta a demandas e pressões da sociedade.

O conhecimento sobre práticas de outras Procuradorias-Gerais e demais órgãos públicos pode contribuir para que a PGE/SC avance ainda mais na transparência de seu trabalho e na comunicação com os diversos públicos com que se relaciona.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Nicole Oliveira, Maria Eduarda de Freitas e Monique Rosa, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

ABRUCIO, Fernando; LOUREIRO, Maria. Finanças públicas, democracia e accountability. ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2005.

BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 317, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2005. Disponível em: <http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2005/317_2005_Lei_complementar.html>. Acessado em: 04/09/2020.

BRASIL. LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> Acessado em: 05/09/2020.

BRASIL. LEGISLAÇÃO ESTADUAL DE SANTA CATARINA. Disponível em: < http://server03.pge.sc.gov.br/LegislacaoEstadual/2018/001485-005-0-2018-003.htm>. Acessado em: 04/09/2020.

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIÁS. Disponível em: <https://www.pge.sc.gov.br/a-pge/>. Acessado em: 05/09/2020.

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DO PARANÁ. Disponível em: <http://www.pge.pr.gov.br/> Acessado em: 05/09/2020.

PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Disponível em: <https://www.pge.sc.gov.br/a-pge/>. Acessado em: 04/09/2020.

Análise de riscos e critérios para priorização nas fiscalizações in loco realizadas por Tribunais de Contas na área ambiental: limites, tendências e colaboração

Por André Luiz Caneparo Machado, Rodrigo Cunha, Daniel Masseli Franco de Sá*

Uma situação comumente vivenciada por órgãos públicos que exercem atividades de controle externo no sistema da administração pública brasileira é a dificuldade de estabelecer critérios para priorização, dado que não há como fiscalizar todas as unidades jurisdicionadas.

A atuação do controle também se orienta, como toda a administração pública, por princípios de eficiência e efetividade no exercício de suas atividades, que se ligam aos propósitos da accountability relacionados ao controle, fiscalização, responsabilização e prestação de contas.

No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, TCE-SC, a Diretoria de Empresas e Entidades Congêneres (DEC) cuida de fiscalizar se o serviço oferecido pelas unidades jurisdicionadas está de acordo com os parâmetros da gestão pública eficiente. Criada por força da Resolução nº TC-0149/2019 de 08/05/2019 com vigência a partir de 01/07/2019, que “Dispõe sobre a estrutura e a competência dos Órgãos Auxiliares do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, e dá outras providências”,  em seu artigo 42, dispõe sobre a finalidade da DEC, como sendo a responsável pelo controle da execução orçamentária, das receitas e das despesas, da prestação dos serviços públicos, dos atos administrativos e das contas de gestão das empresas públicas, de sociedade de economia mista e demais entidades da Administração Pública Estadual e Municipal criadas para a prestação de serviços públicos, bem como de entidades associativas sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas.

A DEC, de acordo com a composição e a subordinação prevista na Organização Administrativa (Portaria nº TC-0337/2019 de 25/06/2019), é uma diretoria técnica e um dos órgãos de controle do TCE/SC), e está subordinada a Diretoria-Geral de Controle Externo (DGCE).

A Divisão 3 da DEC, por sua vez, possui sob sua jurisdição um total de 74 (setenta e quatro unidades) ligadas às temáticas de gestão, habitação, informática, infraestrutura, meio ambiente, metrologia, resíduos sólidos e turismo. Diante do escopo de seu trabalho e da estrutura de fiscalização disponível, cabe procurar compreender os limites e desafios da análise de riscos para a definição de critérios de priorização na ordem das fiscalizações “in loco” a serem realizadas nas unidades com os temas relacionados ao meio ambiente e resíduos sólidos. Trata-se de um universo de 56 unidades, incluindo autarquias estaduais e municipais, consórcios públicos e fundações municipais.

Segundo nosso entrevistado Fabiano Domingos Bernardo – Auditor Fiscal de Controle Externo (AFCE), ocupante do cargo de Chefe da Divisão 3, seria ideal que as unidades fossem fiscalizadas pelo menos uma vez a cada dois anos. Ocorre que existem entidades que precisam de muitas fiscalizações por ano e que movimentam um volume maior de recursos públicos, por exemplo a Comcap, e consequentemente, geram muitos processos referentes a essas entidades. Outras entidades, por outro lado, nunca receberam a fiscalização do TCE/SC.

O entrevistado comentou que a escolha das entidades a serem fiscalizadas “in loco” leva em consideração a utilização de uma matriz de riscos pautada em alguns aspectos – a relevância, o risco, a materialidade e a oportunidade:

a relevância – impacto que causará para a sociedade, ou seja, quanto maior o impacto maior a prioridade;

o risco – a entidade não atinge seus objetivos, existência de algum indício de irregularidade ligado à corrupção, existência do descontrole referente ao controle interno (se está instituído, se funciona, pois se não está funcionando aumenta muito o risco da entidade não atingir seus objetivos), o fato de não estar seguindo as leis e as normas de finanças públicas e;

a materialidade – entidades que movimentam pequeno volume de recursos e outras que movimentam um grande volume de recursos.

Outro fator a ser considerado para as priorizações nas escolha, são as Denúncias e Representações protocoladas no TCE/SC, e as denúncias recebidas pela Ouvidoria. Essas demandas à resposta ou ação do órgão, após análise, podem se constituir em instrumento para verificação de possíveis irregularidades, ligados ao aspecto da oportunidade. Em sendo assim, podem contribuir para a definição de processos fiscalizatórios e auditorias durante o ano.

Ainda, o entrevistado observa que o ideal seria que a Divisão 3 – CEEC II – DEC contasse com uma quantidade maior de servidores. Atualmente, tem o Chefe da Divisão, que possui diversas atribuições, e dois servidores subordinados ocupantes do cargo de AFCE, sendo que todos atuam na realização das auditorias in loco. A atuação nesses processos fiscalizatórios demanda tempo considerável, começando pelo planejamento, preparação do material a ser utilizado durante a auditoria, pesquisas prévias, deslocamento para o local da fiscalização, geralmente pelo período de cinco  dias úteis e, finalmente, pela etapa que elabora o relatório técnico em equipe, nas dependências do TCE/SC. São processos demorados, que envolvem o  contraditório e a ampla defesa,  passando pelo pela área técnica. Tudo isso demanda bastante trabalho e estudo, não costumam ser processos simples.

O exercício das atividades de controle externo pelos Tribunais de Contas necessita, portanto, de integração e compartilhamento de informações com órgãos de controle interno e com o controle social, pois a transparência está intimamente ligada com o interesse público na verificação das condutas praticadas pelos agentes públicos e seus resultados, podendo se constituir em  filtros para a gestão de riscos.

Quanto à possibilidade da utilização da matriz de riscos na fase de planejamento e na execução de auditorias por outros órgãos públicos, o Tribunal de Contas da União (TCU) disponibiliza estudos e tem desenvolvido iniciativas com o objetivo de dar mais consistência ao processo de escolha das ações de controle, considerando critérios de materialidade, relevância, risco e oportunidade.

Nesse processo, o TCU constituiu grupos de trabalho com o “objetivo de desenvolver e testar métodos de seleção de objetos de controle e definição de ações de controle com base em risco, com o fim de subsidiar o planejamento das unidades técnicas do Tribunal” (TCU, 2016).

Para o TCU, um dos maiores desafios para o planejamento das ações das Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) é justamente a alocação de recursos limitados dentre tantas possibilidades de atuação do controle externo, de maneira mais efetiva e que resulte em mais benefícios para a sociedade.

Portanto, a adoção de critérios na escolha dos processos fiscalizatórios tem o objetivo de buscar a melhor escolha para a verificação da regularidade e da gestão da administração pública, que mediante as ações de controle apropriadamente desenhadas, podem oferecer mais benefício para a coletividade, em comparação com escolhas alternativas.

Os critérios que merecem a atenção, segundo o TCU (2016), são:

RiscoRelevânciaMaterialidadeOportunidade
Possibilidade de algo acontecer e ter um impacto nos objetivos de organizações, programas ou atividades governamentais, sendo medido em termos de consequências e probabilidades (TCU, 2012). Pode influenciar no alcance dos objetivos, frustrando expectativas da sociedade. Deve-se considerar uma variedade de fatores internos e externos que podem dar origem a riscos e oportunidades. Impacto X Probabilidade.Indica se o objeto de controle envolve questões de interesse da sociedade, que estão em debate público e são valorizadas (TCU 2010, com adaptações). Portanto, a consideração do critério da relevância assegura que a seleção das ações de controle externo leve em conta o benefício que possa gerar à sociedade.Indica o volume de recursos que o objeto de controle envolve (TCU, 2010). O processo de seleção deve levar em conta os valores associados ao objeto de controle, de forma que a ação de controle possa proporcionar benefícios significativos em termos financeiros.Indica se é pertinente realizar a ação de controle em determinado momento, considerando a existência de dados e informações confiáveis, a disponibilidade de auditores com conhecimentos e habilidades específicas e a inexistência de impedimento para a sua execução.
Fonte: TCU, 2016

As ações priorizadas no ambiente da DEC estão alinhadas com esses critérios do TCU. Torna-se evidente que, quando se trata de atividades de fiscalização e auditoria, não basta que se defina o que se deve fazer, mas também como, com quais recursos. É imprescindível o conhecimento dos recursos humanos e materiais que o órgão tem a sua disposição.

Os objetos de controle e o universo de controle estão diretamente associados à capacidade de controle de cada órgão de fiscalização, e devem ser considerados nos processos de elaboração nos planejamentos de ações fiscalizatórias. Diante desta situação, pode-se afirmar que, por maior que seja a estrutura do órgão de controle, nunca será suficiente, e jamais substituirá o controle efetuado na ponta pelos gestores públicos, servidores e cidadãos.

De acordo com o TCU, 2016, os princípios para a boa gestão pública na aplicação de recursos devem estar alicerçados pela economicidade (mínimo de recursos utilizados para consecução de uma atividade, sem comprometer o padrão de qualidade), efetividade (relação entre resultados de uma intervenção/programa, em termos de efeitos – Impactos Observados X Impactos Esperados), eficácia (alcance das metas programadas – bens e serviços – em um determinado período de tempo, independentemente dos custos implicados), eficiência (relação entre bens e serviços gerados por uma atividade e os custos empregados para produzi-los, em determinado período de tempo, mantidos os padrões de qualidade).

Deparando-se com a realidade encontrada, referente à grande quantidade de jurisdicionados e aspectos a serem analisados e a ínfima estrutura de pessoal disponível para conseguir obter resultados satisfatórios à sociedade, no que se refere à adoção de critérios para elaboração de planejamentos de fiscalizações, sugere-se que a DEC considere as inúmeras possibilidades existentes de colaboração com a sociedade civil, controladores internos e outros órgãos públicos como fontes enriquecedoras de subsídios para o exercício do controle externo.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública André Luiz Caneparo Machado, Rodrigo Cunha e Daniel Masseli Franco de Sá no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

ALVES, Ana Carolina; MARCON, Renata; CARDOSO, Igor. Organizações da sociedade civil, Estado e controle: quais seus papéis e como atuam na política ambiental? POLITEIA – Segundo semestre de 2019. Disponível em: <https://politeiacoproducao.com.br/organizacoes-da-sociedade-civil-estado-e-controle-qual-o-papel-e-como-atuam-na-politica-ambiental/> Acesso em 23/08/2020.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Auditoria Baseada em Risco – Parte 1. Disponível em : <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/tv-tcu/auditoria-baseada-em-risco-parte-1.htm>. Acesso em 23/08/2020.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Auditoria Baseada em Risco – Parte 2. Disponível em : <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/tv-tcu/auditoria-baseada-em-risco-parte-2.htm>. Acesso em 23/08/2020.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Orientações para seleção de objetos e ações de Controle. 2016. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/fiscalizacao-e-controle/auditoria/selecao-de-objetos-e-acoes-de-controle/>. Acesso em 23/08/2020.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Risco e Auditoria – Práticas Desenvolvidas no TCU. 2006. Disponível em: <https://portal.tcu.gov.br/controle-externo/normas-e-orientacoes/tecnicas-estudos-e-ferramentas-de-apoio/>. Acesso em 23/08/2020.

FERREIRA, Davi Gabriel Poker Ferreira; PEIXER, Gabriel. Prestação de contas baseada em resultados dos programas e políticas públicas. POLITEIA – Primeiro semestre de 2018. Disponível em: <https://politeiacoproducao.com.br/prestacao-de-contas-baseada-em-resultados-dos-programas-e-politicas-publicas/>. Acesso em 23/08/2020.

FROTA, David Augusto Souza Lopes. Breves considerações sobre os controles interno, externo e social na Constituição Federal. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/66561/breves-consideracoes-sobre-os-controles-interno-externo-e-social-na-constituicao-federal#:~:text=O%20controle%20interno%2C%20todavia%2C%20ser%C3%A1,%3A%20interno%2C%20externo%20e%20social.>. Acesso em 10/09/2020.

SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Portaria nº TC-0337/2019 de 25/06/2019. Dispõe sobre a Organização Administrativa do Tribunal de Contas do Estado, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/leis_normas/PORTARIA%20N.TC%200337-2019%20CONSOLIDADA.pdf>. Acesso em 23/08/2020.

SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Resolução nº TC-0149/2019 de 08/05/2019. Dispõe sobre a estrutura e a competência dos Órgãos Auxiliares do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/sites/default/files/leis_normas/RESOLU%C3%87%C3%83O%20N.%20TC%200149-2019%20CONSOLIDADA.pdf>. Acesso em 23/08/2020.

Accountability e sociedade civil organizada: o que posso fazer para ajudar?

Por Amanda B. Nunes, Daniela Fernandes e Laís Lucas*

Certamente, você já se deparou com um problema público que lhe incomodou profundamente. Você pode ter passado por uma obra do munícipio que parece que nunca vai terminar com uma placa dos milhões investidos e ter se perguntado se o dinheiro seria aplicado corretamente. Você pode ter um parente que precisa de um cuidado específico que a saúde pública ainda não proporciona ou que não sabe como acessar. Você pode ter se irritado com notícias como o crescimento do desmatamento na Amazônia. É fato: todos já se incomodaram com algum problema público. Mas talvez nem todo mundo continue o raciocínio se perguntando: “O que posso fazer para ajudar?”

Se você olhar para o seu bairro, sua cidade e seu estado, encontrará diversas iniciativas da sociedade civil organizada de diferentes segmentos que, de pouco em pouco, conseguem contribuir para aliviar diferentes problemas públicos.

A emergência da sociedade civil organizada brasileira, segundo Leonardo Avritzer (2012), na década de 1970, é consequência de inúmeros fatores como a forma antissocial adotada pelo Estado autoritário e a falta de transparência nos processos políticos. Ademais, com a elaboração da Constituição de 1988, marco formal do processo de democratização, sua organização ganhou força a partir do restabelecimento de normas legais para o funcionamento da democracia. A partir dela, são adotados mecanismos para a descentralização do Estado, com a municipalização da gestão pública, atribuindo maior poder às cidades. A participação social também ganhou ênfase e importância na formulação e deliberação de políticas públicas em âmbito local, com a institucionalização da presença da sociedade civil organizada nesses processos.  

Essa possibilidade e incentivo relativo à participação nas políticas públicas está relacionada à accountability em todos níveis de governo: municipal, estadual e federal. Mas o que é accountability? É um termo não habitual, mas que poderia estar em nosso cotidiano com mais frequência. Esse termo, de difícil tradução para o português, não apenas por uma questão linguística, também de cultura política e por ser multifacetado, é utilizado como “responsabilização” por atos e omissões dos agentes públicos, que por sua vez exige transparência e capacidade de controle do poder público pela sociedade.

O termo passou a ser mais utilizado, pois houve a necessidade de tornar a palavra accountability mais compreensível ao vocabulário e nas práticas políticas dos brasileiros e que reunisse as três ocorrências definidas por Anna Maria Campos (1990): a) organização dos cidadãos para exercer o controle político do governo; b) descentralização e transparência do aparato governamental; e c) substituição de valores tradicionais por valores sociais emergentes.

Apesar de hoje o termo já ser mais utilizado no país, percebe-se distanciamento entre seu significado e a política praticada no Brasil. Mesmo considerado como um país democrático, com uma Constituição baseada neste tipo de governo, no dia-a-dia, a participação popular ainda não é tão presente na gestão pública. Portanto, conforme observa Luis Felipe Miguel (2005), tem-se um governo do povo no qual o povo não está frequentemente presente nos processos de tomada de decisões e de fiscalização. 

Por outro lado, há   inúmeras organizações da sociedade civil que participam da defesa dos interesses da sociedade e de fiscalização do poder público. Essas organizações possibilitam manifestações do interesse público e de minorias, contribuindo com a democracia e constituindo um mecanismo de mobilização social. Por serem geralmente apartidárias e atuantes no longo prazo, não são afetadas por crises ou trocas do governo vigente. Isso permite com que a organização tenha voz mais ativa e direcionada a seus interesses, direcionadas a certas causas, nas tomadas de decisões da sociedade. Sendo assim, constata-se que elas exercem a accountability através de um senso de responsabilidade coletiva, com a finalidade de interação, colaboração e cobrança, gerando prestação de contas dos governantes aos governados e outros resultados positivos.

Partilhando da visão de que a accountability  é um atributo da sociedade civil,  Carla Giani da Costa, servidora pública de Santa Catarina há mais de 25 anos e administradora pública formada pela Udesc Esag, se voluntariou para atuar junto ao Observatório Social de Florianópolis. Assim, relata em vídeo que encontrou uma forma de auxiliar a sociedade com seu conhecimento técnico em gestão de compras públicas, a fim de traduzir a transparência para a sociedade civil.  Para tanto, trabalhou na capacitação dos voluntários, nas frentes de transparência do município de Florianópolis e na capacitação de microempresários locais, para que os mesmos consigam participar de forma efetiva das compras municipais. Carla, ao atuar dentro da estrutura do governo e também como voluntária da organização, facilita a coprodução do controle da administração pública.

A administradora pública salienta que as compras públicas são um meio para atingir o bem público, sendo de extrema importância que o gestor público consiga entender os feedbacks da sociedade e transformá-los em uma accountability mais eficaz para todos. Além disso, as informações públicas, nesse caso, acerca de compras, devem ser entendíveis pelos cidadãos. Uma das grandes barreiras ainda existentes é que muitas informações publicizadas possuem termos técnicos ou de difícil entendimento. Siglas internas e normas regimentais são exemplos disso, pois quem nunca entrou no portal da transparência e desistiu, por não ter clareza do conteúdo disponibilizado?

Melissa Ribeiro, presidente da ACBG Brasil em Audiência no Senado Federal no processo de aprovação da laringe eletrônica no SUS. Fonte: ACBG Brasil, 2020.

Já Gabriel Marmentini, administrador público, mestre em administração, é  fundador de duas organizações da sociedade civil importantes em âmbito nacional: a Associação de Câncer de Boca e Garganta (ACBG Brasil) e o Instituto Politize.  O administrador público, relata em vídeo acreditar que, como parte da sociedade civil, tem o papel de controle social e de fiscalização dos agentes públicos, e suas organizações também precisam ser accountable, prestando contas em relação ao que fazem e aos resultados gerados para a sociedade. Salienta que não é apenas por questão de transparência e ética, mas porque é necessário que haja comunicação com a população, para ter uma comunicação de causas, com o objetivo de a sociedade valorizar e ajudar o terceiro setor, sendo uma relação mútua.

Para isso, as organizações devem cobrar respostas do poder público, mas também identificar quando essas respostas não são adequadas, propondo a formulação de novas políticas públicas. Um exemplo disso é a atuação da ACBG Brasil no advocacy, ou seja, na formulação de agenda para pautar novas políticas públicas e melhorar as que já existem, em interlocução com agentes públicos e instituições, se relacionando de uma forma aberta. Como exemplo desse tipo de atuação, a organização contribuiu para que fosse incluída na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS) um dispositivo chamado laringe eletrônica, utilizado por pessoas que perderam a voz, para voltarem a falar.

Isso foi parte de um longo processo, em que a laringe eletrônica se tornou um direito dos pacientes através de uma Portaria do Ministério Público. No entanto, ela ainda não se reverteu no acesso ao direito. Agora é preciso que a ACBG, ou qualquer interessado, fiscalize o processo para ter conhecimento do que está acontecendo e possa exigir que esse direito seja implementado de fato com perguntas como “O que houve? Falta vontade? Falta dinheiro? Como podemos colaborar?”

Em todas as organizações da sociedade civil, como disse Gabriel, a accountability aparece de formas diferentes. Então, voltando à pergunta do início, tendo esses exemplos em mente: O que você pode fazer para ajudar? Quais causas ou organizações da sociedade civil você apoia ou gostaria de participar? Como você pode contribuir para aprimorar o sistema de accountability brasileiro?

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Amanda Büttenbender Nunes, Daniela da Silva Fernandes e Laís Lucas, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando; LOUREIRO, Maria. Finanças públicas, democracia e accountability. ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004

ANDION, Carolina; SERVA, Maurício.Por uma visão positiva da sociedade civil: uma análise histórica da sociedade civil organizada no Brasil. Cayapa: Revista Venezolana de Economía Social, San Cristóbal, v. 7, n. 4, p.7-23, dez. 2004. Semestral.

AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e Estado no Brasil: da autonomia à interdependência política. Opinião Pública, Campinas, v. 18, n. 2, p.383-398, nov. 2012. Quadrimestral.

CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, fev./abr. 1990.

DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil, Espaços Públicos e a Construção Democrática no Brasil: Limites e Possibilidades. In: DAGNINO, Evelina (Org.). Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002b. Cap. 8. p. 279-301.

DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? Políticas de ciudadanía y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: FACES, Universidad Central de Venezuela, pp. 95-110. 2004.

FIGUEIREDO, Nayra. O papel da sociedade civil organizada e da transparência no controle social em governos locais. 2016. Dissertação para Mestre em Administração (Pós-Graduação em Administração) – Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, 2016.

MIGUEL, Luís Felipe. Impasses da accountability: dilemas e alternativas da representação política. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 25, p. 25-38, nov. 2005.

PINHO, José; SACRAMENTO, Ana. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública – RAP, Rio de Janeiro, nov./dez. 2009.

Do acesso à informação à proteção de dados: o limiar entre legislações

Por Clélia Kruschinski Müller, Andrei Colonetti, Natan Corazza e Leonardo Busnello Guimarães*

A Lei de Acesso à Informação, LAI – lei Nº 12.527/2011 – traz os direitos dos cidadãos quanto ao que eles têm acesso e o que eles podem pedir acesso por não estar disponível naquele momento – isto é, não está disponibilizado publicamente naquele momento, mas estará disponível caso requerido, no caso de seguir a legislação.

O processo de construção da LAI iniciou em 2003, com o objetivo de que houvesse a garantia de acesso ao conhecimento das ações e estruturas do governo, além dos resultados de ações e aplicação de recursos públicos. A Lei entrou em vigor no país em 2012, devendo ser cumprida pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em todos os níveis do governo – Federal, Estadual, Municipal e o Distrito Federal, bem como pelas entidades da administração indireta.

Outra lei importante relacionada à informação é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – lei Nº 13.709/2018. Ela foi sancionada em 2018, e entrará em vigor em agosto de 2020, regulamentando o uso de dados pessoais de clientes e usuários por parte de empresas públicas e privadas. Segundo Maurício Rotta, em entrevista no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, a Lei Geral de Proteção de Dados é uma lei de governança que estabelece papéis e responsabilidades para todos os atores relacionados aos dados (desde os detentores até os controladores dos dados), cada um dos atores com seus direitos – e deveres. As empresas que incluírem informações de seus clientes em suas bases devem passar a seguir os procedimentos definidos na lei.

Cabe então considerar: até que ponto as informações devem ser públicas, e até qual ponto devem ser privadas? Quando consideramos que a publicização de dados é, de fato, importante, é necessário considerar que dados pessoais podem se tornar disponíveis, e, com isso, podem ir contra a proteção de dados pessoais, mesmo que no momento isso não fique claro. Quais dados devem ser, de fato, públicos? E quais devem ser privados? Até que ponto os dados da administração pública – e dos cidadãos – devem ser publicizados, e em qual ponto devem ser protegidos? Como definir quais dados entram em uma seara, e quais em outra?

As tecnologias da informação e de sistemas facilitam a sistematização dos dados do governo, que por sua vez aumenta a transparência, ao possibilitar que cidadãos comuns e profissionais acessem os dados e os utilizem para realizar análises variadas e precisas sobre a ação dos governos. Por outro lado, informações pessoais de servidores públicos, por exemplo, também estão disponíveis, o que poderia causar inclusive problemas para sua segurança, no caso de pessoas agindo com má-fé. Além disso, outras informações podem se tornar perigosas caso sejam utilizadas de forma negativa, o que poderia causar problemas tanto para administração pública quanto para outras pessoas no geral. Por isso o questionamento de quais dados entram na seara de publicização e quais deveriam ser, de fato, privados – e quem deve decidir isso.

Com isso, trazemos a entrevista feita com Maurício Rotta, que é advogado com expertise nas áreas de Direito Digital e Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento, com ênfase em Governo Eletrônico, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em conversa com ele no Programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, tratou-se de diversas questões, especialmente voltando para a questão do acesso à informação versus proteção de dados.

Fonte: Linkedin: Maurício Rotta, 2019.

O entrevistado comentou sobre a lei de acesso à informação assegurar o direito dos cidadãos de terem acesso à informações públicas ou solicitá-las quando não disponíveis naquele momento – para ele, a LAI foi pioneira em formar uma cultura de transparência no momento. Ele também comenta que a Lei de Proteção de Dados Pessoais não é contraditória com uma cultura de transparência – por mais que possamos imaginar que seja.

Ambas as leis necessitam de governança, e vale-se ressaltar que a LAI, conforme Maurício comenta, é de suma importância para a prestação de contas e até mesmo para se ter o controle da transparência, sendo assim, qualquer novo instrumento que venha a surgir nessa vertente servirá como complemento para dar mais segurança aos dados e fortalecer a confiança dos cidadãos como um todo.

“A consciência de que cada um de nós é detentor de direitos – e um deles é o direito de privacidade de suas informações pessoais”.

Maurício Rotta também comenta sobre as plataformas de tecnologias da informação e a importância destas para a transparência – através delas diversos países tornam mais fácil o acesso à informação, tornando mais fácil, de fato, a transparência.

Uma das questões que de fato permeou todo o debate, foi justamente sobre a relação entre transparência e a Lei de proteção de dados, e com isso, Maurício nos traz uma importante questão, a de cada ator conhecer, de fato, seus papéis e responsabilidades.  

“Uma vez que conheço meus papéis e que sei quais são minhas responsabilidades eu sei que tipo de prestação de contas eu tenho que fazer, e a partir daí que a transparência passa a ser empregada […], que eu presto conta dos meus deveres.”

Inclusive, conforme o próprio convidado fala, as empresas precisam dizer quais são os dados coletados, para que estão sendo coletados, e precisam também se desfazer desses dados uma vez que forem utilizados – e, além disso, elas precisam fazer um inventário destes dados. Esse tipo de método e legislação já existe em diversos países, que seguem garantindo a proteção dos dados de seus cidadãos, e o Brasil iniciou seu caminho na mesma direção.

Portanto, a transparência entra justamente para que haja a publicização, também, de como os dados das pessoas são utilizados por empresas privadas, o que garante assim maior segurança tanto para a população, quanto para as empresas.

Então, para poupar muitas preocupações: uma lei deixa claro até aonde a outra pode ir, e ambas pretendem garantir que a publicização dos dados vá até onde deva ir, sem prejudicar ninguém – e sendo muito claras sobre o que estão fazendo com esses dados.

Enquanto a LAI garante que a população saiba o que a administração pública está fazendo, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais garante que a população não seja prejudicada através da utilização de dados pessoais – e, com isso, ninguém sai perdendo.

Ouça aqui a entrevista completa com Maurício Rotta no programa Nas Entrelinhas, da Rádio Udesc

REFERÊNCIAS

ANGÉLICO, F. Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático. Estúdio Editores: São Paulo, 2015. 

BRASIL. E-SIC: Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão. Disponível em: <https://esic.cgu.gov.br/SISTEMA/SITE/INDEX.ASPX>. Acesso em: 16 nov. 2019.

MICHENER, Gregory; CONTRERAS, Evelyn; NISKIER, Irene. Da Opacidade à Transparência? Avaliando a lei de Acesso à Informação no Brasil Cinco Anos Depois. Revista de Administração Pública: Rio de Janeiro, v. 52, n. 4, p. 610-629, jul./ago. 2018.

ROTTA, Maurício José Ribeiro et al. Digital Commons and Citizen Coproduction in Smart Cities: Assessment of Brazilian Municipal E-Government Platforms. Energies: v. 12, n. 14, p. 2813, 2019.

ROTTA, Maurício. Linkedin: Maurício Rotta. Disponível em: < https://www.linkedin.com/in/mauriciorotta/>. Acesso em 16 nov. 2019.

SENADO FEDERAL. Transparência. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/transparencia>. Acesso em: 16 nov. 2019.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Serviço de Informação ao Cidadão – SIC. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sic/projects/ouvidoria/wiki/In%C3%ADcio>. Acesso em: 16 nov. 2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Central do Cidadão e Atendimento. Brasília, 2019. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/PORTAL/CENTRALCIDADAO/MENSAGEM.ASP>. Acesso em: 16 nov. 2019.

UDESC. Entrevista com Maurício Rotta. Nas entrelinhas: Florianópolis, 2019. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XkkA2Cax3WRG29jZ52c24pbip9ZCpmC1/view?usp=sharing . Acesso em: 9 nov. 2019.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Andrei Colonetti, Clélia Kruschinski Müller, Leonardo Busnello Guimarães e Natan Corazza, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 20