Por André Luiz Caneparo Machado, Rodrigo Cunha, Daniel Masseli Franco de Sá*
Uma situação comumente vivenciada por órgãos públicos que exercem atividades de controle externo no sistema da administração pública brasileira é a dificuldade de estabelecer critérios para priorização, dado que não há como fiscalizar todas as unidades jurisdicionadas.
A atuação do controle também se orienta, como toda a administração pública, por princípios de eficiência e efetividade no exercício de suas atividades, que se ligam aos propósitos da accountability relacionados ao controle, fiscalização, responsabilização e prestação de contas.
No âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, TCE-SC, a Diretoria de Empresas e Entidades Congêneres (DEC) cuida de fiscalizar se o serviço oferecido pelas unidades jurisdicionadas está de acordo com os parâmetros da gestão pública eficiente. Criada por força da Resolução nº TC-0149/2019 de 08/05/2019 com vigência a partir de 01/07/2019, que “Dispõe sobre a estrutura e a competência dos Órgãos Auxiliares do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, e dá outras providências”, em seu artigo 42, dispõe sobre a finalidade da DEC, como sendo a responsável pelo controle da execução orçamentária, das receitas e das despesas, da prestação dos serviços públicos, dos atos administrativos e das contas de gestão das empresas públicas, de sociedade de economia mista e demais entidades da Administração Pública Estadual e Municipal criadas para a prestação de serviços públicos, bem como de entidades associativas sujeitas à jurisdição do Tribunal de Contas.
A DEC, de acordo com a composição e a subordinação prevista na Organização Administrativa (Portaria nº TC-0337/2019 de 25/06/2019), é uma diretoria técnica e um dos órgãos de controle do TCE/SC), e está subordinada a Diretoria-Geral de Controle Externo (DGCE).
A Divisão 3 da DEC, por sua vez, possui sob sua jurisdição um total de 74 (setenta e quatro unidades) ligadas às temáticas de gestão, habitação, informática, infraestrutura, meio ambiente, metrologia, resíduos sólidos e turismo. Diante do escopo de seu trabalho e da estrutura de fiscalização disponível, cabe procurar compreender os limites e desafios da análise de riscos para a definição de critérios de priorização na ordem das fiscalizações “in loco” a serem realizadas nas unidades com os temas relacionados ao meio ambiente e resíduos sólidos. Trata-se de um universo de 56 unidades, incluindo autarquias estaduais e municipais, consórcios públicos e fundações municipais.
Segundo nosso entrevistado Fabiano Domingos Bernardo – Auditor Fiscal de Controle Externo (AFCE), ocupante do cargo de Chefe da Divisão 3, seria ideal que as unidades fossem fiscalizadas pelo menos uma vez a cada dois anos. Ocorre que existem entidades que precisam de muitas fiscalizações por ano e que movimentam um volume maior de recursos públicos, por exemplo a Comcap, e consequentemente, geram muitos processos referentes a essas entidades. Outras entidades, por outro lado, nunca receberam a fiscalização do TCE/SC.
O entrevistado comentou que a escolha das entidades a serem fiscalizadas “in loco” leva em consideração a utilização de uma matriz de riscos pautada em alguns aspectos – a relevância, o risco, a materialidade e a oportunidade:
a relevância – impacto que causará para a sociedade, ou seja, quanto maior o impacto maior a prioridade;
o risco – a entidade não atinge seus objetivos, existência de algum indício de irregularidade ligado à corrupção, existência do descontrole referente ao controle interno (se está instituído, se funciona, pois se não está funcionando aumenta muito o risco da entidade não atingir seus objetivos), o fato de não estar seguindo as leis e as normas de finanças públicas e;
a materialidade – entidades que movimentam pequeno volume de recursos e outras que movimentam um grande volume de recursos.
Outro fator a ser considerado para as priorizações nas escolha, são as Denúncias e Representações protocoladas no TCE/SC, e as denúncias recebidas pela Ouvidoria. Essas demandas à resposta ou ação do órgão, após análise, podem se constituir em instrumento para verificação de possíveis irregularidades, ligados ao aspecto da oportunidade. Em sendo assim, podem contribuir para a definição de processos fiscalizatórios e auditorias durante o ano.
Ainda, o entrevistado observa que o ideal seria que a Divisão 3 – CEEC II – DEC contasse com uma quantidade maior de servidores. Atualmente, tem o Chefe da Divisão, que possui diversas atribuições, e dois servidores subordinados ocupantes do cargo de AFCE, sendo que todos atuam na realização das auditorias in loco. A atuação nesses processos fiscalizatórios demanda tempo considerável, começando pelo planejamento, preparação do material a ser utilizado durante a auditoria, pesquisas prévias, deslocamento para o local da fiscalização, geralmente pelo período de cinco dias úteis e, finalmente, pela etapa que elabora o relatório técnico em equipe, nas dependências do TCE/SC. São processos demorados, que envolvem o contraditório e a ampla defesa, passando pelo pela área técnica. Tudo isso demanda bastante trabalho e estudo, não costumam ser processos simples.
O exercício das atividades de controle externo pelos Tribunais de Contas necessita, portanto, de integração e compartilhamento de informações com órgãos de controle interno e com o controle social, pois a transparência está intimamente ligada com o interesse público na verificação das condutas praticadas pelos agentes públicos e seus resultados, podendo se constituir em filtros para a gestão de riscos.
Quanto à possibilidade da utilização da matriz de riscos na fase de planejamento e na execução de auditorias por outros órgãos públicos, o Tribunal de Contas da União (TCU) disponibiliza estudos e tem desenvolvido iniciativas com o objetivo de dar mais consistência ao processo de escolha das ações de controle, considerando critérios de materialidade, relevância, risco e oportunidade.
Nesse processo, o TCU constituiu grupos de trabalho com o “objetivo de desenvolver e testar métodos de seleção de objetos de controle e definição de ações de controle com base em risco, com o fim de subsidiar o planejamento das unidades técnicas do Tribunal” (TCU, 2016).
Para o TCU, um dos maiores desafios para o planejamento das ações das Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS) é justamente a alocação de recursos limitados dentre tantas possibilidades de atuação do controle externo, de maneira mais efetiva e que resulte em mais benefícios para a sociedade.
Portanto, a adoção de critérios na escolha dos processos fiscalizatórios tem o objetivo de buscar a melhor escolha para a verificação da regularidade e da gestão da administração pública, que mediante as ações de controle apropriadamente desenhadas, podem oferecer mais benefício para a coletividade, em comparação com escolhas alternativas.
Os critérios que merecem a atenção, segundo o TCU (2016), são:
Risco | Relevância | Materialidade | Oportunidade |
Possibilidade de algo acontecer e ter um impacto nos objetivos de organizações, programas ou atividades governamentais, sendo medido em termos de consequências e probabilidades (TCU, 2012). Pode influenciar no alcance dos objetivos, frustrando expectativas da sociedade. Deve-se considerar uma variedade de fatores internos e externos que podem dar origem a riscos e oportunidades. Impacto X Probabilidade. | Indica se o objeto de controle envolve questões de interesse da sociedade, que estão em debate público e são valorizadas (TCU 2010, com adaptações). Portanto, a consideração do critério da relevância assegura que a seleção das ações de controle externo leve em conta o benefício que possa gerar à sociedade. | Indica o volume de recursos que o objeto de controle envolve (TCU, 2010). O processo de seleção deve levar em conta os valores associados ao objeto de controle, de forma que a ação de controle possa proporcionar benefícios significativos em termos financeiros. | Indica se é pertinente realizar a ação de controle em determinado momento, considerando a existência de dados e informações confiáveis, a disponibilidade de auditores com conhecimentos e habilidades específicas e a inexistência de impedimento para a sua execução. |
As ações priorizadas no ambiente da DEC estão alinhadas com esses critérios do TCU. Torna-se evidente que, quando se trata de atividades de fiscalização e auditoria, não basta que se defina o que se deve fazer, mas também como, com quais recursos. É imprescindível o conhecimento dos recursos humanos e materiais que o órgão tem a sua disposição.
Os objetos de controle e o universo de controle estão diretamente associados à capacidade de controle de cada órgão de fiscalização, e devem ser considerados nos processos de elaboração nos planejamentos de ações fiscalizatórias. Diante desta situação, pode-se afirmar que, por maior que seja a estrutura do órgão de controle, nunca será suficiente, e jamais substituirá o controle efetuado na ponta pelos gestores públicos, servidores e cidadãos.
De acordo com o TCU, 2016, os princípios para a boa gestão pública na aplicação de recursos devem estar alicerçados pela economicidade (mínimo de recursos utilizados para consecução de uma atividade, sem comprometer o padrão de qualidade), efetividade (relação entre resultados de uma intervenção/programa, em termos de efeitos – Impactos Observados X Impactos Esperados), eficácia (alcance das metas programadas – bens e serviços – em um determinado período de tempo, independentemente dos custos implicados), eficiência (relação entre bens e serviços gerados por uma atividade e os custos empregados para produzi-los, em determinado período de tempo, mantidos os padrões de qualidade).
Deparando-se com a realidade encontrada, referente à grande quantidade de jurisdicionados e aspectos a serem analisados e a ínfima estrutura de pessoal disponível para conseguir obter resultados satisfatórios à sociedade, no que se refere à adoção de critérios para elaboração de planejamentos de fiscalizações, sugere-se que a DEC considere as inúmeras possibilidades existentes de colaboração com a sociedade civil, controladores internos e outros órgãos públicos como fontes enriquecedoras de subsídios para o exercício do controle externo.
*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública André Luiz Caneparo Machado, Rodrigo Cunha e Daniel Masseli Franco de Sá no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.
Referências
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