Por Pedro Braga Montoya e Thaynná Machado Sene*
A transparência como guia da administração pública desponta como um dos temas mais importantes no cenário político contemporâneo. Já a accountability, ou a capacidade de prestar contas e ser responsabilizado por atos e omissões, costuma estar associada ao nível de transparência de um município, além de ser uma demonstração do grau de empenho dos gestores públicos em garantir que a população tenha efetivo acesso às informações públicas relevantes. A transparência contempla desde dados funcionais de servidores até dados mais complexos, como por exemplo o custo de contratações de empresas em processos licitatórios, a execução dos contratos, os critérios de acesso e a qualidade dos serviços públicos. Mais do que apenas apresentar e expor os dados brutos, é papel do gestor público garantir que o cidadão possa compreender facilmente as informações de seu interesse.
No âmbito municipal, as câmaras de vereadores desempenham as funções típicas do legislativo, o que inclui o controle e a fiscalização das ações do Executivo e a responsabilidade pela transparência da atuação da própria Câmara. Sendo assim, o aprimoramento e o desenvolvimento de novos e melhores mecanismos de transparência requer um alinhamento institucional que objetive promover a prestação de contas em toda a municipalidade.
Contexto nacional
A promulgação da Lei n. 12.527 de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), abriu caminho para uma mudança sem precedentes nas políticas de transparência em todas as esferas de poder no Brasil. Tendo como propósito a “[…] observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”, a Lei trouxe à tona a necessidade de dispor e oferecer mecanismos claros e de fácil acesso para que os cidadãos possam exercer o efetivo controle social. Ao longo dos últimos anos, os governos federal, estaduais e municipais instituíram novas diretrizes e práticas para ampliar o acesso à informação em suas esferas de atuação, também como parte da agenda anticorrupção.
De acordo com o que se pode observar no Diário Oficial da União, por exemplo, o ritmo dessa transformação se reflete no campo normativo por meio da publicação de normas, leis e diretrizes que expressam os parâmetros de governança pública da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e que têm como meta a promoção de um governo aberto e participativo. Por outro lado, o desafio de avançar na transparência é constante em sua implementação, a exemplo do recente decreto que impõe sigilos no governo federal.
Transparência no Executivo e Legislativo em Florianópolis
Na 2° Edição da Escala Brasil Transparente – Avaliação 360°, elaborada pela Controladoria-Geral da União, e divulgada em maio de 2021, Florianópolis recebeu nota 8.95 em transparência ativa e passiva, em uma escala de 0 a 10. Os pontos negativos em transparência ativa (informações disponibilizadas por iniciativa própria pelo poder público) apontados pelo ranking são: a ausência de relatório estatístico contendo a quantidade de pedidos de acesso à informação recebidos, atendidos ou indeferidos, e a inexistência de base de dados contendo o catálogo e inventário de dados do município. Em relação à transparência passiva (informações disponibilizadas pelo poder público mediante solicitação), foram pontuados os seguintes problemas: a não comunicação da possibilidade de recurso após resposta de pedido de informação e a ausência de resposta objetiva às perguntas realizadas mediante solicitação. De modo geral, a cidade recebeu uma avaliação positiva, embora com algumas ressalvas, como exposto, ainda mais se compararmos ao resultado no ano de 2015, que foi de 8,47.
O Portal da Transparência da Câmara Municipal de Florianópolis
A Câmara Municipal de Florianópolis possui um Portal da Transparência ativo na internet em que podem ser encontradas informações sobre todos os contratos e aquisições realizadas a partir do ano de 2011, bem como informações orçamentárias consolidadas. Ainda, é possível consultar dados detalhados sobre despesas e receitas, valores empenhados e pagamentos por favorecido, e dados funcionais de servidores ativos e inativos da Casa. O conteúdo integral de contratos e licitações também pode ser consultado no Portal. O formulário de solicitação de abertura de pedido de acesso à informação foi facilmente localizado no canto direito do site. Há, ainda, o portal da Câmara de Florianópolis, com informações sobre as atividades do Legislativo Municipal.
Apesar de o município apresentar uma grande expectativa sobre sua capacidade de gerar inovações em transparência, diante das suas boas condições, é possível notar objeção do Poder Público, no que diz respeito a como a transparência pode se aproximar da participação social, para que os cidadãos possam ter mais atuação e auxiliar ainda mais no resultado.
Iniciativas pela transparência na Câmara Municipal de Florianópolis
Em setembro de 2018, a equipe do vereador Gabriel Meurer protocolou o Projeto de Lei n. 17.623/2018, que trata da instituição da Política de Dados Abertos do Poder Público Municipal. O projeto foi elaborado por acadêmicos de Administração Pública da Udesc Esag. Após quase um ano de discussão interna e tramitação por diversas comissões, em agosto de 2019 o projeto foi aprovado na Câmara, sancionado pelo Prefeito Municipal e tornou-se a Lei n. 10.584/2019.
A política contempla também o Legislativo Municipal, conforme exposto no inciso I: “I – promover a publicação de dados contidos em bases de dados de órgãos e entidades da administração pública municipal direta, autárquica e fundacional, bem como do Poder Legislativo, sob a forma de dados abertos”. Um dos objetivos da Lei é: “fomentar o controle social e o desenvolvimento de novas tecnologias destinadas à construção de ambiente de gestão pública participativa e democrática e à melhor oferta de serviços públicos para o cidadão”.
O artigo 3° da Lei apresenta como se dará a instituição da Política de Dados Abertos do Poder Público Municipal:
A Política de Dados Abertos do Poder Público municipal é regida pelos seguintes princípios e diretrizes:
I – observância da publicidade das bases de dados como preceito geral e do sigilo como exceção;
II – garantia de acesso irrestrito às bases de dados, de forma passiva ou ativa, às quais devem ser legíveis por máquina e estar disponíveis em formato aberto;
III – descrição das bases de dados, com informação suficiente para a compreensão de eventuais ressalvas quanto à sua qualidade e integridade;
IV – permissão irrestrita de reuso das bases de dados publicadas em formato aberto;
V – completude e interoperabilidade das bases de dados, as quais devem ser disponibilizadas em sua forma primária, com o maior grau de granularidade possível, ou referenciar as bases primárias, quando disponibilizadas de forma agregada;
VI – atualização periódica, de forma a garantir a perenidade dos dados, a padronização de estruturas de informação e o valor dos dados;
VII – designação de responsável pelo acompanhamento e atualização das bases de dados abertos; e
VIII – disponibilizar canal para prestação de assistência quanto ao uso de dados.
A Lei foi um importante marco para a melhoria das ferramentas de transparência e controle social em Florianópolis, trazendo ao cidadão a possibilidade de acesso fácil aos dados de todos os órgãos vinculados ao poder público municipal.
Embora aprovada em 2019, até agosto de 2021, não se tem informação disponível e acessível ao público sobre o estágio de sua implementação. O que demonstra a relevância e a necessidade de a Câmara atuar não apenas na elaboração de leis, mas também na fiscalização de sua execução. O que exige mobilização da sociedade.
Outro passo da Câmara Municipal de Florianópolis em favor da transparência foi a implantação do sistema Paperlles Gov, em 2020. Em substituição ao antigo Sistema de Gestão de Documentos (SGD), o Paperless Gov possibilita que todo o fluxo de documentos internos da Câmara seja realizado de forma digital, incluindo as assinaturas dos responsáveis. Dessa forma, quase que instantaneamente os documentos de interesse público podem ser disponibilizados nos canais de comunicação da Câmara e no Portal da Transparência, e aqueles disponibilizados mediante solicitação podem ser enviados mais rapidamente.
Ainda, a Comissão Parlamentar Especial pela Transparência elaborou, em 2020, um projeto de lei da Política Municipal de Transparência para Florianópolis, que atualmente se encontra em processo de tramitação. O processo de construção envolveu a colaboração entre Câmara Municipal de Florianópolis, sociedade civil e outras organizações públicas. A elaboração do projeto foi o desfecho de um trabalho realizado em conjunto com a participação de vereadores, grupo de pesquisa Politeia da Universidade do Estado de Santa Catarina, Ministério Público de Contas, Controladoria Geral da União, grupo de pesquisa Nigep da Universidade Estadual de Londrina, Observatório Social de Florianópolis, Tribunal de Contas do Estado, Instituto Politize! e Comissão de Moralidade Pública da OAB/SC.
As iniciativas apresentadas são passos para fornecer ao cidadão maneiras mais eficazes de fiscalizar o poder público, bem como fazer valer a obrigação dos gestores de dar publicidade aos seus atos. A Câmara Municipal de Florianópolis reflete uma tendência no sentido de aumentar e melhorar seus sistemas de prestação de contas, como podemos observar no Ranking de transparência, que realiza uma comparação com as demais capitais do país. Entretanto, há limites e obstáculos que merecem atenção dos membros do Legislativo e da população, deixando em evidência a necessidade de mais avanços na Câmara Municipal de Florianópolis em relação aos seus sistemas de prestação de contas.
* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Pedro Montoya e Thaynná Machado Sene, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, em 2021.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Escala Brasil Transparente. Disponível em: https://mbt.cgu.gov.br/publico/avaliacao/escala_brasil_transparente/66#ranking. Acesso em: 11 ago. 2021.
Câmara Municipal de Florianópolis. CPE da CMF propõe política municipal de transparência para Florianópolis. Disponível em: https://www.cmf.sc.gov.br/noticia/cpe-da-cmf-propoe-politica-municipal-de-transparencia-para-florianopolis. Acesso em: 22 ago. de 2021.
Diário Oficial do Município de Florianópolis. Página 2 do Diário Oficial do Município de Florianópolis (DOM-FLN-SC) de 2 de Agosto de 2019. Jusbrasil. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/254621986/dom-fln-sc-02-08-2019-pg-2. Acesso em: 23 jul. de 2021.
Diário Oficial da União. PORTARIA Nº 356, DE 21 DE JULHO DE 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-356-de-21-de-julho-de-2021-333547616. Acesso em: 11 ago de 2021.
Mapa Brasil Transparente. Avaliações independentes. MBT gov.br. Disponível em: https://mbt.cgu.gov.br/publico/avaliacao/avaliacoes_independentes. Acesso em: 23 jul. de 2021.
Palácio do Planalto. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em 23 de jul. de 2021.
Portal da Transparência da Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: https://transparencia.e-publica.net/epublica-portal/#/florianopolis/portal?entidade=1018. Acesso em 23 jul. de 2021.
SILVEIRA, Camila Mendes Lapolli; SILVA, Júlia Gabriela Maciel da; MACEDO, Jeniffer; RODRIGUES, Manoella Costa. Transparência na Câmara Municipal de Florianópolis: o sistema Paperless Gov e sua contribuição para o Legislativo da Capital. Florianópolis. Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/category/opiniao/. Acesso em: 23 jul. de 2021.