Por Camila Vichroski Baumgarten, Clara Zanelato Laurentino, Mariana Rodrigues da Rosa e Nathalia Nienchoter dos Santos*
Neste texto, abordamos a forma como o controle interno auxilia no desenvolvimento da accountability, em particular quando se adota uma estrutura que contempla ferramentas para avalição sistemática de controles internos. Inicia-se caracterizando esses instrumentos e seu papel no desempenho dos controles, seguindo com uma análise da atuação da Controladoria Geral do Estado (CGE) como um órgão que fortalece o controle interno na gestão pública no estado de Santa Catarina.
O controle interno está ligado à identificação de riscos em um processo, atividade ou ação, tendo como função o aprimoramento do desempenho da organização e a contribuição para que esta cumpra seus objetivos. Dessa maneira, o controle interno auxilia na diminuição dos riscos e se torna um processo com o qual, através de ações, medidas e políticas desenvolvidas por indivíduos capacitados, promove segurança nas atividades executadas, por meio do respeito às normas, procedimentos e divulgação de processos e resultados.
A primeira menção a uma organização dedicada ao controle interno no Brasil remete a 1680, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal. Nesse ano foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e do Rio de Janeiro (LIMA, 2012), que tinham como função o controle das finanças públicas. Com a Proclamação da República, em 1889, foi criado o Tribunal de Contas da União, órgão responsável pelo controle externo. Nessa época, o controle interno tinha como função a análise de conformidades. Já em 2003, destaca-se a transformação da Corregedoria-Geral, criada em 2001 pela medida provisória n. 2.143-31, de 2 de abril de 2001, em Controladoria-Geral da União, CGU, contemplando alterações nas suas atribuições. O órgão passou a ter responsabilidade de “controle interno, disciplinar, promoção da transparência e da cidadania, aprimoramento do marco legal para prevenção e combate à corrupção, bem como a coordenação das ouvidorias federais” (LIMA, 2012 p.19).
O controle é essencial na estrutura do Estado, contribuindo para seu funcionamento adequado, de acordo com os princípios da administração pública legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conhecidos pela sigla LIMPE (BRASIL, 2021). Esses princípios devem orientar o desenvolvimento dos órgãos e ações públicas, contribuindo para a avaliação e acompanhamento dos processos administrativos, prestação de contas e accountability. Em uma abordagem da lógica política do controle interno, conforme estudo de Cecília Olivieri (2010), comentado em resenha de Valdemir Pires, o controle interno tem a “finalidade de colocar a máquina pública e os grupos políticos da coalizão na trajetória definida pelos legítimos detentores do poder atribuído pela sociedade a eles” (POLITEIA, 2012).
De acordo com Lima (2012), o aprimoramento do controle interno auxilia na transparência dos atos administrativos e na accountability por atos e omissões dos agentes públicos, promovendo a ética, trazendo potenciais benefícios à confiança dos cidadãos e servidores no poder público e à participação cidadã na gestão pública; contribuindo no desenvolvimento de processos, atividades, políticas e programas de forma efetiva, auxiliando na tomada de decisões. Através do desenvolvimento de relatórios e pareceres, as atividades de controle interno fornecem informações para apoiar e justificar as decisões e a atuação política e administrativa. O controle interno contribui para identificar situações de fraudes e atos ilegais nos processos e atividades, a partir do que se pode comunicar às autoridades competentes para que sejam tomadas as devidas providências.
Para desenvolver a accountability e promover o controle interno e a avaliação da prestação de serviços, um dos instrumentos adotados em organizações públicas ou privadas é a auditoria interna. Esta tem como função comparar os resultados e objetivos da organização, a partir da identificação de riscos. Entretanto, a fim de desenvolver pareceres que buscam auxiliar na redução de riscos, o processo de auditoria considera, não somente, o produto resultante, mas também o desenvolvimento da atividade, desde seu princípio.
O controle interno é citado na Constituição Federal de 1988, Art. 74.
Art. 74 Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:
I – avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;
IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional (BRASIL, 1998).
Sendo citado também pela Legislação do Estado de Santa Catarina na Lei Complementar n. 381, de 07 de maio de 2007, e regulamentado no Decreto n. 2069, de 20 de janeiro de 2009, entre outros dispositivos legais. O referido decreto prevê que no estado seja assegurado o desenvolvimento do controle interno em conformidade com a legislação federal
Art. 1º O Sistema Administrativo de Controle Interno da administração pública estadual, previsto nos arts. 30, inciso II, 150 e 151 da Lei Complementar nº 381, de 7 de maio de 2007, tem por finalidades normatizar, coordenar, supervisionar, regular, controlar e fiscalizar a operacionalização das atividades de controle interno no âmbito do Poder Executivo, cabendo-lhe, conforme dispõe o art. 62 da Constituição Estadual:
I – avaliar o cumprimento das metas previstas no Plano Plurianual e a execução dos programas de governo e dos orçamentos do Estado;
II – comprovar a legalidade e avaliar os resultados quanto à eficácia e eficiência da gestão orçamentária, financeira e patrimonial em órgãos e entidades da administração pública estadual e quanto à aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;
III – exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, direitos e haveres do Estado; e
IV – apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional (SANTA CATARINA, 2009).
Reconhecendo a importância da auditoria interna e do aprimoramento do controle interno, foi criada em 2019 a Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, CGE-SC. A CGE-SC foi criada a partir do art. 5° da Lei Complementar n. 741/2019, a qual dispõe sobre a estrutura organizacional da Administração Pública no âmbito do Poder Executivo, na qual a Controladoria é definida como órgão central do Sistema Administrativo de Controle Interno e Ouvidoria (SANTA CATARINA, 2019; LAURENTINO, 2021).
De acordo com o art. 25° da referida Lei Complementar é responsabilidade da CGE coordenar o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo, além das seguintes atividades “tomar as providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da Administração Pública Estadual” (SANTA CATARINA, 2019). Anteriormente, o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo era incumbência da Diretoria de Auditoria Geral–Diag, e Diretoria de Contabilidade Geral-DCOG, vinculadas à Secretaria do Estado da Fazenda – SEF (SANTA CATARINA, 2009).
Posto isto, observa-se um potencial impacto da Controladoria-Geral no desenvolvimento e aprimoramento da accountability. Uma das formas de garantir sua execução nos processos e atos administrativos é mediante a avaliação dos controles internos. A compreensão quanto à adoção de uma estrutura avaliativa de controles internos foi considerada um dos principais objetivos da CGE. Por meio da realização de uma consultoria envolvendo estudantes de administração pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag, no âmbito do Programa de Residência em Gestão Pública, durante o ano de 2021, se pretende chegar, como produto final, à elaboração de um modelo avaliativo dos controles internos, a ser adotado pela CGE.
De acordo com o TCU, as avaliações de controles internos visam analisar um conjunto de critérios e elementos, os quais são definidos pelo Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission (COSO) na definição da estrutura de gestão de riscos que são abordados pela International Organization of Supreme Audit Institutions – INTOSAI (2004). Nas atribuições dos elementos do COSO, são apresentados critérios que analisam pontos importantes do accountability, como atribuição e reconhecimento de responsabilidades, qualidade das informações e comunicação externa. As avaliações dos controles internos auxiliam, ainda, na identificação de responsabilidades dos administradores e na prestação de contas aos superiores, órgãos de controle externo e sociedade.
Por ser um órgão recente, a CGE-SC ainda enfrenta desafios na sua estruturação e atuação. Se observou, com o início da pandemia de Covid-19, em 2020, um desconhecimento da população e de órgãos da administração pública quanto às atribuições e ao funcionamento da Controladoria-Geral. Isso ficou nítido no caso dos respiradores no início da pandemia, o que motivou, inclusive, aprimoramentos em processos internos no Executivo estadual, tema de estudo que analisou as fragilidades da transparência e os avanços promovidos durante a pandemia de COVID-19 (LUZ, JACOMINI e LANGE, 2021). Nesse caso, houve uma cobrança por parte de organizações públicas e sociedade quanto à atuação da CGE no processo de compra, entretanto, além de se tratar de uma situação de emergência, a Controladoria-Geral ainda estava em estágio inicial de estruturação. A auditoria pela CGE foi dispensada, sendo realizada no âmbito do sistema próprio da Secretaria do Estado de Saúde (CGE, 2020).
Os desafios enfrentados pela CGE são muitos, visto sua recente criação e o cenário político instável no Brasil e no estado. Além disso, são observadas questões internas e urgentes, como a carência de um plano de carreira dos Auditores da CGE e o enfrentamento de obstáculos quanto à implementação e aperfeiçoamento dos Sistemas de Controles Internos. Como órgão central do Sistema Administrativo do Controle Interno, a CGE ainda não possui definição em Lei de suas atribuições e competências, o que constituirá um passo importante na estruturação e no fortalecimento do órgão em si e do controle interno no estado, incluindo a atuação das setoriais e seccionais.
Por outro lado, já são muitos os feitos da CGE-SC em pouco tempo. Além das economias e avanços promovidos, em 2021, a Controladoria-Geral, em parceria com organizações da sociedade civil e acadêmicas, apresentou projeto e foi admitida para integrar a Parceria pelo Governo Aberto, Open Government Partnership, OGP. O programa busca unir as partes e desenvolver transparência, responsabilidade, inclusão e eficiência dos governos, na relação com os cidadãos. A elaboração do 1º Plano do Governo de Santa Catarina contou com consulta pública sobre quatro compromissos iniciais propostos, resultando em 51 contribuições que avaliaram e opinaram sobre os compromissos apresentados, que serão realizados com participação do governo, sociedade, organizações da sociedade civil, academia e iniciativa privada.
Outra iniciativa, que tem como finalidade promover e estruturar a CGE se dá pela adoção do Programa de Residência em Gestão Pública (PRGP). Criada em 2019, o projeto está na segunda edição e conta com a presença de alunos do curso de Administração Pública da Universidade do Estado de Santa Catarina, os quais experimentam realidade dos órgãos do Poder Executivo estadual para desenvolver projetos de consultoria visando melhorias da gestão pública.
No ano de 2020, o programa contou com a adesão da CGE-SC, Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade, SIE-SC e Secretaria de Administração, SEA-SC, todos órgãos do Executivo estadual. Os residentes têm como intuito diagnosticar, propor e efetuar soluções para as questões vivenciadas pelas organizações. A Controladoria conta com cinco residentes, os quais atuam em diversas áreas, entre elas são observados três projetos que visam aprimorar o controle interno. São eles: a estruturação de um modelo avaliativo de controles internos; o dimensionamento do sistema de controle interno, ouvidoria e correição e; por fim, o mapeamento de processos da ouvidoria e acesso à informação.
Considerando o presente momento vivenciado no país, o fortalecimento da accountability e da gestão pública de Santa Catarina provém da consolidação e fortificação da Controladoria-Geral do estado. As relações e conexões com a sociedade civil, organizações públicas e privadas, organizações da sociedade civil e com a comunidade universitária contribuem para desenvolver a CGE, de modo que gere efeitos positivos no estado.
* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Camila Vichroski Baumgarten, Clara Zanelato Laurentino, Mariana Rodrigues da Rosa e Nathalia Nienchoter dos Santos, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2021.
REFERÊNCIAS
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