Por Cecília Fialho Schmidt, Felipe Campos Gonzaga, Bárbara Seára Tirloni, Felipe dos Santos Peres e Flávia Lanzoni Lauth*
Não é incomum ouvirmos, quase que todos os dias, as pessoas exigindo transparência nas decisões e ações públicas. De uns tempos para cá, a sociedade se tornou mais presente e participante do cenário político. Não obstante seu papel de telespectador, agora possuímos um papel de extrema importância para o futuro do nosso país, o de protagonista. A participação popular vem se mostrando forte e decisiva nas mais diversas situações ligadas ao interesse público. É desejada a tal da accountability por parte dos governantes, ou, em outras palavras, a responsabilização e prestação de contas dos atos e omissões dos agentes públicos. Bresser-Pereira, já em 2006 observava o que o povo brasileiro tanto pede: instrumentos de controle e responsabilização.
Com a chegada da internet e outros meios de comunicação, os mecanismos de prestações de contas estão mais solicitados, tanto por agentes governamentais quanto por agentes não governamentais, a própria sociedade, organizações da sociedade civil e empresas públicas e privadas.
Mas como saber o que está sendo realmente feito? Como controlar e monitorar a ação política? Para que o nosso dinheiro está sendo utilizado? Quais os resultados alcançados e o quanto isso nos beneficiará, como nação? Essas e outras questões podem ser respondidas se as ações dos agentes públicos acontecerem com maior grau de transparência, envolvimento político dos cidadãos, conformidade a regras e informações substantivas sobre o que se deseja alcançar. Essas são premissas para que a prestação de contas e as decisões da gestão pública considerem o desempenho e os melhores resultados em cada projeto, em cada política e para o país, de modo geral.
Para entender o que é a prestação de contas por desempenho e resultado, pode ser feita uma comparação com um programa de um computador, umsoftware, um conjunto de componentes que visa o melhor funcionamento da máquina. No caso das políticas públicas, há determinadas características para que sempre possa ser editada, aperfeiçoada e atualizada, deixando-a mais aberta para a sociedade realizar o controle social e assim conferir se o desempenho do computador “Máquina Pública” está de acordo com o esperado, ou seja, a promessa da política. Torna-se assim, mais participativa e cíclica, dando oportunidade ao gestor público para avançar e retroceder em suas etapas, deixando-a mais flexível para a sociedade, o administrador público e o interesse público.
Muitos governantes utilizam de discursos bonitos e palavras convincentes para iludir com seus “resultados maravilhosos e 100% de cumprimento do proposto”. A procura pelo melhor desempenho e, consequentemente, melhores resultados, pode ser fracassada se as pessoas que estão por trás das políticas públicas e sua aplicabilidade souberem “jogar o jogo”.
É comum nos depararmos situações em que o agente público, ao praticar o jogo, ou gaming, como é conhecido no âmbito político, escolhe as metas e projetos mais simples e fáceis de serem atingidos, fazendo com que a população só veja o lado positivo, o êxito em suas propostas e que está fazendo um ótimo trabalho. Porém, quase sempre as propostas mais básicas não resultam em algo tão relevante para a sociedade, no longo prazo. “A palavra gaming se refere à situação em que os controlados aprendem “a regra do jogo” e passam a “jogar” em busca do seu interesse, mesmo que isso seja contrário aos objetivos do sistema” (ASSIS, 2012). Assim, não só cumprem o que é mais fácil, como também cumprem o que lhes favorece mais.
Em debate sobre avaliação de resultados, com a participação do professor Guilherme Kraus dos Santos, observou-se que a prática do gaming no Brasil se dá pelo fato de nossas políticas de controle terem viés punitivo. A avaliação é vista como inimiga do servidor público. A ideia mais difundida é de avaliação voltado ao controle sobre a gestão, as contas, os processos e procedimentos previamente definidos. Quando não estão de acordo com as regras ou as expectativas, o administrador é punido. Este é um dos motivos para que muitos gestores não definam metas complexas ou que tenham alguma dificuldade de atingir plenamente.
Interessante que Robert Behn, em 1998, já pensava nesse foco punitivo que a accountability pode trazer aos gestores públicos. Conforme trecho de seu texto O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática, Behn (1998, pg. 41) afirma que:
“O que significa tornar as pessoas responsáveis pelo sucesso? O que significa tornar as pessoas responsáveis pelo fracasso? Desconheço a resposta definitiva, seja teórica ou empírica. Mas aposto que sei o que os gerentes que devem possuir a accountability pensam. Aposto que eles acreditam, pela própria experiência empírica, que ‘cobrar accountability das pessoas’ significa que se elas fracassam, elas são punidas, e se elas têm sucesso, nada de significativo acontece.”
Precisamos mudar essa mentalidade e mostrar que a transparência da eficácia (quanto um projeto/produto/pessoa atingiu o objetivo), da eficiência (se é realizado da melhor maneira possível, com menos desperdício ou em menor tempo) e da efetividade pública (se o serviço realizado alcançou o que se propunha a atender ou transformar) é aliada tanto do cidadão quanto do gestor público. Pode contribuir não apenas para punir ou premiar, sim para aperfeiçoar as políticas e serviços, gerar aprendizagem e promover confiança nas relações entre cidadãos e governantes. Pode também ajudar a definir metas mais razoáveis em futuras oportunidades.
O controle social, realizado pela sociedade sobre ou com o Estado pode ser analisado tendo como parâmetro a opinião da sociedade. Se positiva, o administrador está fazendo seu trabalho da melhor maneira possível, nas suas condições. Caso negativa, abre-se oportunidade para as justificativas sobre os motivos, critérios, limites e condições, em cada situação, e para que o serviço oferecido seja alterado, buscando alcançar o interesse público.
Um exemplo de iniciativa de transparência de desempenhos e de resultados públicos é o Programa de Metas da Prefeitura de São Paulo. Cada gestão do governo estabelece seus objetivos e os meios que pretende percorrer para alcançá-los no decorrer do mandato, disponibilizando as informações aos cidadãos. Assim, qualquer pessoa pode acompanhar as metas estabelecidas, conferir o andamento das mesmas e as devidas justificativas, quando não cumpridas no total. As atualizações são feitas semestralmente.
Os interessados também podem cobrar e colaborar para o melhor desempenho em cada meta. debate sobre as metas e seus resultados podem contribuir para que se encontre soluções para os problemas, envolvendo governantes e sociedade. É uma demonstração de como a transparência pode favorecer a aproximação entre a população e o gestor público.
Por outro lado, as cobranças sobre tais metas do governo podem ser utilizadas também para pressionar os gestores em âmbito político e eventualmente gerar distorções que induzem as perspectivas da sociedade. O ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, por exemplo, quando entrevistado no Jornal Nacional como candidato à presidência do Brasil, em 2018, foi questionado sobre o desempenho das metas de seu governo na Prefeitura, como se o ideal fosse atingir 100%.
O “jogo” por trás de metas e resultados pode ser “jogado” tanto pelos gestores, quanto por aliados e adversários políticos e pela mídia. No fim da história, cabe ao cidadão verificar e acompanhar os processos e entraves da política e da gestão pública, tornando-se o jogador principal do jogo político.
Saiba mais em:
ASSIS, L. O. M. de. Efeitos organizacionais da implantação de metas e remuneração variável por desempenho: o caso da segurança pública em Minas Gerais. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. São Paulo: FGV, 2012.
BEHN, Robert D. O novo paradigma da gestão pública e a busca da accountability democrática. Revista do Serviço Público (RSP/ENAP). Ano 49, nr. 4, pgs. 5-45, Out-Dez, 1998. Disponível em: http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2712
BRESSER-PEREIRA, L.C. Apresentação. In BRESSER-PEREIRA, L.C. & GRAU, N.C. (coords.) Responsabilização na Administração Pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006.
CARVALHO, Allan Rodrigues de. Gestão para resultados: diagnóstico da avaliação de desempenho em uma organização do Estado brasileiro. Brasília, Enap, 2016. Disponível em:
https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/2483/1/Allan%20Rodrigues%20de%20Carvalho.pdf
Vídeo sobre o Plano de Metas de SP: https://www.youtube.com/watch?v=Xe1FnkzHmcg
*Texto elaborado pelos acadêmicos Cecília Fialho Schmidt, Felipe Campos Gonzaga, Bárbara Seára Tirloni, da Silva, Felipe dos Santos Peres e Flávia Lanzoni Lauth, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.