Por Felipe Flach, Marllon de Matos, Thiago de Faria e Vitor Kretzer *
Desde o início da pandemia de Covid-19, nota-se crescente preocupação acerca da disponibilidade de informações referentes aos dados sobre a difusão do vírus e da doença, seus impactos e os planos de ação para seu combate. Cresceu, também, a importância dada às práticas de accountability e aos mecanismos que buscam promover a transparência de qualquer informação referente ao vírus e à resposta à pandemia pelos governos das esferas municipal, estadual ou federal.
Declarada no dia 30 de janeiro de 2020 como uma pandemia mundial pela Organização Mundial da Saúde, a Covid-19 evidencia o crescimento das iniciativas multilaterais e colaboração global como meio de enfrentamento do problema (acesse para saber mais sobre os aprendizados após um ano de Covid-19). Transparência e coordenação mostram-se como elementos-chave dos processos que envolvem tanto a pesquisa e o desenvolvimento, quanto o planejamento e a implementação dos planos de combate, sejam eles pela vacinação, políticas de isolamento ou métodos de prevenção (MSF, 2020).
Tão crucial quanto os aspectos ligados ao vírus e à doença e seus efeitos, é a preocupação com os investimentos voltados à gestão e à manutenção de toda a base que permite a pesquisa, a produção e a disponibilização das vacinas, a divulgação de dados abertos relativos à pandemia e a clareza quanto às decisões e estratégias e seus efeitos. Todo esse aparato, além de auxiliar na tomada de decisão e contribuir para o enfrentamento do vírus e seus efeitos, está ligado a um tema que, ainda mais em circunstâncias como esta, está na base da administração pública, a transparência dos processos (MSF, 2020).
Na esfera municipal, no estado de Santa Catarina, a transparência se mostra relevante aos olhares de parte da população e do setor público, sobretudo quando o assunto é a vacinação que pode evitar a Covid-19. Pode-se perceber isso, por exemplo, pela orientação administrativa circular MPC 001/2021 divulgada pelo Ministério Público de Contas (MPC-SC), que, além de orientar a respeito da criação de um banco de dados interno detalhado a respeito dos planos de vacinação municipais, oferece instruções para ampliar a transparência sobre esses planos.
A nota tem como objetivo o apoio à população, que muitas vezes carece desses dados e informações, ampliando e implementando a accountability das diversas etapas do processo – definição de critérios, forma de elaboração do plano, prazos e monitoramento da implementação e dos resultados. Busca construir, também, para enfrentar os chamados “fura filas”, que, ao se aproveitar da falta de controle e transparência de dados da vacinação, acabam se imunizando de forma irregular (MPC-SC, 2021).
Algumas organizações da sociedade civil, como a Open Knowledge Brasil, Observatório Covid-19 BR e Transparência Internacional – Brasil, desenvolveram uma nota técnica para avaliar a qualidade dos dados e a disponibilidade das informações sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Alguns dos pontos levantados nessa nota podem servir de referência para avaliar o desempenho dos municípios.
A avaliação é feita por meio de 7 categorias, divididas em 30 itens. O resultado mostrou que, em fevereiro de 2021, apenas 8 desses 30 itens estavam disponíveis para a população de forma adequada. Os restantes são divididos entre dados indisponíveis (9), incompletos (11) e inconsistentes (2).
A partir desse resultado, foram identificados alguns problemas que ocorrem frequentemente, como, por exemplo, a repetição de registros da mesma pessoa, que pode ser observado na Figura 1, a seguir:
Figura 1 – Registro Duplicado para Vacinação no Brasil
De acordo com a nota técnica, “os maiores casos de repetição do mesmo paciente têm como origem, por exemplo, o sistema “Saudetech”, contratado por municípios do Paraná e Santa Catarina para gestão de suas redes de Saúde”.
Outro problema levantado foi a dificuldade de realizar análises mais profundas a partir dos dados fornecidos sobre o Covid-19 no Brasil. Atualmente, não é possível fazer o download dos dados em uma planilha, dificultando a análise e o tratamento dos dados. Nesse sentido, as campanhas de imunização promovidas pelos órgãos de saúde públicos das cidades demonstram fragilidade na transparência.
Em recente análise feita sobre o Plano de Vacinação de Florianópolis, observou-se que, apesar do seu nível de transparência ser alto de acordo com o Transparência Covid-19, ainda assim vem apresentando inúmeros desafios relacionados à sua gestão, como a ausência da participação direta do Conselho Municipal de Saúde na sua elaboração, de modo a atribuir mais participação para a população, apoio de especialistas externos para aprimoramento de características técnicas do plano e a dificuldade em definir prazos, dado que não há previsibilidade sobre a disponibilidade de vacinas no país.
O Covidômetro é uma tentativa de auxiliar na gestão dos dados sobre o Covid-19 e atua com informações atualizadas em tempo real sobre o número de vacinados em Florianópolis. Apesar disso, ainda encontra-se indisponível uma relação mais profunda sobre os blocos de vacinação e seus prazos, comprometendo o atingimento dos objetivos definidos no Plano de Vacinação.
Assim, pode-se entender que as iniciativas tomadas até agora apresentam dificuldades para definir prazos entre os grupos de entrega. Uma vez que não há previsibilidade de vacinas no país, devido a impasses de outras correntes da esfera pública, nos encontramos em um situação delicada quando se fala em concluir os objetivos do Plano de Vacinação do município de Florianópolis.
* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Felipe Flach, Marllon de Matos, Thiago de Faria e Vitor Kretzer, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.
REFERÊNCIAS
COVID-19, Transparência. Índice de transparência da Covid-19. Disponível em: https://transparenciacovid19.ok.org.br/. Acesso em: 29 mar. 2021.
MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DE SANTA CATARINA. MPC/SC orienta municípios a ampliar transparência de dados sobre vacinação. 2021. Publicação em site. disponível em: https://www.mpc.sc.gov.br/noticias/mpc-sc-orienta-municipios-a-ampliar-transparencia-de-dados-sobre-vacinacao/. Acesso em: 22 mar. 2021.
MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. A busca por uma “vacina para todos” destaca a importância da coordenação e transparência em pesquisa e desenvolvimento para COVID-19. Disponível em: https://www.msf.org.br/opiniao/busca-por-uma-vacina-para-todos-destaca-importancia-da-coordenacao-e-transparencia-em. Acesso em: 22 mar. 2021.
OPEN KNOWLEDGE BRASIL. NOTA TÉCNICA TRANSPARÊNCIA DA VACINAÇÃO Uma análise de organizações da sociedade civil. Florianópolis: Caixa Preta, 2021. 21 p. Disponível em: https://www.ok.org.br/wp-content/uploads/2021/03/Nota_Tecnica_Vacinacao_04032021.pdf. Acesso em: 29 mar. 2021.
PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. Covidômetro. Disponível em: https://covidometrofloripa.com.br/. Acesso em: 29 mar. 2021.
PREFEITURA DE FLORIANÓPOLIS. PLANO DE VACINAÇÃO CONTRA COVID-19 EM FLORIANÓPOLIS. Florianópolis: Prefeitura de Florianópolis, 15 jan 2021. 23 p. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/18_01_2021_13.25.54.ffdfac71625cabfa212fe11b9f96e47e.pdf. Acesso em: 29 mar. 2021
Para saber mais
O modelo de negócio das vacinas:
Este mini documentário de 24 minutos do Financial Times explica o funcionamento da indústria e do mercado de vacinas global antes e depois da covid-19, levantando também questões relacionadas a financiamento, risco, retorno, transparência e incentivos de empresas e governos.
“O mercado farmacêutico global era de US$1,3 trilhões em 2019. As vacinas representavam apenas 3% dele, gerando receitas de US $33 bilhões ao ano. Isso comparado a US $142 bilhões de receitas de drogas contra câncer. Então como funciona a economia das vacinas? Quem as financia? Quão lucrativas são? E a pandemia de covid-19 e as novas tecnologias mudarão o mercado de vacinas para sempre?”
“A Moderna espera uma receita de US $18,4 bilhões com vacinas contra a covid-19 este ano. Não revelou sua margem de lucro. A Pfizer estima gerar US$ 15 bilhões em receitas, com uma margem de lucro de mais de 20%.”
Em uma de suas falas no documentário, Bill Gates diz: “Os valores envolvidos comparados a custos de pesquisa e desenvolvimento com vacinas normais são de dezenas de bilhões de dólares. Talvez um total de US $25 bilhões. Isso é gigantesco no mundo das vacinas. Mas relativamente ao custo econômico da pandemia, que é de trilhões de dólares, é realmente como um erro de arredondamento. Esse é o melhor dinheiro que foi gasto por governos durante essa pandemia”. Também está disponível a transcrição do vídeo.