* Por Fabiano Maury Raupp; Ana Rita Silva Sacramento; e Rodrigo Chagas Giudice
Artigo originalmente publicado em ESTADÃO. Blogs Gestão, Política & Sociedade , em 11/01/2022.
A Lei de Acesso à Informação – LAI, Lei n. 12.527/2011 [1], recentemente completou 10 anos de sua publicação e, desde então, avanços têm sido percebidos. Apesar de a publicação ocorrer em 18 de novembro de 2011, a LAI só entrou em vigor seis meses depois, em 16 de maio de 2012. Ainda que seja oportuno citar o ditado “antes tarde do que nunca”, a lei brasileira foi a 89ª lei nacional sobre acesso à informação e pode ser considerada tardia se compararmos aos primeiros países com tal iniciativa, como ocorreu com a Suécia em 1766, com a Finlândia em 1951, e com os Estados Unidos em 1966 [2]. Considerada uma grande conquista, a LAI veio na sequência da obrigatoriedade de portais de transparência e da divulgação de salários de servidores [3].
Se de um lado reforçou dispositivos já contidos em legislações anteriores, como ocorre com a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, Lei n. 101/2000 [4], e com a Lei de Transparência, Lei n. 131/2009 [5], de outro podem ser observadas inovações, por exemplo, a forma como os órgãos governamentais devem lidar com os pedidos de acesso à informação, que faz parte da chamada transparência passiva [2]. Mesmo diante da possibilidade de contabilizar inúmeros ganhos, é certo também que temos muito para melhorar. Neste sentido, tomando por base os 10 anos de publicação da LAI, tem o artigo em tela o objetivo de fazer um breve balanço sobre um dos aspectos da transparência passiva, qual seja os pedidos de acesso à informação.
Sabe-se que a LAI foi publicada para regulamentar o inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 [6], onde preconiza que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”. Arriscamos dizer que, a partir daquele ato, o Estado Brasileiro demonstrou, mesmo que de forma incipiente, uma clara intenção de mudar o paradigma até então existente, no qual o acesso à informação pública era restrito e o sigilo predominante, para se viver um modelo onde o sigilo das informações poderia ser aplicado apenas em situações excepcionais. Após a publicação da LAI tem-se a máxima publicidade e transparência das informações públicas como regra geral.
A máxima publicidade e os acessos à informação pública têm sido, em tese, assegurados por uma série de dispositivos trazidos pela LAI, como a obrigatoriedade de criação, em todos órgãos e entidades da administração pública, do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). As normas que tratam do assunto dividem o SIC em eletrônico, aquele que é acessado através da rede mundial de computadores, e o SIC físico, aquele instituído fisicamente nas instituições públicas. O que muitos brasileiros talvez não saibam é que qualquer pessoa pode requerer informações públicas por meio do SIC.
Cabe lembrar que o SIC é apenas um dos instrumentos que o cidadão poderá utilizar para solicitar uma informação pública desejada, visto que, conforme o artigo 10º da LAI, “qualquer interessado poderá apresentar pedido de acesso às informações aos órgãos e entidades referidos no art. 1º desta Lei, por qualquer meio legítimo…” [1]. Em resumo, os órgãos e entidades públicas que não tiverem constituído o SIC não poderão se esquivar de fornecer a informação pública alegando não o possuir. Neste ínterim, exploramos alguns dados relacionados aos pedidos de acesso à informação destinados à União, disponíveis no Painel da LAI da Controladoria Geral da União – CGU [7], iniciando, conforme Gráfico 1, pela evolução no número de pedidos.
Gráfico 1. Evolução dos pedidos
Ao longo dos últimos 10 anos foram realizados 1.088.661 pedidos de acesso à informação. Embora possamos enxergar um aumento gradativo no número de solicitações com o passar dos anos, fato que pode demonstrar uma construção do exercício deste direito, o número de pedidos é pequeno quando comparado ao tamanho da população brasileira e o lapso temporal utilizado como referência. Além disso, quando se analisa o número de solicitantes distintos, esse número fica ainda menor. Dados do Painel apontam que aproximadamente 483 mil solicitantes foram responsáveis pelos mais de 1 milhão de pedidos direcionados à União, o que dá uma média de 2,3 pedidos por solicitantes. Desse total, 462 mil foram feitos por pessoa física. Em relação à pessoa jurídica, temos no Gráfico 2 a distribuição percentual por tipo de instituição solicitante.
Gráfico 2. Tipo de Instituição para Pessoa Jurídica
No total de pedidos realizados por pessoas jurídicas, a maioria não informou o tipo de instituição solicitante. Entendemos que essa liberalidade poderá ser analisada pela CGU como um ponto a ser melhorado para o encaminhamento dos futuros pedidos, pois o conhecimento do perfil do demandante da informação poderá nortear ações para estimular o exercício desse direito por quem ainda não o pratica. Entretanto, naqueles em que a identificação foi realizada, já é possível observar quem normalmente tem recorrido a esta ferramenta como fonte de informação, com destaque para empresas da iniciativa privada. Seguindo na linha de verificar as características dos pedidos de acesso à informação, apresentamos, por meio de Gráfico 3, uma nuvem de palavras com os principais temas dos pedidos realizados.
Gráfico 3. Nuvens de palavras com os principais temas
De acordo com o Gráfico 3, informações relacionadas à Economia e Finanças estão entre os temas de destaque nos pedidos de acesso à informação realizados ao longo dos 10 anos de publicação da LAI. Com menor frequência, mas também em destaque, estão pedidos relacionados à serviços públicos, educação superior, previdência e saúde. Oportuno também observar a diversidade de outros temas, o que pode ajudar a desmistificar a concepção de que os pedidos devem estar restritos a assuntos específicos. Uma última característica observada diz respeito aos tipos de decisão, cujos dados são apresentados a partir do Gráfico 4.
Gráfico 4. Tipos de decisão
Aproximadamente 68% dos pedidos de acesso à informação foram totalmente respondidos. Os 32% restantes dividem-se em não se trata de solicitação de informação, acesso negado, acesso parcialmente concedido, informação inexistente, órgão não tem competência para responder e pergunta duplicada. Neste caso, o não fornecimento da informação não necessariamente represente uma negativa, ao contrário, parte expressiva dos pedidos sem fornecimento de informação, 13%, dizem respeito a erros de formulação da solicitação: ou não foram classificados como uma solicitação de informação ou foram encaminhados para um setor sem competência para fornecer a resposta. Entre os principais motivos para o acesso negado estão: dados pessoais; informação sigilosa classificada de acordo conforme a Lei 12.527/2011; informação sigilosa de acordo com legislação específica; parte da informação contém dados pessoais; e parte da informação demandará mais tempo para produção.
Passados 10 anos de publicação da LAI, características dos pedidos de acesso à informação como evolução no número de pedidos, tipos de instituições solicitantes, temas dos pedidos e tipos de decisões, podem indicar que os mesmos estão se consolidando enquanto instrumento de transparência da informação pública, particularmente da transparência passiva. Retomando a indagação do próprio título, sim, é possível perceber que quem tem pedido, tem recebido acesso à informação. Fundamentado nas características e dados empíricos aqui apresentados, espera-se que o seu exercício se torne cada vez mais realidade e que possa contribuir para o avanço do processo democrático brasileiro.
[1] BRASIL. Lei Complementar n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. (2011). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm Acesso em: 11 jan. 2022.
[2] ANGÉLICO, F.; TEIXEIRA, M. A. C. (2012). Acesso à Informação e Ação Comunicativa: novo trunfo para a Gestão Social. Desenvolvimento em Questão, v. 10, n. 21, p. 7-27, 2012.
[3] BREMBATTI, K. Em 10 anos, Lei de Acesso à Informação muda patamar da transparência no País. Estadão. 2021. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,em-10-anos-lei-de-acesso-a-informacao-muda-patamar-da-transparencia-no-pais,70003901668 Acesso em: 11 jan. 2022.
[4] BRASIL. Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. (2000). Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm Acesso em: 11 jan. 2022.
[5] BRASIL. Lei Complementar n. 131, de 27 de maio de 2009. (2009). Acrescenta dispositivos à Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências, a fim de determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm Acesso em: 11 jan. 2022.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (1988). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 11 jan. 2022.
[7] CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Painel Lei de Acesso à Informação. 2021. Disponível em: http://paineis.cgu.gov.br/lai/index.htm Acesso em: 11 jan. 2022.
* Fabiano Maury Raupp é Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (ESAG) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).
Ana Rita Silva Sacramento é Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da Escola de Administração (EA) da Universidade Federal da Bahia (UFBA). É líder do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).
Rodrigo Chagas Giudice é Pós graduado em Gestão de Pessoas na Administração Pública (Universidade Gama Filho), Graduado em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Analista de Planejamento e Orçamento do Ministério da Economia e membro do Observatório de Finanças Públicas (OFiP).