Gestão de processos no setor público: uma ferramenta de accountability

Por Ayla Mafra, Icleusa Viana, Rosana Bernardes e Tatiane Cunha*

A sociedade vem se tornando mais exigente quanto a eficiência, qualidade e transparência dos serviços públicos. Para atender a essa demanda, a administração pública tem sido impelida a mudanças de paradigmas. A gestão de processos, utilizada em segmentos do setor privado e do setor público há muitos anos, está em fase de implementação em muitos órgãos do estado de Santa Catarina, visando atender às expectativas de transparência, eficiência e qualidade nos serviços prestados.

Para analisar a relação entre accountability e gestão de processos, entrevistamos dois servidores do estado de Santa Catarina. A assessora de controle interno Juliana Wust Panceri, que atua no Controle Interno da Secretaria Estadual da Infraestrutura e Mobilidade (SIE) e Marcelo Eduardo Schubert, administrador, coordenador do Escritório de Gestão de Processos do governo de SC (EPROC SC).

Ambos exercem atividades diretamente relacionadas e integradas ao conceito de accountability, uma vez que a análise, o diagnóstico e a melhoria contínua dos processos, alinhada à transparência da gestão, possibilita aos cidadãos o controle das ações realizadas pela administração pública.

No vídeo a seguir, Juliana relata sua experiência com a gestão de processos em sua atuação no controle interno, ressaltando vários pontos e exemplos interessantes:

Vídeo – apresentação de Juliana Wust Panceri sobre a relação entre accountability e gestão de processos

Já Marcelo contribuiu respondendo às perguntas a seguir, a partir do ponto de vista de um especialista em gestão de processo na administração pública e que conhece os desafios da accountability:

Exemplos de como as melhorias em processos geram efeitos de transparência e accountability?

Marcelo: “O processo de Emitir Certidão de Jurisdição Municipal é um caso onde a melhoria do processo trouxe ganhos expressivos tanto para os executores como para o cidadão.

“Antes dessa melhoria, o cidadão que necessitasse desse serviço deveria comparecer presencialmente à Secretaria do Planejamento munido de toda a documentação necessária e entregá-la com um ofício ao secretário da pasta, solicitando a emissão da certidão. Após a entrega dos documentos, o cidadão não tinha informações do andamento do processo, a não ser que ligasse para o órgão e conseguisse falar com o setor responsável, o qual não tinha um controle efetivo de onde estavam os processos e em que fase se encontrava. Caso faltasse algum documento, o servidor deveria entrar em contato com o cidadão para solicitar que fosse encaminhado por e-mail. Se tudo corresse bem, num prazo médio de seis meses, o cidadão seria comunicado de que a certidão estava disponível para retirada, devendo comparecer ao órgão ou solicitar o encaminhamento via correio.

Nem o cidadão, nem os servidores e gestores da pasta tinham uma visão completa do status e andamento da execução das atividades, impossibilitando qualquer nível de controle na execução dos trabalhos. Com o trabalho conjunto entre servidores doEPROC e os responsáveis pelo processo, fizemos a análise, diagnóstico e proposição de melhoria, conseguindo aperfeiçoar a interação do cidadão com o órgão e as atividades executadas pelos servidores. Isso levou a um ganho de agilidade de 98% do tempo que era executado anteriormente. De seis meses, em média, esse processo passou a ser realizado em no máximo dez dias, chegando, em alguns casos, a ser efetivado no mesmo dia.

A melhoria do processo trouxe ganhos substanciais na forma de entrada, execução das atividades e saída do processo, permitindo o acompanhamento do cidadão, o andamento e a conferência dos gestores do que está sendo executado conforme as normas e regras vigentes. A implantação incluiu a disponibilização de formulário digital no portal de serviços do governo e a integração deste com o SGPe – Sistema de Gestão de Processos Eletrônicos”.

Exemplos de como os problemas na gestão de processos implicam em déficits de accountability?

Marcelo: “A transparência é um dos pontos essenciais para a segurança das ações realizadas pelos gestores públicos, possibilitando à sociedade o controle social das ações do Estado. Nesse sentido, o EPROC vem desenvolvendo, por meio do gerenciamento de processos de negócio, com análise, diagnóstico e proposição de melhoria de processos, disponibilizar aos servidores e gestores públicos um repositório de gestão do conhecimento pautado na documentação das atividades realizadas e disponibilizando toda a informação à sociedade. Esse repositório está sendo construído  e disponibilizado no portal de dados abertos do governo.

É verdade que a administração pública deve sempre executar suas ações pautadas na lei e normas, porém muitas vezes a lei por si só não é clara o suficiente para entender o que realmente se pretende entregar de valor à sociedade. Nesse sentido, o gerenciamento de processos de negócio pode auxiliar na identificação das ações e atividades para o cumprimento dessas normas e na entrega de produtos e serviços mais adequados aos interesses da sociedade.”

Que cuidados ou recomendações se pode fazer no desenho de processos para que estes favoreçam a accountability?

Marcelo: “Dentre as ações de análise, diagnóstico e proposição de melhorias que realizamos juntamente com os atores envolvidos no processo, destacamos a importância da transparência das ações, para que todos os envolvidos tenham a clareza dessas, da maneira como devem ocorrer e de que forma devem ser entregues.

Acredito que uma vez que o processo foi modelado pensando na entrega de valor que  irá gerar, considerando o processo ponta a ponta, avaliando os riscos inerentes da sua execução e dispondo da clareza da execução dessas atividades, por meio do acompanhamento em sistemas informatizados, proporcionamos mais  celeridade na execução dos trabalhos possibilitando o constante monitoramento e controle tanto da sociedade, dos próprios gestores, bem como dos órgãos de controle.”

Como a accountability pode ajudar a aprimorar os processos?

Marcelo: “A disseminação e implantação de uma cultura de gestão de processos, alinhada à implantação de um Programa de Integridade e Compliance, onde todos os servidores, agentes e funcionários da entidade estejam engajados nesse propósito, demonstrando nas atitudes diárias que as suas ações são realizadas de acordo com as leis, normas e regulamentos.

Dessa forma, o gerenciamento de processos de negócio possibilita que o conhecimento construído ao longo do tempo, alinhado às melhorias implantadas sejam documentadas e registradas num repositório de gestão de conhecimento em processos para que esse conhecimento não fique mais exclusivamente na cabeça dos servidores e sim disponível para consulta de qualquer pessoa. Assim, poderemos eliminar aquela máxima de que isso sempre foi assim, e que não precisamos inventar a roda toda vez que um servidor se aposenta ou assume uma nova atividade.”

Como envolver os vários interessados em cada processo – gestores públicos, parceiros, fornecedores e usuários – tanto no desenho como na avaliação e aprimoramento constante dos processos?

Marcelo: “Uma vez implantado uma estrutura formal de gerenciamento de processos de negócio, seja no âmbito do governo como um todo (como por exemplo o Eproc) ou em unidades dentro dos órgãos (NuProc) a disseminação da cultura de gestão de processos começa a ser desenvolvida naquela unidade e acredito esse seja um pontapé inicial para envolver todos os interessados.

Porém, isso não basta. Deve-se envolver conjuntamente a alta administração, principalmente na figura do gestor máximo, para que haja um engajamento de todos.

Dentre as demandas diárias de cada órgão, deve-se verificar quais ações são importantes e priorizadas pela alta administração, pois esses são os objetivos a serem alcançados. Desta forma, quando o gestor define o gerenciamento dos processos como uma prioridade na sua gestão, seja para ganho de performance, seja para resguardar seu “cpf” por meio do compliance, percebe-se uma maior facilidade no envolvimento de todos no diagnóstico e melhoria dos processos daquela organização.”

Como pensar em processos que sejam bem desenhados, com critérios razoáveis, que favoreçam a flexibilidade e discricionariedade, com transparência e responsabilização dos envolvidos?

Marcelo: “Para responder a essa pergunta, devemos pensar quais conhecimentos necessários devemos ter para alcançar esses objetivos. A construção e disseminação de um modelo de governança por processos é um ponto fundamental para que possamos desenvolver a modelagem de processos.

Um modelo de governança de processos traz todo o conhecimento e metodologia necessários para a implantação de uma cultura de gestão por processos nas organizações. A partir da construção desse modelo e a implantação de uma estrutura formal de gestão de processos, com pessoas detentoras desse conhecimento e metodologia, se conseguirá dispor de processos bem desenhados que atendam aos objetivos de entregar valor à sociedade.

O conhecimento está na cabeça das pessoas que realizam as atividades no dia a dia, para tanto, as áreas de gestão de processos devem capturar e desenvolver esse conhecimento com todos os envolvidos, para que se busque a melhor maneira de executá-lo, compartilhando e disponibilizando para todos de forma pública e transparente.

Marcelo Eduardo Schubert

Acredito que a interação entre as diversas áreas e órgãos na execução dos processos é de suma importância para favorecer a accountability. Uma vez identificado e envolvendo todos os atores do processo, se possibilita um amplo debate sobre as atividades desenvolvidas, permitindo que os atores se identificam como parte, entendendo as angústias e as suas necessidades, contribuindo para que todos busquem o objetivo de entrega de valor público para a sociedade.”

Podemos pois observar que a gestão de processos possibilita que os envolvidos estejam alinhados aos mesmos objetivos, sabendo da sua importância na contribuição do resultado e na entrega de valor, favorecendo o desempenho de suas atribuições e aplicação dos recursos públicos.

*Entrevistas realizadas pelas acadêmicas de administração pública Ayla Mafra, Icleusa Viana, Rosana Bernardes e Tatiane da Cunha para a disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.