Combate à dengue: uma tarefa contínua e coletiva

Por Mariana Laporta Barbosa*

Dor de cabeça, febre e dores no corpo. Esses sintomas, que podem ser facilmente confundidos com os da Covid-19 ou de uma gripe, tornaram-se um grande problema de saúde pública desde a década de 1980. Foi nesse período que sucessivas epidemias de dengue passaram a ocorrer no Brasil e no mundo todo, sendo essa considerada a mais comum e distribuída arbovirose.

Segundo o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde (2022), de janeiro até 20 de junho deste ano, o Brasil registrou 1.172.882 casos de dengue, um aumento de quase 200% em relação ao mesmo período do ano passado. Em relação aos registros de óbitos pela doença, os números são ainda mais alarmantes, já que nos primeiros seis meses de 2022, o país registrou mais que o dobro de mortes por dengue do que em todo o ano passado (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). De janeiro a junho de 2022, a doença já havia resultado em 585 óbitos, ante 246 no ano de 2021 e 574 em todo 2020. Entretanto, assim como em relação à Covid-19, é possível que esses números sejam ainda maiores, já que diversos casos não chegam a ser notificados.

Transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypt, a doença tem a sua proliferação facilitada em determinadas condições climáticas, como as presentes em países tropicais e subtropicais. Porém, ao contrário do que muitos pensam, a dengue não ocorre apenas no verão (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2012). Isso porque, apesar do clima quente e chuvoso auxiliar na reprodução, os ovos do mosquito sobrevivem até dois anos sem contato com a água, aguardando condições favoráveis para a eclosão e continuidade da vida.

Dessa forma, por ter a sua transmissão vinculada aos criadouros do mosquito Aedes aegypt, o combate à dengue requer a implementação de medidas preventivas e de controle do mosquito vetor. Entre as principais ações de controle vetorial recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (2012), destaca-se as relacionadas à limpeza de resíduos e outros elementos de retenção de água em quintais particulares, como manter a caixa d’água coberta e limpa; cobrir piscinas; recolher e acondicionar corretamente o lixo; limpar as calhas; descartar corretamente pneus; e eliminar pratos de vasos de plantas ou adicionar areia.

Além das ações que visam a retirada de objetos que acumulam água, outras estratégias utilizadas são a aplicação de larvicidas, a pulverização de inseticida em ruas, e a instalação de armadilhas para monitorar a reprodução do mosquito. Essas atividades, que devem ser desenvolvidas por profissionais treinados, estão previstas no Programa Nacional de Combate à Dengue (PNCD), bem como a necessidade de atividades de orientação e mobilização da comunidade. De acordo com Ferreira et al. (2009), esse fomento à participação comunitária é um dos principais eixos de um efetivo programa de controle do Aedes aegypt, ao mesmo tempo em que demonstra ser uma das mais complexas tarefas.

Nesse sentido, Chaebo (2015) afirma que o controle da dengue é uma situação em que a coprodução é essencial para a implementação da política pública, pois sem o apoio da população, torna-se impossível o combate ao mosquito. De acordo com Salm (2014), a coprodução é uma estratégia baseada no compartilhamento de responsabilidades entre agentes públicos, privados e cidadãos para a produção de bens e serviços públicos. No caso do combate à dengue, essa necessidade de engajamento mútuo fica bastante clara, já que além do trabalho realizado pelos Agentes de Combate às Endemias (ACE) e os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), é preciso que haja a participação de cada morador, começando pela observação de suas próprias residências. Segundo Torres (2005, p. 252), se o habitat do Aedes aegypti é “fundamentalmente intradomiciliar e peridomiciliar, e dependente intimamente das formas de vida de cada família, não existe governo nem sistema de saúde que possa resolver este problema sem a participação ativa e consciente dos indivíduos e a ação organizada da comunidade”.

Atrás apenas de São Paulo, Santa Catarina é o segundo estado do Brasil com o maior número de casos e mortes por dengue nos seis primeiros meses de 2022 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2022). De acordo com o Informe Epidemiológico Semanal, publicado pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica (2022) no dia 29 de junho, desde janeiro já foram identificados 48.552 focos do mosquito Aedes aegypti em 229 municípios catarinenses (SANTA CATARINA, 2022). Do total de casos confirmados até o momento (70.118), aproximadamente 13 mil ocorreram no município de Joinville, no norte do estado, que enfrenta pelo terceiro ano consecutivo uma situação de epidemia da doença.

De acordo com o Levantamento de Índice Rápido para Aedes aegypti (LIRAa), realizado pela Vigilância Ambiental, 45% dos focos do mosquito estão localizados em residências, ou seja, quatro em cada dez focos. Por esse motivo, muitas estratégias adotadas para o combate da doença no município são baseadas na articulação entre os agentes públicos e os cidadãos. Entre essas estratégias, cabe destacar o Projeto “Detetives da Dengue”, uma ação de conscientização e sensibilização de crianças, que desde o ano de 2020, já foi realizada em 159 unidades da Rede Municipal de Ensino (PREFEITURA DE JOINVILLE, 2022c). Por meio de vídeos, peças de teatro e palestras, Agentes de Combate às Endemias dão orientações sobre práticas de combate ao mosquito, desafiando os alunos a fazerem uma vistoria nas suas escolas e residências. Assim, a partir de um checklist (Figura 1), essas crianças podem se tornar agentes multiplicadores de informações para famílias e comunidade.

Figura 1 – Checklist do Projeto “Detetives da Dengue”

Fonte: Prefeitura de Joinville (2022b).

Além da ação educativa desenvolvida pela Secretaria de Saúde e pela Secretaria de Educação, durante todo o ano o município de Joinville também realiza, por intermédio dos Agentes de Combate às Endemias, as visitas domiciliares e a pontos estratégicos, como borracharias, ferros velhos, cemitérios e prédios públicos (PREFEITURA DE JOINVILLE, 2022c). Nesses locais, busca-se situações que possam estar servindo de criadouros para o mosquito Aedes aegypt, realizando, nos casos em que for possível, a orientação de limpeza e tratamento. Cabe salientar que essas visitas, bem como a instalação e monitoramento de armadilhas em ambientes particulares, requerem, como apontado por Chaebo e Medeiros (2016), um certo grau de participação do cidadão.

Outra estratégia baseada na interação entre agentes públicos e cidadãos é o Aplicativo Joinville Fácil, que inicialmente desenvolvido para registrar reclamações e demandas referentes à iluminação pública, passou também a registrar denúncias de focos de dengue (PREFEITURA DE JOINVILLE, 2022a). Disponível gratuitamente para celulares Android e IOs, o aplicativo permite que moradores notifiquem o setor público sobre possíveis lugares que servem como criadouros do Aedes aegypti, informando a sua localização, descrevendo a situação e incluindo uma foto (Figura 2).

Figura 2 – Denúncia de focos da Dengue no Aplicativo Joinville Fácil

Fonte: Prefeitura de Joinville (2022a).

Apesar do desenvolvimento de diferentes estratégias de coprodução no combate à dengue, nota-se que essas ainda são insuficientes para o controle e a erradicação da doença no país. Um dos fatores que pode estar relacionado a esse problema é a diminuição do engajamento dos agentes públicos e/ou dos cidadãos com o tempo, o que pode ocorrer por diversos motivos. Uma possível explicação para os cidadãos deixarem de coproduzir com o tempo é descrita por Ostrom (1996) e identificada nos estudos de Chaebo (2015) e Ferreira et al. (2009) sobre políticas de combate à dengue: a adoção de uma perspectiva top-down de implementação. De acordo com Chaebo e Medeiros (2016), se não fundamentadas coletivamente, na comunidade, as ações de coprodução tendem a diminuir com o tempo, podendo ser essa uma das explicações para a existência de um padrão cíclico nas epidemias de dengue no Brasil.

Por fim, a questão que levanto para reflexão é: se nós praticamos hábitos preventivos em relação a diversas doenças, por que o mesmo não é feito quando o assunto é o combate à dengue? Além de reagir à doença, com ações como a pulverização de ruas, por que não agir antecipadamente, na educação e conscientização da população? Se houvesse uma prateleira de remédios para dengue, não tenho dúvidas que dois frascos apareceriam: trabalho coletivo e ações contínuas.

* Texto elaborado pela acadêmica Mariana Laporta Barbosa, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

REFERÊNCIAS

CHAEBO, G. Coprodução na implementação de políticas públicas: controle vetorial do dengue em Campo Grande – MS. 2015. Tese (Doutorado em Administração) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (Face), Universidade de Brasília, 2015.

CHAEBO, G.; MEDEIROS, J. J. Conditions for policy implementation via co-production: the control of dengue fever in Brazil. Public Management Review, [s.n], p. 1-18, 2016.

DIRETORIA DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA. Informe Epidemiológico. Santa Catarina, Florianópolis, n. 12, jun. 2022. Disponível em: https://www.dive.sc.gov.br/index.php/dengue. Acesso em: 30 jun. 2022.

FERREIRA, I. T. R. N.; VERAS, M. A. de S. M. V.; SILVA, R. A. Participação da população no controle da dengue: uma análise da sensibilidade dos planos de saúde de municípios do Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 2683-2694, dez. 2009.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Boletim Epidemiológico. Brasília, v. 53, n. 24, jun. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/edicoes/2022/boletim-epidemiologico-vol-53-no24/view. Acesso em: 30 jun. 2022.

OSTROM, E. Crossing the great divide: coproduction, synergy, and development. World Development, v. 24, n. 6, p. 1073-1087, 1996.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global Strategy for dengue prevention and control 2012-2020. França: Organização Mundial da Saúde, 2012. Disponível em: https://www.who.int/publications/i/item/9789241504034. Acesso em: 29 jun. 2022.

PREFEITURA DE JOINVILLE. Aplicativo Joinville Fácil passa a receber denúncias de focos de dengue. Joinville, 27 de jun. 2022a. Disponível em: https://www.joinville.sc.gov.br/noticias/aplicativo-joinville-facil-passa-a-receber-denuncias-de-focos-de-dengue/. Acesso em: 29 jun. 2022.

PREFEITURA DE JOINVILLE. Checklist: Projeto “Detetives da Dengue”. Joinville, 10 de maio 2022b. Disponível em: https://www.joinville.sc.gov.br/publicacoes/checklist-projeto-detetives-da-dengue/. Acesso em: 29 jun. 2022.

PREFEITURA DE JOINVILLE. Prefeitura de Joinville intensifica ações de combate à dengue. Joinville, 06 maio. 2022c. Disponível em: https://www.joinville.sc.gov.br/noticias/prefeitura-de-joinville-intensifica-acoes-de-combate-a-dengue/. Acesso em: 29 jun. 2022.

SALM, J. F. Coprodução de bens e serviços públicos. In: BOULLOSA, R. de F. (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. p. 42-44.

TORRES, E. M. Dengue. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.