Uma coprodução franca – participação social e governança compartilhada na APA da Baleia Franca

Por Gessica Silva, Amanda Arioli Putti e Rafael Tachini de Melo*

Todos os anos, entre os meses de julho e novembro, o litoral catarinense vivencia uma experiência ambiental peculiar: torna-se o principal perímetro reprodutivo e de criação de filhotes da espécie Baleia Franca Austral em águas brasileiras.

Crédito: SCPar Porto de Imbituba

A histórica tradição da caça às baleias-francas em Santa Catarina quase levou a sua extinção na década de 1970. No entanto, um esforço para a preservação da espécie resultou, em 2000, na criação da Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca, formalizada por meio de Decreto Federal s/n° de 14 de setembro de 2000.

Também conhecida como Unidade de Conservação (UC), a APA da Baleia Franca abrange nove municípios catarinenses, desde o sul da Ilha de Santa Catarina, onde fica a capital, Florianópolis, até Balneário Rincão, na Região Sul do estado.

Por ser um território densamente ocupado e de grande fragilidade ambiental, pois abriga diversas atividades, tais como mineração, turismo, agricultura e pecuária, pesca industrial e artesanal, etc., desde sua criação, o principal desafio de gestão da UC tem sido a elaboração do seu Plano de Manejo (PM), instrumento legal necessário para o ordenamento da ocupação territorial e da utilização dos seus recursos naturais.

Entre 2000 e 2007, a APA BF foi gerida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O período foi marcado pela criação de rotinas de trabalho e de estruturação de um Conselho Gestor, atendendo o dispositivo legal de criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC, Lei Nº 9.985 de 2000, regulamentado pelo Decreto Nº 4.340, de 22 de agosto de 2002).

Assim, em 2006, nasce o Conselho Gestor da APA da Baleia Franca – CONAPA BF, órgão formado por 42 instituições conselheiras, divididas em uma gestão paritária de três setores: 1/3 do setor público, 1/3 dos usuários dos recursos (moradores, órgãos de representação de classe, universidades etc.) e 1/3 de Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Os representantes se submetem voluntariamente à eleição, a cada dois anos, para formação de um novo conselho. Desde 2007, com a criação de uma autarquia do Ministério do Meio Ambiente (MMA) responsável pela gestão do SNUC, a gestão da APA BF está sob responsabilidade do ICMBio.

A rede CONAPA BF tem como objetivo essencial a proteção da baleia-franca.  Sua função é contribuir para o ordenamento do território da APA, a fim de preservar o habitat de procriação da espécie. De forma consultiva, o Conselho auxilia nas decisões do ICMBio sobre questões relacionadas à gestão do território da APA como, por exemplo, na avaliação de Estudos de Impacto Ambiental (EIAS) e Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente (RIMAS). Além disso, nesses últimos 12 anos, o CONAPA BF dedicou-se à elaboração do Plano de Manejo da UC, instrumento que rege a utilização da APA, definindo as regulamentações para o uso e ocupação do território.

Relacionamento em Rede

A rede que constitui e dá sustentação ao CONAPA BF combina características de natureza formal e informal. Formal por ser hierarquizada em sua operação. Como podemos ver na imagem a seguir, a estrutura da rede é constituída pelo presidente, servidor do ICMBio que exerce o cargo de chefe da APA BF; um comitê executivo; câmaras técnicas e grupos de trabalho. O aspecto de uma rede formal também se apresenta no Regimento Interno e na metodologia de condução das reuniões. Convidados, por exemplo, não podem ter a fala se não forem indicados pelos atores formais.

Elaborado pelos autores com base no Regimento Interno.

Já a natureza informal da rede é observada quando a pluralidade dos atores que a constitui participa nos espaços de debate e influencia as discussões e as decisões. Além disso, pelas relações e processos informais gerados a partir da interação e dos objetivos mais formalizados.

Um ponto de destaque da participação social da rede englobada pelo CONAPA é o engajamento dos integrantes e o interesse na cooperação desses nas decisões, formulação das políticas e ações propostas. Por exemplo, durante a plenária para revisão do Plano de Manejo, realizada no segundo semestre de 2018, o contexto vivenciado em dois dias de reuniões do grupo demonstrou que o interesse na participação é tanto que a metodologia de condução dos encontros precisa delimitar quantos conselheiros vão expor a sua opinião sobre cada ponto a ser debatido e o tempo de fala de cada um, rigorosamente cronometrado pela equipe do ICMBio. Ainda assim, os encontros do Conselho se estendem por horas e horas de debate.

Uma hipótese para essa característica é o envolvimento destes pelo mesmo propósito. Tal objetivo é uma prerrogativa da equipe de servidores que trabalha na construção do plano, objetivo expresso no site da rede como “buscar a participação direta dos atores sociais da região na elaboração, para que o plano de manejo seja um ‘pacto social’ que garanta um desenvolvimento sustentável e diferenciado no sentido da proteção ambiental do território”.

Esse interesse na participação também é evidenciado na quantidade de instituições que disputam as 12 vagas em cada setor, na medida em que geralmente há mais interessados do que o número de cadeiras.

Além do propósito comum, que é a elaboração do Plano de Manejo da unidade, uma vez que a normativa tornará mais clara e personalizada as regras para uso da área, cada grupo de atores busca seus interesses próprios. Entre os benefícios buscados por cada instituição participante, podem ser citados: o uso racional dos recursos naturais da região; a normatização da ocupação e utilização do solo e das águas; o uso turístico e recreativo; as atividades de pesquisa e; o tráfego local de embarcações e aeronaves.

A participação dos atores nos espaços de debate é a oportunidade para colocarem suas necessidades, discutirem as melhores saídas e entrarem em um consenso para que algo seja realizado.

Na imagem a seguir, vê-se um registro do primeiro dia de plenária para finalização do PM, em 27 de setembro de 2018.

Crédito: Géssica Silva.

Em resumo, o trabalho do CONAPA BF vive uma rica experiência de participação social e coprodução em prol da construção de um ambiente em constante evolução e aprendizagem, incluindo divergências e conflitos para a convivência entre as atividades humanas e o propósito da conservação dos biomas presentes na APA e a proteção da baleia-franca. Representa, também, uma iniciativa que atravessa mais de uma década, liderada por um órgão público e fortemente enraizada no engajamento de diversos atores, marcada por fatores como articulação de interesses, codesign de metodologias de mediação e negociação e aprendizagens, como veremos a seguir.

Uma coprodução franca

Dada a diversidade de atores que se envolve no CONAPA BF e a ênfase nos esforços de codesign do Plano de Manejo, é perceptível, através do acompanhamento de um encontro do grupo e de entrevistas com um representante de cada setor, que o Conselho é um espaço fortemente político. Aqui entendendo política como arte de negociação para compatibilizar interesses.

1º dia de plenária para finalização do PM, em 27/09/2018.
Crédito: Géssica Silva

Ao longo da elaboração do Plano de Manejo, foi necessário o codesign de metodologias de mediação, negociação e comunicação para que o projeto desenvolvido em conjunto pudesse tomar forma. Esse processo foi do início ao fim discutido com as entidades participantes, através de oficinas de planejamento participativo, grupos de trabalho, câmaras técnicas, oficinas setoriais, intersetoriais e intrassetoriais e nas próprias assembleias ordinárias do Conselho, que ocorrem, no mínimo, quatro vezes ao ano.

Tinha razão o professor Francisco G. Heidemann, catedrático da gestão pública que em 15 de agosto de 2018 disse em sala de aula que a democracia é cara e demorada, propriedades que fizeram, nesse caso, e devem fazer parte de processos democráticos.

Para a própria governabilidade do sistema, percebe-se a importância da equipe técnica do ICMBio como mediadora dos debates, colocando na mesa de discussão o ponto de vista institucional e legal do órgão gestor da APA, mas aceitando a deliberação da maioria dos atores. Também revisões feitas pelo ICMBio passam pela defesa, discussão e aprovação da assembleia.

Durante a finalização do Plano de Manejo, a forma de chegar a uma “opinião comum” entre os atores pauta-se pela apresentação de propostas previamente apresentadas pelas entidades. Aqui, cabe um parênteses para o fato de que os técnicos do ICMBio se preocupam se todos entenderam as propostas, simplificando as informações quando necessário ao entendimento do interlocutor que representa a entidade. Isso denota o reconhecimento de que a participação de atores locais, como pescadores e moradores nativos, é essencial para o Plano.

Crédito: Géssica Silva

Em seguida, é aberta a rodada de discussão, com espaços para falas delimitados por tempo e número de “opinadores”, seguido de votação para verificar a concordância com a proposta. Nesse processo, vê-se debates acalorados, de prós e contras, de personalização da atuação na rede em detrimento da representação institucional e, portanto, de conflitos de interesses negociados, mas não evitados. É um processo demorado, tenso e truncado, que tem mantido a rede engajada e culminou, em 2018, no encaminhamento do que pode ser considerado o primeiro Plano de Manejo da APA da Baleia Franca, que passa agora para a aprovação do ICMBio, em Brasília.

O perfil dos diversos atores, sobretudo do Chefe da APA, coincide com aquele desenhado pelo modelo de administração pública do novo serviço público, caracterizado por Janet e Robert Denhardt como “uma alternativa para a ‘nova administração pública’ que tem origem em uma tradição mais humanista”.

O ‘Novo Serviço Público’ retira sua inspiração da teoria política democrática (especialmente enquanto preocupada com a conexão entre cidadãos e seus governos) e de abordagens alternativas à gestão e ao design organizacional. Desta maneira, o governo e, consequentemente, o servidor têm um papel de articulação e mediação dos atores e cidadãos interessados na política pública.

Neste ponto, destaca-se, como substrato da accountability democrática empreendida pelo Chefe da APA, a governança da rede, a qual inclui diferentes setores de representação institucional e participativa e tenta, a todo momento, compor com todas as partes interessadas. Também promove a responsividade da rede em face dos serviços codesenhados e coproduzidos, desde o Plano de Manejo até iniciativas que veremos a seguir.

Coprodução, codesign e cogestão. Coprodução se refere a relações regulares e de longo prazo entre profissionais prestadores de serviços públicos (em qualquer setor) e usuários, ou outros membros da comunidade, onde todas as partes fazem contribuições substanciais de recursos, protagonizando papéis diferentes de acordo com os seus interesses (BOVAIRD, 2007). A coprodução focaliza a participação do usuário ou da comunidade na entrega ou na implementação do serviço público. Codesign é a participação dos mais diversos atores no desenho do serviço público, enquanto cogestão é o engajamento dos atores interessados no gerenciamento da política pública e na prestação do serviço público. Alguns autores entendem que codesign e cogestão estão inseridos na coprodução, outros preferem distinguir bem os conceitos e práticas. Tony Bovaird, por exemplo, considera coprodução não apenas no relacionamento entre o provedor do serviço público e um conjunto de usuários de serviços públicos, mas também no Planejamento, Atribuição, Desenho, Gerenciamento, Prestação, Monitoramento e Avaliação do serviço público.

Muito além da baleia

Além da elaboração do Plano de Manejo e da avaliação, de maneira consultiva, de EIAS e RIMAS, o processo de cogestão e codesign desenvolvido no âmbito do CONAPA BF enseja o desenvolvimento de outras formas de coprodução de serviços na região da APA, para além do que está delimitado formalmente a priori.

Um dos serviços coproduzidos diz respeito, diretamente, ao objetivo básico de proteção da baleia. O Protocolo de Encalhe, elaborado por especialistas e usuários, trata de procedimentos para lidar com baleias em situação de encalhe nas praias abrangidas pela área de preservação, envolvendo ações delimitadas aos cidadãos, e aquelas a cargo das entidades comprometidas com o procedimento.

Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.

Na interação em questão, verificou-se a coprodução na gestão da APA e uma solução para um problema específico com a participação, na esfera federal, do MMA, IBAMA, ICMBio e Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA)/ICMBio; e na esfera local, da APA BF, Prefeitura Municipal Imbituba, CIA Docas (então empresa administradora do Porto), Santos Brasil (empresa responsável pela execução das obras), e o Projeto Baleia Franca (PBF).

Programa de Monitoramento de Baleias-francas do Porto de Imbituba.
Crédito: SCPar Porto de Imbituba

O projeto de manejo da abertura da Barra da Ibiraquera também se originou de uma rede formada pela equipe da APA, denominada Comitê Gestor da abertura da barra. Este Comitê leva em consideração os interesses dos moradores locais, dos pescadores e a preservação do meio ambiente para definir o melhor momento da abertura da barra que liga o mar e a lagoa da Ibiraquera, que ocorre naturalmente pela deposição de areia pelo oceano.

Outra circunstância de destaque na preservação do meio ambiente adequado à baleia-franca, a qual envolveu diversos atores na cogestão da APA, foi a obra de ampliação do Porto de Imbituba, realizada em 2009. Por causa do funcionamento de uma máquina de “bate-estacas”, com intenso ruído subaquático, o ICMBio embargou a obra e exigiu que fosse mitigado o impacto acústico no mar, que interfere no bem-estar dos cetáceos. Tal circunstância gerou, por parte da empresa responsável pela obra, método inédito de estaqueamento com ruído reduzido no mar. Também resultou na criação de um programa de monitoramento de baleias que é realizado até hoje.

Abertura da Barra de Ibiraquera.
Crédito: Simão Marrul Filho

Além disso, há serviços coproduzidos que abarcam a aprendizagem e o compartilhamento de conhecimento entre os atores da rede CONAPA BF, envolvendo contextos que circundam o objetivo básico que os une. As Oficinas de Pesca Artesanal e Surf, por exemplo, buscam proporcionar o diálogo entre os pescadores artesanais e os surfistas, os quais compartilham o mesmo espaço, a praia, para suas respectivas atividades, sobretudo na época da pesca da tainha, quando a atividade de um pode prejudicar a do outro.

Percebe-se que a condução dessas redes pelo ICMBio busca valorizar a inclusão das populações tradicionais na Gestão Participativa e tornar as informações claras em todos os momentos do processo. Estabelece também diálogos e parcerias com o terceiro setor e com a iniciativa privada, sobretudo aqueles que causam impacto à Unidade de Conservação.

Neste contexto, com a entrega da 1ª versão do Plano de Manejo, vê-se como uma provocação para o futuro a própria manutenção da rede, buscando manter seus princípios no processo, valorizar o que foi alcançado e as aprendizagens conquistadas até aqui, com erros e acertos, sendo um grande envolvimento participativo dos atores e uma dinâmica de tomada de decisões eficiente.

Um desafio adicional é a participação destes atores em outras redes no âmbito regional, municipal e local, para que se engajem em “novas coproduções”, incluindo Planos institucionalmente exigidos, como o Plano Diretor e plano de resíduos sólidos, que, em tese, também envolvem atores presentes no CONAPA BF.

O CONAPA BF é uma iniciativa rica em práticas democráticas de governança, participação e controle social, na medida em que o Plano de Manejo foi codesenhado em rede com entidades representativas da região interessada, calcado em uma metodologia que franqueou e promoveu a participação efetiva dos interessados. Esta forma de trabalho da rede mostrou-se custosa sob a perspectiva de tempo, recursos e difusão do conhecimento de maneira permeável a todos, mas rendeu bons frutos ao desenvolvimento equilibrado e sustentável da região da APA BF.  

A rede CONAPA BF é um exemplo de que o exercício qualificado da democracia para se construir o desenvolvimento de uma região em que convivem atores com interesses tão diversos pode necessitar uma forma de organização complexa e com alta demanda de esforços e recursos, mas que nem por isso é inviável. A democracia é laboriosa, mas traz resultados profícuos à sociedade e ao cidadão.

*Texto elaborado por Amanda Arioli Putti (amandaarioli.putti@gmail.com), Géssica Silva (gessica.silvasc@gmail.com) e Rafael Tachini de Melo (rafaeltachini@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2018-2, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.

Referências

BOVAIRD, Tony. Beyond engagement and participation: User and community coproduction of public services. Public administration review, v. 67, n. 5, p. 846-860, 2007.

DENHARDT, Janet. V.; DENHARDT, Robert. B. The New Public Service. Serving, not Steering. New York: M.E Sharpe, 2003.

Para saber mais sobre a APA Baleia Franca, visitar: http://www.icmbio.gov.br/apabaleiafranca/

Para saber mais sobre o Conapa, visitar: https://conapabaleiafranca.wordpress.com

Para saber mais sobre Plano de Manejo, visitar: http://www.mma.gov.br/areas-protegidas/unidades-de-conservacao/plano-de-manejo

Alguns estudos já feitos sobre o Conapa:

Atores e redes na construção de territórios ambientais: o caso da APA da Baleia Franca: http://www.scielo.br/pdf/asoc/v20n2/pt_1809-4422-asoc-20-02-00039.pdf

Inovação, governabilidade e protagonismo de pessoas-chave na Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (Santa Catarina, Brasil): http://repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/281118/1/Gerhardinger_LeopoldoCavaleri_D.pdf

“O Meu Lugar é do Outro”: As Vozes dos Invisíveis nos Espaços Formais de Gestão Ambiental Participativa do Território Sul da APA da Baleia Franca: http://www.anppas.org.br/encontro6/anais/ARQUIVOS/GT5-1269-1025-20120630155459.pdf

Reparou algo diferente nas eleições de 2018? O uso do marketing digital eleitoral e seus efeitos

Por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche*

Santinhos espalhados pelo chão, 45 minutos seguidos de propaganda eleitoral, cavaletes e outdoors anunciando os candidatos políticos, carros de som às 9 horas da manhã de um domingo. Isso tudo soa como eleição? Não mais. 

Consideradas por muitos especialistas como atípicas, as eleições de 2018 chegaram transformando o cenário brasileiro por suas características singulares de polarização e a propagação de ideias em meios inusitados de divulgação. Fatores que sinalizam para episódios inéditos no cenário político brasileiro.

O clássico marqueteiro político não é mais suficiente. Mídias tradicionais, como a TV, não conseguem atingir a mesma quantidade de eleitores de antes. Uma pesquisa executada pelo IdeiaBigData com eleitores brasileiros constatou que ao menos 70% dos entrevistados tinham a intenção de acompanhar os seus candidatos pela internet, enquanto 52% preferiam pela televisão. O marketing político digital, por outro lado, ganha força. Seu baixo custo de investimento, combinado aos 139 milhões de brasileiros (IBGE) que estão nas mídias sociais, parece gerar um fator decisivo para os resultados.

Em sintonia com essas mudanças, vê-se a candidatura e eleição de pessoas que há pouco se mostravam desconhecidos pela população, enquanto rostos já conhecidos não conseguiram obter votos suficientes para alcançar o almejado cargo político.

Em Santa Catarina, apenas seis candidatos conseguiram ser reeleitos para uma posição entre os 16 deputados do estado na Câmara Federal, em Brasília. Em âmbito nacional, 51 políticos que buscavam a reeleição e estavam sendo investigados na Operação Lava Jato, alguns deles tradicionais no cenário político brasileiro, foram derrotados nas urnas. No próximo ano, poderão ser investigados de forma regular, pois não terão mais o foro privilegiado.

A pesquisa do IdeiaBigData confirma que há forte descrença da população com os políticos brasileiros. O levantamento aponta que ao menos 95% dos entrevistados avaliam que os atuais políticos não são transparentes e 89% acreditam que os políticos não se preparam para desempenhar bem seu mandato – números estes que impactam diretamente nas decisões eleitorais.

Se antes era natural a imperícia do saber político e a tomada de decisão sem o conhecimento da população, hoje, ações políticas desfavoráveis à opinião pública promovem impactos sem precedentes.

Durante o processo eleitoral, muitos indivíduos utilizaram os canais de comunicação digitais para exigir explicações em assuntos relevantes, tais como as propostas e trajetória dos políticos, bem como motivos e valores de ações que antes se mantinham fora da alçada da sociedade. Além da prestação de contas mais célere e descomplicada nos meios digitais, houve possibilidade de interação bilateral entre campanhas e eleitores.

O marketing digital eleitoral, por um lado, carrega em si a transparência e a accountability direta na relação entre candidatos e eleitores. Isso facilita o controle das ações dos políticos no uso dos recursos públicos e permite monitorar as doações para as campanhas, por exemplo. Em parte, isso aconteceu, mas não foi só isso. Há também possibilidade de explorar a desinformação e as brechas da lei.

Os tribunais eleitorais, TREs e TSE, receberam diversas denúncias sobre esquemas de impulsionamento ilegal de mensagens via Whatsapp. Segundo Marcelo Vitorino, consultor de marketing digital da campanha de Geraldo Alckmin, do PSDB, foram apresentadas mais de 20 propostas de empresas que ofereciam o serviço ilegal. Vitorino também disse que, em 2017, foram feitas denúncias aos órgãos de controle, mas estes ignoram a dimensão do problema.

Em meio a uma avalanche de mensagens difundidas via Twitter, Whatsapp e Facebook, o Tribunal Superior Eleitoral depara-se com lacunas na lei e até mesmo no entendimento do fenômeno. Além da quantidade de mensagens, boa parte delas continha informações falsas, as famosas fake news. Trata-se de um problema crescente, uma poderosa ferramenta que pode influenciar os resultados eleitorais.

Esse cenário tem relação com o de outros países. Ao longo da campanha política para a presidência americana, Donald Trump gastou cerca de US$ 70 milhões para exibir cerca de 50 mil posts patrocinados por dia, não apenas para promover sua candidatura, mas também para atacar sua concorrente, Hillary Clinton, buscando diminuir a quantidade de votos que ela receberia.

Os candidatos brasileiros não atingiram o mesmo patamar de gastos que o presidente americano. Apesar de não existir um limite específico para gastos com posts patrocinados, houve um teto máximo de recursos investidos nas campanhas, de acordo com o cargo. Isso busca prevenir o excesso de informações políticas nas mídias sociais e garantir certo equilíbrio de presença entre os candidatos. Entretanto, houve difusão de mensagens sob patrocínio de indivíduos, supostamente sem o conhecimento dos partidos e candidatos.

Embora tenham havido iniciativas pontuais de controle, não foi articulada uma ação eficiente sobre o que se postou nas plataformas, não houve capacidade de prever ou monitorar o que se tornou essa avalanche de informações, tanto reais quanto fake. Os partidos políticos também falharam ao não monitorar o ambiente virtual dos debates. Portanto, a legislação nova evidenciou falhas, os Tribunais Eleitorais e a sociedade tiveram pouca capacidade para compreender e conter o incontrolável que se tornou o ambiente virtual.

De um lado, temos a liberdade de expressão das pessoas e dos meios de comunicação, algo essencial para a democracia. De outro, cidadãos que recebem uma enxurrada de informações e não tem experiência e conhecimento para buscar sua validação, o que dificulta a formação de um processo eleitoral justo que consiga levar à responsabilização dos políticos que não correspondem às necessidades da população.

Nosso país se encontra em meio a profundas mudanças no processo eleitoral. As expectativas da sociedade e modos de expressá-las e os meios de responsabilização democrática dos candidatos políticos também estão mudando. Se não forem compreendidos e monitorados, o clima de desconfiança pode aumentar, fazendo crescer ainda mais o descontentamento político pelo qual nossa nação está passando.

O interesse político de parte da população, o clima de incerteza e desconfiança no país, combinado à disponibilização de meios digitais para as grandes massas, fez com que as eleições de 2018 gerassem um processo quase inédito no Brasil. As lições desse processo ainda estão sendo compreendidas. Portanto, perguntamos: diante das surpresas das eleições em 2018, como isso afetará o exercício dos mandatos daqui para a frente? E como os órgãos de controle e fiscalização, partidos políticos, candidatos e cidadãos vão se preparar para as próximas eleições?

Para saber mais sobre o tema, entrevistamos o jornalista e empresário Cícero Mendes, que por meio de sua empresa “Em Pauta” comandou campanhas digitais de políticos em todo o país nas últimas eleições. Ouça aqui :

Referências

 FOLHA UOL. Redes são o novo normal na política. Disponível em:                                                               

<https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marco-aurelio-ruediger/2018/10/redes-sao-o-novo-normal-na-politica.shtml?loggedpaywall> Acesso em 28 out. 2018.

Gestor Político. Software. Disponível em: <https://neritpolitica.com.br/> acesso em 05 out. 2018

IdeiaBigData Pesquisa. Disponível em: <https://ideiabigdata.com/pesquisa/> Acesso em 12 out.2018.

JUSTIÇA ELEITORAL – Cartilha sobre Propaganda Eleitoral na Internet. Disponível em:

<http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/propaganda-eleitoral-na-internet>

acesso em 05 out. 2018

UOL tecnologia. Whatsapp é o novo vilão da eleição.  Disponível em:                                                                                  

<https://www.uol/tecnologia/especiais/whatsapp-e-o-vilao-da-eleicao.htm#frases-1> Acesso em 17 out. 2018.

TI Inside Online. Mais de 30% dos brasileiros ainda não tem acesso à Internet  Disponível em:                                                                     

<http://tiinside.com.br/tiinside/home/internet/21/05/2018/mais-de-30-dos-brasileiros-ainda-nao-tem-acesso-a-internet/> Acesso em 31 out. 2018.

*Texto elaborado por Ana Paula Campos, Bruna Dédalo Gorjão, Bruna Cristina Sanches e Mara Fritsche, no segundo semestre de 2018, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em administração pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

O papel do Ministério Público no processo de prestação de contas das fundações de direito privado

Por Arthur Bernardo Corrêa, Leticia Macedo, Mariana Silva e Vitor Antonio Celso*

Você conhece a relação entre as fundações e o Ministério Público? Será que o processo atual é o mais eficiente e efetivo?

As fundações, em especial as fundações de direito privado, possuem o propósito de prestar serviços que sejam relevantes à sociedade e que colaborem com o Estado. Elas exercem uma função social e algumas podem se caracterizar como entidades beneficentes, dependendo de sua finalidade, consoante ao artigo 62, do Código Civil.

O Controle das Fundações

A partir da criação de uma fundação de direito privado, ela passa a ser fiscalizada (velada) pelo Estado, que fica responsável pela fiscalização quanto ao cumprimento de seus propósitos e regras.

Para uma fiscalização mais presente, a responsabilidade é atribuída aos Ministérios Públicos localizados nos respectivos estados em que está a sede de cada fundação.

Esse controle é regulamentado pelos artigos 62 a 69 do Código Civil Brasileiro, Código de Processo Civil (arts. 1199/1204) e Lei de Registros Públicos (arts. 114/120).

Em Santa Catarina…

O Processo de Fiscalização

No Ministério Público de Santa Catarina, o processo de velamento ocorre de três formas:

  1. Por meio da promotoria responsável por instaurar os procedimentos administrativos e fiscalizando se a atividades que estão sendo desenvolvidas pelas fundações vão ao encontro do seu estatuto, elaborados nos moldes dos artigos 1199 a 1204, do Código de Processo Civil;
  2. Por meio do Centro de Apoio Operacional de Direitos Humanos e o Terceiro Setor, que atua no suporte técnico para as fundações e na criação de campanhas que conscientizem sobre o tema;
  3. Há, ainda, o Centro de Apoio Operacional Técnico (CAT), que realiza a auditoria das prestações de contas das fundações.

O Processo de Prestação de Contas

Todo processo de prestação de contas é facilitado pela utilização do Sistema de Cadastro e Prestação de Contas – SICAP.

Um software por meio do qual as fundações preenchem suas informações cadastrais e seus demonstrativos contábeis. As prestações de contas, após análise realizada pelo CAT, são remetidas à Promotoria de Justiça da respectiva comarca, até seis meses após o encerramento do exercício financeiro.

Esse controle é regulamentado pelo artigo 19 Ato N. 168/2017/PGJ

A Accountability e o Ministério Público

O processo de accountability nos remete um princípio básico da administração pública, que é a transparência dos atos públicos, tendo em vista que o próprio conceito se volta mais à fiscalização e responsividade de tais atos.

O MP atua fiscalizando e gerando informações qualificadas e disponíveis ao público.

O que se vê na atuação do Ministério Público de Santa Catarina ao agir no controle de fundações, é uma ação de controle institucional sobre organizações da sociedade civil e que busca defender o interesse público.

  • Accountability institucional: é quando acontece o processo de avaliação e responsabilização no âmbito do próprio Estado.

Além disso, a fiscalização não se refere apenas à atuação ex post e à aplicação de sanções, se for o caso. Trabalha-se de modo preventivo e buscando oferecer  apoio técnico. O que caracteriza outro conceito ou tipo de accountability:

  • Accountability horizontal: processo que acontece por meio das agências governamentais que ajudam a monitorar as atividades entre os poderes, deixando nesse caso os cidadãos mais distantes desse processo de fiscalização.

Então, observa-se que o MPSC possui uma função imprescindível para com a sociedade e o Poder Público. É uma instituição que auxilia nas ações das autoridades públicas diante de tais fundações, ao mesmo tempo que fornece um apoio e vela pelas mesmas. Porém, mesmo aplicando algumas estratégias que promovam a transparência, o Ministério Público de Santa Catarina não possui envolvimento ativo da sociedade em todo seu processo de fiscalização.

A Relação entre as Fundações e o MP

As fundações precisam – obrigatoriamente – prestar contas de forma clara e formal ao Ministério Público. Mas por quê? As fundações recebem amparo do Poder Público  e, por isso, precisam mostrar que estão cumprindo com suas obrigações legais e seu estatuto, de modo a validar o respectivo apoio. A forma de demonstrar isso seria através do velamento realizado pelo órgão do Ministério Público, que também oferece apoio técnico e feedbacks às fundações.

Este é uma espécie de fomento às fundações de modo a apoiar sua finalidade, através do Poder Público, atuando o Ministério Público como um fiscalizador da respectiva instituição, que avaliará se faz jus ao provimento ou não.

Por exemplo, existem imunidades tributárias, segundo as quais as fundações não precisam pagar impostos sobre o que é destinado às suas finalidades. Ilustrando…

  • Um território de propriedade de uma fundação, que possui o fim específico de ser utilizado em seus serviços, tem imunidade no IPTU.

O artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal, é explícito quanto à vedação de instituir impostos às fundações sem fins lucrativos que seguem em conformidade com a lei.

Deveres das Fundações

Com toda essa fiscalização, cabe à instituição seguir as normas para atingir o apoio e imunidades já citados. Veja algumas das diretrizes que as fundações precisam seguir:

  • aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos objetivos sociais;
  • apresentar demonstrativos contábeis e relatório de atividades;
  • seguir em conformidade com seu estatuto previamente elaborado;
  • atuar de modo a atingir seu objeto social, sendo através de atividades lícitas e sem a finalidade de almejar lucros;

A eficiência e a efetividade do processo

Todo esse procedimento de fiscalização e controle imposto pelo Estado faz questionar sobre a eficiência e a efetividade do processo, considerando as fundações existentes em Santa Catarina.

Além disso, a crescente carga de trabalho atribuída às mais variadas áreas do Ministério Público acaba tornando difícil para se ter um controle, fiscalizar todas as fundações. Ainda, a partir de suas funções, prestar suporte técnico a todas às fundações, devido a uma certa sobrecarga do órgão. Essa situação faz com que surjam algumas incógnitas recorrentes:

  • Deveria existir mais incentivos para que a população ajudasse de alguma maneira nesse processo?
  • A concentração do poder de controle pelo Estado não se tornae um agravante dessa falta de atuação mútua com a sociedade?

Para ilustrar

Fomos atrás de especialistas no assunto! Em uma conversa com Dr. João Carlos Teixeira Joaquim, pudemos entender melhor o cenário.

Ficou interessado? Veja só o que o Promotor de Justiça e Coordenador do CAT e do LAB-LF, do Ministério Público de Santa Catarina, nos respondeu:

Dada a experiência em Santa Catarina, como o MP avalia o processo de velamento de fundações? O propósito da lei que o define é cumprido? O que poderia ser aprimorado?

A norma geral de regulamentação nesse tema é o Código Civil (art. 62 a 69) que, apesar de sucinta, orienta sobre os preceitos básicos do velamento pelo Ministério Público.

No âmbito do Ministério Público de Santa Catarina, a atividade de velamento das Fundações privadas é regulamentada pelo Ato n. 168/2017/PGJ. Tal atividade contempla desde o acompanhamento da instituição (aprovação de estatutos) e o desenvolvimento das atividades (prestações de contas e atas de reuniões dos órgãos de gestão), até o encerramento das atividades (extinção administrativa ou judicial).

Oportunidades de aprimoramento ocorrem em todos os aspectos do velamento, especialmente uma potencial agilização dos processos a partir de sua automatização e da digitalização dos procedimentos de fornecimentos de dados por parte das fundações. Bases de dados digitais podem ser analisadas com maior agilidade, facilitando o fornecimento dos dados e potencializando resultados mais efetivos do velamento.

Existem canais de comunicação entre o MPSC e as fundações de direito privado para que os envolvidos recebam feedback e busquem em conjunto o aprimoramento dos processos?

O principal canal de comunicação à disposição da Fundação é a Promotoria de Justiça, que tem a atribuição na área de Fundações e Terceiro Setor, na comarca onde está situada a entidade. De forma complementar, uma equipe técnica composta por servidores com formação em contabilidade pode auxiliar no esclarecimento de dúvidas quanto ao preenchimento das prestações de contas enviadas anualmente ao Ministério Público.

O MPSC consegue atender à demanda existente por apoio técnico e outras atividades relativas ao velamento das fundações de direito privado?

Atualmente há 150 fundações privadas em atividade em Santa Catarina, distribuídas por 56 Comarcas (cerca de 40 foram extintas, tendo como motivo principal a inatividade nos últimos anos). Cada promotoria de Justiça tem seus próprios controles de acompanhamento e fiscalização.

No que tange ao apoio técnico, a equipe técnica conta com três servidores, que tem prazo de 120 dias para apresentar relatório técnico-contábil das análises realizadas nas prestações de contas. Normalmente ocorre acúmulo de demandas nos primeiros meses do segundo semestre, pois as fundações têm até o dia 30 de junho para prestarem contas do ano anterior, e acabam enviados seus arquivos bem próximos à data limite.

Como o MPSC vê a participação dos conselhos das fundações e suas comunidades para auxiliar na transparência e cumprimento das expectativas sobre o papel das fundações na sociedade?

A partir do pressuposto de que “conselhos das fundações” sejam os órgãos de gestão, tais como Conselho Curador e Conselho Fiscal, tem-se que o Conselho Fiscal atua como principal fonte de informações de eventuais irregularidades, em função da sua atribuição (parecer sobre as contas) e autonomia funcional. Quanto à participação das partes relacionadas, sociedade civil, fornecedores, beneficiários, funcionários ou dirigentes, não há atuação efetiva em termos de controle social, apesar de ser importante fonte secundária de informações.

Então

Nota-se que as fundações são constituídas para um fim específico de interesse público.

Assim, poderia existir um trabalho em conjunto com a população, para que além de solucionar os problemas citados, também ajudaria a fortalecer a confiança da sociedade para com o terceiro setor.

E como você enxerga as soluções?

Referências

BARROS, Vitor. Entrevista concedida para equipe. Florianópolis, 29 nov. 2018. Disponível  em: <https://docs.google.com/document/d/e/2PACX-1vQUDIpIloxpsvhHBqNOaE-X5J1VY7YA6LdAr7JL5iBHPUwNvS9qa1ZAbSdVT48DBliXvquKqz5DDHJl/pub> 

BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.  Institui o Código Civil. BRASIL, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.  Código de Processo Civil. BRASIL, Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm>. Acesso em: 31 out. 2018.

MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA CATARINA. Terceiro Setor, Disponível em: < https://www.mpsc.mp.br/areas-de-atuacao/terceiro-setor>. Acesso em: 01 out. 2018.

SCHOMMER, Paula Chies. Coprodução do Controle e Accountability Social: panorama de iniciativas e tendências. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=q6kusUUhgd0>. Acesso em: 25 nov. 2018

*Texto elaborado por Arthur Bernardo Corrêa (arthurbernardocorrea@gmail.com), Leticia Macedo (macedoleticiam@gmail.com), Mariana Silva (marianasilva270897@gmail.com) e Vitor Antonio Celso (vitorcelss@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada no segundo semestre de 2018 pela professora Paula Chies Schommer, no curso de administração pública da Udesc Esag.

Quanto custa uma campanha política? De onde vem o dinheiro? A conta fecha?

Por Rafael Telles de Carvalho, Brunna Maila dos Santos e Matheus Silva Duarte de Oliveira*

O processo eleitoral em 2018 e a atual situação econômica e financeira do Brasil levantaram inúmeras questões referentes aos gastos em campanhas políticas.

Quando se questiona “quanto custa uma campanha política?”, remete-se não apenas à quantidade de dinheiro gasto, também de onde vieram os recursos e se a arrecadação foi feita de acordo com as leis. Esses aspectos foram amplamente abordados nas recentes eleições, tanto por candidatos quanto pela população.

O total de gastos de candidatos e partidos em 2018, no 1º turno, chegaram aos R$ 2,9 bilhões de reais. É o que mostra um levantamento do portal de notícias G1 em 10/11/2018, a partir de informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse número representa 50% menos nos gastos em comparação com a eleição de 2014, como se pode ver no Gráfico a seguir, divulgado pelo TSE:

Fonte: TSE, 2018

Os novos números são considerados por alguns analistas como um excelente resultado, representando uma maior consciência e bom senso dos candidatos. Outros consideram que a redução é apenas resultado das novas regras e condições que passaram a valer este ano, tais como: período de duração da campanha, que em 2014 era de 90 dias e diminuiu para 45 dias em 2018; o estabelecimento de teto de gastos por candidato (para presidente da república, por exemplo, são R$ 70 milhões no primeiro turno das eleições, com acréscimo de R$ 35 milhões na hipótese de realização de segundo turno) e; a proibição de doações por empresas.

Esta última tem muito a ver com a diminuição dos gastos neste ano, na opinião do entrevistado para esta matéria, o professor de administração pública da Udesc Esag, Leonardo Secchi (áudio da entrevista ao final do texto). O professor observa que a proibição de doações empresariais para as campanhas foi positiva, embora a redução dos recursos totais em si talvez seja algo negativo, sob o ponto de vista de que se deve investir mais em campanhas políticas, pois é um processo essencial da democracia, que requer debate e aprendizagem. O investimento em campanhas é visto como um incentivo à cidadania, um estímulo à participação da população no processo eleitoral. Nesse sentido, o fundo público acaba tendo um papel importante neste processo.

Algo colocado por muitos candidatos é a necessidade de ter mais independência em relação aos doadores públicos e privados. É o que mostrou a campanha de 2018, pois muitos candidatos têm usado recursos próprios nas suas campanhas, o chamado autofinanciamento. Sobre isso, Secchi considera um aspecto positivo e outro negativo:

O ponto de vista positivo é que, se ele é um político virtuoso e vai fazer a defesa do que é de interesse coletivo, ele não vai estar nas mãos ou atrelado a grandes financiadores, mas sim com autonomia para fazer o seu mandato. Por outro lado, também existe o risco desse mandatário privatizar o seu mandato, ou seja, por ter investido o seu próprio dinheiro na sua campanha, acredita que o retorno deve ser dele também. Claro que aí cabe à população saber separar o “joio do trigo” e saber eleger candidatos que, nas suas propostas, nos seus conteúdos, façam defesas de pautas coletivas e não pautas corporativistas, individuais, que venham a privatizar o mandato.

Leonardo Secchi

No ano de 2018, alguns candidatos investiram fortunas nas suas campanhas. O candidato à presidência Henrique Meirelles, por exemplo, investiu 54 milhões de reais em sua própria campanha, sendo 100% do valor vindo de seu “bolso”. Foi o candidato que mais colocou recursos próprios em campanha. Outros partidos vêm incentivando essa prática, entre eles o partido NOVO, financiado com o dinheiro dos próprios filiados.

Cabe questionar, entretanto, se o investimento financeiro em campanhas realmente faz tanta diferença. Em 2018, além da redução significativa nos gastos, houve um movimento dos candidatos para o forte uso da internet como instrumento nas suas campanhas, o chamado impulsionamento digital, que exige menos recursos financeiros. Muitos candidatos optaram por fazer suas campanhas mais pelas redes sociais, produzindo conteúdos para esses canais de comunicação, os quais demandam menor investimento de recursos. E parece ter dado certo para muitos candidatos, de diversos partidos, eleitos em 2018 tendo as redes sociais como principal meio de comunicação.

A campanha eleitoral de 2018, com as novas regras para o financiamento e as novas estratégias adotadas pelos candidatos, mostrou que o custo de uma campanha política é relativo.

Não podemos esquecer que o atual modelo de financiamento veio acompanhado de um novo momento em que se encontra o país. É preciso avaliar o que deve ser aproveitado do modelo antigo e adaptar-se às novas demandas da sociedade para alimentar a democracia, de forma a possibilitar a maior participação possível da população no processo eleitoral.

O modelo atual ainda sofre muitas críticas, principalmente no que se refere ao dinheiro público destinado aos Fundos Partidário e Eleitoral, enquanto muitos setores e serviços públicos carecem de recursos. Sobre o Fundo Partidário, por exemplo, de acordo com o Senado Notícias, no final de 2017, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) lamentou em plenário o veto do presidente Michel Temer de artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias que previa  recursos para o cumprimento de metas do Plano Nacional de Educação. Cristovam questiona:

E por que esse dinheiro para campanha? Primeiro ponto: campanha, quem tem que financiar são os simpatizantes. Segundo: por que essa campanha custa tanto? Depois que inventaram isso aqui, internet, a gente consegue fazer campanha barata.

Enquanto o governo veta um dispositivo que tem mais um peso simbólico do que financeiro, disse Cristovam, a comissão especial da Câmara dos Deputados que trata da reforma política aprovou a criação de um fundo público de R$ 3,6 bilhões para financiar as campanhas políticas (Senado Notícias, 2017)

Por conta disso, o senador conclamou a sociedade, em especial a comunidade científica e os estudantes, na luta contra o fundo. Na opinião dele, “só assim as autoridades saberão eleger prioridades em um tempo em que o dinheiro é escasso e muitos são os setores públicos que precisam de investimento” (Senado Notícias, 2017).

Em 2018, foram autorizados 888,7 milhões de reais para o Fundo Partidário, sendo que 20% desse total deve ser empregado na manutenção das fundações partidárias, responsáveis por atividades de pesquisa e formação política, e 5% para a promoção de mulheres na política.

O Fundo Eleitoral também sofre críticas. Segundo o Estadão, em 2018, o fundo bilionário criado serviu para bancar campanhas políticas, retirando R$ 472,3 milhões originalmente destinados pelos parlamentares para educação e saúde. O valor corresponde a uma transferência do dinheiro de emendas de bancada, que seria destinado a esses setores.

A questão dos gastos no financiamento de campanha divide opiniões e, sem dúvida, faz refletir a respeito do montante realmente necessário para uma boa campanha política. As inúmeras fragilidades em áreas como educação, saúde e segurança pública levam a questionar a razoabilidade em destinar tanta verba pública para campanhas eleitorais. Bem como, visualiza-se como óbvia a importância dos sistemas de transparência e o controle social sobre a administração pública, para quantificar e qualificar as necessidades de gastos com algo tão importante que é o processo eleitoral democrático. Sobre isso, outra questão que se coloca é o custo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os cofres públicos. Segundo o site JConline, de acordo com levantamento feito pela ONG Contas Abertas, o TSE custou R$ 5,4 milhões aos cofres públicos por dia no ano de 2017.

Além disso, embora se tenha avançado nos sistemas de prestação de contas e responsabilização dos candidatos pelo chamado “Caixa 2”, a diminuição significativa nos gastos pode não significar nada nos bastidores. A prática, que era e continua sendo ilegal, pode ter se atualizado e seguir acontecendo, com pouco ou nenhum conhecimento da população e dos sistemas oficiais de prestação de contas.

Cabe aos cidadãos e aos candidatos estimularem o controle e exigirem maior accountability no processo eleitoral para encontrar as verdadeiras causas da redução dos gastos e preencher as brechas que permitem com que haja novas maneiras de desequilibrar o jogo político-eleitoral. Além de refletir se o dinheiro público vem sendo bem empregado, vale analisar o que pode ser aprimorado para que se tenha mais controle e indicadores que certifiquem de que mudanças no sistema eleitoral e de financiamento de campanha estão surtindo efeito. Vale indagar sempre se, afinal, a conta fecha. Será que esses novos números apontam sinais de que estamos no caminho certo?

No link a seguir, pode-se ouvir a entrevista sobre o tema com o professor de administração pública da Udesc Esag, Leonardo Secchi, doutor em ciência política e especialista na formatação de mandatos compartilhados, sobre os custos em uma campanha política.

Referências e mais sobre o tema em:

Cristovam critica criação de fundo partidário bilionário e veto de Temer a dispositivo da LDO. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/10/cristovam-critica-criacao-de-fundo-partidario-bilionario-e-veto-de-temer-a-dispositivo-da-ldo> Acesso em: 23 de novembro.

Saúde e educação perdem R$ 472 milhões para campanhas. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,saude-e-educacao-perdem-r-472-mi-para-campanhas,70002142094>. Acesso em: 20 de novembro.

Gastos de campanha no 1° turno das eleições caem pela metade em comparação a 2014. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/11/10/gastos-de-campanha-no-1o-turno-das-eleicoes-caem-pela-metade-em-comparacao-a-2014.ghtml>. Acesso em: 10 de novembro.

As mudanças no financiamento de campanha para as eleições de 2018. Disponível em: <http://iespnaseleicoes.com.br/as-mudancas-no-financiamento-de-campanha-para-as-eleicoes-de-2018/>. Acesso em: 10 de novembro.

Meirelles gasta R$ 54 milhões do próprio bolso e tem campanha mais cara. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/meirelles-gasta-r-54-milhoes-do-proprio-bolso-e-tem-campanha-mais-cara.shtml>. Acesso em: 20 de novembro.

TSE divulga limites de gastos de campanha e de contratação de pessoal. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Junho/eleicoes-2018-tse-divulga-limites-de-gastos-de-campanha-e-de-contratacao-de-pessoal>. Acesso em: 25 de novembro.

Quanto vale uma eleição? Regra de financiamento favorece ricos e quem já tem mandato. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/07/20/quanto-vale-uma-eleicao-regra-de-financiamento-favorece-ricos-e-quem-ja-tem-mandato/>. Acesso em: 25 de novembro.

Quanto custa a democracia. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/quanto-custa-a-democracia/>. Acesso em: 25 de novembro.

TSE custa R$ 54 milhões por dia, aponta ONG Contas Abertas. Disponível em: https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/nacional/noticia/2017/06/09/tse-custa-r-54-milhoes-por-dia-aponta-ong-contas-abertas-288979.php>. Acesso em: 25 de novembro.

*Texto elaborado pelos acadêmicos Rafael Telles de Carvalho (rafaelcarva4@gmail.com), Brunna Maila dos Santos (brunnamaila@gmail.com) e Matheus Silva Duarte de Oliveira (vizaduarteoliveira@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com participação do mestrando Rafael Tachini de Melo.

Em tempos de luta pela democracia, como lidar com esse gigante invisível chamado FAKE NEWS?

Por Isabella Cristina Schnorr Gevaerd, Isadora Christina Ribas Schiefler e Luiza Moriggi da Silva*

O Brasil é um dos muitos países nos quais a desinformação compartilhada em meio virtual tem influenciado o comportamento do mundo real. Na Índia, a disseminação de notícias falsas levou à violência em várias partes do país. Segundo o jornal estadunidense “Radio free asia,” Myanmar tem sofrido com discursos de ódio e fake news vinculadas a páginas do Facebook. O site “Politize” aponta a desinformação nos Estados Unidos como um problema presente em uma série de plataformas de mídia social, a ser superado.

A disseminação de informações falsas, também conhecidas como fake news, acabam sendo utilizadas para influenciar as pessoas a pensarem de determinado modo ou até mesmo legitimar pensamentos que outrora não eram verbalizados. Pode-se perceber o fenômeno relativo a fake news como um “negócio” que tem potencial de mobilizar as massas, influenciando a formação da opinião pública, tanto em âmbito nacional quanto internacional.

Qualquer pessoa consegue disseminar fake news, seja por meio de publicação em páginas de Facebook, canais de vídeo como o Youtube, sites que se dizem informativos e, mais ainda, aplicativos de mensagens com menos possibilidade de controle, como o WhatsApp. Cabe ao público assimilar ou não as informações como verdadeiras.

Este novo “negócio” só se sustenta pois há quem valide as informações exatamente porque gostariam que fossem verdadeiras.

Desde 2016, a palavra “pós-verdade” consta no dicionário Oxford, denotando as “circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais”. Não é de espantar que, em 2017, a palavra do ano seja “Fake News” e o termo tenha passado a constar de dicionários em diversos países. O dicionário Collins, por exemplo, define Fake News como “informações falsas, e eventualmente sensacionalistas, divulgadas sob o disfarce de notícias”.  Pouco mencionado no passado, o fenômeno hoje é visto por muitos como ameaça à democracia, ao livre debate e à ordem ocidental.

Neste contexto, compreender o seu efeito e saber identificar quando tais informações são disseminadas passa a ser uma necessidade, já que o fenômeno passa longe da accountability, que é essencial nas democracias. A relativa facilidade que qualquer pessoa tem de formular ou propagar notícias falsas traz dificuldades para a efetivação da accountability. Quando alguém intencionalmente propaga algo desalinhado com a verdade, afasta-se da transparência e da responsabilidade. Cria-se um ciclo desvirtuado de troca de informações errôneas, afetando o processo democrático. O debate de problemas públicos é empobrecido, pois os alvos das fake news acabam investindo grande parte de seu tempo na defesa diante das acusações, ao invés de focalizar o diálogo construtivo.

Do ponto de vista do advogado Leonardo Cisne, pós-graduado em Direito Digital e Compliance e membro e coordenador da Comissão de Direito Digital da OAB/SC, as fake news foram ganhando espaço de diferentes formas nos últimos tempos e é responsabilidade de cada um analisá-las atentamente para não se deixar envolver pelo que tais notícias tentam passar.

Mas como se pode estar atendo para não se deixar enganar por Fake News?

Segundo Leonardo Cisne, é importante verificar as fontes. Sites desconhecidos são menos confiáveis e podem mais facilmente disseminar informações falsas, principalmente quando o autor não se identificar, pois demonstra que o responsável por criar tal “notícia” não quer ser responsabilizado pelo que escreveu, nem mesmo identificado. Isso também afeta a accountability, em suas dimensões de controlabilidade e imputabilidade

O leitor deve ficar atento também à data das notícias. Muitas delas são publicadas muito depois de quando ocorreu o fato. Fora do contexto, podem ter interpretação muito diferente. Outra dica é verificar se a mesma notícia também foi publicada em outras fontes e canais de imprensa.

Outra tática é a leitura completa das notícias, pois muitas manchetes são feitas de forma sensacionalista ou enganosa, com o intuito de levar o leitor a acreditar em meias verdades ou confundi-lo com algo totalmente fora de contexto. Assim, o leitor deve ficar atento e não tirar conclusões considerando apenas os títulos das matérias que acessa, além de desconfiar de notícias de tom sensacionalista.

A figura a seguir resume algumas dicas para identificar notícias falsas:

Ainda que se siga essas orientações, é um grande desafio distinguir verdades de mentiras, pois muitas vezes essas se misturam e as realidades distorcidas ou embaçadas influenciam o contexto político e social. Desta forma, é importante pensar como eternos críticos, prezando pela justiça, verdade e pela democracia.

A responsabilidade principal está com cada cidadão que consome, dissemina e produz informações. Cabe à cidadania buscar o esclarecimento, a razoabilidade e a verdade, em cada contexto, buscando ler e escrever de forma consciente a história de seu povo.

Ouça a seguir a entrevista sobre o tema, realizada em outubro de 2018, com o advogado Leonardo Cisne:

Para mais informações sobre o tema, acesse o seguinte link:

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45666742

*Texto elaborado pelas acadêmicas Isabella Cristina Schnorr Gevaerd (bellagevaerd@gmail.com), Isadora Christina Ribas Schiefler (isadoraschiefler@gmail.com) e Luiza Moriggi da Silva (luizamoriggi@hotmail.com), em novembro de 2018, na disciplina Sistemas de Accountability, do curso de Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Rede de Vizinhos da Polícia Militar de Santa Catarina: estratégia pautada na filosofia de policiamento comunitário

 Por Karina Francine Marcelino, João Vitor Libório, Julia Viezzer e Jair Pereira dos Santos*

Como alternativa de equiparação da polícia às demais instituições públicas democráticas, o Policiamento Comunitário surgiu por meio do fortalecimento da participação da comunidade nas questões de segurança pública. A população passa a compartilhar com as instituições policiais a responsabilidade pela segurança, por meio da discussão, estabelecimento de prioridades e estratégias de ação.

O Estado de Santa Catarina, SC, adotou a filosofia de policiamento comunitário em 2001. Alguns exemplos de ações em SC que integram essa filosofia são: Conselhos Comunitários de Segurança, Programa Educacional de Resistência às Drogas, Guarnições de Ronda Escolar, Guarnições de Bike Patrulha, Programa Rota Segura e Rede de Vizinhos.

A Rede de Vizinhos da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), uma estratégia de policiamento constituída por uma metodologia própria e construída a partir de boas práticas vivenciadas no estado e estudos de experiências americanas, britânicas e australianas, surgiu com o intuito de melhorar a comunicação entre os membros das comunidades participantes e a Polícia Militar. Cria-se um espaço em que se compartilham informações e todos se preocupam com o bem-estar e segurança do local em que vivem. São criadas redes, de acordo com os bairros, reunindo vizinhos de uma determinada localidade para atuarem em cooperação e se associarem com o propósito de fortalecer a cidadania ativa do bairro e os vínculos entre polícia e comunidade. É necessário que todos ou a grande maioria dos moradores estejam engajados na segurança da comunidade.

A comunicação entre os vizinhos, com a participação de membros da PM, ocorre sobretudo via aplicativo de mensagens. Esses aplicativos possuem tanto o intuito de criar a cultura de prevenção de ocorrências quanto o de comunicar, após acionar o serviço de emergência da PMSC (telefone 190), quando estas acontecem.

O foco na prevenção é o grande gerador de resultados. Medidas simples como lembretes sobre luzes acesas ou movimentações tornam os membros alertas e unidos contra os problemas. A preocupação não se limita a relatar os casos depois que acontecem, mas sim evitá-los de maneira efetiva.                                     

O programa evolui conforme os membros da rede vão assimilando a aprendizagem ao longo das situações que ocorrem e o tratamento que é dado a cada caso. Distorções acontecem no decorrer do processo, mas a maturidade daquela célula ocorre naturalmente. Exemplo de distorção é o uso do grupo de aplicativo para acionamento do serviço de emergência (deveria ocorrer via telefone 190). Quando isto ocorre, o policial que está no grupo faz as orientações e todos acabam aprendendo.

Além disso, o compartilhamento das informações possibilita maior controle e sistematização dos dados pela PMSC, trazendo cenários mais fidedignos aos gestores públicos. Porém, essas informações não se encontram disponíveis de modo fácil para toda a sociedade, que deseja analisar e compreender os resultados obtidos. Na busca por dados a respeito dos resultados do programa, percebemos que há muito espaço para avançar em accountability – prestação de contas e responsabilização a partir do que é mostrado pelas informações.

 Esse compartilhamento de informações, sistematização dos dados e prestação de contas serviria como incentivo para implementação em outras localidades e para busca de informações que iriam possibilitar a compreensão a respeito da filosofia, seus possíveis efeitos na mudança de postura dos envolvidos e na efetiva melhoria da segurança.

Imagem 1: Identificação visual do Programa Rede de Vizinhos PMSC

Fonte:  Polícia Militar de Santa Catarina

Nas comunidades em que a rede foi implementada em Florianópolis, as iniciativas ocorrem de forma semelhante.  A Polícia Militar realiza reunião de sensibilização na qual explica aos participantes as regras de comunicação, as vantagens e resultados do programa e, partir disso, a rede é criada.

As diferenças que ocorrem de acordo com as localizações estão ligadas aos níveis de engajamento e participação dos membros da rede. É perceptível que nos bairros com uma comunidade mais engajada, a comunicação é mais efetiva, promovendo o surgimento de novas redes. Como exemplo, tem-se a Rede Catarina de Proteção à Mulher, que objetiva direcionar os diversos esforços que a PMSC já realiza no combate e prevenção à violência doméstica.

Porém, mesmo diante das peculiaridade e singularidades de cada contexto analisado, os resultados alcançados são considerados um sucesso.  Segundo a notícia publicada em 02/01/2017, no site da Polícia Militar de Santa Catarina, por Cabo Adriana Ribeiro Machado Urbano, a rua que apresentava o maior número de ocorrências no município de Balneário Piçarras, após um período de seis meses de implantação da Rede de Vizinhos, não apresentou uma solicitação de incidente de ocorrência.

Assim, a Rede de Vizinhos PMSC tem o foco na prevenção e é pautada nos valores da cooperação, parceria, engajamento social e interação entre vizinhos. Nesse contexto, o cidadão torna-se protagonista na construção da segurança pública, sendo capaz de transformar a realidade local, em parceria com o policial militar, o qual assume o papel de agregador e motivador, potencializando a capacidade de alcançar resultados positivos por meio da Rede.                        

Desafios são inerentes a iniciativas inovadoras e abordagens heterodoxas na administração pública e a Rede de Vizinhos, assim como os demais programas de policiamento comunitário, não é exceção. Ampliar o alcance geográfico e a participação da comunidade sem deformar o programa, sabendo que existem diferenças culturais e regionais, é um dos principais desafios. A resposta do policiamento comunitário é simples: a inserção do policial naquela comunidade dará o auxílio para vencer essas barreiras. O tempo dirá se os resultados serão perenes, mas os frutos já apresentados são promissores.

Para saber mais sobre o tema:

Entrevista com o Capitão Cristiano Curado Guedes sobre policiamento comunitário: https://www.youtube.com/watch?v=gnHG0JLw7m4&t=8s

Manual de Policiamento Comunitário: Polícia e Comunidade na Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), 2009:http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/manual_policiamento_comunitario.pdf

DAVIS, Robert C; HENDERSON, Nicole J.; MERRICK, Cybele. Community Policing: Variations on the Western Model in the developing World. Police Practice and Research. v. 4, n. 3, p. 285–300, 2003.

* Texto elaborado por Karina Francine Marcelino (karinamarcelinoo@gmail.com), João Vitor Libório (joaoliborio02@gmail.com), Julia Viezzer (juliaviezzer@hotmail.com) e Jair Pereira dos Santos (jairpsj@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Policiamento Comunitário: uma alternativa de participação cidadã na prevenção da violência e melhoria da relação entre polícia e comunidade

Por Karina Francine Marcelino, João Vitor Libório, Julia Viezzer e Jair Pereira dos Santos*

É crescente o interesse em fortalecer, tanto no Brasil como no mundo, a confiança da sociedade nas instituições policiais, melhorar o planejamento e a alocação dos recursos destinados à segurança pública e assegurar a proteção física das pessoas e do patrimônio.  Quando a questão é segurança pública, não há como compreendê-la sem a participação cidadã.

A segurança pública, assim como a saúde e a educação, são tipos de serviços que não existem sem o usuário, sem o cidadão. Por mais que saúde, educação e segurança possam ser providos por entes privados e gerar benefícios particulares, há sempre uma dimensão pública envolvida, tanto na provisão como nos efeitos da boa ou má qualidade desses serviços. São bens de natureza pública e privada ao mesmo tempo (Davis e Ostrom,1991).

Com base nisso, surge uma concepção baseada na coprodução e na corresponsabilidade, pois esses elementos tendem a fortalecer a coesão social e a aumentar a satisfação do usuário e a qualidade na entrega dos serviços.

Imagem 1: Moradores comprometidos em prol da comunidade

Fonte: Polícia Militar de Santa Catarina

Lendo assim, nos parece algo óbvio. A Constituição Federal de 1988 já prevê, em seu art. 114, que a “segurança pública não é apenas dever do Estado e direito dos cidadãos, mas responsabilidade de todos”. Essa visão de corresponsabilidade pode ser mais intensa ou menos, a depender da filosofia de policiamento que se adote ou que sobressaia em cada contexto. A concepção de policiamento comunitário vai além, fortalecendo as ideias de compartilhamento de responsabilidades.

Ao contrário do que muitos pensam, não existe apenas uma forma de garantir a segurança pública, tampouco de policiamento. O policiamento comunitário, por exemplo, surgiu como alternativa de equiparação da polícia às demais instituições públicas democráticas, por meio do fortalecimento da participação da comunidade nas questões de segurança pública. A população passa a compartilhar com as instituições policiais a responsabilidade pela segurança, por meio da discussão, estabelecimento de prioridades e estratégias de ação.                                                 

O policiamento comunitário é a alternativa a um policiamento de certo modo ainda praticado no Brasil no qual, embora a finalidade de segurança pública buscada seja a mesma, a proximidade com a comunidade é acessória. O período repressivo vivido nos anos anteriores a Constituição de 1988 serviram para sedimentar uma polícia contundente. Por vezes, a adoção de meios e técnicas similares às usadas nas forças armadas afastava os policiais das pessoas a quem se propunham proteger.

Policiamento comunitário é uma filosofia com foco na prevenção dos problemas, sendo imprescindível sua adaptação ao contexto em que é implementado. É considerado como uma política de Estado, pois atravessa diferentes administrações e leva anos para ser integrado pelas forças policiais e pela comunidade.

Experiências de policiamento comunitário ao redor do mundo apontaram para diversidade de elementos constitutivos. Dependendo do local no qual as estratégias e ações são implementadas, apresentam-se novas características e desafios a serem enfrentados.

Com base em estudos de caso feitos por Davis, Henderson e Merrick (2010), os esforços para introduzir o policiamento comunitário deparam-se com dificuldades como baixos níveis de profissionalismo das instituições policiais, desrespeito da sociedade com a aplicação da lei e falta de organização comunitária. Os autores descrevem e analisam a forma como o conceito foi adaptado em países da América Latina e da África, nos anos 1980 e 1990.

No Haiti, por exemplo, o fim do regime ditatorial no país foi marcado pela intervenção internacional liderada pelos Estados Unidos, que constituíram o policiamento comunitário por lá em 1994. Em Uganda, o contexto também era de retomada da democracia. Na ocasião, em 1989, foram contratados dois especialistas britânicos que forneceram treinamento para um quadro de Oficiais de Ligação Comunitária (CLOs). Alguns dos efeitos percebidos foram o fortalecimento de vínculos entre a polícia e as comunidades, ONGs passaram a trabalhar na segurança da comunidade e houve a diminuição da violência doméstica.

No Brasil, as primeiras iniciativas de policiamento comunitário surgiram a partir da década de 1980, baseadas em experiências nos Estados Unidos e no Canadá. Uma convergência de fatores nesse período contribuiu para o seu surgimento por aqui. A reabertura democrática, em meados da década de 1980, mostrou-se campo fértil para inclusão de pautas que primaram pela participação cidadã nas questões sociais: a segurança pública estava nesse rol. 

O Estado de Santa Catarina, SC, adotou a filosofia de policiamento comunitário em 2001. Alguns exemplos de ações em SC que integram essa filosofia são: Conselhos Comunitários de Segurança, Programa Educacional de Resistência às Drogas, Guarnições de Ronda Escolar, Guarnições de Bike Patrulha (imagem 2), Programa Rota Segura e a Rede de Vizinhos.

Imagem 2: Policiamento ostensivo com bicicleta

Fonte: Polícia Militar de Santa Catarina

Ao mesmo tempo, por ser uma filosofia de trabalho, o policiamento comunitário não é concebido como um estilo de policiamento limitado ou especializado, nem algo que possa ser imposto de cima para baixo. Portanto, o policiamento comunitário tem como base a comunidade, enfatizando sua participação e envolvimento.

Diante disso, as ações de policiamento comunitário surgem como alternativa de participação cidadã com o intuito de fomentar parcerias, fortalecer a cidadania ativa e as relações interpessoais, por meio do envolvimento de todas as forças vivas da comunidade, na busca de soluções criativas relacionadas aos problemas de segurança e serviços ligados ao bem comum. Mas vale ressaltar, mesmo com todos os benefícios, que essa filosofia não se enquadra como a solução para todos os problemas. Ela precisa estar alinhada a outras estratégias de policiamento.

Para saber mais sobre o tema:

Polícia Militar de Santa Catarina – Polícia Comunitária: http://www.pm.sc.gov.br/cidadao/policia-comunitaria.html

Entrevista com o Capitão Cristiano Curado Guedes sobre policiamento comunitário:  https://www.youtube.com/watch?v=gnHG0JLw7m4&t=8s

Manual de Policiamento Comunitário: Polícia e Comunidade na Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV/USP), 2009:http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/dh/manual_policiamento_comunitario.pdf

DAVIS, G.; OSTROM, E. A Public Economy Approach to Education: Choice and Co-Production. International Political Science Review. v. 12, nr. 4, p. 313-335, 1991.

DAVIS, Robert C; HENDERSON, Nicole J.; MERRICK, Cybele. Community Policing: Variations on the Western Model in the developing World. Police Practice and Research. v. 4, n. 3, p. 285–300, 2003.

* Texto elaborado por Karina Francine Marcelino (karinamarcelinoo@gmail.com), João Vitor Libório (joaoliborio02@gmail.com), Julia Viezzer (juliaviezzer@hotmail.com) e Jair Pereira dos Santos (jairpsj@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.