Blog do Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, da Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas – UDESC/ESAG
A criação do Sistema Único de Saúde, o SUS, teve origem na década de 1970, quando surgiram diversos movimentos populares, dentre estes, na área de saúde, o Movimento da Reforma Sanitária. Este buscava mudanças e transformações do setor saúde, pressupondo a democratização. Apresentando essa premissa como base, o Movimento cresce nos anos de 1980 e passa a formular alternativas à política de saúde.
Nesse processo, o momento crucial
para a criação do Sistema Único de Saúde foi a 8ª Conferência Nacional de
Saúde, em 1986. Nessa Conferência, diferentemente das anteriores, houve uma
ampla participação dos setores organizados na sociedade civil, como
profissionais da saúde, parlamentares, intelectuais, entre outros profissionais
preocupados com a saúde pública.
As resoluções e propostas
apresentadas em 1986 embasaram as formulações do Sistema Único de Saúde, que
foi oficializado na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990. A partir de então, a saúde passou a ser
direito de todos e dever do Estado, regida pelos princípios de
universalização, descentralização e participação social.
Segundo Correia (2005, p.62), a
participação cidadã no SUS, na perspectiva do controle social, foi um dos eixos
da 8ª Conferência. No relatório da mesma, se definiu participação em saúde como
o conjunto de intervenções que as diferentes forças sociais realizam para
influenciar a formulação, a execução e a avaliação das políticas públicas para
o setor de saúde.
De lá para cá, o setor saúde vem
desenvolvendo diversos canais e meios que favorecem a participação e o controle
compartilhado entre usuários e profissionais. Ao aprimorar as políticas na área
de saúde, a qualidade dos serviços e o uso dos recursos públicos, ainda que
haja muitos desafios, essas práticas mostram resultado e são referência para
outras áreas da administração pública.
Para se obter melhores resultados e
uso eficiente de recursos, além da autonomia e qualificação dos gestores
públicos, é fundamental instituir processos de accountability em relação às
decisões tomadas e aos resultados obtidos. Entre os instrumentos utilizados
para se obter o controle social na política de saúde pública, estão os
Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde.
Com relação a esses instrumentos, o
profissional da área de saúde pública, Paulo Sergio, que atuou como diretor de
vigilância epidemiológica no município de São José, comentou sobre os
mecanismos em entrevista na Rádio Udesc (ouvir entrevista
completa). O
entrevistado informou que esses mecanismos foram criados pela Lei 8.142/90,
tendo o Conselho um caráter permanente e deliberativo no que diz respeito à
execução dos aspectos econômicos e financeiros, além de ter a função de exercer
o controle social com o objetivo de garantir o atendimento aos interesses da
maioria da população. Já a Conferência, que acontece a cada 4 anos, com
representação dos vários segmentos sociais, serve para avaliar a situação de
saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis
correspondentes. É convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, pelo
Conselho de Saúde.
Além desses dois meios de controle
social previstos pelo SUS, Paulo Sergio explicou que existem mais dois
importantes mecanismos de participação que contribuem para o acompanhamento do
controle e da fiscalização das ações e dos recursos financeiros gastos na
política de saúde. O primeiro destacado são as Ouvidorias.
Segundo informações do Governo
Federal, em 2004, através da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, ficou
determinado a criação de Ouvidorias no Poder Judiciário e no Ministério Público
no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Territórios. Portanto, com o
processo de ampliação dos espaços de participação, a Ouvidoria passou a estar
presente nos três poderes da Nação, também nos Estados, no Distrito Federal e
nos Municípios, e vem consolidando-se como instância de controle e participação
social, destinada ao aprimoramento da gestão pública.
Paulo Sergio destacou que o propósito
da Ouvidoria é oportunizar um canal para que a população possa registrar
sugestões, reclamações, denúncias e solicitar demandas ao gestor municipal,
sendo um mecanismo formal que dá segurança para o usuário se manifestar ao
órgão público. Além disso, garante um protocolo para acompanhamento e o direito
ao anonimato. Os contatos podem ser realizados de forma presencial, via
telefone e/ou via site.
O segundo canal destacado pelo
entrevistado são os Observatórios Sociais. Contou que estes são espaços para o
exercício da cidadania, reunindo pessoas da sociedade civil que, juntas, buscam
respostas junto ao poder público para demandas dos cidadãos. O Sistema OSB é formado por entidades representativas da
sociedade civil e
voluntários engajados com o objetivo de contribuir para uma gestão
pública com transparência, eficiência, eficácia e efetividade, segundo o site
oficial da organização. Também de acordo com informações disponíveis no site,
dos 147 observatórios ligados ao Sistema OSB, 27 estão em cidades catarinenses.
De acordo com o presidente do sistema em Santa Catarina, Leomir Minozzo, o
objetivo é desenvolver a cultura da participação cidadã e ser referência no
controle de gastos públicos.
Além dos mecanismos citados, podem existir
outros meios, como os instrumentos de contratualização de resultados, mecanismo
que promove a accountability alinhada à chamada Nova Gestão Pública. São ferramentas que buscam promover
o aumento da eficiência e efetividade dos serviços públicos, além da transparência
e do controle social (BERNARDO, 2011).
A provisão de serviços públicos em
parceria entre os governos e as organizações sociais (OSs), entidades públicas não estatais, é
um dos exemplos de flexibilização da administração pública que demanda mecanismos específicos de
accountability. Como exemplo, destacamos o caso do governo de São Paulo, que
por meio de um contrato de gestão, o Estado repassa a entes públicos não
estatais a provisão de serviços não exclusivos. Cabe à máquina estatal a
regulação e o financiamento básico desse processo (SANO e ABRUCIO, 2008). Em
estudo realizado por Sano e Abrucio em 2008, os avanços de gestão das OS da
Saúde em São Paulo foram evidenciados por dados referentes à eficácia e
eficiência dos gastos públicos e à área de recursos humanos, ainda mais quando
comparados ao desempenho dos hospitais estatais paulistas. Entretanto,
ressaltaram que os instrumentos de accountability foram pouco utilizados.
De acordo com as premissas do SUS, na
perspectiva do controle social, a ampliação da accountability têm contribuído
para a redução de práticas clientelistas e para a maior adequação das ações às
necessidades da população. O aperfeiçoamento desse sistema, principalmente, no
que diz respeito à publicização do que é público e da participação, devem ser
contínuos, fortalecendo o exercício do controle social sobre a política de
saúde.
Portanto, é importante enfatizar que
os instrumentos de controle social, além de conquistas, também são processos de
aprendizagem a serem fortalecidos com a participação social nos mais diversos
meios e mecanismos, tanto no âmbito do público, quanto do privado. Assim,
espera-se que o aumento do controle sobre o poder público possa gerar dois
grandes efeitos – a responsabilização que reduz as chances ou permite corrigir erros
dos governantes e seus parceiros e, quando for o caso, levar à punição dos
responsáveis e; pela existência de múltiplos e ininterruptos instrumentos de
accountability, gere-se aprendizagem a cidadãos e policymakers, sejam
eles os políticos, sejam os burocratas (SANO e ABRUCIO, 2008).
Referências
A história
da saúde pública no Brasil.
Intérpretes: Paulo Sérgio. 2018. (7 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yuDpa-nU3t8&t=45s>.
Acesso em: 13 jun. 2019.
SANO, Hironobu; ABRUCIO, Fernando Luiz. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no Brasil: o caso das Organizações Sociais de Saúde em São Paulo. Rev. adm. empres. [online], vol. 48, n.3, pp.64-80, 2008.
BERNARDO, Renata Anício. Instrumentos de contratualização de resultados na administração pública
como mecanismo de promoção da accountability. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO
PÚBLICA, 4, 2011, Brasília. Anais… Brasília, 2011.
BRASIL. GOVERNO FEDERAL. História das ouvidorias: Como surgiram as ouvidorias?. Disponível
em:
<http://ouvidorias.gov.br/cidadao/conheca-a-ouvidoria/historia-das-ouvidorias>.
Acesso em: 12 jun. 2019.
CORREIA, Maria Valéria Costa. Desafios para o controle social subsídios para capacitação de
conselheiros de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2005.
O QUE é o
SUS? Sistema Único de Saúde do Brasil: Princípios e diretrizes. Intérpretes: Paulo Sérgio. 2018. (8 min.), son.,
color. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=2fpRaU8VkIE&t=349s>. Acesso em: 12
jun. 2019.
OBSERVATÓRIO SOCIAL DO BRASIL (Brasil). O que é um Observatório Social? Disponível em: <http://osbrasil.org.br/>. Acesso em: 14 jun. 2019.
*Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Tamires da Rosa (tamiresdarosa.e@gmail.com) e Rafael Bertoncini Goulart (rafaelbertoncini@hotmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2019.
O Brasil adota o sistema federativo. Isto significa que o país está dividido em unidades federativas. Cada unidade, com exceção do Distrito Federal, é composta por municípios. Cada município (ou cidade) possui a autonomia de se organizar por lei orgânica, eleger seus governantes, estabelecer os serviços públicos e a estrutura necessária para administrá-los, bem como a forma de captar recursos (Meirelles, 2017).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no início do século XX, eram 1.121 o número de municípios brasileiros. Em 2010, o número se multiplicou por 5. É claro que ocorreu uma evolução econômica, política e cultural no país e este crescimento numérico é, em parte, reflexo desta evolução. Contudo, há grande discrepância entre unidades territoriais de mesma característica legal. Cidades com poucos milhares de habitantes possuem as mesmas atribuições, mas nem sempre as mesmas capacidades que os dezessete municípios com mais de 1 milhão de habitantes.
A diferença também é territorial. Há municípios no Brasil, como Altamira, no Pará, com território maior que alguns estados brasileiros e outros com menos de 30 km². Isso afeta na prestação de serviços públicos. A população de distritos distantes das áreas centrais de municípios com grande extensão territorial acaba prejudicada. Ao longo dos últimos 40 anos, a dinâmica populacional teve consequências distintas nas diferentes regiões do país. Enquanto que, nas grandes unidades da federação, como o Pará, houve a manutenção das unidades municipais já consolidadas, de grandes extensões territoriais, de tamanho similar ao de outras nações. Já nos estados meridionais do Sul e Sudeste, houve um crescimento significativo da emancipação de distritos e, assim, grande crescimento do número de municípios, não necessariamente de grandes extensões territoriais, como no Norte do país.
A criação e desmembramento de novos municípios é um fenômeno que acompanha o desenvolvimento democrático do Brasil, por conta de que mais de 20% dos novos municípios foram criados na distensão democrática que culminou na Constituição de 1988. As motivações principais para a emancipação de municípios são a autonomia e independência política e administrativa. Regiões que muitas vezes são esquecidas ou deixadas de lado em relação a outras regiões do município “principal”. A impressão que se tem é que não é dada a devida atenção e transparência, tanto administrativa, quanto financeira de dispêndio de recursos.
A busca por emancipação muitas vezes expressa a vontade de demonstrar uma identidade cultural que reflita os hábitos e a história de cada localidade. Além da busca por desenvolvimento refletido em índices socioeconômicos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Em localidades do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, muitos municípios recém emancipados possuem índices de desenvolvimento baixo. Por outro lado, a maioria desses municípios têm apresentado uma evolução no IDH maior que as cidades das quais se desmembraram, de acordo com nossa análise. Neste ponto de vista, a emancipação significa, ao mesmo tempo, uma afirmação cultural e uma busca por evolução econômica e social.
Em municípios pequenos, é grande o desafio de obter receitas próprias suficientes para a prestação de serviços públicos. Conforme demonstram relatórios dos tribunais de contas, muitas vezes a principal fonte de receita não é a dos tributos locais e sim os repasses de transferências dos estados e da União. Em pequenos municípios, é grande o desafio de prestar os serviços e manter o custeio da máquina pública. Nos maiores, principalmente aqueles com grande densidade populacional, o desafio é a construção de arranjos institucionais que permitam o compartilhamento de soluções para problemas que ultrapassam os limites territoriais. Um exemplo são os consórcios municipais para a prestação de serviços, como nas áreas de saúde, educação e saneamento.
No que tange à transparência dos critérios e do processo, a legislação, Artigo 18 § 4o da Constituição Federal, institui regras para criação de novo município. Inicialmente, o texto mencionava que “far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas”, dando aos estados federados a prerrogativa de definir critérios para a emancipação, o que se interpunha à própria Constituição no que se refere à independência dos entes federados. Em um segundo momento, com a Emenda Constitucional nº 15 de 1996, apesar de também aguardar uma lei complementar para detalhar a questão, havendo a necessidade de se ter a mesma lei estadual prevista anteriormente, porém à partir de uma lei complementar federal, definiu: “far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei”.
Entende-se que tanto a União, Estados e Municípios são entes federados, autônomos, sem relação de hierarquia e subordinação. O procedimento de plebiscito, um instrumento de accountability democrática, estava presente desde o início, mas a Emenda passa a exigir a divulgação de Estudos de Viabilidade Municipal, para esclarecer os impactos dessa emancipação. O Estudo de Viabilidade se insere no âmbito da Prestação de Contas e Transparência, contribuindo para a qualidade do debate e da decisão sobre emancipar ou não.
Outro ponto importante nesse debate é o Fundo de Participação dos Municípios, que é distribuído pelo governo federal e estadual, a partir de impostos desses entes federados, para os municípios. O cálculo é feito pelo Tribunal de Contas da União, que considera o tamanho da população e renda, com um mínimo para municípios de até 10.188 habitantes, e máximo para aqueles acima 156 mil. Sabe-se que grande parte dos pequenos municípios acaba sendo dependente desses repasses. Município maiores também possuem dependência, a exemplo da capital catarinense, Florianópolis, na qual mais de 35% do seu orçamento é composto de repasses. Isso nos faz repensar que mesmo com a previsão legal de entes federados, autônomos, com responsabilidades bem definidas, ainda assim o Estado brasileiro não conseguiu colocar em prática essa autonomia, havendo uma desproporcionalidade entre a responsabilidade dos municípios perante sua capacidade financeira própria de cumprir com essas responsabilidades, sendo dependentes de repasses para cumprirem seus papéis definidos na Constituição de 1988.
Respondendo ao questionamento título deste texto, podemos considerar que a emancipação de municípios se relaciona à accountability no que tange a transparência e à qualidade do debate público nos seguintes aspectos:
– A motivação, considerando que cada município possui dinâmica própria e a missão da accountability em relação ao tema da emancipação é proporcionar a transparência na divulgação de dados em relação a fatores históricos, culturais, econômicos e políticos.
– As regras e critérios para emancipação, em que percebemos que houve uma evolução no que tange à legislação, buscando reequilibrar a independência dos entes federados, não deixando os municípios “reféns” dos critérios estabelecidos pelas unidades federativas, mas também sob os auspícios de lei complementar (ainda não estabelecida) da União. Há previsão de um Estudo de Viabilidade Municipal, porém uma falta de garantia de qualidade das informações, que permitam que cada situação seja avaliada em sua necessária profundidade, de modo que se possa determinar a necessidade ou não de uma eventual divisão territorial. A accountability aqui vai desde a divisão de poderes legal até a transparência no que tange à informação para tomada de decisão.
– A capacidade administrativa e prestação de serviços, que ainda é muito discutível, sob diversas ponderações no que tange às especificidades de cada município, desde sua extensão territorial à sua relação com a parte central do município a se emancipar. Cabe aqui a accountability para obter as informações necessárias para saber o real motivo do porquê os municípios se emancipam.
– Por fim, a distribuição de recursos e responsabilidades dos entes federados, que perpassa a discussão do Fundo de Participação dos Municípios, como são distribuídos e a dependência a esse fundo, que não permite que os municípios tenham autonomia de acordo com suas responsabilidades estabelecidas na Constituição Federal (1988). Esse seria um último ponto que envolveria os demais, mostrando que a questão é complexa e envolve a accountability como um todo, desde a questão legal, de desenho institucional, à prestação de contas e a responsividade ao interesse das populações afetadas.
Referências
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades IBGE. Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/>. Acesso em: 11 jun. 2019.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Evolução da Divisão Territorial do Brasil. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/default_evolucao.shtm>. Acesso em: 10 jun. 2019.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. 886 p.
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Portal do Cidadão. Disponível em: <http://portaldocidadao.tce.sc.gov.br/homesic.php>. Acesso em: 11 jun. 2019.
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul. Indicadores. Disponível em: <http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/consultas/indicadores>. Acesso em: 11 jun. 2019.
FERNANDES, André Luiz et al. Estudo de Viabilidade Municipal. Curitiba: Tribunal de Contas do Estado do Paraná, 2015. Disponível em: <https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2017/1/pdf/00308470.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2019.
Links de notícias sobre o tema
https://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2019/05/22/centenas-de-municipios-naoconseguem-se-manter-com-recursos-proprios.ghtml ( Reportagem Jornal da Globo sobre município piauiense)
https://globoplay.globo.com/v/7314292/ ( Reportagem Fantástico discutindo a criação de municípios)
https://www.youtube.com/watch?v=Th7Cqhv7qV4 e https://www.youtube.com/watch?v=pJNI7pU5xRs ( Seminário TCE/SC sobre o Federalismo e o Papel dos municípios , abril 2019.
*Texto elaborado pelos acadêmicos Lucas Garcez (lucascgarcez@gmail.com) e Thiago Duarte (thiagosduarte@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2019.
Por Emilly da Silva, Gisela Rabelo Farias, Jacqueline Nilta Vitorino e Tayane Cristina Raimundo*
Open contracting, ou compras abertas, é uma expressão que caracteriza a publicação e o uso de informações acessíveis e oportunas sobre contratos governamentais para envolver cidadãos e empresas na identificação e na correção de problemas.
O conceito envolve toda a cadeia de negociação do governo, desde a concessão de recursos naturais até a aquisição de bens, obras e serviços para os cidadãos. Começa na fase de planejamento e abrange licitação, concessão e implementação de todos os contratos públicos.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 garante aos cidadãos acesso a dados e a informações de seu interesse. A disponibilidade de dados das Compras Governamentais é um compromisso firmado pelo governo brasileiro na Parceria para Governo Aberto (Open Government Partnership – OGP), com o objetivo de promover transparência dos gastos públicos, fornecer informações para a sociedade e estimular a pesquisa e a inovação tecnológica.
Na busca por modernizar e aprimorar as compras públicas do governo, surge a Rede Nacional de Compras Públicas, a qual faz a integração entre as unidades de compras nos âmbitos nacional, estadual e municipal, além da ligação entre os três poderes. A Rede oferece capacitação para os agentes de compras públicas, promove a consolidação de informações e a profissionalização dos atores envolvidos em licitações.
Em Santa Catarina, o Governo do Estado tem buscado se orientar pelos princípios de contratação aberta na gestão das compras públicas. O tema foi objeto de debate com a servidora Karen Sabrina Bayestorff Duarte, (na época Diretora de Gestão de Materiais e Serviços e, atualmente, Diretora de Gestão de Licitações e Contratos, ambos cargos da Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina) na aula de Sistemas de Accountability, na graduação de Administração Pública da Udesc Esag, e em entrevista veiculada na Rádio Udesc (ouça aqui). Foram elencados avanços e desafios no tocante a compras públicas no estado catarinense.
Karen explicou que os princípios de contratação configuram uma espécie de “guia de boas práticas” para as compras públicas no Brasil e há leis brasileiras que refletem alguns desses princípios. A contratação aberta é uma tendência mundial e Santa Catarina tem buscado avançar nesse sentido.
No estado de Santa Catarina, até pouco tempo atrás, a falta de acesso à tecnologia da informação poderia ser considerada um empecilho para dar mais transparência aos processos de compras, mas Karen explica que atualmente essa barreira vem sendo vencida. No entanto, a prática ainda esbarra em algumas dificuldades.
Dentre as dificuldades ainda encontradas, Karen destacou a necessidade de aprimorar a organização dos dados e de padronizar processos internos: a chamada gestão de processos.
No sentido de melhorar a gestão de processos, em especial com relação à transparência e à licitação, o município de Londrina, no Paraná, é um bom exemplo. Por meio de esforços conjuntos entre sociedade civil, observatório social, governo e universidade, em pouco tempo, o município paranaense reverteu o quadro de falta de transparência e de ineficiência nos processos licitatórios, economizando milhões de reais dos cofres da cidade.
Percebe-se que é primordial que haja convergência de ações em prol da transparência, seja ela concretizada ativamente pelo governo, seja respondendo à demanda da sociedade.
Mas para que haja uma resposta do governo, precisa haver controle social. E para haver controle social, devem estar disponíveis dados e informações passíveis de análise. Em outras palavras, os dados devem estar “abertos”.
Cumpre dizer, portanto, que aprimorar a administração pública como um todo e as compras públicas, em específico, não é responsabilidade de um só. Tampouco é responsabilidade de ninguém. Envolve diversos atores e é necessário que cada um deles contribua, de forma tal que o controle seja coproduzido e que os princípios prezados pela Constituição brasileira sejam resguardados e garantidos, na busca por uma sociedade mais justa e democrática.
*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Emilly da Silva, Gisela Rabelo Farias, Jacqueline Nilta Vitorino e Tayane Cristina Raimundo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2019.
Por Fábio dos Santos, Gabriela Cidade, Leonardo Vieira, Letícia Abreu, Rodrigo Cunha e Stephanie Schulze*
Segundo o Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil, Ceped (2016), Santa Catarina está entre os estados brasileiros que mais sofreram com desastres naturais nas últimas duas décadas, principalmente em decorrência de sua instabilidade atmosférica severas. O estado possui uma diversificação de desastres classificada em cinco grupos, com base nas características de cada evento, seja ele Hidrológico, Meteorológico, Climatológico, Geológico ou Biológico. Esses desastres têm sido cada vez mais incluídos na agenda do governo do estado catarinense, em decorrência dos elevados danos materiais e prejuízos econômicos e sociais que afetam o desenvolvimento das comunidades. Entre 1995 e 2014, estima-se que esses danos somaram 5,2 bilhões (Ceped, 2016).
Entre
os anos de 1995 a 2014, Santa Catarina foi mais atingido por eventos de
natureza Hidrológica, principalmente por inundações, enxurradas e alagamentos.
Além disso, em segundo lugar, por eventos de natureza Climatológica, como ondas
de calor ou frio, geadas, estiagem e seca. Por último, por eventos de natureza
Meteorológica, sendo atingido principalmente por granizos e vendavais (Ceped,
2016).
Sabendo
dessas ocorrências, surgiu a intenção de criar uma estrutura para acompanhar e
gerenciar o território catarinense, principalmente das regiões de risco mais
afetadas por eventos climáticos. Nesse contexto, foi criada a Secretaria de
Estado da Defesa Civil de Santa Catarina, como uma Secretaria independente, não
mais um departamento vinculado à Secretaria Executiva de Justiça e Cidadania,
como era até 2007, o que fortaleceu a atuação frente aos desastres naturais.
A
Secretaria de Estado da Defesa Civil de Santa Catarina tem um papel importante
na coordenação de ações e atividades de prevenção, preparação, resposta,
recuperação, reconstrução e gestão de riscos de desastres naturais, além de
evitar ou amenizar o impacto ocasionado pelo desastre.
Além
de uma estrutura que auxilie nesse campo, são necessárias informações, obtidas
por diferentes sistemas, inclusive internos do governo do Estado. As
informações são importantes tanto para a previsão e emissão de alertas
legítimos e acompanhamento das ocorrências de desastres naturais registrados,
como para posterior elaboração de relatórios para geração de dados e
informações relevantes.
Um desses instrumentos é o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), que tem o objetivo de qualificar e dar transparência à gestão de riscos e desastres no Brasil, por meio da informatização de processos e disponibilização de informações sistematizadas dessa gestão. O Sistema possibilita o registro de desastres ocorridos no município/estado, a consulta e acompanhamento de processos de reconhecimento federal de situação de emergência ou estado de calamidade, de transferência de recursos para ações de resposta e de reconstrução, e, ainda, a busca por ocorrências e gestão de riscos e desastres com base em fontes de dados oficial (MI, 2019).
O sistema contava em 2018 com mais
de 8.000 usuários ativos, distribuídos em 3.686 municípios do país e, é
utilizado com o foco na solicitação do Reconhecimento Federal de Situação de
Emergência e Estado de Calamidade Pública e no registro de danos e prejuízos
causados por desastres (MI, 2018). Essas informações estão disponíveis para
qualquer interessado, no próprio Sistema, e continuarão a ser alimentadas pelos
dados inseridos no S2ID.
O S2ID incorpora, também, a solicitação, transferências de
recursos para as ações de resposta e recuperação, realizadas pela União, em
apoio a Estados e Municípios atingidos por desastres, além da prestação de
conta. As solicitações são feitas através de formulários online e encaminhados para a análise da Secretaria Nacional de
Proteção e Defesa Civil (SEDEC), o que facilita a troca de informações entre
quem solicita o apoio e quem faz a análise, tornando o processo mais simples e
ágil (MI, 2018).
Figura 1:
Tela principal de acesso ao Sistema S2id
Apesar
de importante, o Sistema necessita de aperfeiçoamentos, como formas de torná-lo
mais acessível, transparente e de fácil compreensão. Torna-se, assim, um potencial canal para a participação da sociedade, na medida
em que as informações sejam mais bem divulgadas e que os cidadãos sejam
estimulados a buscar por informações.
A
ausência de transparência faz com que a sociedade em geral não conheça as ações
e a legitimidade das organizações. O
acesso adequado às informações possibilita a fiscalização de prestação de
serviços e da atuação do poder público, que muitas vezes é omisso. A transparência favorece a
cidadania e permite que o cidadão acompanhe a gestão pública, analise os
procedimentos de seus representantes e controle o poder público. Além de
contribuir para a redução dos desvios de verbas, para a qualidade dos serviços
e o cumprimento das políticas públicas, o cidadão se envolve na solução dos
problemas públicos (Carneiro,
Oliveira e Torres, 2011; Figueiredo e Santos (2010).
Para que haja mais integração entre
os entes que trabalham na defesa civil, deve-se proporcionar o acesso a todas
as informações não sigilosas, sendo mais transparente, dispondo de uma
informação mais completa da prestação de conta, para acompanhamento das obras
executadas, das empresas contratadas, das regiões em estado de calamidade. O
sistema pode proporcionar ao cidadão condições para que se engaje na prevenção,
na ação e no monitoramento. Ao qualificar as informações, pode contribuir
também para que empresas e entidades públicas aprimorem os serviços
relacionados à defesa civil, a partir das bases de uma transparência ativa, sem
que o usuário precise solicitar informações.
Um
instrumento importante para a sociedade seria a elaboração e divulgação de um
ranking sobre os municípios mais preparados para ações de defesa civil e dos
que mais tem mais riscos e ocorrências de eventos. Além disso, o sistema
poderia disponibilizar mais dados em
formato aberto e que seja de fácil manipulação para outros sistemas gerenciais,
contando ainda com a inserção de links que deem fácil acesso a todo o processo,
incluindo planos de trabalho, contratos e informações sobre a prestação de
contas do município, dando mais credibilidade a atuação do poder público e
possibilitando o fortalecimento da participação da sociedade.
Por
fim, as sugestões aqui apresentadas são para que o sistema atual da defesa
civil seja mais transparente às diversas organizações e pessoas que necessitam
das informações que o sistema contempla. Com isso, se espera que a sociedade atue
mais na cobrança de seus gestores e contribua para que sua comunidade fique mais
resguardada de possíveis desastres.
Buscou-se, assim, evidenciar a importância da accountability na administração pública e na defesa civil, tema que foi discutido na entrevista realizada pelos autores com o mestre e bacharel em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), José Luiz Ferreira de Abreu, que atua na Secretaria da Defesa Civil de Santa Catarina. Ouça a entrevista aqui.
Referências
CEPED. Centro de
Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil. Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres
Naturais em Santa Catarina entre os anos de 1995 a 2014. Florianópolis:
CEPED/UFSC, 2016.
MI. Ministério da
Integração. Defesa Civil. Sistema Integrado de Informações sobre
Desastres.
Disponível em: http://mi.gov.br/defesa-civil/s2id Acessado em: 15 de
junho de 2019.
CARNEIRO, Alexandre de
Freitas; OLIVEIRA, Deyvison de Lima; TORRES, Luciene Cristina. Accountability e Prestação de Contas das
Organizações do Terceiro Setor: Uma Abordagem à Relevância da
Contabilidade. Sociedade, Contabilidade e Gestão. 2011. Rio de Janeiro, v. 6,
n. 2, jul/dez. https://revistas.ufrj.br/index.php/scg/article/view/13240/9062
Por Débora Porto, Eduarda Côrrea, Gabriela Cardoso, Luana Rech e Vânia Moura*
Um dos instrumentos que
visam garantir a accountability brasileira é a Lei de Acesso à Informação
(LAI). O processo de sua criação começou em 2003, com o objetivo de garantir o
conhecimento de dados, ações e estruturas do governo, além de informar o
resultado da aplicação de recursos públicos. Depois de anos em tramitação, em
2012 a LAI entrou em vigor no Brasil. Ela abrange os três níveis de poder, em
todos os níveis de governo, tanto da administração direta quanto da indireta.
Inclusive, qualquer cidadão pode solicitar informações que são produzidas ou
estão sob guarda do governo, exceto quando for algo sigiloso. Ou seja, para a
LAI: a regra é a transparência e o sigilo é a exceção.
Vale a pena ressaltar que
a nossa Constituição Federal de 1988 já trazia em seu texto constitucional, em
seu artigo 5º – XXXIII, que todos têm direito a receber do governo informações
de seu interesse. Ainda, o artigo 37 diz que um dos princípios que norteiam a
administração direta e indireta é o da publicidade, reiterando o objetivo de
repassar as informações para a população.
Voltando a LAI, seus
principais aspectos são o de divulgar ao máximo (apenas situações específicas
de sigilo), não ter a obrigatoriedade de dizer o porquê de solicitar uma
informação, em regra há a gratuidade (havendo pagamento apenas como ajuda de
custo) e explicitar sobre a transparência ativa e a passiva. As condições de
sigilo estão minunciosamente explicadas na LAI, como no caso de informar dados
pessoais (exceto quando for um dado do próprio solicitante), informações que
ponham em risco a segurança da sociedade ou do Estado, ou casos que estão sobre
investigação. Ainda assim, foram estabelecidos prazos em que o dado
classificado como sigiloso não será acessado pela população, o que varia de 5 a
25 anos, não sendo ele sigiloso ad
aeternum.
Falando mais
especificamente da transparência, a ativa é aquela em que o próprio órgão
público disponibiliza de forma proativa as informações para o cidadão, sem
haver solicitação prévia. Ou seja, são aqueles dados que encontramos nos
Portais de Transparência dos governos. Já a transparência passiva é aquela em
que o cidadão pede uma informação para o órgão o que pode ocorrer por meio da
Ouvidoria ou outro órgão definido como canal. E esse é o ponto chave que
detalharemos para entendermos como os pedidos vindos da sociedade afetam
diretamente a transparência e, por consequência, a accountability.
Para entendermos qual a
visão do poder público sobre o assunto, entramos em contato com a então Ouvidora
Geral do Estado de Santa Catarina, Simone Becker, que em abril de 2019
participou de um debate e nos concedeu uma entrevista na Rádio Udesc (ouça
a entrevista completa aqui). Simone nos ajudou a compreender o papel da
ouvidoria na promoção da transparência e o reconhecimento do controle social.
Em razão de a Ouvidoria Geral fazer a intermediação entre a população e os
órgãos públicos, há um trabalho intenso em entender quais são as demandas do
povo, analisar os dados que já estão disponibilizados e até saber o que o
cidadão faz com isso, podendo, então, transformar uma solicitação recorrente em
transparência ativa. De uma maneira mais prática, não adianta simplesmente
informar o número de habitantes de uma região, mas compreender porque as
pessoas querem saber esse dado e qual a sua importância para a sociedade. Isso
é importante, principalmente, para aprimorar o canal de comunicação e incentivar
a participação do povo no controle e fiscalização, tornando cada vez mais
natural a presença do controle social nas instituições públicas.
A Ouvidora Geral de Santa
Catarina também explicou que, com foco no desempenho e cumprimento da LAI, uma
forma de mensurar o quanto os estados brasileiros estão se comprometendo em
colocar em prática os dispositivos previstos na Lei, é por meio da Escala
Brasil Transparente, organizada pela Controladoria-Geral da União – CGU (https://www.cgu.gov.br/).
Na última avaliação, Santa Catarina ficou bem colocada, mas ela reconhece que
tem muito a avançar, tanto em termos de transparência ativa quanto passiva.
Simone destacou, ainda, que é preciso haver mais controle social, com a própria
população buscando a informação necessária e questionando os órgãos públicos
sobre os serviços prestados, para que assim esses possam evoluir em conjunto e
de acordo com as demandas da sociedade. Um dos caminhos nesse sentido é a
criação de uma Controladoria-Geral do Estado, presente da Reforma
Administrativa do governo catarinense. Essa estrutura abrange as macro funções
de auditoria interna, ouvidoria e transparência e corregedoria. Logo,
facilitaria a promoção da transparência, deixando o trabalho mais articulado.
Além de o governo usar
todos esses dados que o cidadão disponibiliza (suas sugestões, críticas e
elogios), há outras estratégias utilizadas para que os órgãos tomem decisões
mais benéficas para a população catarinense, como a construção de parcerias com
a CGU, que fornece capacitações, e com os Observatórios Sociais, mostrando
quais são as demandas do cidadão. Para compreender melhor o trabalho da
Ouvidoria, ou solicitar um atendimento está disponível o site www.ouvidoria.sc.gov.br.
Então, por que o controle
social é importante para a Accountability?
Se accountability é uma
obrigação que o governo tem de explicar e justificar suas ações (answerability)
e subordinar-se a possibilidades de sanções (enforcement), logo, a informação é
essencial para garantir a accountability, pois sem transparência não é possível
realizar os instrumentos de controle. Sendo ela, então, fundamental para
responsabilizar maus governantes e apontar erros de governos ruins, um
mecanismo que permite o acesso à informação pública capaz de esclarecer sobre o
funcionamento das instituições governamentais. Logo, ao dar transparência de
forma confiável e clara, permite com que os cidadãos apurem se tais informações
estão de acordo com as necessidades da coletividade. Ou seja, a nossa LAI nada
mais é que um mecanismo de transparência que potencializa a accountability
democrática.
Em uma democracia, o cidadão só pode escolher com base no que sabe, a falta de informações a respeito das ações governamentais torna difícil ter-se um governo com credibilidade nas suas explicações e justificativas, assim como se mecanismos de responsabilização serão ativados. Porém, se não há uma cobrança por parte da sociedade, para que essas informações sejam fornecidas de maneira efetiva e os instrumentos cumpridos, abre-se uma margem incontrolável para a mentira e os segredos, conservados pelos governantes, que corrompem o espaço público, afetando a sobrevivência da verdade da política. Sendo assim, se a accountability está relacionada à democracia, e esta se refere ao poder que emana do povo, pode-se dizer que quanto mais democrático é o governo, com mais controle social e participação da sociedade, mais accountable ele será.
Referências
e para saber mais sobre o tema:
ALVES, M.S.D. Do sigilo ao acesso: análise
tópica da mudança de cultura. Revista TCEMG – Edição Especial. 2012.Disponível
em: <http://revista1.tce.mg.gov.br/Content/Upload/Materia/1683.pdf>.
Acesso em: 15 mar. 2019.
ANGÉLICO, F. Lei de acesso à informação:
reforço ao controle democrático. São Paulo: Estúdio editores, 2015.
BATISTA, C.L. Informação pública:
controle, segredo e direito de acesso. Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n.26, p.
204-222, jul. 2012. Disponível em:
<https://www.seer.ufrgs.br/intexto/article/view/19582>. Acesso em: 15
mar. 2019.
BRASIL. Exceções. Portal de Acesso à Informação – Governo Federal, 2019. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/pedidos/excecoes/excecoes>. Acesso em: 22 mar. 2019.
_____. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de
2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>.
Acesso em: 22 mar. 2019.
_____. Principais Aspectos. Portal de Acesso à Informação – Governo Federal, 2019. Disponível em: <http://www.acessoainformacao.gov.br/assuntos/conheca-seu-direito/principais-aspectos>.
Acesso em: 22 mar. 2019.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Câmara aprova
suspensão de decreto sobre sigilo de documentos. 2019. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-UBLICA/572602-CAMARA-APROVASUSPENSAO-DE-DECRETO-SOBRE-SIGILO-DEDOCUMENTOS.html>.
Acesso em: 22 mar. 2019.
EL PAÍS. O sigilo deveria ser exceção. O
decreto do Governo prejudica a transparência. 2019. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/24/politica/1548360497_872168.html>.
Acesso em: 20 mar. 2019.
MICHENER, G.; CONTRERAS, E.; NISKIER, I. Da opacidade à transparência? Avaliando a Lei de Acesso à Informação no Brasil cinco anos depois. Revista de
Administração Pública (RAP) | Rio de Janeiro 52(4):610-629, jul. – ago. 2018.
*Texto
elaborado por Débora Porto, Eduarda Côrrea, Gabriela Cardoso, Luana Rech, Vânia
Moura, no âmbito da disciplina de graduação em administração pública da Udesc
Esag, na disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula
Chies Schommer.
Por Rodolfo Macedo do Prado, Débora Cristina Machado Regio e Raphael Mendonça Barros Silva *
O whistleblowing, um instrumento de combate à corrupção que estimula o cumprimento da lei, promove a participação direta do cidadão no auxílio aos órgãos de controle interno e externo, especialmente na descoberta de ilícitos. O mesmo visa receber denúncias feitas por cidadãos comuns, protegendo-os e recompensando-os por isso. (Saiba mais sobre o Whistleblowing)
No
Brasil, especialmente depois da deflagração da denominada “Operação Lava Jato”,
nunca se falou tanto em combate à corrupção e na utilização de mecanismos e
instrumentos jurídicos para tanto.
O
instrumento aqui apresentado ainda não é utilizado no Brasil, o que nos faz
refletir: será que apenas a repressão à corrupção já instalada e
institucionalizada é capaz de resolver ou amenizar o desvio de verbas públicas
e o interesse privado em detrimento do público? Seria hora de investirmos mais em
instrumentos de prevenção dentro da gestão pública?
O controle da Administração Pública, por meio de mecanismos próprios, que podem envolver órgãos públicos ou privados, a fim de garantir mais transparência, melhor gestão, mais responsabilidade e responsividade dos agentes públicos, está carente de instrumentos jurídicos para seu auxílio.
Se, de
um lado, a Administração Pública busca, através de mecanismos de accountability, trazer mais
transparência, responsabilidade, responsividade e melhor gestão da coisa
pública, trazendo consigo o cidadão na coprodução de controle, o Direito busca
a tutela de princípios constitucionais como a legalidade, a impessoalidade, a
moralidade, a publicidade e a eficiência.
Juntos,
possibilitam o combate à corrupção endêmica e institucionalizada que percebemos
após a deflagração de uma série de megaoperações policiais que escandalizaram o
país, derrubaram Presidentes da República e expuseram o que há de pior dos
agentes públicos.
Quanto
ao combate à corrupção, sem a participação do cidadão (o agente de mudança), não
haverá chance de vitória ou mesmo de diminuir a alarmante sensação de
impunidade que se apresenta hoje no Brasil. Um dos grandes instrumentos para
expor tal situação é o whistleblowing,
um instituto anglo-saxão semelhante à colaboração premiada, mas voltado ao
cidadão que nada tem de relação com a prática de crimes. É, ainda, garantida
uma recompensa em dinheiro e um extenso rol de garantias de ordem pessoal –
como a integridade física, psicológica, laboral e financeira -, auxilia os
órgãos de controle, denunciando a prática de ilícitos e apresentando provas.
Nos Estados Unidos, onde já foram recuperados mais de 26 bilhões de dólares outrora desviados e/ou recebidos de forma ilícita, os cidadãos já se utilizam do sistema de forma ampla e irrestrita, o que foi possível por 7 fatores principais: 1 • a mudança na burocracia governamental; 2 • leis encorajando as denúncias; 3 • leis que protegem os denunciantes; 4 • a mídia e os novos suportes organizacionais, como entidades não governamentais; 5 • existência institucional dos pesos e contrapesos; 6 • valores culturais do povo norte-americano; 7 • o “onze de setembro”.
O
Direito, pura e simplesmente, não dá conta do combate apenas pelos meios e
instrumentos triviais. A Administração Pública, por seu turno, também não
consegue, por si só, “estancar a sangria”.
A
solução aqui apresentada é o diálogo entre a transparência, responsabilidade,
coprodução de controle e os instrumentos jurídicos de combate à corrupção
(delação premiada, acordo de leniência, whistleblowing,
perda alargada, compliance anticorrupção,
etc.), para que se previna e se puna no
âmbito da Administração Pública e, caso necessário, se reprima através de
instrumentos jurídicos pertinentes no campo do Direito.
Em
recentes manifestações, os Ministros de Estado da Casa Civil, Economia e
Justiça defenderam a regulamentação do whistleblowing
no Brasil, o que pode indicar que se está próximo da importação do instituto
(para mais informações, veja em https://consultorpenal.com.br/sobre-moro-onyx-guedes-e-o-whistleblowing-no-brasil/). Aliás,
o Ministro Sérgio Moro incluiu a regulamentação do whistleblowing em seu “Projeto de Lei Anticrime”, mas que ainda
peca muito na técnica legislativa.
Muito se faz para combater a corrupção, mas será que é o suficiente? Será que a administração pública sozinha consegue dar conta de solucionar tal problema?
Sem o cidadão capacitado e amparado pela lei, o combate à corrupção está fadado ao fracasso. Para que tais mudanças ocorram, é necessário que a Administração Pública, o Direito e a Cidadania caminhem lado a lado, a fim de promover o bem-estar de todos e garantir que o certo prevaleça.
A seguir, entrevista sobre o tema com o advogado e estudante de administração pública Rodolfo Macedo do Prado, especialista em Direito Penal Econômico.
*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Rodolfo Macedo do Prado (rodolfoprado91@gmail.com), Débora Cristina Machado Regio e Raphael Mendonça Barros Silva, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018.
Engajamento, conscientização, expertise, especialização técnica/profissional, conhecimentos complementares, informação e capital social são alguns dos resultantes e ao mesmo tempo requisitos, tanto inputs como outputs, dos processos de coprodução na área ambiental.
Esse campo é propício para práticas de coprodução, conforme podemos observar no controle de espécies exóticas invasoras. Esse desafio envolve competências e responsabilidades legais indissociáveis do Estado, alta complexidade técnica e científica para o planejamento, organização e coordenação das atividades, em conjunto com baixa complexidade operacional para execução de parte delas.
O que são espécies exóticas invasoras?
Define-se como espécies exóticas, conforme a Resolução CONABIO 07/2018: “espécie, subespécie ou táxon de hierarquia inferior ocorrendo fora de sua área de distribuição natural passada ou presente; inclui qualquer parte, como gametas, sementes, ovos ou propágulos que possam sobreviver e subsequentemente reproduzir-se”. São, portanto, espécies não nativas de determinada região. Já as espécies exóticas invasoras são “espécies exóticas cuja introdução e/ou dispersão ameaçam a diversidade biológica”.
Questão pouco conhecida pelo público em geral, as espécies exóticas invasoras são uma das maiores causas da perda de biodiversidade no mundo, juntamente com a perda de hábitats, mudanças climáticas, poluição e sobre-exploração de recursos. Seus impactos são os mais diversos, abrangendo prejuízos ambientais, culturais, sociais e econômicos.
Apesar da complexidade de sua mensuração, estudos como o de Pimentel et al (2000) estimam um impacto financeiro negativo de mais de 314 bilhões de dólares ao ano causado pelas espécies exóticas invasoras na amostra de seis países pesquisados: Estados Unidos, Reino Unido, África do Sul, Austrália, Índia e Brasil, devido aos danos à agricultura, silvicultura, pecuária, dentre outros. No Brasil, alguns exemplos destas espécies são o mexilhão-dourado, coral-sol e o javali, causando prejuízos à biodiversidade e pecuária conforme informações do site oficial do Ministério do Meio Ambiente, além de espécies de pínus, as quais abordaremos adiante.
Como a sociedade é capaz de responder a problemas como este, que afetam os indivíduos direta e indiretamente no mundo inteiro? A difusão territorial, complexidade e abrangência das espécies exóticas invasoras vão muito além do que dispõem os Poderes Públicos estatais em capacidade administrativa, econômica e operacional para enfrentá-las. Como responder ao desafio?
A coprodução do bem público como alternativa
Elinor Ostrom (1996), precursora de estudos sobre coprodução, discorre sobre o potencial de sinergia das práticas de coprodução. Neste caso, a sinergia ocorre em função da viabilidade econômica e de esforços (inputs) de cada parte: o Estado e os indivíduos. A ação conjunta entre as partes permite alcançar resultados superiores àqueles que seriam obtidos caso as partes trabalhassem isoladamente.
Para lidar com questões de interesse público, como o das espécies exóticas invasoras, não basta a ação isolada do Estado. Se trabalhasse sozinho, o aparato administrativo e operacional necessário para abranger todo o território nacional seria gigantesco e inviável. Estamos, pois, diante de um cenário claro para práticas de coprodução no enfrentamento de problemas públicos.
Poderíamos supor que, quão maior a complexidade do problema, maior a complexidade da rede necessária para combatê-lo, e foi isto que encontramos ao analisar a rede de governança envolvida na busca de soluções à questão das espécies exóticas invasoras.
É interessante observar que a própria Constituição Brasileira de 1988 prevê a abordagem coletiva da temática ambiental em seu Artigo 225:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Brasil (1988, grifo nosso)
No Brasil, o recente Plano de Implementação da Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, lançado pelo Ministério do Meio Ambiente em 16 de agosto de 2018, deu destaque ao tema. O Plano é um dos frutos do trabalho de uma rede de governança que vem trabalhando desde 2017, envolvendo diversos atores, dentre eles, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, de Florianópolis, Santa Catarina, que exerce um dos papéis centrais.
O Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental
Associação sem fins lucrativos fundada em março de 2002 no município de Florianópolis, capital de Santa Catarina, o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental foi criado por um grupo de pessoas interessadas na problemática das invasões biológicas, com a missão de “Desenvolver alternativas de conservação ambiental e integrá-las aos processos de desenvolvimento econômico e social, aos sistemas de produção e à rotina da sociedade”.
É composto por uma Diretoria e por colaboradores técnicos, fixos e variáveis, de áreas como Biologia, Engenharia Florestal, Engenharia Agronômica, Direito, Engenharia Ambiental e outras áreas técnicas. Foca suas atividades no apoio ao desenvolvimento de programas de gestão de invasões biológicas no Brasil e na América Latina e na formação de pessoas para o manejo prático de espécies exóticas invasoras, tendo realizado inúmeras ações ao longo desses 16 anos de atuação.
Sua fundadora e atual Diretora Executiva, Dra. Sílvia R. Ziller, é Engenheira Florestal com mestrado em silvicultura e doutorado em conservação da natureza. Possui experiência em análise e restauração ambiental em diversas regiões do Brasil. Trabalhou no setor privado e há 20 anos tem atuação no terceiro setor, com forte interação com o setor público, com especialidade em questões referentes a espécies exóticas invasoras. Proveu treinamento nessa área em mais de vinte países na América Latina e no Caribe. É Fellow da rede Ashoka Empreendedores Sociais desde 2002, que apoiou o início do trabalho do Instituto Hórus; membro da Parceria Global de Informação sobre Espécies Exóticas Invasoras (GIASIP) e da Rede de Especialistas em Espécies Invasoras da IUCN (ISSG), redes internacionais envolvidas na temática e ligadas à Convenção sobre Diversidade Biológica.
A bióloga Dra. Michele de Sá Dechoum, envolvida com ações diversas do Instituto Hórus desde 2008, deu início ao programa de controle de pínus no Parque Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição no ano de 2010. Saídas mensais regulares foram fixadas a partir de 2014, sendo o convite aberto à comunidade. Michele tem mestrado em Biologia Vegetal e doutorado em Ecologia, com experiência de trabalho no setor público, havendo sido Gerente de Recursos Naturais no Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo, com posterior experiência no terceiro setor e na academia.
Para análise do trabalho do Instituto Hórus sob uma perspectiva de redes de governança e coprodução, selecionamos duas frentes de trabalho nas quais sua atuação é fundamental: a alimentação e a manutenção da Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, por meios colaborativos e de acesso público, e o Programa de voluntariado para controle de espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição.
O programa de voluntariado do Parque das Dunas da Lagoa apresenta os elementos característicos de processos de coprodução, como a existência do corpo técnico de profissionais especialistas, os inputs voluntários na produção pelos próprios indivíduos beneficiários e a atuação em maior ou menor grau do Estado. O caso da Base de Dados apresenta, além de exemplos de coprodução da informação e conhecimento, envolvendo os elementos citados anteriormente, uma ampla e interessante rede de governança.
A BASE DE DADOS E A REDE DE GOVERNANÇA
A Base de Dados nacional de espécies exóticas invasoras, de alimentação e manutenção contínua e voluntária com informações prestadas por diversas pessoas, gerenciada e coordenada centralmente pelo Instituto Hórus, contém registros das espécies exóticas invasoras já presentes no Brasil, seguindo um rol de critérios definidos para sua inclusão.
As informações e imagens são encaminhadas voluntariamente ao Instituto através dos contatos e planilhas disponibilizadas no site oficial. As informações recebidas são analisadas, muitas vezes com o auxílio de colaboradores técnicos eventuais com distintos conhecimentos localizados em diversos estados do país, e posteriormente registradas na Base de Dados. As informações constantes da Base subsidiam a elaboração de informes, planos estratégicos e diagnósticos oficiais por entes governamentais federais e estaduais, dando publicidade à questão, no intento de fortalecer sua disseminação, conscientização e promover ações de controle.
A Base de Dados nacional foi estabelecida em 2005 como parte da rede temática sobre espécies exóticas invasoras I3N, a qual está ligada por sua vez à Rede Inter-Americana de Informação sobre Biodiversidade (IABIN), criada pelos governos dos países das Américas em 2001. Até 2011, essa Rede foi financiada por projeto do Banco Mundial. Desde então, é mantida pelos seus líderes, sendo estes os representantes de cada país membro. Conforme informações disponíveis na Base de Dados: “os representantes são designados pelos pontos focais da IABIN em cada país em acordo com a Coordenação da Rede I3N”. No caso do Brasil, a sua líder representante é a Dra. Sílvia R. Ziller, fundadora e diretora executiva do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.
Para conduzir nossa análise, partimos de aspectos considerados pelos especialistas em redes e governança pública Tony Bovaird e Elke Löffler (2002) para caracterizá-las: um cenário de múltiplos stakeholders (atores); a negociação entre esses atores; as características dos processos-chave na interação social (transparência, integridade, inclusão etc.) como valiosas em si mesmas; seu aspecto inerentemente político; as estruturas de mercado, hierarquias (como as burocracias) e as redes cooperativas como estruturas facilitadoras e mecanismos de direção. Adotamos, ainda, o conceito de governança pública de Kooiman (1993, p. 258): “O padrão ou estrutura que emerge em um sistema sociopolítico como um resultado ‘comum’ ou resultado dos esforços de intervenção interativa de todos os atores envolvidos”.
Percebemos a extensão das ações do Instituto Hórus para além do âmbito nacional, interagindo tanto com o Estado, como com indivíduos coprodutores locais, grupos de especialistas e demais redes e atores internacionais. Destaca-se a resiliência da rede como um todo na manutenção de suas ações, ao longo de todo este período, em boa parte com formas alternativas e colaborativas de financiamento.
Em conversa com a Dra. Sílvia R. Ziller, nos fora elucidado o fato de que praticamente a totalidade das ações do Programa de Voluntariado do Instituto Hórus, detalhado adiante, são financiadas de forma coletiva, através de crowdfunding, principalmente por parte de pessoas físicas. A alimentação e a manutenção da base de dados, por sua vez, tem recebido pequenos aportes de recursos do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (IPEF), utilizados para contratar uma bióloga para a inclusão de dados. A manutenção do website e das redes sociais, até as ações de coprodução em si, tanto da informação e do conhecimento, como do manejo das espécies, como abordaremos adiante, são realizados de forma voluntária por membros engajados com maior ou menor frequência, mas de forma geral com interesses convergentes em torno do tema ambiental.
Dentre os interesses de atuação da rede, além da questão central da conservação da biodiversidade, identificamos o capital social gerado pelas interações. A colaboração técnica entre as partes é favorecida na troca de informações e conhecimento entre atores nacionais e internacionais, necessária devido à diversidade de áreas de especialização (ecologia, botânica, fauna, etc.).
Destacamos, ainda, o papel do Estado na rede, predominante nas questões de codesigner, atuando nas regulamentações e normatizações inerentes ao seu caráter legal indissociável das questões ambientais, como por exemplo a demarcação das Áreas de Preservação ou legislação de caráter geral. Atua também como cogestor, na edição de políticas estratégicas e fiscalização, por exemplo. Entre os entes estatais que se relacionam com as ações do Instituto Hórus, estão órgãos executivos federais, como o Ministério do Meio Ambiente (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); estaduais, como o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do estado da Bahia (INEMA) e outros órgãos estaduais; bem como municipais, como a Fundação Municipal do Meio Ambiente (FLORAM) de Florianópolis, e os respectivos órgãos legislativos de cada esfera.
O conhecimento destes fatores nos permitiu ter uma breve noção da amplitude da rede e de seu formato aberto, envolvendo a colaboração e variada interação entre redes locais, redes internacionais, formadas por indivíduos, organizações da sociedade civil, grupos de pesquisa e Estado.
Apesar da atuação do Estado predominar nos aspectos políticos e estratégicos, a governança do tema em questão ocorre bilateralmente no sentido em que a atuação dos atores da sociedade civil subsidia a elaboração destas políticas e normatizações pelo Estado, e as normatizações e políticas regem as ações daqueles. Uma abordagem à problemática ambiental, por sua natureza difusa e complexa, não obedece a uma lógica em que as soluções dependem somente do Estado ou localmente e possam ser resolvidas por uma estrutura formal, hierárquica e padronizada, o que nos permite observar e compreender a lógica de atuação em rede.
O PROGRAMA DE VOLUNTARIADO DO INSTITUTO HÓRUS NO PARQUE NATURAL MUNICIPAL DAS DUNAS DA LAGOA DA CONCEIÇÃO, EM FLORIANÓPOLIS/SC
Unidade de conservação do município de Florianópolis/SC, criada através do decreto municipal nº 231, de 1988, e ampliada pela lei municipal nº 10.388, de 2018, o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição está sujeito à invasão por espécies de pinheiros norte-americanos, em especial Pinus elliottii e Pinus taeda. Este foi introduzido na década de 1960, em uma iniciativa frustrada de sua exploração econômica e estabilização de dunas.
Dentre os impactos provocados por pínus invasores, conforme Dechoum et al. (2018), destacam-se o alto consumo de água; o aumento no risco de incêndios; as alterações nas propriedades do solo; a exclusão de espécies intolerantes à sombra; a redução na riqueza de espécies e plantas nativas e; a alteração da estrutura do hábitat.
Em 2012, o poder público municipal de Florianópolis aprovou a Lei 9097/2012, regulamentada pelo Decreto 17938/2017, os quais contribuem para tratamento da questão, estabelecendo o dever de eliminação de pínus em propriedades particulares do município até dezembro de 2019. O Instituto Hórus, por sua vez, já realizava ações de controle das espécies exóticas invasoras no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição desde o ano de 2010.
Por iniciativa da Dra. Michele de Sá Dechoum, bióloga vinculada à Universidade Federal de Santa Catarina e ao Instituto, foi estabelecida uma parceria institucional com o objetivo de realizar o controle da invasão por pínus no Parque Municipal e, ao mesmo tempo, propiciar a alunos do curso de biologia uma oportunidade para realizar trabalho prático na área de conservação ambiental.
Esse trabalho é orientado ao controle de indivíduos jovens e de plântulas, realizado por meio de coprodução entre especialistas e voluntários não necessariamente especializados na área. Outra parte do trabalho é voltado ao controle de árvores de maior porte, realizada por motosserristas profissionais contratados e por profissionais técnicos da instituição.
Com o passar do tempo, outras pessoas do público passaram a integrar os grupos de voluntários. A atuação de membros da comunidade vai além do voluntariado clássico, feito em benefício de terceiros. Ocorre a coprodução, pois as pessoas da comunidade se envolvem de modo voluntário, mas também se beneficiam dos resultados da ação, algo que distingue ambos os conceitos, conforme apontam Verschuere, Brandsen e Pestoff (2012). Identifica-se, ainda, os elementos básicos apontados por Brandsen e Honingh (2015) para caracterizá-la como coprodução: a interação de profissionais e indivíduos pertencentes a diferentes organizações, através de esforços não compulsórios e não remunerados (sem contrato profissional) por parte dos cidadãos.
Sob esta perspectiva, cidadãos-usuários do Parque e moradores da região, bem como todos os munícipes de Florianópolis que atuem no programa, podem ser caracterizados como coprodutores, beneficiários diretos e indiretos das ações sob o enfoque geográfico, considerando a indissociabilidade da questão ambiental da vida dos indivíduos locais. Esta perspectiva é reforçada pelas premissas apresentadas pelo Instituto Hórus, disponíveis em seu website oficial, a destacar:
O ser humano faz parte do meio, não está isolado dele e não pode funcionar fora ou isoladamente dos sistemas naturais.
A qualidade ambiental está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e à qualidade de vida. A exaustão dos recursos naturais leva à exaustão das possibilidades de sobrevivência das pessoas, quer pela limitação da condição econômica, quer pela limitação da qualidade de vida.
Para compreender de perto como se dá o processo, nos voluntariamos para participar em uma das saídas de campo no Parque Dunas da Lagoa, promovida pelo Instituto Hórus, a qual relatamos e descrevemos a seguir.
O Processo de Coprodução do Programa
Verificamos a data e horário da saída, as quais ocorrem mensalmente, programada para 22 de setembro de 2018, através das redes sociais do Instituto (Facebook, seu principal meio de comunicação junto aos cidadãos, tal qual seu website e youtube), e encaminhamos mensagem via email solicitando o agendamento. Informamos a intenção de participar e analisar a experiência sob a perspectiva de rede de coprodução, no âmbito da disciplina de Governança e Redes de Coprodução do Bem Público do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag. A mensagem de confirmação veio logo depois, na qual já constavam instruções preliminares para a saída de campo, tais como horários, ponto de encontro, trajes e outras recomendações.
Na data e local agendados, nos reunimos a outros voluntários pontualmente às oito horas da manhã de sábado. Acompanhados pelas Doutoras Michele Dechoum e Sílvia Ziller, o grupo dirigiu-se ao local de realização da ação. Antes do início das atividades, houve a apresentação dos participantes e uma explicação sobre o programa, informando o contexto, as ações realizadas, o histórico e a problemática do Parque Dunas da Lagoa, os objetivos, os resultados obtidos até então e, ainda, a instrução operacional aos voluntários (coprodutores).
As atividades operacionais constituem basicamente no arranquio ou no corte utilizando serras manuais (fornecidas pelo Instituto juntamente com luvas) de espécimes de pínus de pequeno e médio porte pelos voluntários. A remoção das árvores de maior porte é realizada por membros habilitados do Instituto Hórus, utilizando motosserras, assim como pelos motosserristas profissionais contratados, em outro momento, devido à maior complexidade da operação. Os participantes registram as quantidades removidas em blocos de anotação disponibilizados e fazem a contabilização dos totais de pínus arrancados e serrados em conjunto até o período de intervalo das atividades. Este ocorreu por volta das dez horas da manhã neste dia. Ao final, apresentam nova contagem. Neste dia foram eliminados 4.989 pínus no total. Esse registro das quantidades é fundamental, pois se soma ao controle de desempenho feito pelo Instituto Hórus desde o início de suas atividades, o que subsidia pesquisas científicas e relatórios sobre os resultados.
Análise e Conclusões
A participação na atividade nos permitiu observar a baixa complexidade operacional da ação para os voluntários. O público participante é composto por membros mais frequentes como estudantes e professores da UFSC nas áreas de ecologia, biologia e botânica (já com certa compreensão sobre o assunto), até cidadãos sem conhecimento prévio do tema, membros eventuais da ação, muitas vezes simpatizantes das questões ambientais ou interessados em conhecer e aproveitar as belas paisagens do Parque. Este é considerado um dos fatores de sucesso da coprodução pelo Instituto Hórus, comparada a ações que demandam controle químico das espécies exóticas invasoras, por exemplo, nas quais seria necessária capacitação específica dos participantes, implicando em maiores custos por consequência.
Soma-se a isto a gratificação pessoal que pudemos experienciar ao perceber a eficácia da ação realizada em poucas horas (quase cinco mil pínus eliminados) e da conscientização ecológica adquirida durante a ação sobre um problema até então desconhecido de nossa parte. A oportunidade de contato com profissionais do Instituto Hórus nessa ação nos permitiu conhecer de perto esse trabalho e a problemática, ainda “invisível” para grande parte da sociedade. Esta conscientização vai além das ações desenvolvidas localmente no próprio Parque, ao mesmo tempo que é nutrida por ela. A ação concreta gera mais engajamento por parte dos cidadãos, que passam a estar cientes da questão das espécies exóticas invasoras como um problema global e, principalmente, de seu potencial para coproduzir com especialistas na área e contribuir para resultados concretos.
Destaca-se, ainda, a capacidade do Programa de mensurar e demonstrar seus resultados, traduzidos em valores monetários (economia de R$ 136.596,00 com as ações no período de 2010 a 2017), quantitativos de espécies exóticas removidas (308.014 pínus removidos no total entre 2010 e 2017), projeções de cenários para o Parque conforme os níveis de ação de controle empregados, dentre outras estatísticas obtidas a partir dos dados registrados.
As figuras a seguir, detalhadas no artigo de Dechoum et al. (2018), mostram a projeção de 03 cenários: a) como seria hoje a presença de pínus no Parque das Dunas, caso o programa de voluntariado não houvesse iniciado em 2010; b) a situação presente com o trabalho realizado pelo Instituto e voluntários entre 2010 e 2017, ainda com presença de pínus em áreas vizinhas ao Parque e; c) situação projetada caso se prossiga com ações dentro do Parque, associadas ao cumprimento da legislação pelos moradores vizinhos, com apoio e fiscalização da Prefeitura. Isso demonstra claramente o que a sinergia entre comunidade e governo, voluntários e especialistas, é capaz de produzir.
Dechoum et al. (2018) apontam, ainda, como elementos favoráveis ao sucesso do programa, a persistência de membros do Instituto e participantes das ações, a facilidade de acesso à área, a integração com programas de gestão local e a relação entre ciência, gestão, financiamento e governança.
Já os principais desafios e limitações encontram-se na necessidade de implementação da legislação municipal citada, para a remoção de pínus no município, principalmente nas redondezas do Parque. Esta depende tanto da atuação dos entes governamentais e dos moradores, como da disseminação de informações e conscientização sobre tal questão, com as quais esperamos ter contribuído com a presente publicação.
Para saber mais e participar
Para participar das ações de voluntariado no Parque Dunas da Lagoa, bem como na Base de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras e obter mais informações sobre o Instituto Hórus, acesse:
Bovaird T. e Loeffler E. (2002). Moving from excellence models of local service delivery to benchmarking of ‘good local governance, International Review of Administrative Sciences, 67, issue 1: 9-24
Brandsen T. e Honingh M. (2015). Distinguishing Different Types of Co-Production of Public Services: A Conceptual Analysis Based on Classical Definitions, Public Management Review, 8/4: 503-520
Brasil (2018). Resolução n. 07, de 29 de maio de 2018. Dispõe sobre a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, 112. ed. Diário Oficial da União, p. 69-69, maio. 2018. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/images/arquivo/80049/Conabio/Documentos/Resolucao_06_03set2013.pdf>. Acesso em: 31 out. 2018.
Dechoum M., Giehl E., Sühs R., Silveira T. e Ziller S. (2018). Citizen engagement in the management of non-native invasive pines: Does it make a difference? Biological Invasions, [s.l.], p.1-20, 13 ago. 2018. Springer Nature America, Inc. http://dx.doi.org/10.1007/s10530-018-1814-0.
Kooiman J. (1993). Modern governance: new government–society interactions. London:Sage.
Ostrom E. (1996). Crossing the great divide: Coproduction, synergy, and development. World Development, 24, issue 6, p. 1073-1087.
Pimentel D., McNair S., Janecka J., Wightman J., Simmonds C., O’Connell C., Wong E., Russel L., Zern J., Aquino T. e Tsomondo T. (2001). Economic and environmental threats of alien plant, animal, and microbe invasions. Agriculture, Ecosystems & Environment, 84(1), 1–20.
Verschuere B., Brandsen T. e Pestoff V. (2012). Co-production: The state of the art in research and the future agenda. Voluntas 23(4): 1083–1101.
*Texto elaborado por Eduardo Beeck Garozzi (edugarozzi@gmail.com) e Lucas Bresolin (lucasbresolin2@gmail.com), no âmbito da disciplina Governança e Redes de Coprodução, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2018, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.