O USO DE FERRAMENTAS DIGITAIS NOS PROCESSOS LEGISLATIVOS CONTRIBUI (OU NÃO) PARA A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ EM MEIO À PANDEMIA DA COVID-19?

*Por Bárbara Ferrari, Gisela Farias e Victoria Araujo

O isolamento social advindo da pandemia da Covid-19 trouxe consigo diversas mudanças e uma realidade que demanda adaptações. Assim, pessoas e organizações têm buscado se adequar, na tentativa de manter suas atividades e relações sociais da maneira mais natural possível.

Esta realidade atingiu as organizações em geral, tanto públicas, quanto privadas. Não está sendo diferente no âmbito do Poder Legislativo. Não é de hoje que são desenvolvidos sistemas digitais e tecnológicos no intuito de inovar dentro do Legislativo. No entanto, a pandemia acelerou o amplo uso dessas ferramentas e fez com que seu uso se tornasse vital para a manutenção das atividades parlamentares.

Buscando evitar aglomerações e a participação presencial dos parlamentares no plenário e nas comissões – seguindo as recomendações das autoridades de saúde para combate à disseminação do novo coronavírus – sem, no entanto, prejudicar o funcionamento do Congresso Nacional, foram editadas normas para garantir a atuação remota dos deputados e senadores durante a quarentena, a partir da implementação do Sistema de Deliberação Remota (SDR) (INTELIGOV, 2020).

https://observatoriolegistech.bussola-tech.co/

Segundo o Observatório Legistech – Bússola Tech, 23 assembleias legislativas estaduais e 169 câmaras municipais, além do Congresso Nacional, estão trabalhando com Plenário Virtual. Porém, o Parlamento não se limita à deliberação de matérias e foi preciso ir além para garantir continuidade das funções legislativas e fortalecimento das instituições democráticas. Com isso, diversas iniciativas de participação cidadã despontaram ou ampliaram seu uso nesse cenário. A este exemplo, o portal e-Democracia, da Câmara dos Deputados, criado em 2009 com o objetivo de “ampliar a participação social no processo legislativo e aproximar cidadãos e seus representantes por meio da interação digital”, está sendo ainda mais utilizado nessa situação (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2020). Nessa plataforma é possível votar nas propostas que você quer que sejam priorizadas para entrar na pauta de votações, e participar das audiências interativas, isto é, você acompanha as audiências ao vivo e pode enviar perguntas aos parlamentares.

Outra iniciativa da Câmara dos Deputados neste período de isolamento social foi criar uma série de encontros virtuais, no canal do YouTube da Câmara, denominado “Transparência em debate: Processo legislativo virtual e participação popular durante o período da pandemia”. A iniciativa busca: (a) demonstrar como as Casas Legislativas têm viabilizado as discussões e as votações de propostas necessárias à continuidade da vida dos cidadãos, (b) discutir as alternativas de intercâmbio de comunicação e participação entre a sociedade e as casas legislativas durante a atual emergência de saúde pública e (c) contribuir para o fortalecimento da transparência ativa e passiva no período de enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, como um mecanismo de controle social (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2020).

e-Cidadania
https://www12.senado.leg.br/ecidadania/

Outro ponto de destaque da participação social nos processos legislativos é a interação dos cidadãos com o Senado Federal. Segundo apontado pelo coordenador do Portal e-Cidadania, Alisson Bruno, ao portal de notícias do Senado, houve um crescimento nas interações dos cidadãos durante a pandemia do coronavírus. Além de opinar sobre as propostas de lei apresentadas pelos senadores e deputados, os cidadãos podem sugerir novas leis e participar das audiências públicas sobre assuntos diversos através do portal. Como exemplo, cita-se o projeto (PLP 183/2019) de taxação de grandes fortunas, apresentado pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), que até a quarentena imposta pela pandemia havia recebido 1.386 votos favoráveis no Portal, número que saltou para mais de 330 mil após a decretação do estado de calamidade pública (SENADO NOTÍCIAS, 2020).

Como já era esperado e devido às condições que o momento exige, as iniciativas de participação cidadã identificadas no âmbito do Poder Legislativo, durante a pandemia, estão restritas às ferramentas de interação online. Nesse contexto surge o debate a respeito da desigualdade no acesso à internet: mesmo com a ampliação do acesso avançando nos últimos anos no Brasil, é inegável que ainda há uma enorme exclusão de parte da sociedade do debate. Em 2018, mais de 20% dos domicílios ainda não estavam aptos a acessar a rede mundial de computadores.

Assim, resta o questionamento: quem tem acesso aos espaços digitais de participação? Conforme Brigatto (2020) “dos 47 milhões de brasileiros que não usam a internet, a maioria está nas áreas urbanas e pertence às classes DE (quase 26 milhões de pessoas)”. Esse número representa cerca de 57% da população que compõe essas classes, um número bem distante das classes A e B, que têm, 95%. Dessa forma, um conjunto considerável de cidadãos estaria impedido de fazer parte dessas atividades, em geral, aqueles que compõem “as camadas que mais necessitam de políticas públicas e de atenção do poder público de forma geral”, fazendo com que a e-participação, ao invés de gerar maior democracia participativa, reforce a exclusão daqueles que já são excluídos (SAMPAIO, 2016, p. 941).

Assim, apesar de a implementação das tecnologias digitais no Legislativo gerar um incentivo à participação online, ela não supera, por si só, muitos dos problemas históricos relacionados às instituições desse poder. Isso significa que ainda é papel dos parlamentares e dos servidores, de forma individual, comprometer-se com princípios como a transparência, a participação popular e a efetividade das políticas públicas. Sem isso, “a ineficiência, a falta de representatividade e o clientelismo tendem a se reproduzir no formato digital” (MASSONETTO, 2020).

São muitos os aprendizados que teremos a respeito da participação social no legislativo no período pós-pandemia. Como Denhardt e Denhardt (2003, p. 53, tradução nossa)[1] defendem: “se houver problemas com o envolvimento dos cidadãos, se a sua participação não trouxer melhorias políticas, assim como uma maior legitimidade, então a resposta não é acabar com a participação, mas educar ainda mais os cidadãos”, e não apenas eles, mas também os seus representantes no Parlamento. Que esse momento nos incentive ainda mais a questionar as falhas nos sistemas de participação e a promover inovações com instrumentos e mecanismos inclusivos que possibilitem o aumento da participação na vida pública e o fortalecimento da democracia, ainda frágil em nosso país.

REFERÊNCIAS:

BRIGATTO, Gustavo. Acesso à internet cresce no Brasil, mas 28% dos domicílios não estão conectados. 26 maio 2020. Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/05/26/acesso-a-internet-cresce-no-brasil-mas-28percent-dos-domicilios-nao-estao-conectados.ghtml. Acesso em: 26 ago. 2020.

DENHARDT, Janet V.; DENHARDT, Robert B. The New Public Service: serving, not steering. New York: M. E. Sharpe, 2003. 198 p.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/3451. Acesso em: 04 jul. 2020.

INTELIGOV. Legislativo se adapta à crise: o Sistema de Deliberação Remota. 22 abr. 2020. Disponível em: https://caldeiraopolitico.com.br/artigos/legislativo-se-adapta-a-crise-o-sistema-de-deliberacao-remota/57540. Acesso em: 04 jul. 2020.

MASSONETTO, Ana Paula. O Parlamento digital esbarra no Legislativo tradicional. 23 jul. 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/legis-ativo/o-parlamento-digital-esbarra-no-legislativo-tradicional/?utm_source=estadao:whatsapp&utm_medium=link. Acesso em: 26 ago. 2020.

OBSERVATÓRIO LEGISTECH. Transformação digital legislativa em tempos de Covid-19. Disponível em: https://observatoriolegistech.bussola-tech.co/. Acesso em: 04 jul. 2020.

SAMPAIO, Rafael Cardoso. E-Orçamentos Participativos como iniciativas de e-solicitação: uma prospecção dos principais casos e reflexões sobre a e-participação. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 50, n. 6, p. 937-958, dez. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rap/v50n6/0034-7612-rap-50-06-00937.pdf. Acesso em: 04 jul. 2020.

SENADO NOTÍCIAS. Participação popular no e-Cidadania dobra durante calamidade pública. 26 maio 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2020/05/participacao-popular-no-e-cidadania-dobra-durante-calamidade-publica. Acesso em: 04 jul. 2020.


[1] “If there are problems with the involvement of citizens, if their participation doesn’t bring about political improvements as well as heightened legitimacy, then the response is not to end participation, but to further educate the citizenry” (texto original).

*Texto elaborado pelas acadêmicas no âmbito da disciplina de Coprodução do Bem Público, da Pós-Graduação em Administração da UDESC/ESAG, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com participação da doutoranda Camila Pagani.

COMO FORTALECER A PARTICIPAÇÃO CIDADÃ DURANTE E APÓS UMA CRISE SANITÁRIA MUNDIAL: AS DOLOROSAS LIÇÕES DA COVID-19

Por Bárbara Ferrari*

A pandemia provocada pela Covid-19 pegou a todos de surpresa e foram necessárias diversas adaptações no dia-a-dia das pessoas. De um dia para o outro, milhares de brasileiros tiveram que começar a trabalhar em home office, praticar o isolamento social e ficar em quarentena para reduzir os riscos de contágio e disseminação da doença. Por outro lado, essas mudanças evidenciaram, ainda mais, as desigualdades sociais existentes no nosso país: outros milhares de brasileiros continuaram a trabalhar presencialmente, por não possuírem condições de aderir ao trabalho remoto ou pela falta de liberação dos seus patrões, além de não terem acesso às condições mínimas de sobrevivência, como uma casa, alimentação, sistema de água e saneamento básico. Este último, essencial para a principal recomendação dos profissionais da área da saúde: lavar as mãos com água e sabão várias vezes ao dia.

Aqui, restam alguns questionamentos: como essa parcela da população vai conseguir aplicar a #fiqueemcasa, se não possuem o básico para isso? E aqueles que nem casa possuem (pessoas em situação de rua, por exemplo) como farão? Sposati (2020) estima que sejam mais de 100 milhões de brasileiros que compõem essa massa populacional identificada como “os vulneráveis”, composta pelos desempregados, trabalhadores informais, pessoas em extrema pobreza e pessoas em situação de rua.

Esse grupo, formado por aqueles considerados “invisíveis”, deixa ainda mais claro a importância de políticas públicas que atendam especialmente a essas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, haja vista que a ausência de condições mínimas para se proteger do novo coronavírus faz com que eles sejam os mais expostos e desprotegidos em meio a essa pandemia.

No contexto atual que vivenciamos, o senso de cidadania tornou-se ainda mais indispensável. O poder de contágio do coronavírus é muito alto. Isso significa que, para conter a sua disseminação, é necessário contar, não apenas com as decisões e ações do poder público, mas, também, com a consciência e o bom senso dos cidadãos. Assim, todos nós devemos basear nossas atitudes diárias no cuidado e preocupação com o próximo, haja vista que podemos nos contaminar e, sem os devidos cuidados, propagar o vírus sem saber, sobrecarregando os serviços de saúde, podendo levar ao seu colapso e gerando um “mal invisível” a toda sociedade.

Nesse sentido, tornou-se nossa obrigação, como cidadãos, considerando a dimensão legal do conceito de cidadania, ligada aos nossos direitos e deveres (DENHARDT; DENHARDT, 2003), cumprir medidas restritivas: usar máscara, não promover eventos, manter o distanciamento social, entre outros. Não há como promover a saúde coletiva sem que cada um faça a sua parte, é necessário que esse serviço seja coproduzido, isto é, que haja o engajamento mútuo e ativo – do Estado e da sociedade – na realização dos serviços públicos.

A cidadania ativa e responsável exigida para a coprodução dos serviços públicos encontra eco nas teorias da democracia participativa. Essas teorias defendem a necessidade de a representação formal ser acompanhada de mecanismos de participação direta da sociedade nas tomadas de decisão, especialmente dos grupos excluídos, buscando abranger interesses diversos e promover equidade no acesso aos bens e serviços públicos. Nesse cenário, o espaço virtual, por meio de redes sociais, sites institucionais e fóruns de debate, ganhou ainda mais engajamento, possibilitando até a interferência nas decisões políticas e nas práticas da administração pública.

No debate “Quarentena, crise da democracia e política: Participação cidadã pós-pandemia”, promovido pelo Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT), os professores Leonardo Avritzer (UFMG), Giovanni Allegretti (CES-Coimbra) e Rebecca Abers (UnB), destacados pesquisadores da área da participação cidadã, discutem novas formas de participação que despontaram em meio a pandemia e como  poderão ser continuadas após tudo isso passar.

Fonte: Getty Images

Entre os tópicos discutidos, chama a atenção a questão da participação através dos meios digitais. Algumas das indagações que surgiram ao tratar desse tema foram: considerando que estamos tão saturados por dispositivos tecnológicos e comunicação em ambiente virtuais, como reuniões, aulas, trabalho remoto, redes sociais, será que esse é o melhor caminho para uma maior participação? Haveria adesão aos mecanismos de participação online durante a pandemia? Como podemos incluir aqueles que não possuem acesso ao espaço digital?

Essa discussão não começou agora. Já há uma literatura diversa sobre participação online, especialmente na iniciativa do orçamento participativo digital (OPD). Ele é caracterizado por ser um formato inovador de gestão pública orçamentária ao aliar certas características da prática presencial do orçamento participativo com o uso da internet. Seus principais objetivos buscam: (a) incluir segmentos pouco participativos; (b) reduzir os custos da participação política; e (c) ampliar o acesso dos cidadãos às informações e aos processos decisórios (COLEMAN; SAMPAIO, 2016).

No entanto, é importante destacar que há uma grande exclusão digital no Brasil. Isso significa que há uma discrepância no acesso à internet relacionadas a área geográfica, raça, gênero e classe social. Dessa forma, um conjunto considerável de cidadãos estaria impedido de fazer parte dessas atividades, em geral, aqueles que compõem “as camadas que mais necessitam de políticas públicas e de atenção do poder público de forma geral”, fazendo com que a e-participação, ao invés de gerar maior democracia participativa, reforce a exclusão daqueles que já são excluídos (SAMPAIO, 2016, p. 941).

Apesar do reforço ao uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs) em meio à pandemia, essa nova realidade impõe uma série de desafios à democracia participativa. Um dos debatedores do webinário, o professor Giovanni Allegretti, defende que

o Estado tem que saber que, se não escuta, fará muito mais erros e também aqueles [os erros] que não estiverem tão grandes, serão percebidos como muito maiores do que eles são […] Estamos sempre em frente a bifurcações quando temos que tomar uma decisão. Pensamos: “ok, podemos usar a tecnologia” e logo depois nos damos conta que a tecnologia saturou as nossas vidas e que provavelmente fazer um processo com base na tecnologia ninguém participaria nesse momento. Então pensamos: “esperamos um pouco e vamos nos reencontrar”, mas depois nos damos conta que temos todos medo de encontrar os outros, que as regras que nos demos é para ficar a dois metros de distância um do outro e, no final, não sabemos como reconstruir [a participação]. Eu acho que a melhor forma é um pouco… são duas: primeiro escutar o que que os cidadãos pensam, o que que estão dispostos a fazer para recomeçar com os processos participativos. E a segunda coisa é que a política provavelmente tem que fazer um passo atrás e olhar um pouco mais para aqueles processos de irrupção que foram muito importantes durante a pandemia. Nós tivemos, digamos, pelo menos duas grandes tipologias de processos participativos: aqueles lúdicos […] e depois tivemos aqueles solidários, para ajudar os outros.

Questionado por Avritzer se orçamentos participativos poderiam ser úteis no processo de recuperação, Allegretti defende que “este é o momento perfeito para mais orçamentos participativos, porque se nós olharmos o que passou na crise que abalou a Europa entre 2008 e 2014, foi um momento em que os OPs cresceram muito”. Além disso, coloca que os orçamentos participativos se apresentam como uma alternativa para a alocação dos recursos no pós-pandemia, especialmente porque os recursos, que já são escassos, possivelmente estarão ainda mais. Contar com a visão e a participação dos cidadãos nesse momento faz com que as decisões tomadas tenham maior legitimidade e eficácia. Muitas das soluções para problemas coletivos estão sendo visibilizadas ou criadas a partir do envolvimento dos cidadãos já durante a pandemia, como as diversas ações de combate à fome ou de prevenção à Covid-19 nas periferias. É possível aproveitar esse engajamento para a construção de soluções para os desafios que persistirem e para os que vierem após o fim da crise sanitária.

Esse período que nos trouxe tantas mudanças em função da pandemia, também tem nos trazido diversas lições sobre coprodução, participação cidadã, engajamento, e, principalmente, reflexões sobre aquilo que realmente importa na nossa vida e dia a dia. Muitos são aqueles que creem que as transformações do nosso cotidiano, advindas da pandemia, serão contínuas e que o mundo “pós-pandemia” será diferente do que conhecemos agora. Tomara que sim!!!

REFERÊNCIAS:

ABERS, Rebecca; ALLEGRETTI, Giovanni; AVRITZER, Leonardo. Quarentena, crise da democracia e política: Participação cidadã pós-pandemia. 19 maio 2020. (45m26s). Canal TV da Democracia. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=R43w49uJ-I8&t=1571s. Acesso em: 19 maio 2020.

COLEMAN, Stephen; SAMPAIO, Rafael Cardoso. Sustaining a democratic innovation: a study of three e-participatory budgets in Belo Horizonte. Information, Communication & Society, online, v. 20, n. 5, p. 754-769, jul. 2016.

MENDONÇA, Patrícia Maria E.; SCHOMMER, Paula Chies. Cidadãos e profissionais trabalhando juntos na coprodução de serviços públicos. 2020. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/cidadaos-e-profissionais-trabalhando-juntos-na-coproducao-de-servicos-publicos/. Acesso em: 15 jul. 2020.

SAMPAIO, Rafael Cardoso. E-Orçamentos Participativos como iniciativas de e-solicitação: uma prospecção dos principais casos e reflexões sobre a e-participação. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 50, n. 6, p. 937-958, dez. 2016. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rap/v50n6/0034-7612-rap-50-06-00937.pdf. Acesso em: 04 jul. 2020.

SPOSATI, Aldaiza de Oliveira. COVID-19 Revela a Desigualdade de Condições da Vida dos Brasileiros. Nau Social, [S.l.], v. 11, n. 20, p. 101, abr. 2020. Universidade Federal da Bahia. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/nausocial/article/view/36533/21016. Acesso em: 25 jul. 2020.

* Texto elaborado pela acadêmica Bárbara Ferrari, mestranda em Administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Pós-Graduação em Administração da UDESC/ESAG, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com participação da doutoranda Camila Pagani.

Nossas vidas, Nossas vozes: Por um comitê metropolitano na grande Florianópolis sobre COVID-19

Nossas Vidas, Nossas Vozes

Diante da escassez de informações disponibilizadas à população e da falta de articulação entre áreas de governo e de espaços para que a sociedade seja ouvida e participe da tomada de decisões relativas à pandemia, um grupo de pesquisadores das Universidades Federal e Estadual (UFSC e UDESC), organizações não-governamentais (ONGs) e profissionais das áreas da saúde e educação iniciaram um movimento pela criação de um comitê intersetorial metropolitano que articule os 22 municípios da Grande Florianópolis , com a participação de órgãos de governo e da sociedade civil.

Além do comitê metropolitano, o grupo indica que cada município amplie a transparência de dados, critérios e processos de decisão e crie um comitê que articule áreas de governo entre si e com a sociedade civil.

O grupo criou uma petição online para reunir assinaturas de organizações e pessoas físicas que apoiem a criação dos comitês e já registrou mais de mil assinaturas.

Com as assinaturas online de instituições e cidadãos que apoiam a proposta, o grupo levará a petição aos gestores públicos da Grande Florianópolis e ao Governo do Estado para formalizar o pedido de criação dos comitês. Além disso, divulgará estudos e promoverá debates com representantes de diversos segmentos.

As organizações que iniciaram a mobilização para a criação dos Comitês foram:

•Universidade Federal de Santa Catarina, UFSC:

Departamento de Saúde Pública, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – PPGSC, Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental e Atenção Psicossocial – MPSM, Grupo de Pesquisa em Farmacoepidemiologia – GPFAR, Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva – NUPEBISC, Núcleo de Extensão e Pesquisa em Avaliação em Saúde – NEPAS, Grupo de Pesquisa em Política de Saúde/Saúde Mental -GPPS.

•Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc – Esag

Departamento de Administração Pública, Grupo de Pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão, Núcleo de Inovações Sociais na Esfera Pública, NISP e Callipolis – Grupo de Pesquisa de Política
Pública e Desenvolvimento.

•Fórum de Políticas Públicas – Florianópolis

•GT de Incidência da Rede Instituto Pe. Vilson Groh

•Instituto Comunitário Grande Florianópolis, ICom

Para assinar e compartilhar essa ideia, assine a Petição. Participe!

Comissão Parlamentar Especial pela Transparência no Município de Florianópolis

A Comissão Parlamentar Especial pela Transparência na Administração Pública de Florianópolis foi criada pelo Requerimento 382/2019 em 12 de novembro de 2019, com o objetivo de elaborar uma proposta de “Política de Transparência na Administração Pública de Florianópolis” por meio de uma cooperação interinstitucional entre a Câmara Municipal de Florianópolis, demais entes públicos, academia e sociedade civil.

 A articulação das organizações teve início em abril de 2019, com o evento organizado pela Escola de Gestão e Eficiência Legislativa (EGEL) da Câmara Municipal. O evento trazia como tema: Legislativo, Transparência e Governança Colaborativa – Como o cidadão participa com o Legislativo no controle da gestão pública? 

Dentre as várias palestras e oficinas realizadas, o evento foi concluído, no dia 11/04, com a oficina “Como promover transparência em Florianópolis?”, conduzida pela professora Vera Suguihiro, da Universidade Estadual de Londrina, UEL e pelo vereador Pedrão pela EGEL. O objetivo era de indicar uma estratégia, parceiros e definir metas para o tema. Todos os presentes participaram com ideias práticas para consecução deste objetivo no município de Florianópolis. O evento foi transmitido ao vivo e pode ser acessado através do vídeo disponível no youtube

Evento aberto ao público “Legislativo, Transparência e Governança Colaborativa: como o cidadão participa com o legislativo no controle da gestão pública?” foi realizado na Câmara Municipal dos Vereadores de Florianópolis.

O evento foi um momento de discussão e reflexão acerca das possibilidades que esta articulação entre os órgãos e sociedade civil poderia trazer de concreto para a administração pública municipal de Florianópolis e dessa forma, tivemos como encaminhamento a criação desta Comissão Parlamentar Especial, como forma de institucionalizar os trabalhos. 

Em agosto, o Requerimento de abertura (Anexo II), de autoria do vereador Pedro de Assis Silvestre (Pedrão) assinado de forma conjunta com o grupo de pesquisa Politeia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc Esag), Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público de Contas (MPC/SC),  grupo de pesquisa Nigep, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Observatório Social de Florianópolis, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/SC) e  Instituto Politize! foi rejeitado por maioria dos vereadores na Plenária. Como resultado, houve grande pressão popular e midiática acerca do caso, e o Requerimento (Anexo III) foi novamente protocolado pelo vereador Pedrão na semana seguinte, solicitando, mais uma vez, a abertura da Comissão. Em novembro de 2019, o Requerimento foi aprovado em Plenário.

A CPE da Transparência foi instaurada no dia 17 de dezembro de 2019, quando foi definido, entre os vereadores presentes, o presidente, relator e demais membros. O Vereador Pedro de Assis Silvestre (PL) foi nomeado Presidente da Comissão e o Vereador Gabriel Meurer (PODEMOS) foi nomeado relator. Já os vereadores Celso Sandrini (MDB), Claudinei Marques (REPUBLICANOS) e Marcos José de Abreu (PSOL) foram designados membros, respeitando a composição regimental.

Reuniões da CPE na Câmara

Compõem esta Comissão, além da Câmara Municipal, o grupo de pesquisa Politeia da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc Esag), a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público de Contas (MPC/SC), o grupo de pesquisa Nigep, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), o Observatório Social de Florianópolis, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/SC), Instituto Politize! e a Comissão de Moralidade Pública da OAB/SC. A Secretaria Municipal de Transparência, Auditoria e Controle da Prefeitura Municipal de Florianópolis também foi convidada a integrar os trabalhos.

Desde a criação, em Dezembro de 2019, a CPE realiza reuniões periódicas a fim de estudar e planejar estratégias colaborativas de promoção de transparência no município.

Um dos principais resultados gerados pela comissão foi um relatório técnico sobre a situação atuação no município, no âmbito Executivo e Legislativo. Para tanto, foram constituídos três grupos de trabalho: Legislação e Transparência; Serviços e Compras Públicas; e Participação e Controle Social.

O grupo de trabalho “Legislação em Transparência” observou a aderência do Município em relação às exigências contidas na Lei da Transparência, Lei de Acesso à Informação e Lei de Responsabilidade Fiscal. Para conseguir tal objetivo, utilizou-se do Check List da Transparência do Ministério Público de Contas de Santa Catarina e considerou aspectos não atendidos.

O grupo de trabalho “Serviços e Compras Públicas” apresenta levantamento e sugestões quanto a: Carta de Serviços, Observação de diretrizes relacionadas à transparência nas contratações públicas pela Prefeitura de Florianópolis e Câmara Municipal de Florianópolis e Indicação de possíveis áreas prioritárias para inovações em transparência em serviços públicos.

Já o grupo de trabalho “Participação e Controle Social”, teve por o objetivo analisar os  mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública municipal e a sociedade civil,   bem como identificar a efetividade e o cumprimento legal dos requisitos necessários à participação e controle social.

Além do Relatório final, com levantamento de dados e informações sobre a situação da transparência no município e sugerindo ações neste sentido, e tendo em vista a situação de calamidade provocada pela pandemia do novo coronavírus (COVID-19), a CPE passou a acompanhar a transparência de informações sobre esta situação específica.

No mês de julho de 2020, a CPE passou a realizar debates online sobre temas debatidos pelos grupos de trabalho, em conjunto com a sociedade civil, pesquisadores e profissionais. Dentre eles:

  • Como melhorar a transparência das compras públicas em Florianópolis?
  • Do diagnostico na pandemia a uma politica de transparência de longo prazo para Florianópolis
  • Política de Transparência e os mecanismos de participação e controle social


Ainda, buscando contribuir com as ações voltadas à transparência e acesso à informações sobre a pandemia em Florianópolis, a CPE emitiu a Indicação 455/2020, que solicita o aperfeiçoamento das informações disponíveis no sítio eletrônico oficial da Prefeitura Municipal de Florianópolis a respeito do Covid-19.

A partir de Abril de 2020, as reuniões da CPE passaram a ser realizadas de maneira online, tendo em vista as medidas de segurança frente a COVID-19

A CPE também apoiou a emissão de uma Nota Conjunta à Prefeitura de Florianópolis, juntamente com pesquisadores, profissionais de saúde e vereadores solicitando manifestação e providências quanto à alteração das informações disponíveis na plataforma Covidômetro, mantida pela Prefeitura de Florianópolis para dar transparência aos dados que orientam as medidas de controle da pandemia de Covid-19.

Como resultado principal da CPE, será constituído uma Política Municipal de Transparência, instituída por Lei, visando ampliar a transparência dos atos praticados pelo Poder Público Municipal, estabelecendo instrumentos capazes de incentivar e aumentar o controle social por parte dos cidadãos e demais órgãos de controle. 

 A política trará definições, princípios, diretrizes e objetivos relacionados à transparência no município e conta com o envolvimento responsável, não apenas dos gestores municipais, mas também da sociedade, acompanhando, controlando e cobrando os efeitos desta medida.

Para saber mais e acompanhar o andamento dos trabalhos da Comissão, acesse: http://www.cmf.sc.gov.br/cpis/11561

Conversações Filosóficas – Políticas públicas, transparência e bem comum – com Paula Chies Schommer

A professora e pesquisadora do grupo de pesquisa Politeia, Paula Chies Schommer, participou junto com o professor de filosofia da Universidade do Estado do Amapá – UEAP, Caio Souto, de debate no canal Conversações Filosóficas.

Políticas públicas, transparência e bem comum | Entrevista com Paula Chies Schommer

Sob o tema Políticas públicas, transparência e bem comum, a professora ressalta a importância da criação de redes, o engajamento e participação de diversos setores e agentes para uma construção sólida de projetos e a aplicação das pesquisas universitárias na realidade.

Schommer traz um pouco de sua trajetória na Universidade Federal da Bahia, onde presenciou e auxiliou a estruturação do campo de gestão social a partir de grupo de pesquisadores e interessados em uma rede de aprendizado de gestão social. A iniciativa culminou na criação do Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social – ENAPEGS, que tem oportunizado a integração e troca de conhecimentos sobre temas relacionados a movimentos sociais, estudos organizacionais, governos, empresas e sociedade civil.

Já no campo de públicas, multidisciplinar, os cursos que a ele pertencem tem uma interface com diversas áreas do conhecimento, mas com particularidades que os diferem da administração empresarial, por exemplo. A Associação Nacional de Pesquisadores no Campo de Públicas – ANEPCP, acompanha as mudanças no campo e tem promovido debates sobre diferentes temas. Alguns deles podem ser acompanhados pelo canal no Youtube.

A criação de diretrizes curriculares no ano de 2014 no campo de públicas, foi também um marco importante, principalmente para distinguir a administração empresarial, das demandas provenientes do serviço público na administração pública. Como resultado houve uma integração maior entre cursos que fazem parte do campo de públicas.

Os campos, de públicas e gestão social, tem uma interface entre si e possuem grande engajamento de estudantes e egressos, e essa participação é a base de construção e manutenção do campo. Exemplos positivos praticados por universidades são vistos na junção do conhecimento teórico com a aplicação e a vivência de campo. Nas palavras da professora: “fazemos pesquisa implicada”, promovendo conexões entre aqueles que buscam a troca de experiências e resultados na prática.

A professora lembra que muitos projetos e programas promovidos pela academia surgem de demandas do campo, a partir de profissionais que atuam nas organizações, pessoas que estão na prática, no dia a dia e que buscam na universidade soluções, apoio, na sistematização do conhecimento. Essas pessoas são egressos ou não, mas que veem na universidade uma possibilidade de articulação entre os conhecimentos, científicos, práticos e profissionais.

Como exemplo, na Bahia a UFBA realiza intercâmbios entre alunos e serviços públicos, aprimorando a prática com a teoria, e vice-versa. Já em Florianópolis, a UDESC realiza diversas atividades que integram ensino, pesquisa e extensão, com iniciativas a partir de disciplinas, professores, projetos e grupos de pesquisa.

A este exemplo, o Grupo de Pesquisa Politeia, liderado pela professora Paula, participa, através de professores, pesquisadores e alunos, de diversas atividades que levam temas estudados em sala de aula e pesquisados pelo grupo, para o campo. Um dos exemplo citados pela professora, foi o evento Legislativo, Transparência e Governança Colaborativa, divulgado neste blog. O evento articulou o interesse em discutir o papel do Legislativo na promoção da transparência no âmbito municipal e contou com a participação e engajamento, além do grupo de pesquisa Politeia, de vereadores de Florianópolis, de servidores públicos, órgãos de controle do estado, além de contribuições da Universidade Estadual de Londrina – UEL. A partir desta oportunidade, outras ações ocorrem, em rede, articulando academia, administração pública e sociedade civil, como a criação da Comissão Especial de Transparência, que está em andamento na Câmara Municipal de Florianópolis e tem como objetivo a criação de um Plano Municipal de Transparência para o município.

O destaque dado é para o fato de que estas articulações, entre academia e prática, geram aprendizado a todos os envolvidos. E mais, considerando que muitos dos atores que estão atuando na prática são egressos desses campos, estes buscam o fortalecimentos dessas redes mantendo as conexões e promovendo reflexões e ações entre academia e o campo profissional.

Para assistir mais vídeos do canal Conversações Filosóficas, produzido pelo Caio Souto, clique aqui.

Do acesso à informação à proteção de dados: o limiar entre legislações

Por Clélia Kruschinski Müller, Andrei Colonetti, Natan Corazza e Leonardo Busnello Guimarães*

A Lei de Acesso à Informação, LAI – lei Nº 12.527/2011 – traz os direitos dos cidadãos quanto ao que eles têm acesso e o que eles podem pedir acesso por não estar disponível naquele momento – isto é, não está disponibilizado publicamente naquele momento, mas estará disponível caso requerido, no caso de seguir a legislação.

O processo de construção da LAI iniciou em 2003, com o objetivo de que houvesse a garantia de acesso ao conhecimento das ações e estruturas do governo, além dos resultados de ações e aplicação de recursos públicos. A Lei entrou em vigor no país em 2012, devendo ser cumprida pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em todos os níveis do governo – Federal, Estadual, Municipal e o Distrito Federal, bem como pelas entidades da administração indireta.

Outra lei importante relacionada à informação é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – lei Nº 13.709/2018. Ela foi sancionada em 2018, e entrará em vigor em agosto de 2020, regulamentando o uso de dados pessoais de clientes e usuários por parte de empresas públicas e privadas. Segundo Maurício Rotta, em entrevista no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, a Lei Geral de Proteção de Dados é uma lei de governança que estabelece papéis e responsabilidades para todos os atores relacionados aos dados (desde os detentores até os controladores dos dados), cada um dos atores com seus direitos – e deveres. As empresas que incluírem informações de seus clientes em suas bases devem passar a seguir os procedimentos definidos na lei.

Cabe então considerar: até que ponto as informações devem ser públicas, e até qual ponto devem ser privadas? Quando consideramos que a publicização de dados é, de fato, importante, é necessário considerar que dados pessoais podem se tornar disponíveis, e, com isso, podem ir contra a proteção de dados pessoais, mesmo que no momento isso não fique claro. Quais dados devem ser, de fato, públicos? E quais devem ser privados? Até que ponto os dados da administração pública – e dos cidadãos – devem ser publicizados, e em qual ponto devem ser protegidos? Como definir quais dados entram em uma seara, e quais em outra?

As tecnologias da informação e de sistemas facilitam a sistematização dos dados do governo, que por sua vez aumenta a transparência, ao possibilitar que cidadãos comuns e profissionais acessem os dados e os utilizem para realizar análises variadas e precisas sobre a ação dos governos. Por outro lado, informações pessoais de servidores públicos, por exemplo, também estão disponíveis, o que poderia causar inclusive problemas para sua segurança, no caso de pessoas agindo com má-fé. Além disso, outras informações podem se tornar perigosas caso sejam utilizadas de forma negativa, o que poderia causar problemas tanto para administração pública quanto para outras pessoas no geral. Por isso o questionamento de quais dados entram na seara de publicização e quais deveriam ser, de fato, privados – e quem deve decidir isso.

Com isso, trazemos a entrevista feita com Maurício Rotta, que é advogado com expertise nas áreas de Direito Digital e Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento, com ênfase em Governo Eletrônico, pela Universidade Federal de Santa Catarina. Em conversa com ele no Programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc, tratou-se de diversas questões, especialmente voltando para a questão do acesso à informação versus proteção de dados.

Fonte: Linkedin: Maurício Rotta, 2019.

O entrevistado comentou sobre a lei de acesso à informação assegurar o direito dos cidadãos de terem acesso à informações públicas ou solicitá-las quando não disponíveis naquele momento – para ele, a LAI foi pioneira em formar uma cultura de transparência no momento. Ele também comenta que a Lei de Proteção de Dados Pessoais não é contraditória com uma cultura de transparência – por mais que possamos imaginar que seja.

Ambas as leis necessitam de governança, e vale-se ressaltar que a LAI, conforme Maurício comenta, é de suma importância para a prestação de contas e até mesmo para se ter o controle da transparência, sendo assim, qualquer novo instrumento que venha a surgir nessa vertente servirá como complemento para dar mais segurança aos dados e fortalecer a confiança dos cidadãos como um todo.

“A consciência de que cada um de nós é detentor de direitos – e um deles é o direito de privacidade de suas informações pessoais”.

Maurício Rotta também comenta sobre as plataformas de tecnologias da informação e a importância destas para a transparência – através delas diversos países tornam mais fácil o acesso à informação, tornando mais fácil, de fato, a transparência.

Uma das questões que de fato permeou todo o debate, foi justamente sobre a relação entre transparência e a Lei de proteção de dados, e com isso, Maurício nos traz uma importante questão, a de cada ator conhecer, de fato, seus papéis e responsabilidades.  

“Uma vez que conheço meus papéis e que sei quais são minhas responsabilidades eu sei que tipo de prestação de contas eu tenho que fazer, e a partir daí que a transparência passa a ser empregada […], que eu presto conta dos meus deveres.”

Inclusive, conforme o próprio convidado fala, as empresas precisam dizer quais são os dados coletados, para que estão sendo coletados, e precisam também se desfazer desses dados uma vez que forem utilizados – e, além disso, elas precisam fazer um inventário destes dados. Esse tipo de método e legislação já existe em diversos países, que seguem garantindo a proteção dos dados de seus cidadãos, e o Brasil iniciou seu caminho na mesma direção.

Portanto, a transparência entra justamente para que haja a publicização, também, de como os dados das pessoas são utilizados por empresas privadas, o que garante assim maior segurança tanto para a população, quanto para as empresas.

Então, para poupar muitas preocupações: uma lei deixa claro até aonde a outra pode ir, e ambas pretendem garantir que a publicização dos dados vá até onde deva ir, sem prejudicar ninguém – e sendo muito claras sobre o que estão fazendo com esses dados.

Enquanto a LAI garante que a população saiba o que a administração pública está fazendo, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais garante que a população não seja prejudicada através da utilização de dados pessoais – e, com isso, ninguém sai perdendo.

Ouça aqui a entrevista completa com Maurício Rotta no programa Nas Entrelinhas, da Rádio Udesc

REFERÊNCIAS

ANGÉLICO, F. Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático. Estúdio Editores: São Paulo, 2015. 

BRASIL. E-SIC: Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão. Disponível em: <https://esic.cgu.gov.br/SISTEMA/SITE/INDEX.ASPX>. Acesso em: 16 nov. 2019.

MICHENER, Gregory; CONTRERAS, Evelyn; NISKIER, Irene. Da Opacidade à Transparência? Avaliando a lei de Acesso à Informação no Brasil Cinco Anos Depois. Revista de Administração Pública: Rio de Janeiro, v. 52, n. 4, p. 610-629, jul./ago. 2018.

ROTTA, Maurício José Ribeiro et al. Digital Commons and Citizen Coproduction in Smart Cities: Assessment of Brazilian Municipal E-Government Platforms. Energies: v. 12, n. 14, p. 2813, 2019.

ROTTA, Maurício. Linkedin: Maurício Rotta. Disponível em: < https://www.linkedin.com/in/mauriciorotta/>. Acesso em 16 nov. 2019.

SENADO FEDERAL. Transparência. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/transparencia>. Acesso em: 16 nov. 2019.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Serviço de Informação ao Cidadão – SIC. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sic/projects/ouvidoria/wiki/In%C3%ADcio>. Acesso em: 16 nov. 2019.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Central do Cidadão e Atendimento. Brasília, 2019. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/PORTAL/CENTRALCIDADAO/MENSAGEM.ASP>. Acesso em: 16 nov. 2019.

UDESC. Entrevista com Maurício Rotta. Nas entrelinhas: Florianópolis, 2019. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1XkkA2Cax3WRG29jZ52c24pbip9ZCpmC1/view?usp=sharing . Acesso em: 9 nov. 2019.

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Andrei Colonetti, Clélia Kruschinski Müller, Leonardo Busnello Guimarães e Natan Corazza, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 20

Uso de robôs no pregão eletrônico: ilicitude ou avanço nas licitações públicas?

*Por Ytahara Simões, Raquel Ferreira, Cecília Sousa e Emanuelle Filipini

A inserção da tecnologia da informação, TI, na administração pública propicia celeridade e eficiência nos expedientes administrativos e na provisão de bens e serviços públicos. Nas contratações públicas, não é diferente. No entanto, o uso de novas tecnologias também traz riscos e dilemas, por ser uma nova prática no serviço público cujos impactos ainda não são plenamente mensurados.

A TI permite organizar e sintetizar informações de uma massa significativa de dados. Isso permite qualificação da atuação do Poder Público frente às demandas, inclusive aquelas que envolvem os expedientes administrativos. Essa otimização de processos também se estende às empresas privadas.

O processo de contratação pública compreende três fases: fase interna ou preparatória; licitação e; fase externa ou executória (gestão contratual). É na fase da licitação, quando a contratação é materializada pela modalidade pregão, em formato eletrônico, que o uso da TI tem acontecido por meio do uso de robôs eletrônicos na oferta de lances.

Esses robôs são softwares que geram lances ou ofertas de preço de forma automática em fração de segundos. São inseridos no ambiente virtual de disputa do pregão eletrônico para capturar os lances enviados pelos demais licitantes para, em poucos segundos, classificar a informação obtida e enviar uma proposta com valor inferior ao menor lance até então ofertado por uma empresa concorrente.

O uso de robôs para oferta de lances por parte das empresas configura-se como uma ferramenta de simplificação dos processos, além de permitir economia às empresas, por não precisarem despender recursos com um profissional para atuar exclusivamente nos lances do pregão eletrônico. O uso do software é uma peça fundamental, uma vez que esse pode ser programado para dar os lances de acordo com a disponibilidade máxima que a empresa se dispõe a ofertar para buscar vencer a concorrência.

Na opinião de especialistas no tema, como Valéria Costa, criadora de conteúdo do site Web Licitações, no link: https://www.weblicitacoes.com.br/o-uso-de-robo-em-pregao-eletronico/, o licitante que utiliza o software potencializa a sua chance de vencer a disputa da licitação e fere a concorrência e o princípio da isonomia, entendido como igualdade perante a lei, segundo o qual todos são iguais sem distinção de qualquer natureza.  Esse princípio é tratado no art. 3 da lei 8.666/1993, que dispõe sobre as licitações públicas de forma geral.

Art. 3 a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e cita também que será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (Brasil, 1993).

Não obstante, para outros, o uso de robôs facilita a disputa de lances/ofertas, conforme argumenta Fernando Salla, CEO da Effecti – empresa especializada em desenvolver soluções para fornecedores participantes de licitações – na matéria “Precisamos desmistificar o robô de lances no processo licitatório” no Estadão.

Não existe hoje uma lei específica sobre o uso do robô no pregão eletrônico. A tipificação legal mais próxima à utilização do “robô” está prevista no art. 90 da Lei de Licitações no 8.666 de 1993:

Art. 90.  Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão emitiu, em 2013, a Instrução Normativa  03/2013, no link: http://comprasnet.gov.br/legislacao/legislacaoDetalhe.asp?ctdCod=669 que determina que o intervalo entre os lances de um mesmo licitante não pode ser inferior a 20 (vinte) segundos e os lances, de modo geral, devem respeitar um intervalo mínimo de 3 (três) segundos.

A mais nova questão em torno do tema é sobre a regulamentação do recente Decreto n° 10.024/2019, no link: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Este trouxe mudanças substanciais para o processo de contratação pública, dentre essas, destaca-se o formato de disputa aberto, em que os licitantes apresentarão lances sucessivos por dez minutos e, após isto, caso não haja lance por dois minutos da última proposta, o sistema encerra a disputa automaticamente. O outro formato de disputa caracteriza-se pela união de dois modelos de concorrência, o aberto, que trata da soma de oferta de lances por quinze minutos, seguido do fechamento iminente dos lances de forma aleatória. E a disputa fechada, na qual ocorre a proposição do último lance por parte dos licitantes portadores das ofertas de melhor preço, e cada qual realiza sua última oferta sem conhecimento do valor dos demais proponentes.

Com a proposição da oferta fechada, prevista nesse Decreto do pregão eletrônico, a expectativa é de que haja mais isonomia na concorrência. Diante disto, o uso do robô poderá não ser mais uma grande vantagem para aqueles que fazem uso do software.

Segundo Carla Giani da Rocha, servidora da Secretaria de Estado da Administração de Santa Catarina, mesmo com a implementação do novo Decreto, o uso de robôs eletrônicos nas contratações públicas continuará representando potencial vantagem para os licitantes, pois não é necessário que uma pessoa disponha as ofertas no momento da concorrência do certame. O robô pode ser programado para tal atividade. Mas isso não é um problema, pois a tecnologia de robôs para pregões está disponível no mercado, a preços acessíveis, e pode ser adquirida pelas empresas que participam de pregões com a administração pública. O uso da TI otimiza os processos e gera maior eficiência na atuação, tanto da administração pública quanto das empresas. Portanto, em lugar de se gerar obstáculos ao uso das tecnologias, deve-se abrir espaço para elas, testar e aprimorar os processos, com razoabilidade e prudência. Conforme afirma Carla:

“O Poder Público, nas compras públicas, não deve se preocupar propriamente com a inserção dos robôs no pregão eletrônico, pois o mercado dá conta dessas inovações, mas deve se preocupar com a elaboração dos mecanismos de absorção destas inovações do mercado de forma a atender todos os princípios da administração pública.”

Diante do exposto, a inserção da TI configura-se como um mecanismo de potencial avanço para o serviço público, em especial nas compras públicas. Sua utilização adequada permite que a licitação seja acessível a um maior número de fornecedores, com ferramentas de automação capazes de otimizar os processos, inclusive as ofertas de lances.

Ouça aqui a entrevista completa com Carla Giani da Rocha no programa Nas Entrelinhas, na Rádio Udesc.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.666 de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

BRASIL. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa nº 03, de 04 de outubro de 2013. Altera a Instrução Normativa nº 3, de 16 de dezembro de 2011, que estabelece procedimentos para a operacionalização do pregão, na forma eletrônica, para aquisição de bens e serviços comuns, no âmbito dos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais – SISG, bem como os órgãos e entidades que firmaram Termo de Adesão para utilizar o Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG. Disponível em: http://comprasnet.gov.br/legislacao/legislacaoDetalhe.asp?ctdCod=669. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

BRASIL. Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019. Regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de        bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da       administração pública federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/D10024.htm. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

COSTA, Valéria. Web Licitações. O uso de robô em pregão eletrônico é permitido?, 2019. Disponível em: https://www.weblicitacoes.com.br/o-uso-de-robo-em-pregao-eletronico/. Acesso  em: 13 de nov. de 2019.

SALLA, Fernando. Estadão. Precisamos desmistificar o robô de lances no processo licitatório, 2019. Disponível em:

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/precisamos-desmistificar-o-robo-de-lances-no-processo-licitatorio/. Acesso em: 13 de nov. de 2019.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Ytahara Simões, Raquel Ferreira, Cecília Sousa e Emanuelle Filipini, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.