Valor adicionado na coprodução de serviços públicos e impacto socioambiental é tema de evento do Politeia

* Por Gustavo Cabral Vaz
Publicado no Portal da Esag Udesc – http://www.esag.udesc.br/?idNoticia=19408

20/12/2017 ~ 14h00min

Grupo de pesquisa da Udesc realiza evento sobre coprodução de serviços públicos em Florianópolis

Evento foi realizado na Udesc Esag - Foto por: Fotos: Gustavo Vaz/Ascom
Evento foi realizado na Udesc Esag.
Fotos: Gustavo Vaz/Ascom

Auditório do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag), da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), recebeu na manhã desta quarta-feira, 20, o evento “Valor adicionado na coprodução de serviços públicos e impacto socioambiental”, promovido pelo grupo de pesquisa Politeia – Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão.

O encontro reuniu pesquisadores, acadêmicos e demais interessados pelo tema e contou com um painel com dois palestrantes convidados.

O professor Sandro Cabral, integrante do Núcleo de Medição para Investimentos de Impacto Socioambiental (Metricis) do Insper, falou sobre a avaliação de impacto em intervenções socioambientais.

Em seguida, o agrônomo e vereador de Florianópolis Marcos José de Abreu abordou o tema “Gestão comunitária de resíduos orgânicos: o caso do Projeto Revolução dos Baldinhos (PRB), capital social e agricultura urbana”.

O painel de debate teve participação das professoras da Udesc Esag Paula Schommer, como mediadora, e Graziela Dias Alperstedt, como debatedora.

Defesa de mestrado

Antes das palestras e do debate, o evento iniciou com uma defesa de dissertação relacionada ao tema, da acadêmica Caroline Rodrigues Döerner, pelo Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.

Com o título “Valor adicionado na coprodução de serviços públicos: proposta de um modelo de medição inspirada na gestão comunitária de resíduos orgânicos”, o estudo foi orientado pela professora Paula Schommer e resultou em um modelo de medição de valor adicionado e impactos, em forma de planilha, que pode ser utilizado em diversas iniciativas.

Além da orientadora, integraram a banca os professores doutores Sandro Cabral e Graziela Dias Alperstedt e o agrônomo Marcos José de Abreu.

O encontro desta quarta também teve como objetivo debater uma parceria entre a Udesc Esag e o Insper Metricis para desenvolver conhecimento e instrumentos em áreas como medição de valor adicionado e impactos na coprodução de serviços públicos, negócios sociais, negócios de impacto e políticas públicas.

Assessoria de Comunicação da Udesc Esag
E-mail: comunica.esag@udesc.br
Telefone: (48) 3664-8281 

Mais imagens em: http://www.esag.udesc.br/?idNoticia=19408

Coprodução para cuidado e proteção dos animais em Florianópolis: o caso do Instituto É o Bicho

Por Maria Clara Ames*

Uma questão de interesse público que vem ganhando evidência em Florianópolis e várias outras cidades é a proteção e cuidado com animais, especialmente pelo número de animais domésticos que hoje fazem parte da vida das pessoas. Soltos nas ruas brasileiras, estima-se que haja em torno de 30 milhões de animais. Até pouco tempo, esses eram recolhidos e sacrificados. Atualmente, o município de Florianópolis mantém canis e gatil para os animais abandonados. Cuidado este que partiu do protagonismo da comunidade da cidade.

Em setembro de 2002 foi lançado o site eobicho.org, com a finalidade de ser um canal para a adoção de animais resgatados das ruas ou situações de maus-tratos, por um primeiro grupo de protetores. A iniciativa “É o Bicho!” foi pioneira na cidade e se tornou um importante e eficaz meio de encaminhamento dos animais para novos lares. Em 26 de setembro de 2003, foi criado oficialmente a Organização Não Governamental de Proteção Animal e Educação Ambiental, dirigida por Mauricio Varallo, chamada “Instituto É oBicho!”.

Fonte: Instituto É o Bicho

Atualmente, Florianópolis conta com este e alguns outros institutos que se dedicam à proteção de animais. Entre eles, o É o Bicho atua em parceria com a administração pública para cuidar de cães e gatos e garantir sua proteção e redução de sofrimento. Além de intermediar voluntários que abrigam os animais e que podem vir a adotá-los, e orientar sobre como fazer denúncias de maus tratos, a organização repassa alimentos e cuida da saúde dos animais, em colaboração com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), uma das diretorias da Secretaria Municipal de Saúde (conforme CCZ). No âmbito da Prefeitura, também atua  a Diretoria do Bem-Estar Animal, Dibea, responsável pelo recolhimento e acolhimento de animais, cuidados veterinários (clínico, cirúrgico, atendimento domiciliar), atendimento a denúncias de maus tratos e castração.

Alice Castro, professora de Administração da Udesc Esag, foi uma das pessoas que adotaram um cãozinho. Além de relatar de forma geral como o Instituto e o centro de zoonoses coproduzem, Alice conta que, após a adoção, seus colaboradores têm todo um cuidado e acompanhamento para saber se o cão está sendo bem cuidado e tratado. Até mesmo por redes sociais, às vezes um contato informal é o suficiente para saber que está tudo bem com ele, afirma Alice.

O Instituto É o Bicho atua, ainda, no combate ao uso de animais como comércio ou para entretenimento, rodeios, farra do boi, animais em circo, vivissecção e qualquer ação que implique em desconforto, maus tratos e violação dos seus direitos. Realiza trabalhos educativos e de conscientização em escolas e outros espaços, atua ativamente no resgate de animais e participa de discussões legais que possam contribuir para protegê-los. Ainda, divulga o vegetarianismo como prática necessária para vivermos em harmonia com os animais e repudiam qualquer atividade baseada na exploração e sofrimento destes. Um termo com o qual define a condição dos animais é como seres sencientes. A senciência é a capacidade se sentir, de ter experiências que afetam o ser positiva ou negativamente.

Os cidadãos podem colaborar de várias maneiras nessa questão pública. Podem se candidatar para adoção, podem optar pelo voluntariado em campanhas ou podem, ainda, apadrinhar um animal, contribuindo com recursos para que ele seja cuidado. Outras formas de doação abrangem contribuições únicas ou mensais, para cobrir despesas de kits de serviços ou procedimentos médicos, tais como vacinas, exames e castração.

Segundo o Instituto, quando um bicho é resgatado, ele precisa de vários cuidados para começar sua nova vida. Além de alimento, segurança e conforto, todos os animais protegidos são doados somente depois de recuperados, vermifugados, vacinados e castrados. O objetivo é doar 100% dos animais já castrados, sendo a única forma de se garantir um trabalho eficiente.

O Instituto não trabalha com abrigo e para isso conta com o acolhimento dos animas na casa de um protetor, ou em lares temporários voluntários ou, quando não se tem vagas, em hospedagens pagas mensalmente.

Em 2014, foi composto o Conselho Municipal de Proteção Animal de Florianópolis. A Lei complementar 489/2014, de 20 de março de 2014, dispõe sobre a criação desse Conselho, composto por membros do poder público e da sociedade. Há um representante de cada uma das seguintes Secretarias: da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, da Guarda Municipal de Florianópolis, e um representante do Ministério Público Estadual (Grupo de Defesa dos Direitos dos Animais). Além de cinco representantes de ONGs de proteção animal diferentes. Inicialmente, ficou decidido pela participação das Ongs: Instituto É o Bicho, Protetores e Amigos Trabalhando pelos Animais (PATA), OBA Floripa – Organização Bem Animal, Associação Catarinense de Proteção aos Animais (ACAPRA) e R3 Animal.

Entre outras prerrogativas, essa lei torna obrigatória a castração de todos os bichos protegidos pelos Institutos, antes da adoção, baseados no princípio de proteção consciente.

O Instituto É o Bicho considera a castração como um cuidado imprescindível, porque além de proteger a saúde, protege futuros descendentes de experimentar o sofrimento e o abandono, ajudando no controle da superpopulação de cães e gatos. Os gatos selvagens, que são devolvidos à rua quando terminam o pós-operatório, recebem um pic na orelha esquerda e, assim podem ser identificados como já castrados, caso sejam recolhidos em outro momento.

Segundo dados da Dibea, da prefeitura de Florianópolis, em fevereiro de 2017, havia mais de 100 animais à disposição para adoção. Além do Dibea e do Conselho Municipal de Proteção Animal, um indicativo recente da repercussão do problema foi a notícia de um projeto de lei que discute a proteção dos animais como seres sencientes, encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado (Projeto Lei 160/2017).

Considerando que o abandono de animais é um problema que deve ser resolvido em conjunto com a comunidade, a Diretoria fez um apelo para somar os esforços e engajar o maior número possível de pessoas ao projeto, surgindo assim o corpo de voluntários que, embasados pela Lei 9.608/98, dão suporte à Diretoria de Bem-Estar Animal, atuando nas comunidades carentes e no Canil Municipal. Hoje, o número de voluntários chega a 400, atuando diariamente em parceria com a Dibea.

Com essa rede de atores, mais os passos legais e instituições que começam a se fortalecer, percebe-se o encontro de diferentes formas de se abordar o problema. Do ponto de vista da administração do município, interessa um controle populacional dos cães e gatos que vivem nas ruas. O Instituto É o Bicho e outros citados inserem-se como atores preocupados com a proteção e cuidado da vida desses animais. A comunidade em geral doa seu tempo, cuidado e recursos, que se somam aos demais esforços e contribuem ativamente para a redução do número de animais que sofrem por maus tratos ou estão abandonados.

Dito de outra forma, as iniciativas motivadas inicialmente por problemas distintos – população de animas nas ruas e proteção e cuidado para com os animais, convergem em uma solução quando os esforços coletivos se encontram, demonstrando a importância da participação conjunta de servidores públicos e cidadãos. Estes, ao mesmo tempo que buscam garantir o cuidado e a saúde dos animais, contribuem para a redução de animais soltos nas ruas, ao acolhê-los em suas casas.

* Texto elaborado por Maria Clara Ames, doutoranda em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Coprodução como uma alternativa para serviços de emergência

Por Maria Clara Ames e Rogério Simões*
Os serviços públicos em situações de emergência representam um grande desafio, mas também uma oportunidade para a administração pública. Inundações, incêndios ou acidentes requerem ações articuladas e respostas rápidas para salvamento e socorro às vítimas, bem como a apropriada alocação de recursos e gestão de pessoas para a restauração de uma certa normalidade. Isso ilustra a complexidade e a responsabilidade dos grupos envolvidos e pode ser uma oportunidade para o cidadão participar do enfrentamento do problema, exercendo sua solidariedade e contribuindo para a resiliência comunitária.
Essas redes de atores que coproduzem o serviço público em situações de emergência são o tema que esse texto se propõe a analisar. As três experiências aqui discutidas envolvem a articulação do serviço de bombeiros com a participação de voluntários. Esses agentes cooperam, em maior ou menor grau, no planejamento e execução de ações voltadas para o combate de incêndios, enchentes, inundações e serviços de emergências em geral.
A primeira experiência é o caso do Corpo de Bombeiros Militares de Santa Catarina (CBMSC) que, desde 1996, conta com voluntários treinados e capacitados atuando junto a eles nos seus serviços. Esse grupo é conhecido como bombeiros comunitários e sua entrada no CBMSC foi objeto de estudo de Guideverson Heisler (2011). O segundo caso de coprodução ilustra uma tentativa de engajar a população do condado de San Diego, no Sul da Califórnia, por meio da Rede de Recuperação de Incêndio de San Diego (San Diego Fire Recovery Network, SDFRN), no problema de queimadas na vegetação nativa do chaparral, conhecido como Cedar Fire (GOLDSTEIN, 2008). O último caso retrata um a coprodução entre a administração pública de Queensland, nordeste da Austrália, juntamente com um voluntariado participativo em situações de emergência decorrentes de ciclones e enchentes na região, conhecido como Mud Armies, ou “exército de lama” (RAFTER, 2013). Estas três iniciativas de participação ilustram oportunidades de coprodução, algumas de fato delegando poder à população local em várias etapas do processo, outras apenas na entrega de soluções. Nessa interação, também se verificam resistências e conflitos.


O CBMSC, desde 2003, passou de 35 para 90 municípios atendidos. Essa expansão deu-se, em parte, graças à inclusão de voluntários na forma de bombeiros comunitários, que são selecionados e capacitados com vistas a uma boa disponibilização de seus serviços. A aceitação dos bombeiros comunitários por parte dos bombeiros militares sofreu certa resistência no início. Entretanto, com o passar do tempo, os próprios bombeiros militares começaram a ver os bombeiros comunitários como uma solução para a falta de contingente e para uma melhor prestação do serviço junto à comunidade. Entretanto, alguns problemas ainda podem ser identificados, como: a formação dos instrutores, os voluntários com graus de instrução muito diferenciados; problemas com a inserção de mulheres como voluntárias, pois na cultura militar anterior as mulheres não faziam parte dos bombeiros e estes não sabiam lidar com problemas como relacionamentos que surgiram dentro da corporação; além da hierarquia e da disciplina militar que divergia em muito do que os voluntários eram acostumados.
        Já a SDFRN teve início com o Cedar Fire, o maior incêndio florestal da Califórnia, que devastou 273.246 acres de terra, no ano de 2003. A vegetação nativa do chaparral, altamente inflamável, somada a uma sequência de ventos fortes, criam as condições ambientais para as queimadas, recorrentes na região de San Diego, no sudoeste da Califórnia. A SDFRN foi formada por ativistas da região, consultores ambientais e gestores ambientalmente engajados. Eles reconheciam os limites do controle humano sobre as dinâmicas do ecossistema. Assim, sua proposta contemplava: (1) reconstruir a identidade do povo de San Diego, com iniciativas de voluntariado e para o desenvolvimento da cidadania; (2) promover o abrigo local e desenvolver a capacidade de proteger suas vidas e lares; (3) sugerir aos proprietários de terra o cultivo de vegetação nativa resistente ao fogo, para uma  reforma ecológica e social; (4) construção de casas resistentes ao fogo, e no design de uma matriz regional de áreas urbanas separadas das áreas de preservação. No entanto, seis meses após o grande incêndio, a participação na SDFRN, que foi intensa no início, começou a diminuir. A resposta do Estado às reclamações da população foi que os incêndios nesta região eram previsíveis e possíveis de controlar, enfraquecendo os argumentos da SDFRN. Como consequência, as agências governamentais mudaram a legislação e fizeram grandes investimentos na infraestrutura para combate aos incêndios.

      Em outra parte do globo, entre novembro de 2010 e abril de 2011, ciclones e inundações causaram imensa destruição e várias vidas se perderam em meio às enchentes que avassalaram as cidades da região de Queensland, na Austrália. Estes eventos proporcionaram uma oportunidade para o Departamento de Segurança Comunitária de Queensland, juntamente com o governo, repensar a forma como se relacionavam com o público, construir a resiliência nas comunidades e mobilizar os voluntários. Como resposta a esse problema, a gestão de desastres se focou na resiliência e responsabilidade compartilhada (coprodução) por todos os setores da comunidade e do governo para prevenir e mitigar estes desastres. Uma das suas prioridades é prestar apoio contínuo ao recrutamento, à manutenção, à formação, à compra de equipamento e ao incentivo do apoio não remunerado, buscando facilitar o voluntariado. O Serviço de Emergência do Estado (SES) é uma organização voluntária e é a organização normalmente responsável por ser o primeiro no terreno quando ocorre uma catástrofe. O Serviço de Bombeiros Rural, que desempenha o papel de primeiros socorristas em eventos de desastre, é também uma organização predominantemente voluntária. A iniciativa enfrentou alguns problemas, como os desafios para atrair, apoiar e reter voluntários: tempo, treinamento, custo, reconhecimento e o compromisso dos voluntários. Além disso, atualmente observa-se que muitos voluntários estão envelhecendo, e alguns jovens usam o voluntariado como um caminho para o emprego remunerado, de modo que eles permanecem em seus papéis apenas por curtos períodos de tempo.


A reflexão sobre as formas de coprodução nos três casos possibilita reconhecer os diferentes meios e os resultados no crescimento da participação da comunidade. As três iniciativas revelam elementos característicos da coprodução, reunidos no Quadro 1.
Quadro 1 – Análise das experiências de coprodução
CBMSC
SDFRN
SES QUEENSLAND
Ideia inicial
Resultado
Participação dos cidadãos
Só Execução
Delegação de Poder
Consulta
Delegação de Poder
Continuidade e Consistência
Processo Contínuo
Processo Contínuo
Não alcançado
Processo Contínuo
Valores Compartilhados
Top-down
Botton-up
Entre interessados da comunidade
Entre governo e comunidade
Responsabilidade Compartilhada pelos cidadãos – no design e/ou na entrega
Entrega
Entrega e Design
Não alcançado
Entrega e Design
Conflitos e Resistências
Sim
Sim
Sim
Não
Resiliência na Comunidade
Sim
Sim
Não
Sim
Fonte: elaborado pelos autores.
Analisando as experiências segundo os níveis de participação discutidos por Arnstein (2002), o caso de Queensland foi a experiência de coprodução mais exitosa, pois além de delegar poder à comunidade, tem consistência e é uma oportunidade para o diálogo e o compartilhamento de valores. Os conflitos ou resistência enfrentados inicialmente, tais como a burocracia, foram ajustados gradativamente, possibilitando o atendimento das emergências, a manutenção das iniciativas e a resiliência da comunidade da região.
No caso dos CBMSC, conseguiu-se que: os bombeiros comunitários participassem apenas na entrega (não no design) dos serviços de forma consistente e contínua desde 1996; os valores compartilhados são predominantemente os da corporação militar; a responsabilidade na entrega é compartilhada; e, embora tenha havido resistências iniciais e conflitos, a iniciativa tem contribuído para a resiliência na comunidade.
A experiência do SDFRN tinha um potencial muito grande em termos de engajamento da população, no intuito de planejar ações que contribuiriam na resiliência e responsabilidade dos cidadãos, bem como na consciência ambiental dos envolvidos. No entanto, a iniciativa foi suprimida pelas agências governamentais e, seis meses após a contenção do incêndio, começou a perder sua capacidade de articulação. O SDFRN conseguiu promover o diálogo e a colaboração entre os participantes, mas não foi reconhecida pelo poder público, e consequentemente, o design e a execução planejados foram absorvidos por um programa distinto estabelecido pelos agentes governamentais.
Conjuntamente, essas experiências ilustram como a delegação de poder pode estar associada às várias etapas da coprodução e ao compartilhamento de responsabilidades, bem como contribuir para a resiliência local. Além das etapas, revelam que a comunicação e preparação dos envolvidos pode ajudar a evitar conflitos e resistências, bem como ponderar a burocracia, que às vezes limita as ações, especialmente na condução de situações de emergências, enchentes e incêndios. O caso de San Diego mostra o desafio em se alcançar consistência e continuidade. Apesar de sua curta duração, representou uma iniciativa com grande potencial para a resiliência e distribuição de poder à comunidade. Todavia, sua trajetória foi interrompida, entre outras razões, porque a proposta não foi adotada pelos agentes públicos locais. Em busca de uma administração pública mais responsiva, futuras reflexões podem abordar de que forma iniciativas como essa podem se manter em atividade em longo prazo. Ou ainda, como criar condições para que a participação cidadã ocorra no design, no planejamento e na entrega dos serviços.
Referências
ARNSTEIN. Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Participe. Revista da Associação Brasileira para Promoção da Participação. Ano 2, N. 2, p. 4-13. Jan. 2002.
GOLDSTEIN, Bruce Evan. Skunkworks in the embers of the Cedar Fire: Enhancing resilience in the aftermath of disaster. Human Ecology, 36(1), 15-28, 2008. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s10745-007-9133-6>
HEISLER, Guideverson de Lourenço. Novo serviço público: uma análise da participação de voluntários em organizações estatais a partir do estudo do caso do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina. Dissertação (mestrado), Universidade do Sul de Santa Catarina, Pós-graduação em Administração. Orientação: Profa. Dra. Gabriela Gonçalves Silveira Fiates, 2011. 184 f. Disponível em: <file:///C:/Users/Acer/Downloads/CCEM_2011_Heisler%20(1).pdf>
RAFTER, Fiona. Volunteers as agentes of co-production: “Mud armies” in emergency services. In: Lindquist, E. A., Vicent, S, Wanna, J. (Eds.) Putting citizens first: Engagement in policy and service delivery for the 21st century. Canberra: ANU E-Press, 2013. Disponível em: < http://press-files.anu.edu.au/downloads/press/p250381/pdf/ch20.pdf>
* Texto elaborado por Maria Clara Ames e Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Incentivos como promotores da coprodução: o caso do abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo

Por Rogério Simões*
O processo de coprodução do bem público, segundo muitos estudiosos do assunto, deve ocorrer de forma voluntária por parte dos cidadãos, e não por imposição de obrigações, taxas ou multas. Os incentivos, em contraposição às punições, podem ser utilizados como uma forma de envolver os cidadãos em temas públicos, contribuindo para que estes coproduzam os serviços prestados por agentes governamentais. Jeffrey Brudney e Robert England (1983), pioneiros no estudo do tema, apontam que a coprodução requer uma combinação de atividades realizadas pelos produtores regulares de serviços públicos e usuários (cidadãos). Essas atividades são positivas (em vez de negativas), voluntárias (diferente das cumpridas por hábito ou temor de represálias) e ativas (e não passivas).

Um caso brasileiro interessante do emprego de incentivos para motivar a participação cidadã em assuntos públicos foi a crise hídrica pela qual o estado de São Paulo passou entre os anos de 2013 e 2015, que praticamente inviabilizou o abastecimento de água da região metropolitana da Capital.
Durante esse período, devido à grande escassez de chuvas na região e ao volume impressionante de mais de 70 m3/s necessários para o abastecimento de água nas cidades que formam a região metropolitana de São Paulo, o volume armazenado nos reservatórios ficou próximo a 10% de sua capacidade total. Isso exigiu que a companhia de abastecimento de água de São Paulo (SABESP) adotasse medidas de utilização dos volumes de reserva do Sistema Cantareira para viabilizar o abastecimento de água durante mais de um ano (dados disponíveis em Sabesp/mananciais).

Como alternativa para aumentar os níveis de seus reservatórios, não dependendo somente do aumento da pluviometria da região, no final de 2014, a SABESP criou um incentivo aos cidadãos usuários, que consistia em um abatimento percentual nas faturas de água e esgoto para aqueles que reduzissem o seu consumo de água tratada e, consequentemente, contribuíssem para uma redução na água retirada dos reservatórios.

Os consumidores não se restringiram a reduzir o consumo de água tratada, simplesmente como um dever cívico, uma consciência de coletividade e de cuidado com um recurso comum e limitado que todos devemos ter. Muitos deles implementaram em suas residências formas de coleta de água da chuva para que a mesma pudesse ser utilizada na lavagem de áreas externas das casas, para regar plantas, etc, além de serem fiscais do desperdício de água eventualmente realizado pelos seus vizinhos, na lavagem de carros e calçadas, ou mesmo de problemas estruturais, como vazamentos na rede de abastecimento. Desta forma, os usuários participaram do desenho e da implementação de alternativas para reduzir o desperdício de água, agindo de forma positiva, voluntária e ativa com relação ao problema. Com esta medida, o volume de água tratada reduziu para pouco mais de 50 m3/s no início de 2015 (uma redução de cerca de 30% na produção de água tratada no período de incentivo), o que auxiliou na recuperação progressiva dos níveis dos reservatórios geridos pela companhia.

Apesar desses incentivos terem sido retirados no segundo semestre de 2016, devido à normalização dos volumes armazenados nos reservatórios e, consequentemente, do aumento da produção de água tratada, que atualmente é cerca de 60 m3/s, a medida de incentivo promovida pela SABESP refletiu em uma economia atual de cerca de 15% no consumo de água tratada. Isso mostra que os incentivos foram uma boa forma de atrair a atenção dos cidadãos para a problemática do abastecimento de água da região, auxiliando na normalização da prestação dos serviços na época da crise hídrica e na posterior redução do consumo em períodos de abastecimento normal, o que contribuirá para atenuar futuras possíveis crises no abastecimento de água da região.
Referências

BRUDNEY, J. L.; ENGLAND, R. E. Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review. 43 (1), 59-65, 1983.

SABESP. Situação dos mananciais. Disponível em http://www2.sabesp.com.br/mananciais/DivulgacaoSiteSabesp.aspx

* Texto elaborado por Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

A coprodução como alternativa para aprimorar a coleta e a gestão de resíduos sólidos

Por Rogério Simões*

O crescimento populacional e a alteração dos modos de vida ao longo do último século acarretaram o surgimento de diversos problemas nas cidades. Um desses problemas é o volume de resíduos sólidos gerado, tanto no meio doméstico, como no meio industrial e comercial. Além do volume, as características dos resíduos gerados também se alterou, e seu impacto negativo na natureza se intensificou de forma exponencial.

A preocupação com a preservação do meio ambiente também vem ganhando destaque. Conforme Hannah Arendt, filósofa alemã, “Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida de homens mortais”. Este pensamento pode ser relacionado à preocupação ambiental, inclusive com a geração de resíduos sólidos, pois o tempo de absorção destes pela natureza (que no caso de alguns plásticos pode superar 200 anos) e sua correta destinação final em aterros sanitários (de forma a evitar a contaminação de solo, água e ar pela decomposição destes resíduos) se torna de suma importância para a criação de um espaço público adequado para o desenvolvimento das cidades.

Estima-se que, de todo resíduo sólido gerado pelo ser humano, aproximadamente 65% são de materiais que podem ser reciclados (papel, vidro, plástico, metal) e 20% são de materiais orgânicos que podem, através de compostagem, ser transformados em energia, adubo ou mesmo na geração de gás. Mas para tanto, deve-se ter os devidos cuidados de separação e armazenamento destes resíduos, para que possam ser aproveitados nos processos de reciclagem e/ou compostagem e, consequentemente, se reduzir o volume destinado aos aterros sanitários. Isto não é possível sem a participação ativa da população neste processo. Neste ponto, pode-se fazer relação com o conceito de coprodução, segundo o qual tanto os agentes públicos como os cidadãos são responsáveis pela prestação de um serviço público, visão apresentada por Verschuere, Bandsen e Pestoff (2012).

O envolvimento do cidadão nesse processo é fundamental para que o mesmo possa funcionar e gerar bons resultados. Na área de resíduos sólidos, o cidadão não pode atuar só como mero separador do resíduo produzido em seu ambiente doméstico, mas como multiplicador de suas ações (por exemplo, na participação da compostagem de seus resíduos orgânicos, seja na forma individual ou coletiva) e como fiscalizador dentro da comunidade onde está inserido. Pode também participar como fiscalizador do resultado final de todas as diversas ramificações do processo de coleta, observando a qualidade dos resíduos que chegam para a reciclagem e a compostagem, bem como a porcentagem de resíduos que ainda seguem aos aterros sanitários. Desta forma, poderá atuar eficazmente junto a sua comunidade para que o serviço prestado ocorrera da melhor forma possível.

Esta participação do cidadão só será possível se as concepções tradicionais de planejamento e gestão de serviços públicos forem atualizadas de forma a considerar o processo de coprodução como um mecanismo de integração e um incentivo para a mobilização dos recursos humanos presentes em uma comunidade.

Modelos de incentivo da participação cidadã através da regulamentação por leis (método normativo), como a taxação dos serviços de coleta de resíduos sólidos, de forma a punir aqueles que não participam do processo corretamente (método adotado em alguns países, onde os resíduos coletados são pesados e a taxa de lixo é proporcional ao volume/tipo de lixo gerado), apesar de muitas vezes apresentarem sua eficiência, não podem ser considerados coprodução, pois vários autores que abordam o tema assinalam o elemento “voluntário” como essencial na coprodução.

Como questionamento sobre isso, podemos apontar: será que a participação do cidadão deve ser incentivada somente através de uma maior conscientização e educação da população, mostrando sua importância no processo (o que podemos chamar de método comunitário), e dessa forma se configurar como uma coprodução do bem público? Ou existem outras formas de se obter os objetivos desejados de participação dos cidadãos, mesclando métodos normativos com comunitários?

Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.


VERSCHUERE, Bram; BRANDSEN, Taco; PESTOFF, Victor. Co-production: The State of the Art in Research and the Future Agenda. Voluntas, 23(4):1083, 2012.

* Texto elaborado por Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

O que eu vejo perto de mim é coprodução? Relação entre prefeituras e comunidades

Por Bianca dos Santos Costa*


A literatura apresenta diversas dimensões e perspectivas relacionadas ao conceito de coprodução do bem público. Em nosso cotidiano, porém, não temos o costume de enxergar certas ações pensando em coprodução, ou seja, certas situações podem passar despercebidas e não discutidas como sendo um fenômeno dessa natureza.

A coprodução é definida por Salm e Menegasso (2010) como uma estratégia para a produção dos serviços públicos por meio do compartilhamento de responsabilidades e poder entre agentes públicos, agentes privados e cidadãos.

No âmbito municipal, as prefeituras lidam com diversas demandas e usualmente seus recursos e capacidades não são suficientes para atender a todos os serviços que a comunidade necessita. Considerando essa escassez de recursos e as impossibilidades de prestar todos os serviços, bem como o imenso potencial de contribuição da comunidade, a coprodução é uma alternativa para promover políticas que incentivem o engajamento do cidadão, juntamente com servidores, na prestação dos serviços públicos, seguindo alguns critérios.

A pavimentação de ruas com a participação das comunidades é um caso interessante para ser analisado sob as lentes da coprodução. Dependendo do município, esses projetos de pavimentação podem acontecer de diferentes maneiras. Em alguns casos, as prefeituras fornecem todo o material necessário para construção, como lajotas e cimento, e a mão de obra fica a cargo dos moradores, ou seja, a prefeitura busca esse apoio da comunidade para prover a prestação do serviço.

Um dos elementos que favorece a coprodução é a transparência dos processos, visto que as pessoas conseguem perceber quais os critérios e prioridades que estão sendo aplicados, fazendo com que o envolvimento do cidadão permita essa melhora na capacidade de reposta às necessidades da comunidade.

Outro caso que ocorre em prefeituras são os convênios efetuados com organizações não-governamentais, ONGs. No serviço de creches, por exemplo, as prefeituras podem fazer parcerias com ONGs que prestam o serviço a crianças e famílias, compartilhando recursos, conhecimentos e responsabilidade ao prestar esse serviço.

Porém, quando a relação entre uma prefeitura e uma ONG se resume ao repasse de recursos, muitas vezes insuficientes e instáveis, ocorre a dúvida se seria realmente coprodução ou se representaria apenas um tipo de terceirização precária. O simples fato de haver o envolvimento de um grupo na prestação do serviço pode não ser coprodução. Para isso, é preciso apresentar determinadas características que efetivamente considerem a participação de ambos os envolvidos – cidadãos/usuários e profissionais/servidores públicos – no planejamento e/ou na execução, representando mais do que o simples repasse de recursos para a prestação de um serviço por um valor menor do que seria necessário.

Acredito que tanto os projetos de pavimentação como as parcerias com ONGs podem ser representados como possibilidades de coprodução, pois conforme afirma Ostrom (1999), a coprodução representa a combinação de atividades em que tanto os agentes de serviço público como os cidadãos contribuem para a provisão dos serviços públicos. Porém, cada caso precisa ser analisado em detalhes, pois a simples transferência de recursos e responsabilidades não satisfaz essa definição, sendo necessária a observação de vários outros critérios, como a oportunidade de efetiva participação dos cidadãos, a contribuição para a qualidade nos serviços prestados e a redução dos custos, por meio de inovações em processos e compartilhamento de responsabilidades.


Referências

OSTROM, Elinor. (1999). Crossing the great divide: coproduction, synergy and development. World Development, Vol. 24, No. 6, pp. 1073-1087.1996.

SALM, José Francisco; MENEGASSO, Maria Ester. Proposta de modelos para a coprodução do bem público a partir das tipologias de participação. XXXIV Encontro Científico de Administração da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – ANPAD. Rio de Janeiro: ANPAD, Anais, CD-ROM.



* Texto elaborado por Bianca dos Santos Costa, aluna do mestrado profissional em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.