Reforma da Previdência e Accountability Democrática

Por Ana Beatriz Senna*

Em contextos democráticos, o poder deve emanar do povo. Os governantes têm o dever de prestar contas de suas ações e omissões, submetendo-se a procedimentos de responsabilização. Esse processo, encadeado por responsabilidade, transparência e responsabilização, é denominado accountability (Campos, 1990; Pinho e Sacramento, 2009).

Os questionamentos de Anna Maria Campos, em texto sobre o tema publicado em 1990, contribuem para esclarecer a relação entre poder e accountability nas democracias:

[…] de quem emana o poder delegado ao Estado? Que valores guiam o governo democrático? 

Daí decorreu que a accountability começou a ser entendida como questão de democracia. Quanto mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accountability. E a accountability governamental tende a acompanhar o avanço de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação, representatividade (Campos, 1999, p. 4).

Os cientistas políticos Fernando Luiz Abrucio e Maria Rita Loureiro, em 2005, propuseram um modelo teórico de accountability que transparece a correlação direta com o conceito de democracia. Segundo esses autores, a democracia possui três princípios orientadores: (a) soberania da vontade popular; (b) dever dos governantes de prestarem contas ao povo; e (c) Estado regido por regras. Desses princípios, nascem as formas de accountability: (a) processo eleitoral; (b) controle institucional durante os mandatos; e (c) regras estatais intertemporais, esquematizados na Figura 1:

Figura 1 – Princípios democráticos e formas de accountability
Elaborado pela autora, com base em Abrucio e Loureiro (2005, p. 81-2)

De acordo com esses autores, a consecução das formas de accountability depende, ainda, de instrumentos específicos e de um contexto ambiental adequado. Na Figura 2, apresenta-se um modelo representativo da teoria, elaborado pela autora, com a utilização de fontes complementares de pesquisa.

Figura 2: Representação de sistema de accountability democrática

No Brasil, em um contexto de importante crise política e fiscal, o Governo Federal propõe uma agenda de reformas estruturais, justificando a necessidade urgente de recuperação econômica.

A Reforma da Previdência compõe o pacote de reformas estruturais sugerido pelo Governo em 2017. Trata-se de medida que impactará direitos de parcela significativa da população. Cabe destacar que há expressivas divergências quanto à legitimidade da reforma.

Diante da proposta governamental e das divergências provocadas, houve o acionamento de formas e instrumentos de accountability democrática, tais como a instauração da CPI da Previdência (controle parlamentar) e estudo das contas específicas por parte do Tribunal de Contas da União, TCU (controle administrativo-procedimental). Ambos mecanismos destacados na cor verde na Figura 2.

Considerando que a Reforma da Previdência impactará direitos de parcela significativa da população, seria lógico pensar que, com base na democracia, dever-se-ia aguardar os resultados da CPI e o parecer do TCU para posterior decisão do Congresso. Seria adequado, inclusive, o acionamento de instrumentos de controle social, a exemplo do referendo.

No entanto, esse não é o trâmite em curso. O Parlamento atribuiu caráter de urgência à Reforma proposta e o tema tende a ser votado antes de se obter qualquer resultado da CPI, do TCU, ou manifestação da vontade popular. No caso concreto, verifica-se o esvaziamento do sentido da accountability: aplicam-se instrumentos de controle institucional durante o mandato, no entanto estes não conseguem interferir na ação governamental.

Isso ocorre porque a efetividade da accountability democrática depende de condições ambientais mais gerais, tais como: regime democrático, transparência, independência entre Poderes e instituições, cultura e educação políticas, pluralismo de ideias e imprensa livre. Observando-se as condições ambientais apontadas na Figura na cor amarela, percebe-se que há diversas condições ambientais comprometidas, impossibilitando a efetividade dos instrumentos de accountability acionados no caso da Reforma da Previdência.

Entre os requisitos ambientais não atendidos, que obstam a accountability democrática, pode-se citar:

a) Transparência: há pouca transparência quanto às contas da Previdência;

b) Independência entre Poderes e Instituições: verifica-se claramente um jogo político entre os Poderes, que compromete o requisito de independência, com a submissão da Câmara e do Senado ao Poder Executivo;

c) Cultura/Educação Política: a cultura política brasileira demonstra fragilidade para impulsionar a efetividade dos sistemas de accountability;

d) Imprensa livre: não se verifica uma imprensa diversa, livre e isenta; mas sim frequentes manifestações favoráveis à Reforma em grandes veículos de mídia, possivelmente em razão de interesses corporativos.

Ao discorrer sobre a accountability no Brasil, Campos (1990) advoga que a maior dificuldade de tradução do termo não reside no campo linguístico, mas sim cultural, dada a fragilidade democrática nacional. José Antonio Pinho e Ana Rita Sacramento ponderavam, em 2009, que o país encontrava-se mais próximo da tradução do termo do que quando Campos se defrontou com a questão, em 1990; no entanto, “[…] ainda muito longe de construir uma verdadeira cultura de accountability” (p. 1365).

Diante do exposto, infere-se que, enquanto a democracia e a accountability não forem, de fato, incorporadas à cultura nacional, o povo brasileiro permanecerá distante do efetivo exercício do poder, como havia dito Rousseau sobre o povo inglês: “o povo inglês só é soberano no momento da votação; no dia seguinte passa a ser escravo” (citado por Abrucio e Loureiro, 2005, p. 82). A análise do contexto da Reforma da Previdência permite a validação da inferência.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier; Campus, 2005 (p.75-102).

CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, fev./abr. 1990. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9049. Acesso em: 10 mai. 2017.

PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, 43 (6): 1343-68, nov./dez. 2009. Disponível em:<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6898>. Acesso em: 25 fev. 2017.

* Texto elaborado por Ana Beatriz Senna, em maio de 2017, na disciplina Sistemas de Accountability, do curso de Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Informação, tecnologia e cidadania no combate à corrupção: o exemplo da Operação Serenata de Amor

Por Bianca dos Santos Costa*

Fonte: https://www.catarse.me/serenata
Nos últimos meses, temos vivenciado em nosso país uma série de escândalos de corrupção envolvendo autoridades públicas em conluio com particulares. Como reflexo disso, observa-se a crise política e econômica em que o Brasil se encontra. A corrupção, que vem assolando nossa nação em grandes proporções, não está sendo mais digerida pela sociedade, que quer mais do que nunca uma resposta eficiente das autoridades responsáveis, seja fiscalizando as atividades para que se evite esse tipo de prática indesejável, ou pela aplicação da justiça àqueles que as tenham cometido.
A sociedade vem se mobilizando nesse sentido, cobrando das autoridades competentes e também investindo seus próprios conhecimentos e recursos, inclusive por meio de iniciativas de crowdfunding (financiamento coletivo). Os cidadãos buscam, assim, contribuir para qualificar e para preencher as lacunas de fiscalização de gastos do governo. 
Um exemplo disso é a “Operação Serenata de Amor”, projeto inspirado em experiências de outros países que tem como objetivo o combate à corrupção através do monitoramento dos gastos públicos dos Deputados do Legislativo Federal. O foco é a fiscalização dos gastos da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, CEAP, composta por uma verba indenizatória mensal para cada deputado utilizar no exercício de suas atividades, além do salário e diversos benefícios. Conforme divulgado pelo Data Science Brigade (2017), para este projeto foi criado um robô de inteligência artificial capaz de analisar cada pedido de reembolso dos deputados, identificando a probabilidade de detectar ilegalidades.
Segundo Felipe Cabral, proponente do projeto na plataforma Catarse, o valor da CEAP equivale a mais de 45 mil reais por mês, que o deputado pode usar para custear despesas pessoais para auxiliar o seu trabalho. Esse valor é liberado por lei e fica disponível para ser usado pelo parlamentar em seu gabinete com materiais ou serviços que não precisam necessariamente de licitação para sua aquisição.
Considerando o total de 513 deputados que a Câmara possui, esse gasto por ano ultrapassou, em 2015, os 200 milhões de reais (CABRAL, 2017).
A realização de um projeto como o Serenata de Amor não representa uma tarefa simples, mas conta com a vantagem de garantia da publicidade de todos esses dados na internet, mediante a obrigatoriedade de publicação advinda de algumas leis. Entre elas, está a Lei Complementar nº 131/2009, que tem como finalidade determinar a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Já o Decreto nº 7.185/2010 “Dispõe sobre o padrão mínimo de qualidade do sistema integrado de administração financeira e controle, no âmbito de cada ente da Federação”. Ainda, a Lei de Acesso à Informação nº 12.527/2011 dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações. 
Os robôs utilizados no projeto são capazes de demonstrar o que são gastos legais ou superfaturados. Após essa identificação e com o auxílio humano, é possível fazer julgamentos mais específicos e formalizar denúncias junto ao Ministério Público, exigindo que recursos mal investidos sejam devolvidos para a administração pública.
Essa operação, que conta com o auxílio do cidadão por meio de financiamento via plataformas de crowdfunding, segundo Cabral (2017), já conseguiu retornar para os cofres públicos mais de 5 milhões de reais de gastos indevidos, por intermédio de verificações manuais realizadas por voluntários. Imagine-se o quanto mais será possível identificar com a difusão dessa nova tecnologia que utiliza a inteligência artificial.
Nesse sentido, projetos como a Operação Serenata de Amor podem contribuir com a diminuição da corrupção, pois poderá atuar de forma mais abrangente e célere no monitoramento da aplicação do dinheiro dos impostos. Além disso, estará ajudando de maneira significativa a formar cidadãos mais motivados, informados e participativos, já que estes se sentirão envolvidos nesse processo de fiscalização. 
É evidente, portanto, que a informação pública qualificada e disponível, associada ao uso da tecnologia, por cidadãos capacitados e engajados, gera efeitos na qualidade dos gastos públicos e no combate à corrupção.
Referências

BRASIL. Lei Complementar n. 131, de 27 de maio de 2009. Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp131.htm>. Acesso em 19 maio de 2017.

_________. Decreto n. 7.185, de 27 de maio de 2010. Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7185.htm>. Acesso em 19 maio de 2017.

_________. Lei n. 12.527 de 18 de novembro de 2011. Palácio do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 19 maio de 2017.

CABRAL, Felipe. Operação Serenata de Amor. Catarse. Disponível em: <https://www.catarse.me/serenata>. Acessado em: 21 maio. 2017.

DATA SCIENCE BRIGADE. Operação Serenata de Amor – Conheça Nossa Campanha de Financiamento Coletivo. Disponível em: <http://serenata.datasciencebr.com>. Acessado em: 21 maio. 2017.

* Texto elaborado por Bianca dos Santos Costa, aluna do mestrado profissional em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Cidades e Territórios Sustentáveis: guias de metodologias e instrumentos buscam contribuir para experimentações em curso

Em meio às iniciativas que almejam a sustentabilidade de cidades e territórios, três publicações recentes compilam instrumentos, metodologias e aprendizagens que podem contribuir para as experimentações em curso pelo mundo.

 “Como parte do trabalho em cidades sustentáveis e localização da Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o Centro RIO+ traçou as diversas ferramentas e recursos que apoiam o desenvolvimento sustentável nas cidades em todo o mundo. Embora fora de uma análise exaustiva, Ferramentas de Planejamento para Sustentabilidade Urbana mapeia mais de 50 tipos de abordagens e ferramentas, desde índices de medições urbanas, certificações e ferramentas de previsão até guias de planejamento participativo e ferramentas de prestação de contas.”


Para acessar a publicação completa, clique aqui.


Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, RAPS, lançou recentemente um Guia contendo diversos instrumentos e iniciativas voltadas à construção de cidades e territórios sustentáveis. A publicação é parte de um Programa nesse sentido, voltado sobretudo aos Empreendedores Cívicos de diversas regiões do Brasil que integram a RAPS. 

Esta e outras publicações estão disponíveis na Biblioteca RAPS.


O Instituto Arapyaú e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, FGV EAESP, por sua vez, compartilham aprendizagens sobre a construção da participação em agendas para cidades sustentáveis, com base na análise de quatro experiências no Brasil. 

Acesse: Construindo a participação em agendas para cidades sustentáveis

Para pesquisadores, cidadãos e gestores dedicados ao desenvolvimento municipal sustentável vale a pena também explorar a riqueza de dados e análises que integram o Sistema de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável. Desenvolvida pela Federação Catarinense de Municípios, Fecam, a iniciativa envolve uma rede de parceiros, entre eles a Udesc e pesquisadores do grupo Politeia.


Explore o Sistema de Indicadores de Desenvolvimento Municipal Sustentável, com dados sobre todos os municípios catarinenses. Em breve, disponível para todo o Brasil, em parceria com a Confederação Nacional dos Municípios, CNM.

Vídeo do Painel Accountability, Public Management and Open Government, com apresentação de Florencia Guerzovich sobre pesquisa em curso no grupo Politeia

A pesquisadora Florencia Guerzovich participou, em dezembro de 2016, do Painel Accountability, public management and open government“, no âmbito do Academic Days on Open Government Issues, promovido pelo IMODEV – Improving Public Policies in a Digital World e Université Paris 5 Panthéon Sorbonn – Chaire des Ameriques, durante a Conferência Internacional da Open Government Partnership.

No Painel, agora disponível em vídeo (aqui), Florencia apresenta reflexões de pesquisa em curso no grupo Politeia sobre accountability social e coprodução do controle. Ela explica os quatro tipos de pontes entre governo e sociedade civil – cable stayed bridge, movable bridge, step stone bridge and pier – que identificamos ao pesquisar iniciativas de accountability social e governo aberto no Brasil. Os quatro tipos de pontes são exemplificados com os casos de Londrina, Itajaí, Rondonópolis e Florianópolis.

Um working paper sobre o tema está disponível em:
GUERZOVICH, Florencia and SCHOMMER, Paula Chies: Four Ways in Which Social Accountability and Open Government Interventions Bridge the State and Society. 12th ISTR Conference in Stockholm, Sweden – Ersta Sköndal University College. ISTR Conference Working Paper Series. Vol X. Stockholm, Sweden, 28 June – 1 July 2016.

É legal, mas é moral? Por que uma pequena parte do funcionalismo público recebe remuneração acima do teto constitucional?




Se existe um teto estabelecido pela Constituição, como e por que isso acontece? É legal? É moral?
Os estudantes de administração pública da Udesc Esag realizaram uma pesquisa sobre o tema no primeiro semestre de 2017, tentando compreender e responder a questionamentos sobre o teto de remuneração de servidores. A pesquisa foi realizada com base na reportagem e dados publicados pelo Farol, relativos a auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) realizada em agosto de 2015, bem como informações dos portais de transparência, reportagens, legislação e consulta a especialistas.

A partir de hoje, 29 de Junho, publicaremos uma série de textos sobre o tema neste Blog do Grupo de Pesquisa Politeia, elaborados de forma coletiva por estudantes e professora da disciplina Sistemas de Accountability.
Nesta primeira parte, apresentamos um breve panorama sobre o tema. Nas próximas semanas, abordaremos alguns dos pontos que chamam a atenção na análise das planilhas de remuneração de diversos órgãos, em Santa Catarina, como o subsídio advogado, a venda de férias e licenças, o abono de permanência, e o acúmulo de vínculos. Daremos destaque a alguns órgãos, como a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e às particularidades das empresas de economia mista no que tange à remuneração, como é o caso da Celesc. Mostraremos, ainda, uma “linha do tempo” com algumas das leis relativas ao tema.
O que diz a Constituição?
A Constituição Federal de 1988 estabelece tetos remuneratórios a serem observados pela Administração Pública:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[…]
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
O artigo 17 dos Atos das Disposições Transitórias prevê que:
Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

Desde 1988 até os dias atuais, a legislação pertinente ao tema vem sendo questionada e modificada (em breve publicaremos texto detalhado sobre isso), em meio a muitas controvérsias. Além disso, leis antigas, de antes da Constituição, ainda geram efeitos sobre a remuneração de certas categorias de servidores, muitas vezes em aspectos que, legalmente, não são considerados no limite do teto.

Para o cálculo do teto determinado pela Constituição, consideram-se apenas as verbas de caráter remuneratório, as quais incluem: vencimento básico, subsídio, gratificações e adicionais diversos. Verbas de caráter indenizatório – como auxílio moradia, abono permanência, vale alimentação, auxílio saúde, diárias e vale transporte – não integram o cálculo do teto, por força da própria norma constitucional.
O termo salárionão é apropriado quando se fala em servidores públicos. Embora seja comum falar em teto salarial, o correto, neste caso, é teto de remuneração, que corresponde à soma do vencimento com as vantagens pecuniárias.
Quadro 1: Os principais termos relativos à remuneração dos servidores públicos
Remuneração: é a soma do vencimento com as vantagens pecuniárias.
Subsídio: forma de remuneração usualmente aplicada aos agentes políticos.
Vencimentos: é a soma do vencimento com as vantagens pecuniárias permanentes.
Vencimento: é a retribuição pecuniária do cargo efetivo, fixada na tabela da lei.
Vantagens pecuniárias: é a soma dos adicionais com as gratificações e as verbas indenizatórias.
Adicionais: adicionam ao patrimônio do servidor. Exemplo: adicional de tempo de serviço.
Gratificação: pecúnia paga em virtude de atividade singular. Exemplo: função exercida.
Indenização: verba destinada a ressarcir ou compensar o servidor. Exemplo: Diária.
Por que foi estabelecido um teto de remuneração para os servidores públicos?
O propósito dos constituintes, ao estabelecer um teto de remuneração, era promover certa isonomia entre os servidores públicos, evitar privilégios de algumas categorias e órgãos e limitar os gastos com o funcionalismo público. Outras leis também foram estabelecidas nesse sentido, entre elas a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, LRF (Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000), que estabeleceu limite de gasto dos órgãos públicos com o pagamento da folha.
Desde 1988, no entanto, interpretações variadas, controvérsias e negociações têm garantido que certas categorias recebam remuneração bem maior do que outras. Embora a grande maioria dos servidores públicos receba muito abaixo do teto, chama a atenção que alguns poucos, concentrados em determinados órgãos, recebem os chamados supersalários.

Em Santa Catarina, os órgãos com o maior número de servidores que, em agosto de 2015, receberam remuneração além do teto são: Tribunal de Justiça (TJSC), Ministério Público (MPSC), Assembleia Legislativa (Alesc), Tribunal de Contas (TCE-SC), Secretaria da Fazenda (Sefaz), Procuradoria Geral do Estado e Celesc.

Em tempos de crise financeira, como a que estamos vivendo no Brasil desde 2014, inclusive com atraso de pagamento, as diferenças entre categorias de servidores são mais questionadas pela população e pelos próprios servidores.

Temos avançado? Quais as expectativas da população em relação à remuneração dos servidores públicos e seu desempenho?
Inúmeras reportagens e pesquisas vem demonstrando que a sociedade brasileira está mais vigilante em relação ao tema, exigindo transparência e justificação dos agentes públicos sobre sua remuneração. Tanto pelas diferenças entre eles, como pela qualidade do serviço que cada órgão entrega à sociedade em troca do investimento público que recebe.
A partir de 2012, com a entrada em vigor a Lei de Acesso à Informação, LAI (Lei nr. 12.527), a remuneração de servidores públicos passou a ser publicada nos portais de transparência de todos os órgãos públicos. Alguns órgãos tentaram escapar dessa previsão de Lei de Acesso à Informação, mas o entendimento do Judiciário tem sido o de fazer cumprir e divulgar todos os rendimentos, inclusive os chamados “penduricalhos” recebidos por cada servidor. A remuneração de servidores é um dos assuntos mais pesquisados pelos cidadãos nos portais.
Apesar dos avanços no sentido de estabelecer um teto, de buscar limitar os gastos com servidores públicos e de alcançar mais transparência na administração pública, ainda existem situações que geram dúvidas quanto à legalidade e à moralidade dos vencimentos, vantagens e gratificações de alguns servidores.
Ecoando expectativas e pressões da sociedade, em dezembro de 2016, o Senado aprovou e enviou para a Câmara o projeto de lei 6726/2016,  que pretende acabar com o “extra teto” de valores recebidos pelos servidores. O projeto lista 39 tipos de pagamentos que passam a entrar na conta dos valores que são abatidos do total da remuneração mensal do servidor, quando esta ultrapassa o teto constitucional. O presidente do Senado na época, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamou de “penduricalhos” as gratificações e auxílios pagos para magistrados, integrantes do Ministério Público e deputados estaduais, por exemplo. Na Câmara, o projeto ainda aguarda designação de relator.

As justificativas para os excessos, ou as vantagens adicionais previstas incluem verbas indenizatórias, gratificações, ajudas de custo e auxílio-moradia ou auxílio-alimentação, ocorrendo muitas vezes, na visão do público em geral, abusos e inadequações quanto a essas vantagens adicionais. São essas vantagens que acabam por extrapolar o teto.
Os avanços em transparência geram oportunidade para debates mais profundos sobre o desempenho da administração pública, seus diversos órgãos e servidores. Inclusive os órgãos de controle, que se fortaleceram nas últimas décadas no Brasil, mas nem sempre correspondem às expectativas quanto ao seu desempenho.

As recentes descobertas sobre a corrupção no país e a crise financeira da administração pública, com muitos governos sem condições de pagar suas contas, vem aumentando as pressões, também, sobre os órgãos de controle. Os questionamentos do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Santa Catarina, Diogo Roberto Ringenberg, em manifesto de lançamento do movimento #MudaTC, ecoa as dúvidas de boa parte da população:
Onde estavam os tribunais de contas enquanto rombos fiscais bilionários eram construídos? O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, eventos que deixaram como legado apenas dívidas, despesas inúteis e escândalos de corrupção?
Ainda, os recentes debates no país sobre reforma trabalhista e reforma da previdência geram discussão sobre vantagens e benefícios que são concedidos a algumas categorias e não a outras. Até que ponto são direitos? Onde começam os privilégios? Como e porque foram aprovadas certos benefícios e gratificações? O que valia antes (e ainda vale para os servidores mais antigos) e não é mais sustentável do ponto de vista ético, moral e também legal, para os novos? 

Estas e outras questões estarão em pauta por aqui nas próximas semanas. Acompanhe!
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Esta é a primeira de uma série de textos que abordarão o tema do teto de remuneração dos servidores do estado de Santa Catarina. 
Os textos são de autoria coletiva dos estudantes do 8º semestre do curso de Administração Pública da Esag-Udesc, no primeiro semestre de 2017.
Caso queira contribuir com esta publicação ou encontrou algum erro, envie-nos seu comentário. 

Sua contribuição é importante!

Quer continuar aprendendo sobre o tema? Acompanhe o blog!

Datapedia: dados de todos os municípios brasileiros compartilhados e transformados em informação, a serviço da cidadania

Foi lançada neste mês de abril a Plataforma Datapedia – www.datapedia.info, reunindo dados públicos e oficiais de todos os municípios brasileiros.

“Hoje já são mais de 10 bilhões de dados presentes – e continuamos a ampliar as bases.

(…)
Entendemos que a realidade é sempre mais complexa que os números podem mostrar. Atrás de percentuais e números existem pessoas, histórias, alegrias e dores. E conhecer os dados e evidências de sua cidade é um dos primeiros passos para que cidadãos, empresários e políticos possam fazer melhores perguntas, melhores decisões, melhores ações para construir o Brasil que queremos.
A Datapedia tem visualização gratuita para todas as 5570 localidades, aumentando a transparência da gestão pública, e fornece serviço de assinatura para quem deseja construir análises comparativas ou construir seu próprio Dashboard, serviços de relatórios analíticos e oficinas de capacitação para planejamento e gestão a partir de evidências.
Estamos a serviço,
Equipe Datapedia”

MANIFESTO


ACESSO À INFORMAÇÃO CONTEXTUALIZADA GERA MAIOR AUTONOMIA AO CIDADÃO. AS PREMISSAS UTILIZADAS NAS ANÁLISES DEVEM SEMPRE SER EXPLÍCITAS. AS INFORMAÇÕES E ANÁLISES DEVEM SER APRESENTADAS DE FORMA AMIGÁVEL, INTELIGÍVEL E CONSISTENTE. A SOCIEDADE SE TORNA MAIS CIVILIZADA QUANTO MAIS VISÍVEIS FOREM AS PESSOAS E MAIS TANGÍVEIS FOREM OS RESULTADOS. TRANSPARÊNCIA É MANDATÓRIA PARA NOSSA ATUAÇÃO. NOSSAS FONTES SÃO SEMPRE EXPLICITADAS EM NOSSO SITE.