A Atividade do Lobby em Foco: Quais as Contribuições em Regulamentá-la no Brasil?

Por Ana Luiza Cadorin, João Vitor Libório da Silva, Monica Duarte e Saulo Francisco Paganela*

A palavra lobby, a qual tem origem do vocabulário inglês, significa “hall”, corredor ou salão, tem seu significado atrelado à atividade de defesa de interesses. Por muitos anos, através de formas ilícitas de se fazer lobby, foi atrelado ao seu nome um sentimento ruim de que essa palavra significasse corrupção ou coisa relacionada. Hoje muito se ouve falar de um “lobby repaginado”, em que se usa outra nomenclatura para a mesma defesa de interesses e que tenta se propagar as formas lícitas e legais para se fazer isso. Hoje o lobby é comumente chamado de Relações Governamentais.

Na América Latina, o Chile foi o primeiro país a aprovar uma regulamentação, a fim de dar maior transparência à prática do lobby, em março de 2014. Antes disso, os chilenos assistiram a diversos escândalos de corrupção relacionados a essa prática, porém, o país viu na aprovação de uma lei específica sobre o tema uma saída para a transparência e regulamentação da atividade. A partir da lei aprovada, foi criado um sistema online, o “info lobby”, que tornou possível saber quando, onde e quem realizou reuniões com o poder público. Segundo reportagem publicada na revista Carta Capital (2007), esse sistema pode mostrar aos cidadãos chilenos, por exemplo:

[…] que dia o lobista da Uber se reuniu com o ministro de transportes para discutir a legislação sobre mobilidade urbana, ou quais autoridades receberam ingressos para assistir partidas de futebol e também quanto custou e qual foi o motivo de viagens pagas com recursos públicos.

No Brasil, onde a atividade de lobby ainda não é regulamentada, vemos nos noticiários muitas manchetes relacionando o termo lobby com práticas corruptas. A associação pejorativa do termo se popularizou após o deflagrar de diversos casos de corrupção entre empresas privadas, setor público e políticos para a aprovação de leis ou a inserção de pautas com interesses específicos na agenda governamental. Desta forma, o lobby se popularizou no país, mas de forma adversa ao seu significado original.

Segundo a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG), o lobby, hoje também reconhecido pelo nome de Relações Governamentais, é a atividade

[…] por meio da qual os atores sociais e econômicos impactados por proposições legislativas (Parlamento) ou por políticas públicas (Executivo) fazem chegar aos tomadores de decisão política a sua visão sobre a matéria, com o intuito de (i) mitigar riscos econômicos, sociais, institucionais ou operacionais; (ii) oferecer modelo mais equilibrado; (iii) apresentar sugestões pontuais para o melhoramento da proposição; (iv) apresentar fatos, dados e informações importantes para a melhor compreensão do universo sobre o qual a medida terá impacto, de modo a que o tomador de decisão pondere mais elementos na formulação de proposição legislativa ou política pública; (v) alertar para inconstitucionalidades, injuridicidades (inadequação ao ordenamento jurídico vigente), e má técnica legislativa. (ABRIG, 2017)

A atividade de Relações Governamentais se refere, portanto, à busca de influência de setores sociais e privados no processo decisório junto a autoridades públicas e ao governo, algo que é parte do processo democrático. A relação entre os setores público e o privado, uma vez que seja feito de modo  transparente, aberto e legal,  tende a fazer aumentar a pluralidade de atores agindo em prol de interesses diversos e a qualificar o debate sobre as alternativas para as decisões que afetam a coletividade. Isso contribuiria para a qualidade do processo democrático e a capacidade para inovações nas políticas públicas, uma vez que mais alternativas poderiam ser apresentadas e negociadas.

Cabe ressaltar que, em alguns materiais, foi possível constatar a diferença entre o que é chamado de lobby e advocacy. Este último estaria ligado a defesas de interesses coletivos, sob uma perspectiva mais social; enquanto o lobby seria reconhecido pela defesa de interesses estritamente de grupos privados.

A regulamentação do lobby vem sendo objeto de debate no Congresso Nacional. O projeto de lei (PL) 1.202/2007 [http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=353631], proposto pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), está atualmente em pauta na Câmara dos Deputados. Em reportagem publicada no jornal Nexo, em 2016, por Bruno Lupion, o projeto é detalhado e comentado. Entre os pontos previstos, está o cadastro de pessoas físicas e jurídicas que atuam na área de Relações Governamentais junto ao governo federal, e a  prestação de contas anual dos lobistas ao Tribunal de Contas da União (TCU) das atividades e projetos em que atuaram neste período.

A regulamentação do lobby, que já existe em países como Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, entre outros, surge em um momento importante do debate político da relação entre público e privado no Brasil (NEXO, 2016b). Hoje enfrentamos uma crise de dimensões econômicas, políticas e sociais que afetam o cotidiano de todos os cidadãos do país, fazendo com que o sistema político representativo seja visto como incerto por grande parte da população.

Além do mais, o deflagrar de investigações sobre casos de corrupção nas últimas décadas – caso Banestado, Anões do Orçamento, Lava-Jato e o Mensalão, entre outros – envolvendo os setores público, privado e atores políticos, minaram a credibilidade social da relação entre estes atores.

As crises política e social no Brasil são frutos da crise de representatividade do sistema político por ora adotado. Nos dias de hoje, há um notável afastamento dos desejos da população e no modo como os mandatários democraticamente eleitos, por meio do sufrágio universal, exercem seus mandatos e votam nos espaços institucionais de representação.

A ausência de mecanismos que tragam transparência ao processo de tomada de decisão dos agentes políticos facilita a articulação de esquemas complexos de corrupção e mau uso dos recursos públicos, o que abala ainda mais a credibilidade da classe política, diminui a participação da sociedade nos processos eleitorais e contribui com a crença social de que “todos são iguais” e desonestos.

Ademais, a sociedade se encontra num estágio no qual a resolução dos problemas públicos requer a expressão de visões e interesses, a participação e a influência de diversos atores, não apenas nas decisões, também na execução, transbordando a esfera estatal.

O setor privado e a sociedade civil pressionam o setor público para a inserção de suas pautas na agenda política, requerendo um aparato institucional-legal sólido para que as atividades de Relações Governamentais sejam realizadas baseadas na transparência e consigam fortalecer e suscitar a confiança social no relacionamento entre público e privado. Segundo o professor Sandro Cabral, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), em entrevista para o jornal eletrônico Jota (2017), “mais importante que a regulamentação da atividade por lei, é o estabelecimento de normas para disciplinar como o diálogo entre o público e o privado se dará no dia-a-dia.”

Ouça a entrevista na íntegra: 

Referências

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS. Relações Governamentais. 2017. Disponível em: http://abrig.org.br/. Acesso em 19 de mai. 2018.

LUPION, Bruno. O governo federal quer regulamentar o lobby. O que pode mudar. Nexo Jornal, 2016. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/07/20/O-governo-federal-quer-regulamentar-o-lobby.-O-que-pode-mudar. Acesso em 20 de mai. 2018.

LUPION, Bruno. Qual a diferença entre lobby e corrupção em casos investigados pela Lava Jato. Nexo Jornal, 2017. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/04/23/Qual-%C3%A9-a-diferen%C3%A7a-entre-lobby-e-corrup%C3%A7%C3%A3o-em-casos-investigados-pela-Lava-Jato. Acesso em 20 de mai. 2018.

REDAÇÃO JOTA. RelGov: lei é importante, mas caminho é longo. 2017. Disponível em: https://www.jota.info/legislativo/relgov-lei-e-importante-mas-caminho-e-longo-05042017. Acesso em 20 de mai. 2018

KIM, Suyane. Você sabe o que é lobby político?. Politize!, 2016. Disponível em: http://www.politize.com.br/lobby-politico-o-que-e/. Acesso em 25 de mai. 2018

MOREIRA, Felipe Lélis. Regulamentação do Lobby: porquê o Chile deveria inspirar o Brasil.Carta Capital, 2017. Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/12/01/regulamentacao-do-lobby-porque-o-chile-deveria-inspirar-o-brasil/. Acesso em 25 de mai. 2018

 

*Texto elaborado por Ana Luiza Cadorin (anacadorin@hotmail.com), João Vitor Libório da Silva (joaoliborio02@gmail.com), Monica Duarte (monicadsduarte@gmail.com),
Saulo Francisco Paganela (saulopagn@gmail.com),
estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

A Tecnologia Promove Accountability no Ministério Público?

Por Camila Dalzotto, Caroline Dalprá, Mariana Alves e Raphaela Martins*

De acordo com a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público é uma instituição permanente com autonomia funcional e administrativa, que não integra nenhum dos três poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo). O órgão tem a responsabilidade da manutenção da ordem jurídica, da defesa do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Diante dos fatos, a pesquisadora Natália Melo (2010) afirma que o Ministério Público é uma agência de accountability, especialmente no que diz respeito à defesa das regras constitucionais e dos interesses dos cidadãos, por supervisionar outros atores e exigir punições quando necessário. O órgão também integra uma rede de accountability juntamente com Tribunal de Contas da União (TCU), Polícia Federal (PF) e as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI).

Para assegurar a autonomia do Ministério Público, a Emenda Constitucional n° 45, de 2004, instituiu o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Compete ao Conselho a elaboração do relatório anual das atividades e o controle do cumprimento das funções de seus membros. Podemos assim dizer que o CNMP também faz a accountability do Ministério Público, com autonomia para responsabilizar seus agentes e, quando necessário, aplicar sanções.

O conceito de accountability, por sua vez, vem sendo amplamente debatido e o professor Francisco Heidemann (2009) explica que o termo trata da obrigatoriedade dos agentes públicos prestarem conta aos portadores de expectativas. Assim, uma vez que as referidas instituições têm como função fiscalizar, controlar e aplicar sanções aos agentes públicos, exercem de maneira precípua a accountability.

Diante do exposto, de que forma o Ministério Público utiliza as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s) para exercer suas competências legais?

De acordo com José Antônio Pinho (2008), Tecnologia da Informação e Comunicação é a realização da informatização de atividades internas e a comunicação com o público externo, sendo estes: cidadãos, fornecedores, empresas ou outros setores do governo e da sociedade. As TIC’s auxiliam na accountability e proporcionam novas formas de controle, meios de publicização, transparência, responsividade e engajamento.

Em trabalho realizado na disciplina de Sistemas de Accountability, do curso de Administração Pública, na Udesc Esag, foi realizada entrevista com Sandro José Neis, Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). Diante do que foi relatado pelo entrevistado, observa-se que a tecnologia no Ministério Público auxilia nos procedimentos internos, com destaque para a automatização das rotinas administrativas. O objetivo da instituição é que todos os processos sejam automatizados até o final de 2018. Com isso, além de gerar uma economia financeira, há mais segurança na execução e finalização das rotinas administrativas, gerando assim confiança e transparência.

O MPSC também dispõe de um painel de inteligência artificial que gera informações sobre qualquer assunto em poucos segundos. O cruzamento de dados realizado pelo painel só é possível devido à credibilidade que o MPSC possui junto aos demais órgãos, que disponibilizam as informações necessárias. O setor de Inteligência de Negócios também trata de outro procedimento interno do MPSC, em que é realizada uma análise de mercado dos serviços que são oferecidos à sociedade. O Procurador Sandro José Neis alertou, entretanto, que apenas a disponibilização da informação pode não ser de grande utilidade, pois depende da interpretação e investigação dos dados para consolidá-la.

Muitas vezes, esse receio da interpretação das informações impede sua disponibilização. Porém, segundo o Procurador, a visibilidade com as recentes operações, como a Lava Jato, facilitaram a aproximação da população com o órgão. Sendo assim, essa visibilidade pode ser usada como estratégia para estreitar a relação do Ministério Público com a sociedade e ainda ir ao encontro de suas funções constitucionais. Mas cabe ressaltar que a sociedade precisa também participar e exercer o controle social.

Por fim, o Ministério Público, por ser uma instituição autônoma, não é isenta da prestação de contas, pelo contrário: quanto maior autonomia, maior a responsabilidade perante a sociedade.

 

Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em: 27 abril de 2018.

BRASIL. Emenda Constitucional n° 45 de 30 de dezembro de 2004. Altera e acrescenta artigos da Constituição Federal e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm Acesso em: 28 abr. 2018.

HEIDEMANN, Francisco G. Ética de responsabilidade: sensibilidade e correspondência a promessas e expectativas contratadas. In: HEIDEMANN, Francisco G.; SALM, José Francisco (org.). Políticas públicas e desenvolvimento: bases epistemológicas e modelos de análise. Brasília: Editora UnB, 2009.

MELO, Natália Maria Leitão de. Quem controla os controladores? Independência e Accountability no Ministério Público Brasileiro. Tese de Mestrado (Pós-Graduação em Ciência Política) – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife, 2010.

PINHO, José Antônio Gomes de. Investigando portais de governo eletrônico de estados no Brasil: muita tecnologia, pouca democracia. Revista de Administração Pública – RAP. Rio de Janeiro, 2008.

 

*Texto elaborado pelas acadêmicas Camila Dalzotto, Caroline Dalprá, Mariana Alves e Raphaela Martins, em junho de 2018, na disciplina Sistemas de Accountability, do curso de Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Capital social, accountability e as relações entre sociedade civil e a Prefeitura Municipal: o Marco Regulatório das OSCs e a visão do Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis.

Por André Manoel, Bárbara Ferrari e Júlia Wildner Cunha*

Foi com o objetivo de identificar se os mecanismos criados pelo governo municipal contribuem ou atrapalham a formação de redes baseadas em confiança com as Organizações da Sociedade Civil, que nós, estudantes da disciplina Sistemas de Accountability do curso de Administração Pública, da Udesc Esag, buscamos estudar as implicações do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e do Decreto 17.361 em Florianópolis a partir da perspectiva do Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis (FPPF). Vamos lá.

Em 2014, foi aprovado o MROSC (Lei nº 13.019) regulamentando as parcerias entre o governo e as Organizações da Sociedade Civil no Brasil. A lei busca facilitar e promover a igualdade de oportunidades no acesso aos recursos públicos, através de maior segurança jurídica, valorização das Organizações da Sociedade Civil, transparência na aplicação dos recursos e efetividade nas parcerias. A sua implementação busca estimular a gestão pública democrática nas diferentes esferas de governo e valoriza as organizações da sociedade civil como parceiras do Estado na garantia e efetivação de direitos.

O marco pode ser considerado uma conquista social, por sua construção amplamente democrática e participativa. Foram ouvidos 250 gestores públicos e mais de 50 mil OSCs puderam contribuir, de novembro de 2011 a junho de 2012.

A lei entrou em vigor nos municípios no dia 1º de janeiro de 2017, ano limite para que fosse regulamentada por meio de um ato administrativo local, ou seja, um decreto. É nesse contexto que entra o Fórum de Políticas Públicas de Florianópolis, espaço de diálogo e mobilização da sociedade civil, que busca ampliar a democracia, qualificando e articulando a participação cidadã, especialmente dos conselhos de políticas públicas do município.

Com o intuito de colaborar com o Poder Executivo e de alcançar uma regulamentação do MROSC no município mais próxima dos interesses das OSCs, as Organizações da Sociedade Civil articuladas pelo Fórum estudaram as mudanças decorrentes da lei nacional e promoveram o  debate a respeito da regulamentação em Florianópolis. Toda essa discussão, iniciada em meados de 2016, contou a participação de uma equipe de transição do governo municipal, para que não findasse com a troca de mandato que ocorreu logo depois em janeiro de 2017.

Apesar do compromisso com esse processo assumido pelo prefeito eleito, em março de 2017 foi publicado o Decreto 17.361, que não respondeu a grande parte das expectativas das organizações que participaram da construção conjunta e ignorando tal processo. As organizações constataram que alguns dispositivos do Decreto vinham na contramão de várias propostas do MROSC. De acordo com Cíntia de Moura Mendonça, coordenadora do FPPF, em entrevista à Rádio Udesc: “quando surgiu o Decreto, as organizações se sentiram excluídas do processo de participação porque ali mesmo já havia uma análise anterior de vários itens que precisavam ser mais debatidos e discutidos para ficar de acordo com a lei nacional”.

Uma das grandes diferenças em relação ao texto da lei nacional foi a vedação do direito de participação de dirigentes, sócios ou membros de OSCs que celebram parcerias com a prefeitura em conselhos municipais. Esta vedação e outros critérios criados não estão no MROSC. O Marco, inclusive, em momento algum coloca a participação nos conselhos como impedimento para a organização celebrar quaisquer das modalidades de parceria previstas na lei. Em relação a essa pauta, foram realizadas diversas mobilizações do Fórum de Políticas Públicas, que inclusive recorreu ao Ministério Público para garantir que não houvesse, como supunham, uma desocupação em massa dos Conselhos de Políticas Públicas em Florianópolis. Essa parte do decreto, após intensa mobilização, foi revogada e reformulada, atendendo as reivindicações.

Outro desses critérios diz respeito a prestação de contas. Enquanto o Marco Regulatório tem claramente o foco no resultado da parceria, com um olhar mais voltado ao monitoramento, o decreto municipal focaliza apenas aspectos econômico-financeiros. Segundo o relato das organizações, isso transparece certo grau de desconfiança da prefeitura em relação às organizações que com ela firmam parcerias. O que talvez dificulte a colaboração em rede entre poder público e sociedade civil.

Um aporte teórico que nos ajuda a interpretar o caso, ou seja, as relações de confiança entre Estado e sociedade civil, é o que associa capital social, redes, governança democrática e accountability.

O primeiro conceito que nos orienta e, talvez, o principal na construção da pesquisa, seja o de capital social. Mas por que esse conceito é relevante nessa análise? Baquero (2004) resgata alguns dos conceitos mais conhecidos de capital social, evidenciando que boa parte deles trata sobre confiança nas relações, engajamento em associações e como uma característica que favorece determinadas ações cooperativas.

As ideias de confiança nas relações e cooperação possibilitam a formação das redes que podem congregar atores do Estado, do mercado e da própria sociedade civil. A partir dessas redes, novos arranjos para a provisão do bem público podem surgir, algo que pode auxiliar no aprofundamento democrático. É a partir disso que se afirma que as redes constituem a matéria prima da governança pública democrática (RONCONI, 2011). Além disso, Ronconi (2011) destaca a importância de uma atitude dialógica do Estado diante dos atores que compõem essas redes: é preciso que ele promova espaços de diálogo com a sociedade civil em todas as etapas do ciclo de políticas públicas, algo que exige práticas de publicização e accountability, para que os cidadãos possam monitorar e questionar a gestão das políticas.

Corrobora com essa visão a associação das ideias de accountability democrática e controle social. Esse último pode ser compreendido como uma das formas de exercício da accountability como controle institucional durante o mandato (ABRUCIO; LOUREIRO, 2004). Além disso, vale ressaltar que a accountability como meio para a construção democrática só pode ser plenamente exercida quando a participação ativa do cidadão estiver associada ao acesso a informações públicas que possibilitem o controle (DOIN et al, 2012)

Por fim, é preciso compreender que o modelo de governança pública está associado a uma intensa mudança na gestão política. Essa mudança envolve a intensificação da cooperação entre os atores, o estabelecimento de estratégias eficiente por meio das redes e, justamente, a confiança. (KISSLER e HEIDEMANN 2006; RONCONI, 2011).

O processo que culminou com a edição do decreto do MROSC no município permite alguns apontamentos e questionamentos. Considerando que as relações entre Estado e sociedade civil nem sempre foram harmoniosas e cooperativas, o processo inicial de cooperação entre ambos aponta para a percepção da necessidade de colaboração a fim de encontrar soluções inovadoras aos problemas públicos. Entretanto, os atos que seguiram com a troca de gestão prejudicaram essa ação cooperativa.

A negação de todo o processo construído em parceria anteriormente denota, como se percebe em outros casos (processo de discussão do estatuto da cidade, processo eleitoral do conselho da cidade, aprovação da lei das OSs, por exemplo), uma atitude bastante autoritária do poder público municipal. Além disso, demonstra que não há predisposição ao diálogo e estabelecimento de consensos, algo próprio da cooperação e das redes.

Outro apontamento interessante está ligado com o processo de qualificação das OSCs para participarem de chamamento público. A prefeitura insere uma série de critérios que foram totalmente desconsiderados pela lei nacional, como forma de dar mais dinamismo às parcerias. O controle “além da conta” parece a algumas OSCs uma evidência de desconfiança em relação a sua idoneidade, mais um entrave ao estabelecimento de uma relação cooperativa e de confiança.

Por fim, pode-se dizer que o estabelecimento de relações de confiança e cooperação entre Estado e sociedade civil no município encontra uma série de dificuldades. Por um lado, a prefeitura não hesita em colocar entraves mesmo em processos avançados de cooperação e ação conjunta. Por outro, por mais que participem de diversas formas, as organizações da sociedade civil parecem estar tão acostumadas à oposição à prefeitura, encontrando  dificuldades em cooperar em determinadas situações. Para que isso seja superado, é necessário que haja mais disposição à cooperação por parte da prefeitura, ao mesmo tempo em que demonstre mais confiança nas OSCs através de seus atos.

Referências

ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças Públicas, democracia e accountability. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004.

BAQUERO, Marcello. Construindo uma outra sociedade: O capital social na estruturação de uma cultura política participativa no Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, n. 21, p. 83-108, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n21/a07n21.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2018

DOIN, Guilherme A.; DAHMER, Jeferson; SCHOMMER, Paula. Chies; SPANIOL, Enio L. Mobilização social e coprodução do controle: o que sinalizam os processos de construção da Lei da Ficha Limpa e da Rede Observatório Social do Brasil de Controle Social.Pensamento & Realidade, v. 27, p. 56-78, 2012. Disponível em: <http://revistas.pucsp.br/index.php/pensamentorealidade/article/view/12648>. Acesso em: 12 jun. 2018

KISSLER, Leo; HEIDEMANN, Francisco G. Governança pública: novo modelo regulatório para as relações entre Estado, mercado e sociedade? Revista de Administração Pública, 40(3), 479-99, mai./jun. 2006. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6826/5409. Acesso: 04 jul. 2018

RONCONI, Luciana. Governança pública: um desafio à democracia (Public governance). Emancipação, [s.l.], v. 11, n. 1, p.21-34, 20 jul. 2011. Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Disponível em: <http://www.revistas2.uepg.br/index.php/emancipacao/article/view/1696/2349>. Acesso em: 12 jun. 2018

 

* Texto elaborado por André Manoel (manoel130596@gmail.com), Bárbara Ferrari (barbaraferrari97@gmail.com) e Júlia Wildner Cunha (juwcunha@gmail.com), graduandos em administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer

 

A Câmara dos Vereadores de Florianópolis é a casa do povo?

Por Carolina Nunes Rebello, Lucia Helena Maier, Nathaly Sardá Cunha e Tiago Jaime de Souza*

A Câmara de Vereadores é um órgão de grande importância para o cumprimento da administração pública na sociedade. Por meio da ação dos vereadores, “a casa do povo” tem o objetivo de ser a voz da comunidade, buscando solucionar os problemas que rondam os municípios e promovendo possíveis melhorias para cidade.

É papel da Câmara, também, analisar, fiscalizar e aprovar o orçamento municipal. O processo de legislar se dá através dos projetos de leis, nos quais a Câmara exerce o seu principal papel, procurando entender as necessidades oriundas da população e criando, a partir delas, melhorias para o município. Para saber um pouco mais sobre o papel do vereador, clique aqui, assista o vídeo e entenda a sua fundamental importância para a democracia e sociedade.

Mas afinal, a Câmara é mesmo a casa do povo apenas pelo papel que deve ser desempenhado pelos vereadores? A sociedade tem acesso a todas as informações necessárias para que sinta que a instituição é sua casa? Ela participa de suas decisões, acompanha seus processos e tem voz perante aos legisladores ou isso ocorre apenas no momento em que são eleitos?

Após a implementação da Lei nº 12537, a Lei de Acesso à Informação, são identificados razoáveis avanços na transparência administrativa. Como, por exemplo, na identificação de gastos das verbas públicas, custos de um gabinete, salário de vereadores, técnicos e assessores que trabalham na Câmaras Municipais, entre outros dados que a lei proporcionou publicidade.

Ainda que existam melhoramentos no quesito transparência, devido ao aspecto legal, denota-se dificuldade em ser transparente no processo legislativo em si, o qual engloba alterações de propostas de lei, criações de novas leis para o município, possibilidade de a sociedade participar acompanhar, decidir e adentrar em comissões, decidindo em conjunto com seus representantes, fiscalizando o executivo e propondo melhorias para o município.

A fim de atender à transparência nesses aspectos, algumas Câmaras Municipais do país, como a Câmara de Vereadores de Piracicaba , estão adotando práticas de Open Parliament (Parlamento Aberto) como parte do contexto de participação da sociedade na política.

Mas, afinal, o que é Parlamento Aberto? O que ele proporciona para o Poder Legislativo e para a sociedade? Como esse processo auxilia que as decisões dos parlamentares sejam accountable? Veja a seguir vídeo promovido pela TV Câmara de Piracicaba explicando detalhes sobre esse novo modelo de gestão.

https://www.youtube.com/watch?v=Pri0rddIILA

Os princípios fundamentais do Movimento Parlamento Aberto são: a) a disponibilização de informações governamentais e a implementação de padrões profissionais para ocupantes da alta gestão; b) o aumento do acesso a novas tecnologias para abertura e controle das contas públicas; e principalmente, c) a promoção da participação popular (Open Government Declaration, 2011).

Dentre os passos necessários para abertura do parlamento estão: ampliar a transparência de suas informações para, em seguida, viabilizar a manifestação da sociedade por meio digital e, por último, e mais desafiador, conseguir ser responsivo às manifestações que a sociedade tem enviado.

Infelizmente, a realidade do município de Florianópolis ainda está um pouco distante da prática de Piracicaba. As práticas de accountability ainda são incipientes para a maioria dos legisladores do município, pois buscam apenas disponibilizar e publicar informações que a legislação obriga, como por exemplo gastos com pessoal, publicação de aprovação do orçamento público e atos que comprovem o papel da Câmara em fiscalizar o Executivo.

Ainda assim, essas informações são veiculadas de forma que poucas pessoas na sociedade têm capacidade de interpretá-las, pois na grande maioria das vezes utiliza-se uma linguagem muito técnica, não acessível ao cidadão mais leigo nesses assuntos. A minoria dos parlamentares busca o engajamento e participação da sociedade em seus atos, porém suas ações de transparência têm mais o caráter de informar do que tornar a Câmara verdadeiramente a “casa do povo”.

No dia 12/06/2018, foi realizado um bate-papo, na Rádio UDESC, Programa nas Entrelinhas, comandado pela professora Paula Schommer, com a participação dos alunos do curso de Administração Pública,  Nathaly Sardá, Tiago Souza, Lucia Helena Maier, que debateram sobre o tema com o Vereador da Câmara Municipal de Florianópolis Gabriel Meurer e o candidato a deputado federal Murilo Flores. Foi muito comentada a questão da participação efetiva do cidadão na Câmara, sendo esta participação legítima e feita do início de qualquer processo até o fim, pois a população quer entender como todos os trâmites funcionam e se inteirar de todas as decisões da Câmara. A transparência de informações técnicas e rasas não satisfazem as necessidades da sociedade.

Alguns Vereadores eleitos para o mandato 2016/2020 vêm tentando implementar ferramentas simples de transparência em seu mandato na Câmara Municipal de Florianópolis, buscando mostrar que estão agindo com responsividade. Realizam prestação de contas de seus gabinetes em redes sociais, tentam mostrar as suas atividades rotineiras de forma mais aberta e acessível.

Além dessas ações, os vereadores do Município de Florianópolis têm tentado dar mais visibilidade aos processos internos e suas deliberações, como é o exemplo do orçamento participativo, implementado por cinco vereadores no último ano, com o intuito de unir suas emendas e beneficiar de uma forma maior ou mais significativa as demandas de uma certa região do município, confira aqui mais informações a respeito dessa iniciativa.

A participação do cidadão no processo decisório através dos princípios de Open Parliament enfrentam muitos desafios, principalmente no que diz respeito à aceitação por parte dos parlamentares em assumirem a responsabilidade por seus erros e acertos e justificá-los ao cidadão, de reconhecer que o poder deve ser compartilhado com o cidadão que o elegeu, de modo a incentivar a participação deste e não de afastá-lo para que o que deu errado, ou o que não convém, passe despercebido. A utilização das novas tecnologias auxilia no alcance e no incentivo dessa participação, no entanto é preciso desta abertura por parte dos parlamentares, e da vontade popular para que a mudança aconteça. O exemplo de Piracicaba é um indício de que é possível ver esses princípios instrumentalizados e operando em benefício do bem comum.

 

Ouça a entrevista na íntegra: 

 

LINKS RELACIONADOS AO TEMA:

http://coproducaopublica.blogspot.com/2016/08/open-parliament-propostas-entregues.html

https://openingparliament.org

http://www.jornaldepiracicaba.com.br/cidade/2018/04/camara_aprimora_sistema_de_transparencia_publica.

https://www.youtube.com/watch?v=Pri0rddIILA

https://www.youtube.com/watch?v=g5NRXiRix7Y&list=PLiD5_BW1UM0BjVr7nZiD7_98A6oLAhsEV

 

Referências:

FARIA, Cristiano. O Parlamento aberto na Era da Internet: pode o povo colaborar com o Legislativo na elaboração das leis? Brasilia: Edições Câmara, 2012.

FARIA, Cristiano; REHBEIN, Malena. A política de parlamento aberto: uma análise crítica da câmara federal brasileira.  CONSAD, 2015.

Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011: dispõe sobre o acesso a informações públicas (2011).

RAUPP, Fabiano Maury; PINHO, José Antonio Gomes de. Construindo a accountability em portais eletrônicos de câmaras municipais: um estudo de caso em Santa Catarina. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, 9 (1): 116-38, mar. 2011.

RAUPP, Fabiano Maury; PINHO, José Antonio Gomes de. Prestação de contas nos portais eletrônicos de assembleias Legislativas: um estudo após a lei de acesso à informação. Revista UNIFACS, Bahia, 2014.

RAUPP, Fabiano Maury; PINHO, José Antonio Gomes de. Os Vereadores Prestam Contas em Portais Eletrônicos? um Estudo Comparativo entre Municípios do Estado da Bahia e de Santa Catarina. Administração Pública e Gestão Social, 2013.

SANCHEZ, Cristiane S. e MARCHIORI, Patrícia Z. A. Participação Popular no Contexto das iniciativas de Governo Aberto: revisão sistemática da literatura. Revista Brasileira de Políticas Públicas e Internacionais, v.2, n.2, Dezembro/2017, pp. 103-118.

*Texto elaborado por Carolina Nunes Rebello, Nathaly Sardá Cunha (nathalyscunha@gmail.com), Lucia Helena Maier e Tiago Jaime de Souza (tiagojsz@gmail.com), estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Prestação de contas baseada em resultados dos programas e políticas públicas.

Por Davi Gabriel Poker Ferreira e Gabriel Peixer*

Como mensurar os resultados da ação pública? E como utilizar essa mensuração para aprimorar o regime democrático?

Essas e outras questões altamente complexas estão por dentro desta discussão a respeito da prestação de contas (accountability) baseada nos resultados dos programas e políticas públicas.  Sob a promessa de responsabilizar os agentes públicos frente aos cidadãos, aumentar a transparência dos negócios públicos e oferecer instrumentos aos cidadãos para uma participação política mais qualificada, iniciativas de accountability por resultados têm se disseminado em diversos países e níveis de governo.

Nas últimas décadas, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas e programas governamentais assumiram relevância para as funções de planejamento e gestão, em muitos países, como uma reação às exigências da preservação fiscal e à pressão da sociedade por transparência nas decisões sobre a utilização dos recursos.

O Brasil conta com um modelo de gestão que detém para si alguns mecanismos de planejamento e controle de suas políticas e programas públicos. A Constituição Federal de 1988, no parágrafo primeiro do artigo 74, traz a obrigatoriedade de avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União.  A Constituição do Estado de Santa Catarina, de 1989, no primeiro parágrafo do artigo 62, elenca os poderes  legislativo, executivo e judiciário para realizar o controle, de forma integrada, com a finalidade de avaliação do cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos do Estado.

Esses mecanismos atuam, principalmente, no momento em que os programas ou políticas públicas são criadas e planejadas, ou seja, uma avaliação antes da implementação do programa em si. Mas ao executar uma obra, dar início ou continuidade a um programa ou política pública existente, como podemos medir se esse investimento teve o retorno previsto para a sociedade? Como podemos saber se o programa ou política tem real efetividade na comunidade em que é aplicado? E através de quais dispositivos podemos, na prestação de contas baseada em resultados, ter uma verdadeira responsabilização dos agentes públicos e estatais quando os programas ou obras não são cumpridos?

É na atuação dos atores interessados da sociedade civil que se fortalece e surgem novas regras e procedimentos de fiscalização via participação social. Essa participação social parece ser o fator de mais relevância para constranger os agentes públicos, tanto a prestar contas de suas ações, como a se responsabilizarem por essas ações (ou omissões) na condução das políticas e dos programas avaliados, pois os mesmos, na próxima eleição, precisaram desses eleitores para se candidatar novamente.

A responsabilização dos agentes públicos está relacionada não apenas com características próprias do sistema de avaliação implementado, como as formas de apresentação e de divulgação dos dados das avaliações, também com a atuação dos atores interessados, sejam eles políticos ou a sociedade civil interessada na efetividade da aplicação dos seus impostos.

O cidadão passa a ser corresponsável de direitos e deveres, por desejar que o Estado atinja resultados eficientes e eficazes no momento de exercer e conduzir suas políticas e programas públicos. Com o objetivo de alcançar uma sociedade cada vez mais justa, solidária e desenvolvida em questões sociais. Para isso, é fundamental que haja transparência das informações das políticas e seus atores, bem como um canal aberto de comunicação entre gestores e a sociedade.

A legislação brasileira também precisa ser alterada, pois ela praticamente não trata sobre resultados e impactos na administração pública.

Existe hoje no Senado Federal um projeto de lei chamado de “Lei da Qualidade Fiscal” que visa exigir dos gestores públicos o estabelecimento de metas e objetivos claros para as políticas e programas governamentais.

Essa legislação pode contribuir para que os gestores públicos, que muitas vezes  resistem a se comprometer com metas de resultados e de impacto, passem a definir mais claramente metas e resultados passíveis de serem monitorados pela sociedade e pelos demais controles formais.

Outra mudança necessária é a mudança de comportamento dos tribunais de contas do país, que atualmente focalizam a conformidade legal, negligenciando a dimensão resultados e impactos. Os controladores externos podem passar a focalizar suas análises sobre os resultados das políticas públicas e não somente sua conformidade legal, pois precisamos ver uma maior responsabilização desses atores pelos fracassos de um programa de governo e não somente pela ausência de uma assinatura em um processo licitatório.

Existem também  outras ferramentas e instrumentos práticos que podem ser adotados ou ampliados para aperfeiçoar essa prestação de contas como:

  • Auditorias operacionais;
  • Relatórios de Gestão que tratam sobre a governança pública;
  • Estabelecimento claro e objetivo de acordos de resultados com metas e resultados a serem perseguidos pelos setores governamentais;
  • Maior autonomia aos Tribunais de Contas, pois hoje os conselheiros, indicados politicamente, muitas vezes aprovam contas e atividades que os técnicos recomendam reprovar.

Instrumentos e ferramentas como essas podem auxiliar na cobrança por resultados e uma melhor efetividade dos gastos públicos, fortalecendo com isso o processo democrático e tendo a sociedade civil organizada como parceira do Estado e do real cumprimento de sua função social igualitária e com mais isonomia na implementação de políticas e programas públicos.

Cabe aos acadêmicos das disciplinas relacionadas com a Administração Pública a criação de novos instrumentos, índices e métricas para que esse controle seja mais eficiente, já que medir o impacto das políticas públicas não é algo simples, esses novos instrumentos criados pela academia podem auxiliar em um maior esclarecimento para a população das políticas públicas em que o cidadão está inserido.

Para conhecer mais sobre o tema e contribuir para uma transparência mais abrangente no setor público, o leitor poderá:

  • Exercer sua cidadania participando e cobrando da política transparência sobre os programas e políticas públicas;
  • Punindo eleitoralmente os atores políticos que não propiciam o controle social (não firmando metas claras de resultado, não abrindo arenas para debate sobre as políticas públicas);
  • Usufruir da Lei de Acesso a Informação dados sobre os resultados das políticas públicas;
  • Participar do debate político;
  • Fiscalizar os atores governamentais por meio dos portais da transparência e seus relatórios de gestão que tratam sobre os resultados das políticas públicas.

Referências:

FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. A política da avaliação de políticas públicas. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, XXVIII, 2004, Caxambu. Anais… 2004.

Governo Federal, Avaliação de Políticas Públicas – Guia Prático de Análise Ex Ante – Volume 1

JANNUZZI, Paulo de Martino. Avaliação de programas sociais no Brasil: repensando práticas e metodologias das pesquisas avaliativas. Planejamento e Políticas Públicas – PPP, no 36, Jan/Jun, IPEA, 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ppp/index.php/PPP/issue/view/30> Acesso em: 27 de maio de 2018.

O Efeito Lava Jato. Revista EXAME Nº117, Disponível em: <http://osbrasil.org.br/wp-content/uploads/2016/11/O-efeito-lava-jato_Revisa-Exame_09nov2016.pdf> Acesso em: 28 de maio de 2018.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, Ranking Nacional da Transparência. Disponível em: <http://combateacorrupcao.mpf.mp.br/ranking> Acesso em: 28 de maio de 2018.

*Texto elaborado por Davi Gabriel Poker Ferreira (davipoker@hotmail.com) e Gabriel Peixer (dj.conga@gmail.com), estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Lei Rouanet: a nova “Bruxa do Guarujá”?

Por Marcelo Cogo*

A Lei Rouanet é um instrumento de incentivo à cultura no país, sendo ferramenta essencial na garantia do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, conforme art. 215 da Constituição Federal. Contudo, a imagem da Lei Rouanet tem sido afetada por notícias sensacionalistas e as famosas “fake news”. As polêmicas que rondam a legislação são facilmente encontradas em sites de pesquisas, em manchetes que explicitam escândalos e chegam a apelidá-la de “roubanet”. Como a bruxa do Guarujá[1], a Lei Rouanet estaria sendo difamada inocentemente?

A Lei nº 8.313, de 1991, é popularmente conhecida como Lei Rouanet, nome este que lhe foi atribuído em homenagem ao seu criador, o então

[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet. Sancionada durante o governo de Fernando Collor de Mello, em momento de conturbadas reformas políticas, a lei tinha como propósito a redução do aparato estatal. Para isto, idealizou-se um mecanismo de participação da iniciativa privada no financiamento de recursos culturais.

A Lei Rouanet é pautada em três mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC), Fundos de Investimento Cultural e artístico (Ficart) e o mecenato. É este último o mais representativo e conhecido, que costuma ser alvo de questionamentos e difamações. O mecenato consiste em uma forma de captação de recursos privados para o financiamento de projetos no âmbito da cultura e funciona da seguinte maneira: determinado proponente apresenta projeto ao Ministério da Cultura, o Ministério por sua vez, avalia o projeto em conformidade com os ditames da lei; sendo o projeto aprovado, o proponente deverá buscar apoio junto a pessoas físicas e jurídicas, que poderão deduzir de seus impostos o aporte concedido ao projeto.

As polêmicas diante do mecenato giram em torno dos projetos aprovados como DVD do MC Guimê, no valor de R$ 516.550,00, Blog de poesias de Maria Bethânia, no valor de R$ 1.350.000,00, Turnê do Luan Santana, no valor de R$ 4.100.000,00, Turnê Cirque du Soleil, no valor de R$ 9.400.450,00, dentre outros valores astronômicos aprovados para a realização de eventos de artistas e eventos já consagrados.

Eis que chegamos ao ponto crítico. Quando a pessoa física ou jurídica aceita conceder parte de seus impostos para financiar um projeto cultural, é importante perceber que o valor concedido refere-se a um recurso público, do qual o Estado renuncia em prol da cultura. Contudo, quem escolhe a quem financiar é a própria iniciativa privada. É uma política com viés liberal, na qual se concede ao particular o poder da escolha do quê financiar, mas ao mesmo tempo, é o Estado quem arca com os custos do projeto e do próprio marketing que será aproveitado pelos financiadores.

A lei não explicita nenhum tipo de limitação quanto ao que deve ser financiado ou, ainda, a verificação de projetos que detenham potencial lucrativo e por isso não necessitariam ser objeto de financiamento público. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União, ao analisar a aprovação de renúncia em relação ao Rock in Rio 2011: “projetos que apresentem forte potencial lucrativo, bem como capacidade de atrair suficientes investimentos privados independentemente dos incentivos fiscais”, ou seja, são autofinanciáveis, não sendo necessário a utilização de mecanismos de incentivo público, como a Lei Rouanet.

Deve-se considerar, porém, que apesar das distorções apresentadas, medidas regulatórias podem ser realizadas com o objetivo de aprimorar a ferramenta de mecenato. Esta, apesar das inconsistências, juntamente com as demais ferramentas que compõem a Lei Rouanet, são os pilares que atualmente mantém viva as aspirações da cultura brasileira, já que, os valores absorvidos por meio da lei se aproximam ou até ultrapassam o valor orçamentário da “função” cultura.

Assim sendo, deve-se reconhecer a importância que a lei representa para a cultura brasileira, não julgando erroneamente e sacrificando um instrumento a partir da opinião midiática, mas buscando conhecer o mecanismo e entender que processos regulamentares são suficientes para sanar distorções e tornar a política legitima e efetiva. Assim, não haverá linchamentos que levam à morte, equivocadamente, inocentes que apenas foram difamados, mas que são de boa fé, como a Bruxa do Guarujá e a própria Lei Rouanet.

Caso os leitores queiram mais informações ou dados efetivos dos projetos no âmbito da cultura, recomenda-se o site http://www.versalic.cultura.gov.br.


[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

 

Para saber mais sobre o tema:

http://www.cultura.gov.br/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2016/05/lei-rouanet-pros-contras-e-a-certeza-de-que-precisa-mudar-5812001.html

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/lei-rouanet-acertos-e-problemas-a7plazies5emx39nu46dt5wnd

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467151863_473583.html

http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_08.09.2016/art_215_.asp

https://tarabori.jusbrasil.com.br/artigos/295693224/lei-rouanet-um-meio-legalizado-de-desvio-de-verbas-publicas

http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2018/02/05/sa-leitao-lei-rouanet-e-extremamente-inteligente-e-bem-sucedida.html

*Texto elaborado por Marcelo Cogo, estudante de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

 

Accountability no Terceiro Setor: Como as Organizações da Sociedade Civil e o Instituto Hope House prestam suas contas.

Por Barbara Figueira Marcondes, Luan Deggau, Rafael Konishi, Orly Gonçalves*

O Terceiro Setor é composto por organizações sem finalidades lucrativas, que prestam serviços voltados ao impacto na sociedade. Logo, são buscam atender a  demandas da comunidade e agem por meio de atividades que fomentem questões de educação, cultura, arte, saúde, meio ambiente, conscientização, e muito mais. O sistema de accountability nesse setor não é tratado como nos governos e empresas, pois os procedimentos de prestação de contas, controle e transparência devem ser adaptados às necessidades específicas das entidades. Sendo assim, como tais assuntos são tratados por essas organizações em meio a tantas responsabilidades que estas sustentam?

Estudos na área da accountability nesse setor vêm sendo explorados, porém, uma das principais questões quando se trata da prática em si é o fato de que poucos gestores da área tratam tais assuntos de forma central: a grande prioridade dessas entidades é manter suas atividades e aumentar cada vez mais o impacto positivo, principalmente na comunidade ao seu redor, levando em conta que parte do trabalho realizado por elas mantêm jovens e adultos longe, ou ao menos afastados, de fragilidades sociais, como a pobreza e a criminalidade.

Atuar no Terceiro Setor significa resolver problemas e encontrar soluções para as mais diversas questões que o campo enfrenta, realizando serviços, principalmente, por meio da empatia e do propósito no bem público com enfoque social: as pessoas e suas principais necessidades, de modo a servir o próximo com competência. Para isso, sabemos que é necessário o envolvimento da sociedade como um todo, não apenas como público-alvo das atividades, mas também prestando serviços diretamente com essas organizações, fomentando cada vez mais a colaboração, ferramenta extremamente essencial nessa área, a qual lida, predominantemente, com imensas vulnerabilidades humanas.

Sendo assim, a prestação de contas é imprescindível, não apenas para com o governo e suas diversas esferas (de acordo com o serviço prestado pela entidade), como também com a sociedade, buscando a confiança e a credibilidade desta, o que pode gerar uma identificação da pessoa para com a organização e fazer com que esta queira se envolver nas importantes causas em pauta.

No Instituto Hope House, a arte é a principal ferramenta para a inclusão e a aprendizagem. Utilizando pilares como religião, família e comunidade, e como principal bandeira a adoção, a entidade começou com a intenção de apenas uma pessoa – a atual presidente da organização, Themis Duranti – que, aplicando sua criatividade em cada etapa do processo, engajou diversos recursos para institucionalizar sua ideia. A ajuda veio dos mais diversos parceiros: setor privado, recursos públicos, parceiros internacionais, doações anônimas, etc., e perceber elementos como o quê fazer, por quê, para quem e como realizar foi essencial para articular e entender qual a configuração, características e contexto do ambiente a ser tratado, até finalmente sua idealização se transformar em uma Organização da Sociedade Civil.

Porém, as prestações de contas e atividades exigidos pelo governo na institucionalização e definição das entidades, muitas vezes, podem atrasar seus processos. No Instituto Hope House, sempre existiram questões quanto à morosidade, erros, desconfiança pelo poder público, dentre muitos outros. Um exemplo foi o fato de que o Conselho da Criança e do Adolescente, quando demandado, levou dois anos para comparecer à organização e analisá-la conforme suas atividades, o que acabou por prejudicar o andamento dos serviços da organização. Ou seja, em seu processo de controle e transparência, o Instituto acaba por atrasar seu andamento efetivo em busca das aprovações corretas por parte do poder Público.

Para a realização de uma prestação de contas eficaz, não só de recursos financeiros, mas das atividades como um todo, é necessário que as organizações contem com pessoas competentes, engajadas e, principalmente, com conhecimento e formação técnica para lidar com questões que exigem entendimentos específicos. Cultivar uma rede de contatos para facilitar parcerias e obtenção de recursos é primordial, mas nem todas as organizações possuem gestores com esse tipo de pensamento estratégico. O setor obtém grande relevância devido ao seu papel social e muitos impactos podem surgir a partir desse relevo. Mas, para isso, a sociedade civil precisa estar em consonância e discernimento com a importância da prestação desses serviços. Além disso, a rigidez dos processos burocráticos solicitados pelas esferas governamentais, por muitas vezes, se tornam incoerentes com a realidade vivida por muitas dessas entidades, resultando em, meramente, mais atrasos, erros e desconfianças.

Portanto, vemos que o sistema de accountability nesse setor poderia ser um processo muito mais simplificado, prático e eficaz, não fosse tão enrijecida a burocracia envolvida a caminho da institucionalização das organizações, bem como raso o empenho da sociedade civil em tais questões. É preciso adequar as práticas burocráticas e humanas a estas entidades que preenchem papel tão fundamental na sociedade, a fim de compreender a importância de sua existência e simplificar o trabalho já tão árduo desses gestores que possuem tal vocação e vontade de mudar a realidade de centenas de cidadãos em vulnerabilidade social.

Aqui temos a imagem da abertura das inscrições da das turmas de 2018.

 

Referências:

CARNEIRO, A. F., OLIVEIRA, D. L., TORRES, L. C. Accountability e Prestação de Contas das Organizações do Terceiro Setor: Uma Abordagem à Relevância da Contabilidade. 2011. Disponível em: <http://www.atena.org.br/revista/ojs-2.2.3-08/index.php/ufrj/article/view/1206/1142>. Acesso em: 22 mai. 2018.

FÉLIX, Rodrigo Gonçalves de Almeida. O Enfoque Sistêmico: Capacidade de Accountability no Terceiro Setor. 2010. Disponível em: <https://terceirosetoremfoco.blogspot.com.br/2010/09/o-enfoque-sistemico-capacidade-de.html>. Acesso em: 22 mai. 2018.

Instituto Pe. Vilson Groh: Olhares Sobre a Atuação em Rede / Instituto Pe. Vilson Groh – Florianópolis: Imaginar o Brasil Editora, 2015. Disponível em: <http://www.redeivg.org.br/wp-content/uploads/2017/01/E-book_IVG-OlharesSobreAtuacaoEmRede.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2018.

MARTINS, Catarina Marisa Soares. A Accountability no Terceiro Setor: o caso de uma organização da atual geração. 2014. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/77107/2/33209.pdf>.  Acesso em: 22 mai. 2018.

MENDONÇA, P. M. E., Leep Fellowship. Parcerias entre Estado e OSCs – desafios na construção de colaborações para implementação da Lei 13.019/2014. 2017. Disponível em: <http://www.icnl.org/programs/lac/MendoncaMROSCimplementacao%20Final.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2018.

PEREZ, O. C., BRITO, T. S. Accountability no Terceiro Setor: Como as Organizações Civis prestam contas de suas atividades. 2014. Disponível em:<http://www.convibra.com.br/upload/paper/2014/40/2014_40_9929.pdf>.  Acesso em: 22 mai. 2018.

PEREZ, O. C., BRITO, T. S., Accountability nas organizações do terceiro setor. 2016. Disponivel em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ReFAE/article/viewFile/5567/5366>. Acesso em: 22 mai. 2018.

SCHEFER, L. F. N., SCHOMMER, P. C., GROH, V. Governança em Organizações da Sociedade Civil: Aprendizagem e Inovação na Rede Instituto Padre Vilson Groh. 2018. Disponivel em: <http://www.periodicos.adm.ufba.br/index.php/rs/article/view/565/508>. Acesso em: 22 mai. 2018.

SILVA, Carlos Eduardo Guerra; MUNIZ, Reinaldo Maya; Accountability no Terceiro Setor. 2017. Disponível em: <http://www.valorcompartilhado.org.br/accountability-no-terceiro-setor/>. Acesso em: 22 mai. 2018.

 

*Texto elaborado por Barbara Figueira Marcondes, Luan Deggau, Rafael Konishi, Orly Gonçalves, estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.