Idosos e participação cidadã: a quem cabe promover?

Por Walkiria Machado Rodrigues Maciel e Maria Luiza Blaese de Oliveira *

O amparo aos idosos visando sua participação na comunidade, a defesa de sua dignidade, o seu bem-estar e o direito à vida, segundo o artigo 230 da Constituição Federal de 1988, são de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. O que isso significa na prática? 

Um dos caminhos para responder a essa pergunta parte da compreensão das legislações e estruturas institucionais criadas após 1988, resultados do processo de redemocratização do país e o início de uma nova república. Nesse contexto, em 4 de janeiro de 1994 foi aprovada a Lei n. 8.842, que estabelece os princípios e as diretrizes da Política Nacional do Idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e autoriza a instituição de conselhos do idoso nas esferas estadual e municipal. 

O conselho do idoso é um órgão permanente e deliberativo, composto por representantes governamentais e da sociedade que atuam em causas afetas aos idosos – pessoa com idade igual ou superior a sessenta anos, conforme artigo 2º da Lei n. 8.842/94. A representação daqueles integrantes é equitativa, ou seja, em igual número. Isso porque se espera que o conselho seja um espaço público de diálogo entre o governo e a sociedade, atuando em um ambiente democrático e de equilíbrio de forças.

A ampla participação é outro ponto importante e que deve estar presente no conselho, já que se espera que as ações governamentais por ele formuladas ou fiscalizadas sejam pensadas a partir da diversidade presente na população idosa, por exemplo, condições socioeconômicas, culturais e de gênero. 

Em 2018, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou projeções indicando que, nos anos seguintes a 2047, a população brasileira cairá gradualmente e, em 2060, um quarto da população (25,5%) terá mais de 65 anos, conforme Figuras 1, 2 e 3. Isto representará uma inversão na pirâmide etária e a presença expressiva de idosos no país.

Figuras 1, 2 e 3  – Pirâmides etárias brasileira em 2021, 2047 e 2060

Fonte: IBGE, 2021

Nesse panorama, a atuação dos conselhos do idoso nas três esferas de governo ganha ainda mais importância na elaboração e implementação de políticas públicas pensadas para atingir resultados de médio e longo prazo.

Ocorre que, para tornar efetiva sua atuação, o conselho do idoso precisa interagir com outras áreas de políticas públicas e outros entes, públicos e privados, cujas atribuições também estão voltadas ao atendimento da população idosa. 

Você lembra do artigo 230 da Constituição Federal de 1988, que mencionamos antes? Sua efetiva observância ocorre na composição do conselho e, também, nas suas possibilidades de interação com outros atores sociais, bem como programas, ações e áreas de políticas públicas que sejam afetas aos idosos, a exemplo de saúde, educação, cultura, lazer, esporte, mobilidade urbana e infraestrutura. 

A seguir, alguns exemplos de como pode ocorrer o incentivo à participação e a articulação entre órgãos públicos, sociedade e áreas de políticas públicas relacionadas aos idosos:

1) Programa de Acompanhamento das Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIS), desenvolvido pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em parceria com algumas entidades, entre elas os conselhos do idoso, estadual e municipais, a fim de verificar o cumprimento de normas sanitárias e de proteção aos idosos. O programa existe desde 2000 e até 2018 já havia vistoriado mais de 500 instituições. Atuação que, talvez, não pudesse ser realizada de forma individual pelas entidades envolvidas.

2) Cartilha destinada a orientar e estimular as prefeituras municipais a criarem o seu conselho do idoso. Elaborada pelo MPSC, a iniciativa reforça o papel desempenhado pelo conselho municipal do idoso, reconhecido pelo Ministério Público.

3) Rede de apoio às instituições de longa permanência – Com o advento da situação de pandemia de Covid-19, em 2020, o Conselho Estadual do Idoso de Santa Catarina (CEI-SC), em parceria com organizações da sociedade civil, empreendeu esforços para realizar uma campanha de conscientização e arrecadação de recursos para instituições de longa permanência. Em entrevista concedida ao Jornal da 3ª idade no dia 08 de julho de 2020, a presidente do conselho, sra. Ivani Fátima Arno Conradi, relatou que:

Desde quando tivemos o primeiro óbito em SC, pela Covid-19, de um idoso dentro de uma ILPI, numa cidade da Região Metropolitana de Florianópolis, que ligamos o pisca-alerta que teríamos que ter um trabalho dirigido. Nossa preocupação não estava somente nas ILPI e idosos dentro delas, mas, também, nas pessoas que estão com os cotidianos alterados. Temos muitos municípios muito pequenos, que atendem idosos sem recursos. Nossa primeira ação concreta foi fazer contato com as pastorais da Pastoral da Pessoa Idosa, pois elas têm contato direto com os idosos nas suas localidades e a Feapesc – Associação dos Aposentados de Santa Catarina. Nossa campanha imediata foi uma atuação com as ILPI, pois, com a contaminação, a proibição de visitas dos familiares, a situação delas ficou mais difícil.

Ivani Fátima Arno Conradi

Para ler a íntegra da entrevista, clique aqui.

A articulação com a sociedade, nos atuais tempos de pandemia, é um exemplo que demonstra o quanto os recursos podem ser potencializados e atender de forma mais efetiva e ampla a população mais necessitada.

Podemos observá-lo também no seguinte exemplo, no qual o CMI aciona um órgão de controle para que haja fiscalização perante os direitos dos idosos:

4) Em relação à vacinação dos idosos contra a Covid-19, o Conselho Municipal do Idoso de Mogi das Cruzes comunicou ao Ministério Público sobre a desorganização nas filas de espera para a vacinação nos postos de saúde. Por não terem uma estrutura adequada, essa desordem causa grandes filas com aglomerações no sol para idosos de 80 anos, e pela falta de informação, alguns deles acabam tendo que se deslocar ao posto mais de uma vez pela falta de senhas distribuídas. 

Esse exemplo demonstra que o CMI cumpre papel essencial para que os interesses e os direitos dos idosos sejam preservados, principalmente na situação atual. O conselho pode atuar junto aos responsáveis na área de saúde e junto a órgãos de controle para que encontrem maneiras menos cansativas e mais seguras para os idosos se imunizarem, como “drive thrus”, ginásios de escolas, lugares onde eles possam ter algum conforto e segurança, sem precisar ficar em pé, com aglomeração em volta.

Para ler a reportagem completa – CMI atua como importante fiscalizador dos direitos dos idosos na desorganização nas filas dos postos de saúde para a vacinação e comunica ao Ministério Público – clique aqui.

Vale destacar, por fim, a participação do idoso no processo eleitoral não apenas como eleitor, também como candidato ou candidata. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em fevereiro de 2021, o Brasil conta com 29.066.287 idosos eleitores, dos quais 13.114.617 são homens e 15.951.670 são mulheres. Nas eleições municipais de 2020, o TSE registrou 66.751 candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador municipal. As figuras 4 e 5 mostram a distribuição das candidaturas por faixa etária.

Figuras 4 e 5 – Estatísticas eleitorais das eleições de 2020, faixa de idade dos candidatos

Fonte: TSE, 2021

No dia 2 de agosto de 2020, em entrevista concedida ao ECOA, uma plataforma jornalística da UOL, a então candidata a vice-prefeita do município de São Paulo pela Chapa do PSOL, Luíza Erundina (85 anos), foi enfática ao declarar:

Hoje eu tenho mais um fator para lutar. É para demonstrar que a velhice não é uma doença, muito menos um defeito. As pessoas tratam a velhice como um defeito. Dizem: coitadinha. Nos eventos que acontecem lá na Câmara, ou aconteciam, antes desse momento grave, como conferências e seminários para debater a velhice, o tema era sempre a doença, o cuidador, onde o velho vai ficar. E eu me revoltava. Dizia: sou velha, estou com essa idade, mas eu não vejo a velhice dessa forma. Vejo a velhice como alguém, não só porque tem experiência, mas que tem energia. Que é mais maduro, já teve mais tempo para errar e para corrigir esses erros.

Luíza Erundina

Clique na imagem para ter acesso à entrevista completa.


Esses exemplos demonstram que a participação política e a interação entre o conselho do idoso, estadual ou municipal, e outros órgãos governamentais e a sociedade potencializa sua atuação e promove a troca de informações e conhecimento que enriquecem o debate sobre as políticas públicas e os serviços voltados ao idoso. Sobretudo, aproxima o poder público e o idoso, na medida em que os canais para demandas e soluções são ampliados. Por outro lado, a existência de estruturas institucionais voltadas a garantir e defender os direitos dos idosos não eliminam ou minimizam sua participação cidadã. Ao contrário, eles reafirmam a contínua importância daquela população na construção de políticas públicas que assegurem uma sociedade livre, justa e solidária, como assinala o artigo 3º, inciso I, de nossa Constituição Federal de 1988.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Walkiria Machado Rodrigues Maciel e Maria Luiza Balese de Oliveira, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 mar. 2021.

BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8842.htm. Acesso em: 17 mar. 2021.

BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 17 mar. 2021.

CORADI, Ivani Fátima Arno. Conselho estadual do idoso em Santa Catarina atua na pandemia com parcerias locais. [Entrevista cedida a] Hermínia Brandão. Jornal da 3ª idade, Santa Catarina, jul. 2020. Disponível em: http://www.jornal3idade.com.br/?p=31747. Acesso em: 16 mar. 2021.

DEBERT, Guita Grin; OLIVEIRA, Glaucia S. Destro de.  In: Política nacional do idoso: velhas e novas questões. Organizador por Alexandre de Oliveira Alcântara, Ana Amélia Camarano, Karla Cristina Giacomin. Rio de janeiro: IPEA, 2016, p. 521-535. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/161006_livro_politica_nacional_idosos.PDF. Acesso em: 16 mar. 2021.

ERUNDINA, Luiza. Velhice não é defeito. [Entrevista cedida a] Matheus Pichonelli. ECOA, São Paulo, ago. 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/luiza-erundina-critica-nova-politica-fala-de-preconceito-por-idade-e-esperanca/. Acesso em: 18 mar. 2021.

MOREIRA, Paula e SILVA, Fernanda. CMI comunica ao MP desorganização em fila de espera da vacinação em postos de saúde em Mogi. Mogi das Cruzes, mar. 2021. Diário TV. Disponível em: https://bityli.com/mP0KX Acesso em: 17 mar. 2021.

SIMÕES, Marcos Mayo. A importância dos conselhos na gestão democrática das políticas públicas. Revista do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, Rio de janeiro, v. 28, n. 46, p. 24-30, 2011.

Para saber mais sobre o tema:
Diálogos na USP – População idosa e políticas públicas
Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=kfXR1iIbcAQ
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=Z2q53FZYPmM

Doando petróleo na internet: por que proteger meu CPF?

Por Gislaine Ignaczuk, Letícia de Souza, Mellina França e Teodoro Schneider *

Ainda hoje o petróleo é um dos maiores causadores de guerras políticas. O brasileiro tem sentido na pele os impactos dos preços exorbitantes dos combustíveis e derivados de petróleo, o que nos leva a notar ainda mais sua presença e importância em nosso cotidiano.  A frase “Data is the new oil” (dados são o novo petróleo) tem percorrido o mundo e gerado impacto em quem a lê. Mas afinal, ela quer dizer que nossos dados pessoais também são valiosos como o petróleo? SIM! Valiosos e essenciais para o “mundo dos negócios”, praticamente um novo combustível! 

Mas… o que faz os meus dados serem tão importantes? Dados se transformam em estatísticas, que se transformam em informações e podem  gerar conhecimento para empresas privadas e governos. E o que será feito com esse conhecimento? Aplicado a você novamente! Existe  um grande dilema quanto a utilização destes dados, pois essas informações podem ser utilizadas para finalidades virtuosas, aprimoramento de serviços, produtos e políticas públicas, tornando-os mais eficientes em prol da sociedade, ou viciosas, servindo apenas para benefício específico de um grupo de interesse, pois com esses dados é possível redirecionar os almejos da população, visando vantagem competitiva e estratégica de cunho comercial, econômico ou político.

Um exemplo prático que podemos recapitular é a manipulação viciosa da Cambridge Analytica, uma assessoria política que auxiliou no processo de eleição de Donald Trump em 2016, utilizando como instrumento de coleta de dados através de um quiz criado dentro do Facebook, coletando informações privadas de milhões de usuários, sem o seu conhecimento e, logo, sem o seu consentimento. Não só foram coletados os dados desses usuários, violando a sua privacidade, como também foram feitas publicações direcionadas a eles, como instrumento de divulgação para a eleição do presidente. 

Porém, não se engane ao achar que isso ocorre somente no exterior. Há alguns anos, tivemos o caso envolvendo o celular da ex-presidente Dilma Rousseff. O escândalo envolvendo a vigilância pela Agência de Segurança Nacional (NSA) Americana sobre autoridades e chefes de Estado de vários países também grampeou o número de telefone da ex-presidente e outros números, como o de sua secretária e seu assessor pessoal. O diretor do Gabinete de Segurança Institucional Brasileiro também foi grampeado e até membros do Banco Central foram alvos do ataque, com interesses políticos nesse caso de espionagem. 

Além de escândalos internacionais envolvendo política, os ambientes privado e corporativo não saem ilesos dos vícios. Há dois anos, houve um escândalo envolvendo a empresa Netshoes, que precisou pagar R$500 mil de indenização por danos morais, por ter vazado dados de mais de dois milhões de clientes. O vazamento ocorrido envolvia dados pessoais como nome, data de nascimento, Cadastro de Pessoa Física (CPF) e pedidos de contas de milhares de clientes. Outras grandes empresas também foram multadas devido a más condutas com os tratamentos de dados pessoais, como por exemplo Drogaria Araújo, Construtora Cyrela e Banco Inter

Nos últimos meses, os incidentes tiveram ainda mais impacto na população brasileira. Em janeiro deste ano, foi noticiado o maior vazamento de dados da história no Brasil, composto por dois grandes vazamentos complementares em sequência, que expuseram informações de aproximadamente 223 milhões de brasileiros em fórum online, cuja finalidade era a ilegal comercialização dos dados por um hacker. Entre os dados estavam CPF, Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), data de nascimento, sexo, nome, dados de veículos, escolaridade, benefícios do INSS e programas sociais, renda, fotos de rosto, endereço, score de crédito, informações do LinkedIn, dados de servidores públicos e imposto de renda pessoa física. 

Mais recente ainda, no início de março, foram colocadas à venda informações de 112 milhões de brasileiros. Da mesma forma que no caso anterior, o leilão foi promovido por um hacker através do mesmo fórum online, mas dessa vez foram expostas informações de 250 mil pessoas, sem qualquer censura. Dentre os dados estavam novamente o CPF, número de Registro Geral (RG), número do Whatsapp, endereço residencial, data de nascimento, nome da mãe, profissão, salário, cadastro no Bolsa Família e informações complementares, se vivo, morto, aposentado e etc.

Diante do exposto, você já contou quantas vezes disponibilizou seu CPF para algum registro ou cadastro essa semana? E esse mês? Qual foi a última vez que você leu o contrato de termos e serviços de um aplicativo baixado? Pensamos que golpes e esquemas online nunca acontecerão conosco, porém, numa realidade que para navegar nas redes sociais ou assistir um filme em seu streaming preferido, o CPF é um dado obrigatório, precisamos compreender a dimensão dos riscos apresentados a nós diariamente e os meios de proteger esses valiosos dados nesta nova dinâmica de contratos digitais. 

Apesar disso, podemos respirar com um pouco mais de otimismo, pois não estamos sozinhos nesse anseio de proteger nossos dados. Pensando em prevenir todos esses incidentes e ainda garantir transparência ao usuário sobre o que será feito com seus dados pessoais, entrou em vigor no dia 18 de setembro de 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD. 

Mas afinal, o que pode ser considerado um dado pessoal? 

Segundo a LGPD, dado pessoal é toda e qualquer informação relacionada a uma  pessoa natural identificada ou identificável, ou seja, todo e qualquer dado que permita rastrear ou distinguir uma pessoa de outra. Atualmente, o CPF é o exemplo mais claro de dado pessoal, visto que a partir dele já é possível identificar um indivíduo, agora desde o seu nascimento. Contudo, um dado não precisa levar diretamente até você para ser considerado um dado pessoal. Por exemplo, se para identificar um indivíduo sabemos que ele é um ex-presidente do Brasil, pernambucano e sem um dos dedos da mão, é realmente necessário um CPF? Alguns outros exemplos de dados pessoais são o seu nome/apelido, endereço de residência, endereço eletrônico (e-mail, site, blog ou página na internet), número de matrícula, dados de localização (GPS), endereço de IP do seu computador, histórico de pesquisa do seu navegador de internet, entre outros. No entanto, mesmo entre os dados pessoais há um grupo de informações que exigem ainda mais cautela no seu manejo: os Dados Pessoais Sensíveis. 

Um dado pessoal sensível, diferente dos outros dados pessoais, possui uma natureza que merece mais atenção, pois pode levar não só à identificação do indivíduo, mas também à discriminação do mesmo. Pode ser considerado sensível todo e qualquer dado de propriedade de pessoa natural que revele a origem racial/ étnica, ou que expresse convicções/opiniões (religiosas, filosóficas, partidárias, ideológicas ou sindicais), ou dados referente à saúde ou à vida sexual, genética ou biométrica.

E como saber o que será feito com meus dados? 

As informações cedidas pelo titular (proprietário do dado), devem atender unicamente à finalidade para a qual  a coleta do dado foi realizada, conforme obriga a lei. O solicitante deve se comprometer com a proteção dos dados confiados a ele, e, acima de tudo, transparecer a razão pela qual aquele dado é solicitado e utilizado, pois entre os princípios da legislação, está a accountability, ao prever prestação de contas e responsabilização ao proprietário do dado:

Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios:

(…)

X – responsabilização e prestação de contas: demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas.

(BRASIL, 2018)

Outras obrigações legais para poder tratar dados pessoais são as seguintes:

  • A segurança dos dados, a partir da exposição clara da necessidade e finalidade daquele dado;
  • Permitir o livre acesso, gratuito e acessível, de consulta às informações produzidas a partir dos dados coletados;
  • Constante aprimoramento dos meios de segurança e proteção aos dados evitando assim a ocorrência de danos aos proprietários/ titulares;
  • Garantir precisão do processo de tratamento do dado coletado ao proprietário / titular;
  • Promover a transparência ao titular do dado deixando-o ciente de todo o processo;
  • Impossibilitar a realização do tratamento dos dados para finalidade duvidosa, discriminatória, ilícita ou abusiva;
  • Cumprir eficazmente todos os itens acima descritos por meio da Responsabilização e Prestação de Contas em 3 níveis:
    • I. Instituição e proprietário/ titular do dado (relação direta);
    • II. Instituição, agentes de tratamento do dado e encarregado (relação interna); 
    • III. Encarregado e Autoridade Nacional de Proteção de Dados (relação externa).

Dado o exposto, você ainda continuará distribuindo seu “petróleo” para todas as organizações que o solicitarem? 

Nossos dados, principalmente o CPF, que identifica integralmente uma pessoa em qualquer base de dados, devem ser disponibilizados com cautela. Os vícios motivados pela ganância, como as invasões em países atrás do petróleo, se modificaram e hoje levam a invadir bancos de dados, a fim de simplesmente transformar você em números manuseáveis, em prol de interesses de quem possui mais armas políticas e econômicas.  

Podemos não ser figuras públicas de grande influência que sejam atacadas por hackers ou empresas de espionagem, porém, somos nós quem os colocamos nesse patamar e também somos a principal fonte movimentadora do mercado financeiro. Pessoas que dizem “não tenho nada a esconder, podem usar minhas informações” são as que deveriam se preocupar com as organizações que escondem a finalidade da utilização de dados pessoais. 

Assim como você não está saindo distribuindo combustível, você não deveria sair concordando com todos os termos de uso e políticas de cookies por aí. No meio de muitos “para melhorar a experiência do usuário”, há coleta de informações exageradas e desnecessárias, que podem ser expostas ou compartilhadas com qualquer instituição que você concordou sem prestar atenção. O controle de nossas informações, de acordo com as novas normas, é unicamente do titular, cabe a você praticar seu direito e ser fiscalizador da utilização dos seus dados. Para isso, você e todos nós precisamos conhecer mais sobre o tema e contar com um sistema de apoio.

Existem ainda muitos desafios a serem vencidos para alcançarmos a excelência em segurança informacional. Desse modo, é essencial compreender que estamos no início de uma longa jornada de conscientização, adequação, e cultura da transparência e proteção de dados. Estamos entre os primeiros países a possuir uma lei geral, que ampara e garante o pleno controle dos seus direitos individuais de liberdade e privacidade. A LGPD representa um marco nacional de legitimidade, confiabilidade, governança, accountability, conformidade e ética. A implementação dessa lei está no início e muito teremos a aprender e aprimorar nesse processo. A conquista é  compartilhada, mas o  seu dado não o deverá ser sem o seu conhecimento!

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Gislaine Ignaczuk, Letícia de Souza, Mellina França e Teodoro Schneider, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de Agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 20 fev. 2021

BRASIL. Portaria nº 11, de 27 de Janeiro de 2021. Torna pública a agenda regulatória para o biênio 2021-2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-11-de-27-de-janeiro-de-2021-301143313. Acesso em: 20 fev. 2021

Para saber mais sobre o tema: https://www.lgpdbrasil.com.br/

Confira também:
Lições de um ano de Covid / Autor Yuval Noah Harari
Dicas de como proteger seus dados online
Processo de regulamentação da Agência Nacional de Proteção de Dados

Indicações cinematográficas:

Sujeito a termos e condições (2013)
Diretor: Cullen Hoback

O documentário expõe o perigo de aceitar os termos de uso sem ler e como o governo e grandes corporações se aproveitam deste contrato digital para alimentar seus bancos de dados.

Disponível em: https://www.amazon.com/Terms-Conditions-Apply-Cullen-Hoback/dp/B07WSRVLCQ

Nothing to Hide (2017)
Diretores: Marc Meillassoux & Mihaela Gladovic

O documentário independente resgata histórias reais de pessoas comuns que tiveram suas vidas afetadas pela vigilância promovida por corporações e governos, desconstruindo assim o argumento materializado de “não tenho nada a esconder” e clarifica a importância de zelar pela privacidade.

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=M3mQu9YQesk

The Great Hack (2019)
Diretores: Karim Amer & Jehane Noujaim

O documentário retrata o escândalo de dados do Facebook – Cambridge Analytica que impactou as eleições presidenciais dos Estados Unidos da América  e a campanha do Brexit no Reino Unido em 2016.

Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/80117542

O Dilema das Redes (2020)
Diretor: Jeff Orlowski

O documentário analisa o papel das redes sociais e revela os segredos para viciar e manipular os usuários.

Disponível em: https://www.netflix.com/br/title/81254224

Dia internacional contra a corrupção: 9/12, confira as programações.

Desde 2003, é celebrada anualmente a data de 9 de dezembro como o dia internacional contra a corrupção. Essa ideia foi proposta pela delegação brasileira na convenção das Nações Unidas contra a corrupção, que ocorreu no México. Além da criação dessa data, a convenção também colaborou para a elaboração do documento “Convenção das Nações Unidas contra a corrupção”, no qual o Brasil é signatário. Esse dia é importante para relembrar as propostas que estão nesse documento, e reforçar os desafios e perspectivas das peculiaridades brasileiras no combate à corrupção.

No ano de 2020, diversas entidades estão se organizando para discutir e ampliar o assunto no Brasil. Confira:

A rede de controle em gestão pública de Santa Catarina se organizou para uma live sobre práticas de prevenção, controle e repressão ao combate à corrupção. O vídeo ficará salvo no Youtube. Acesse aqui

Acompanhe outros eventos que promoverão debates em torno do tema:

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Além de lives que ocorrerão no dia 9, também há programação para a semana. Entre os dias 9 e 11 de dezembro, a Controladoria-Geral da União (CGU) realizará a 2ª edição do “Fórum: O Controle no Combate à Corrupção.”

O encontro será virtual com transmissão pelo canal da CGU no Youtube. A iniciativa visa debater a relevância do controle na melhoria da gestão pública e no combate à corrupção.

Coprodução do controle: a necessidade e a possibilidade de os Tribunais de Contas irem além na abertura de suas portas

Por Anna Clara Leite Pestana, Fabiano Domingos Bernardo e Renato Costa*

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública deve ser exercida pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas, órgãos técnicos especializados, com autonomia orçamentária, administrativa e financeira e independência funcional em relação aos três Poderes da República. Dessa forma, fica a cargo do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, das Câmaras de Vereadores e do Sistema de Tribunais de Contas brasileiro, formado por 32 (trinta e dois) órgãos colegiados no país, o controle externo – de despesas e de receitas – do Estado e demais recursos a ele vinculados, mesmo que delegados a terceiros.

Embora com suas atribuições bem definidas no ordenamento jurídico brasileiro, as Cortes de Contas ainda são estruturas pouco conhecidas da República e têm sido questionadas por diversos setores da sociedade. Dentre os questionamentos, destaca-se a baixíssima abertura desses órgãos à participação dos cidadãos no planejamento e no exercício de suas atividades, fragilidade ainda mais evidente durante a pandemia da Covid-19.

Em vista disso, os Tribunais de Contas devem buscar novas formas de atuação, fundadas na comunicação e na articulação com o cidadão e demais atores que compõem a esfera pública, com vistas a proporcionar o exercício de um controle que, para além do caráter punitivo, privilegie a colaboração para o pleno e célere atendimento das demandas sociais.

Essa atuação conjunta entre o cidadão (usuário do serviço público), agentes privados e o poder público é denominada coprodução. A coprodução de bens e serviços públicos baseia-se em um engajamento mútuo e ativo entre governantes e cidadãos, individualmente ou por meio de organizações associativas ou econômicas, organizadas em parcerias ou redes, e com compartilhamento de responsabilidades e poder (SALM, 2014, p. 42). A coprodução tende a contribuir tanto para reduzir custos, gerar eficiência econômica na produção de bens e serviços públicos e permitir atendimento a diversos tipos de necessidades, dificilmente passíveis de serem contemplados por estratégias mais centralizadas ou orquestradas (perspectiva econômica), como para gerar participação cidadã, emancipação política, aprendizagem social e desenvolvimento das múltiplas capacidades humanas (perspectiva política) (SCHOMMER et al., 2011).

A coprodução é uma forma de gerar sinergia a partir da atuação do poder público com o engajamento cidadão (OSTROM, 1996). Essa sinergia pode ser um estímulo para impulsionar a atuação do sistema de controle externo brasileiro, num contexto em que sinergia é considerada a ação coletiva de diversos agentes que buscam obter um desempenho melhor do que aquele demonstrado isoladamente.

Com relação à motivação do cidadão, a coprodução tem como fundamento a ideia de que o ser humano se realiza plenamente quando desenvolve suas múltiplas naturezas. Guerreiro Ramos (1989), quando tratava da multidimensionalidade do ser humano, observava que o cidadão sente a necessidade de participar da vida pública, fazer parte da sociedade, fazer valer o seu caráter político, algo favorecido em contextos democráticos. 

Nesse contexto, a abertura dos Tribunais de Contas aos cidadãos, aos agentes públicos e à iniciativa privada é capaz de trazer ganhos a todos os envolvidos. De início, mencione-se que a efetiva colaboração entre esses atores possibilitaria a coprodução de soluções para os desafios enfrentados pelos gestores públicos, resultando no fortalecimento do papel orientador, pedagógico e preventivo das Cortes de Contas, em mais segurança ao administrador público na tomada de decisão e no aprimoramento da prestação dos serviços à sociedade. Além disso, quando do exercício da função fiscalizadora, os Tribunais de Contas teriam o auxílio do cidadão, que, por estar mais próximo da prestação do serviço público, é capaz de identificar de imediato falhas ou irregularidades que demandariam uma atuação coercitiva.

Na busca de uma atuação mais efetiva, envolvendo o cidadão no controle público, alguns Tribunais de Contas têm fomentado iniciativas em que se podem perceber elementos de coprodução. Exemplo disso foi a Auditoria Operacional do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE/SC) – processo n. RLA-15/00519054 – que visou analisar os investimentos em educação do Município de Anita Garibaldi: educação infantil e ensino fundamental, que além dos procedimentos legais e rotineiros da fiscalização em questão, realizou Audiência Pública em Anita Garibaldi com a participação de 164 munícipes (professores, pais de alunos, alunos, servidores, outros integrantes da comunidade e autoridades locais), debatendo a infraestrutura, transporte escolar, merenda escolar, valorização dos profissionais do magistério e gestão democrática da educação municipal.

Elementos que favorecem a coprodução também podem ser observados no Acordo de Cooperação Técnica nº 007/2019, relacionado ao projeto “TCE Educação” do TCE/SC, com o desenvolvimento de painéis eletrônicos de acompanhamento da execução dos planos estadual e municipais de educação a partir de uma base comum de dados para fins de gestão, controle e incentivo ao controle social. Participam do referido acordo, além da Corte de Contas catarinense, o Ministério Público estadual (MPSC), o Ministério Público de Contas (MPC/SC), a Assembleia Legislativa (Alesc), o Governo do Estado por meio da Secretaria da Educação, a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), a Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação de Santa Catarina (Undime/SC), o Conselho Estadual de Educação (CEE/SC) e a União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação em Santa Catarina (Uncme/SC).

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http://servicos.tce.sc.gov.br/concurso/index.php

Ainda, cita-se o projeto “TCE/SC na Escola”, um concurso de redação/crônica, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED/SC), aberto, desde 2010, aos estudantes do ensino médio da rede pública estadual, para aproximar os participantes à missão do TCE/SC.

Elementos de coprodução também podem ser observados na participação do TCE/SC em um projeto envolvendo o Fundo para Infância e Adolescência (FIA), denominado “Campanha Unificada FIA”, no qual diversos atores da sociedade civil e do setor público se uniram com o objetivo de impulsionar a captação de recursos para o fundo e de promover a concentração de esforços na execução da política pública voltada para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. A sinergia resultante da participação entre cidadãos e poder público neste projeto proporcionou: aumentos consideráveis no volume de recursos captados de doações de pessoas físicas e jurídicas; alterações normativas para melhor operacionalização do fundo; e maior atenção dos gestores estaduais e municipais nos benefícios que a gestão proativa do FIA pode proporcionar para a sociedade.

Engenheiros do TCE-PR e funcionários da empresa Da ...
https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/fiscalizacao-do-tce-pr-em-2019-dara-prioridade-a-6-areas-da-gestao-publica/6525/N

Outro exemplo, dessa vez no Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), consiste na promoção do envolvimento da sociedade no Programa Anual de Fiscalização (PAF). No planejamento para o exercício de 2019 e 2020, por intermédio de aplicação de questionários com cidadãos e observatórios sociais, o TCE/PR buscou captar as prioridades, demandas e expectativas sociais por fiscalização para embasar o controle externo e trazer resultados mais efetivos aos cidadãos paranaenses. As respostas foram consideradas conjuntamente com as avaliações dos técnicos do TCE/PR, permitindo elaborar um ranking de prioridades com base em vozes internas e externas ao órgão.

Por fim, cita-se o projeto “Rodas de Cidadania”, promovido pela Ouvidoria do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE/AM), desde 2019, por meio do qual são realizadas audiências públicas em municípios do Estado com vistas a informar os cidadãos sobre os canais de comunicação da ouvidoria e escutar as demandas da população, as quais, após análise da área técnica da Corte de Contas, são encaminhadas ao poder público para providências. Ao incentivar o papel proativo da ouvidoria, o programa teve o mérito de aproximar o Tribunal de Contas de uma parcela da população que, em geral, desconhece a atuação do órgão e, por falta de acesso à internet, não teria possibilidade de efetuar comunicações à ouvidoria.

Portanto, não é raro se deparar com esses ilustres desconhecidos denominados Tribunais de Contas abrindo suas portas à sociedade, por meio de capacitações, intercâmbios culturais, mídias virtuais e eventos dos mais diversos. Entretanto, verifica-se ainda incipiente a participação do cidadão no dia a dia das atividades dos Tribunais de Contas com discretos movimentos em prol da cidadania ativa.

Não há dúvidas, como guardiões do patrimônio público e defensores do interesse comum, as Cortes de Contas precisam avançar tornando-se órgãos de controle convidativos ao engajamento cidadão no planejamento e na execução de suas atividades. Além de suas portas abertas, há necessidade de tornar os usuários dos serviços públicos parte do controle e propiciar a participação na discussão dos rumos e de eventuais correções necessárias das políticas públicas.

*Texto elaborado por Anna Clara Leite Pestana, Fabiano Domingos Bernardo e Renato Costa, auditores fiscais de controle externo do TCE/SC e alunos especiais na disciplina Coprodução do Bem Público, ministrada pela professora Paula Chies Schommer e pela doutoranda Camila Pagani, no primeiro semestre de 2020, no Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Ciências da Administração (Esag) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Referências

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 06 ago. 2020.

RAMOS, A. G. A Nova Ciência das Organizações:uma reconceitualização da riqueza das nações. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.

ROCHA, Diones Gomes da; ZUCCOLOTTO, Robson. TEIXEIRA, Marco Antonio Carvalho. Insulados e não democráticos: a (im)possibilidade do exercício da social accountability nos Tribunais de Contas brasileiros. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 2, p. 201–219, 2020. Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122020000200201>. Acesso em 30 jul. 2020.

SALM, José Francisco. Coprodução de Bens e Serviços Públicos. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. P. 42-44. Disponível em: <http://issuu.com/carlosvilmar/docs/e-book_dicionario_de_verbetes/46>. Acesso em: 06 ago. 2020.

PARANÁ. Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fiscalização do TCE-PR em 2019 dará prioridade a 6 áreas da gestão pública. Disponível em: <https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/fiscalizacao-do-tce-pr-em-2019-dara-prioridade-a-6-areas-da-gestao-publica/6525/N>.Acesso em: 06 ago. 2020.

SANTA CATARINA. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Comunidade de Anita Garibaldi participa de audiência pública do TCE/SC sobre a qualidade da educação no município. Disponível em: < http://www.tce.sc.gov.br/acom-icon-intranet-ouvidoria/noticia/24193/comunidade-de-anita-garibaldi-participa-de-audi%C3%AAncia>. Acesso em: 06 ago. 2020.

______. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Concurso estadual de redação: projeto “TCE/SC na Escola”. Disponível em: < http://servicos.tce.sc.gov.br/concurso/index.php>. Acesso em: 06 ago. 2020.

 ______. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Entidades assinam acordo de uso de base de dados comum para avaliar planos estadual e municipais de educação. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/intranet-acom-icon/noticia/49956/entidades-assinam-acordo-de-uso-de-base-de-dados-comum-para-avaliar>. Acesso em: 06 ago. 2020.

______. Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Nova cartilha do TCE/SC orienta sobre a utilização dos recursos do Fundo da Infância e Adolescência. Disponível em: <http://www.tce.sc.gov.br/intranet-acom-ouvidoria/noticia/47858/nova-cartilha-do-tcesc-orienta-sobre-utiliza%C3%A7%C3%A3o-dos-recursos>. Acesso em: 06 ago. 2020.

OSTROM, Elinor. Crossing the great divide: coproduction, synergy and development. World Development, Vol. 24, No. 6, pp. 1073-1087.1996.

SCHOMMER, Paula C; ANDION, Carolina M.; PINHEIRO, Daniel M.; SPANIOL, Enio L.; SERAFIM, Mauricio. Coprodução e inovação social na esfera pública em debate no campo da gestão social. In: SCHOMMER, Paula Chies; BOULLOSA, Rosana de Freitas (orgs.). Gestão social como caminho para a redefinição da esfera pública. Florianópolis: UDESC Editora, 2011 (pgs. 31-70).

Colaboração como caminho para o enfrentamento da pandemia

*Por Artur Prandin, Antonio Felipe, Fernanda Carli e Flávia Antunes

A colaboração é uma atitude comum ao ser humano e, em especial, ao povo brasileiro que, em maior ou menor grau, lança mão dessa maneira de agir e de se relacionar na sua vida em sociedade. O momento atual, em razão da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus – COVID 19, reaviva a importância da cooperação como um caminho de sobrevivência. Assim, diferentes iniciativas desenvolvidas no Brasil têm evidenciado as parcerias como um mecanismo para enfrentamento dos problemas públicos, demonstrando a importância de modelos de gestão colaborativos para as questões da coletividade.

Sistema Único de Saúde – Wikipédia, a enciclopédia livre
Logo – Sistema Único de Saúde

Os hospitais de campanha, construídos para o enfrentamento da pandemia, são um exemplo disso. No Brasil, os serviços de saúde são prestados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), de caráter público, e da rede privada, que abrange os planos de saúde e os demais atendimentos particulares. No contexto da pandemia, constatou-se que a estrutura existente não seria capaz de dar vazão à demanda por atendimentos de relativa complexidade, no que envolve atendimento médico e a disponibilidade de UTI.

De acordo com o levantamento da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), com dados apurados até 24 de abril de 2020, a rede privada possuia 4,9 unidades para cada 10 mil habitantes, o SUS possui apenas 1,4 unidades de UTI para o mesmo montante.

Sabedores da crise enfrentada e dos seus impactos, alguns atores da iniciativa privada resolveram financiar a construção de hospitais de campanha e oferecer estruturas prontas para atendimento assistencial, além de doar ou emprestar equipamentos para leitos de terapia intensiva e de contribuir para aumentar a capacidade de testes para Covid-19.

Tais ações buscam desafogar o sistema de saúde como um todo e ampliar a capacidade de cuidado dos pacientes infectados pelo novo vírus no país, o que ilustra um caso de governança colaborativa que envolve a parceria público-privado, no sentido das “colaborarquias”, na expressão cunhada pelo pesquisador Robert Agranof (2007).

Hospital de Campanha Lagoa-Barra, no Rio, já atendeu mais de 400 pacientes  de Covid-19 em um mês - Revista Cobertura
Hospital de Campanha Lagoa-Barra

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, a empresa privada Rede D’Or financiou o Hospital de Campanha Lagoa-Barra, arcando com R$ 25 milhões, junto com demais parceiros privados, como Bradesco Seguros, Lojas Americanas, Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) e Banco Safra que, contribuíram com o montante total de R$ 20 milhões, dividido em partes iguais. Destaca-se que o hospital de campanha foi feito para atender os pacientes do SUS, vítimas da Covid-19, e foi montado em um terreno do Governo do Estado, o que revela a relação público-privada que se estabeleceu para combater a pandemia.

https://www.idis.org.br/brasil-giving-report-2020/

Outra ilustração de colaboração é o aumento do volume de doações privadas para fins públicos. Conforme o Brasil Giving de 2020, um levantamento feito pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, observou-se que 78% dos entrevistados, de maneira privada, realizaram alguma atividade beneficente no ano passado (2019), seja doação em dinheiro ou por meio de voluntariado. Espera-se que este percentual aumente, pois a situação pandêmica estimulou, ao que tudo indica, esta prática também no âmbito das pessoas jurídicas (PJ). Segundo levantamento da Associação Brasileira de Captadores de Recursos, ABCR, até meados de julho foram doados aproximadamente R$ 6 bilhões para ações de combate à pandemia, quase a totalidade advindos de PJ, organizados em milhares de campanhas diversas.

Esta situação ilustra o termo coprovisão, utilizado por James Ferris (1984) para designar uma contribuição de recursos por ente privado para expandir os serviços públicos. Desenho este de participação do setor privado na área pública que, para autores como Robert Whelan e Robert Dupont (1986), implica risco de captura da instituição pública por grupos de interesse, o que requer cuidado.

Ambos os casos nos permitem reflexões sobre a solidariedade e a generosidade humana, que dialogam com as diferentes motivações para a coprodução de bens e serviços públicos, abordadas por diversos pesquisadores do tema, entre eles John Alford (2002).

Sob o viés das relações organizacionais e suas implicações nos serviços públicos, a situação suscita algumas questões: o incremento de ajuda ao próximo feito durante a pandemia, conforme valores informados acima, se tornará algo permanente para os vindouros como causa social?

A continuidade e articulação com outras ações é fundamental para que a doação seja, uma ferramenta de desenvolvimento social. Neste sentido, a visão de Marcia Kalvon Woods, presidente do conselho da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) e membro do comitê gestor do Movimento pela Cultura de Doação, de que “o Brasil só vai se desenvolver se olhar para o outro. É fundamental manter a população sensibilizada em relação às demandas que vêm ocorrendo, percebendo a diferença que pode fazer” são didáticas em relação ao assunto.

De outro lado, nota-se uma ausência de demonstração dos critérios de seleção das campanhas de doação, do material a ser entregue e do público-alvo e uma ausência de feedback dos executores da campanha para quem doou seus recursos. É raro nas páginas das campanhas de doação, a apresentação da entrega dos recursos às pessoas/instituições determinadas, tampouco uma breve análise sobre como a doação feita irá impactar a vida daquelas pessoas e do local.

Portanto, ainda que os processos participativos e democráticos continuem sendo uma grande aposta para enfrentamento dessa crise e que eles sejam apresentados como uma solução para os problemas públicos de natureza complexa, os casos citados ratificam a necessidade de se incrementar as questões de governança e coprodução do bem público – aqui entendido coprodução como a participação do usuário no processo de produção do bem/serviço público – com o senso que diz respeito à transparência nos critérios de escolha e ao resultado alcançado com as campanhas de doação.

A condição provocada pela pandemia torna oportuna a reflexão sobre as mudanças em curso nos relacionamentos cooperativos entre os diversos atores, desde usuários, profissionais e governo. O objetivo dessas parcerias é desenvolver mecanismos que ajudem a organizar a gestão pública em prol do interesse da coletividade.

Referências:

FERRIS, James M. Coprovision: Citizen Time and Money Donations in Public Service Provision. Public Administration Review, 44, 324-333. 1984.

WHELAN, Robert; DUPONT, Robert. Some Political Costs of Coprovision: The Case of the New Orleans Zoo. Public Productivity Review, 10(2), 69-75. 1986.

ALFORD, J. Why do public-sector clients coproduce? Toward a contingency theory. Administration & Society, v. 34, n. 1, p. 32-56, 2002.

* Texto elaborado pelos acadêmicos no âmbito da disciplina de Coprodução do Bem Público, da Pós-Graduação em Administração da UDESC/ESAG, ministrada pela professora Paula Chies Schommer e pela doutoranda Camila Pagani, no primeiro semestre de 2020.

Marketing social é sempre para o bem?

Por Érica Stuart de Abreu, Helena Regina Martins da Silveira e Carolina Barros de Lima*

Marketing pode ser entendido como um conjunto de ações voltadas para promover uma marca, produto ou comportamento, tornando-os conhecidos pelo público que se almeja alcançar, aumentando, assim, seu poder de difusão ou venda (Castro, 2018). Já o marketing social é uma vertente do marketing voltada para o impacto social (Vaz, 2003).

O marketing social tem como objetivo contribuir para atenuar ou eliminar problemas, carências da sociedade relacionadas com questões de higiene, saúde pública, trabalho, educação, habitação, transporte e nutrição. Tem potencial para auxiliar em causas sociais e levar os cidadãos a mudanças de comportamento, substituindo velhos hábitos por novos comportamentos, melhorando a qualidade de vida das pessoas e do coletivo.

Para isso, utiliza-se de técnicas e ferramentas do próprio marketing, buscando obter mudanças de comportamento em certo público, visando beneficiar a sociedade e o interesse público. Os programas de marketing social podem atuar em três níveis: Conscientização, Mobilização e Sustentação, buscando desta forma atingir pessoas cujo comportamento precisa ser alterado.

Uma dificuldade enfrentada pelo marketing social é a resistência à mudança, uma vez que ao tentar mudar o comportamento de alguém, além de possíveis inseguranças, também haverá resistência à mudança por parte do sujeito. Quando se promove algo que não contrapõe as ideias ou ações de um indivíduo, socialmente ou ideologicamente, a aceitação tende a ser mais acessível.

Um exemplo do uso do marketing social é o incentivo à doação de sangue pelo Hemosc. A missão dessa instituição é disponibilizar à população, através da Hemorrede Pública, acesso ao atendimento Hemoterápico e Hematológico de Qualidade. Para atingir seu objetivo, utiliza de campanhas motivacionais diretas, para conscientizar sobre a necessidade das doações de sangue, de modo a mobilizar os cidadãos a uma ação.

Essas ações do Hemosc, usando instrumentos de marketing social, também podem ser compreendidas como práticas de nudges, o nudge thinking, ou ciência comportamental (Eggers et. al, 2020), que vem sendo utilizado por organizações e governos em diversos países. Traduzido do inglês como um “empurrãozinho” no pensamento, é o uso da arquitetura de escolha e de outras técnicas para tentar influenciar o pensamento e a ação das pessoas.

Na atualidade, porém, em meio a tantas informações maquiadas ou fake news, podemos notar que ferramentas do marketing social ou nudges, embora idealmente voltadas para o interesse público,podem ser usadas para incentivar comportamentos negativos ou questionáveis.

Com a tecnologia, as notícias falsas ampliaram seu alcance e passaram a fazer parte do dia a dia das pessoas. Dessa forma, o que poderíamos chamar de “marketing social negativo” pode alcançar grande repercussão e confundir as pessoas sobre o que é o melhor a ser feito para si e para o coletivo. Podemos exemplificar com a situação atual do mundo, a pandemia do novo Coronavírus.

No Brasil, muitas notícias falsas ou contraditórias sobre a Covid-19 são repassadas, junto com informações incompletas, ou meias verdades. O resultado é a confusão de muitos cidadãos, que não sabem em que acreditar. Em vez de utilizar o marketing social para conscientizar, educar e passar informações coerentes sobre o vírus e a doença, seu uso gera confusão, espalhando desconfiança e falta de credibilidade e tornando as ações de prevenção e cuidado menos eficazes e eficientes.

O exemplo da pandemia mostra que o marketing social e o uso de nudges pode se fortalecer na medida que estejam associados à transparência e à qualidade das informações e à accountability, que remete à prestação de contas e à responsabilização por atos e omissões. Uma vez que haja transparência e accountability nos dados disponibilizados pelos governos durante a pandemia do Covid-19, podemos saber, por exemplo, se ações de marketing social obtiveram êxito ou falharam, tanto nos meios quanto em relação aos fins. A diminuição ou o aumento do número de novos casos e óbitos podem ser indicadores de que as ações foram eficazes ou não.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Érica Stuart de Abreu, Helena Regina Martins da Silveira e Carolina Lima de Barros, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

Referências

CASTRO, Ivan Nunes de. Quais são os objetivos do marketing? Descubra cada um e as principais estratégias para alcançá-los. Disponível em: < https://bit.ly/3mBtwvD >. Acesso em: 30 de ago. 2020.

EGGERS, William et al. Government Trends 2020: What are the most transformational trends in government today? Publicado por: Deloitte Insights – United States, 2020. Disponível em: < https://bit.ly/33JMV4R >. Acesso em: 28 de ago. 2020.

G1. Coronavírus: Constituição diz que é dever do Estado evitar doenças — esse dever foi cumprido? Disponível em: https://glo.bo/35UvqRW. Acesso em: 28 ago. 2020.

VAZ, Gil Nuno. Marketing Social e Comunitário. Marketing Institucional. São Paulo: Ed. Thomson Learning Edições, 2003. p. 280-298.

Cotas de gênero nas eleições, funcionam?

Por Camila Rizzatto e Géssina Zaniboni*

O Brasil é um país no qual a política sempre foi associada a um ambiente masculino. Tanto é que o voto feminino só foi permitido em 1932, quando o governo de Getúlio Vargas criou o Código Eleitoral Provisório, o primeiro código eleitoral que tivemos. Contudo, o voto era facultativo e poderiam votar somente mulheres viúvas e solteiras que tivessem renda própria e mulheres casadas com a permissão do marido. Em 1934, com a promulgação da nova Carta Magna, o direito ao voto passou a ser um dever, independente do gênero. Essas conquistas são frutos do movimento sufragista que buscava o direito ao voto feminino, o direito de se candidatar e de ser eleita.

Com o movimento feminino mais presente e forte, de lá para cá, foram criadas leis de ações afirmativas para incentivar e proporcionar mais espaço para as mulheres ocuparem cargos políticos. As leis para cotas de gênero nas candidaturas para as eleições proporcionais de todo o país tornaram-se as mais significativas até o momento. O quadro 1, a seguir, apresenta a evolução de leis de cotas de gênero no Brasil.

Quadro 1 – Leis referentes a cotas de gênero no Brasil

Fonte: Elaborado pelas autoras.

A Lei nº 9.100, de 1995, garantiu 20% dessa cota de gênero, sendo que dois anos depois, com a Lei nº 9.504, de 1997, a cota passou para 30%. Esta cota garantia que a lista de cada partido ou coligação incluísse pelo menos 30% por candidaturas de cada sexo nas eleições estaduais e federais. Contudo, a lei de 1997 também possibilitou o aumento de 30% do número total de vagas para candidaturas, permitindo que os partidos lançassem candidatos em até 150% do total de vagas. Outra mudança ocorreu no ano de 2009, com a Lei nº 12.034, a qual institui em seu artigo 10, § 3°, que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo”.

No ano de 2017, houve nova alteração, a Emenda Constitucional nº 97 vedou as coligações nas eleições proporcionais e isso afeta diretamente a cota de gênero. Agora, nas eleições de 2020, cada partido deve preencher o mínimo de 30% da cota, proporcionando assim a presença de mais mulheres na disputa política. Além das cotas de gênero, foi definida a reserva de no mínimo 30% do fundo eleitoral para o financiamento das campanhas das candidatas, a qual foi aprovada na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.617/2018.

Dois pontos nesta “evolução” das leis para cotas de gênero merecem destaque. Diante das novas regras, inicialmente os partidos e coligações aumentaram o número de candidatos masculinos nas disputas eleitorais, isto é, preenchiam a porcentagem necessária de candidatas aumentando o número total de candidatos. Somente com a Lei nº 12.034, em 2009, isso não foi mais possível. Outro ponto a destacar é que as cotas de gênero não são destinadas somente para mulheres. A cota foi sim criada com esse intuito, mas a cota representa a porcentagem de candidaturas por sexos.

Você já parou para analisar que sempre associamos a porcentagem a candidaturas femininas? Isso porque, de fato, as mulheres sempre foram minoria na política.

Para se ter uma ideia disso, vale conferir a Tabela 1, a seguir, elaborada pela Câmara dos Deputados, mostrando o número de mulheres eleitas para cargos políticos no Brasil até o ano de 2010.

Nota-se que o aumento na representação feminina na Câmara dos Deputados e no Senado Federal ainda é muito pequeno. A Câmara dos Deputados organizou, também, um estudo técnico com dados do Tribunal Superior Eleitoral em que analisa o desempenho das candidaturas das mulheres nas eleições de 2018 fazendo um comparativo com as eleições de 2010 e 2014.

O Brasil, mesmo após anos da criação de cotas para gênero das eleições, se encontra na posição 141ª, em um total de 193 países, no ranking da União Interparlamentar (IPU) que mede o percentual de mulheres nos parlamentos nacionais. Nesse ranking, de 2019, alguns países da América Latina aparecem entre os 50 primeiros, como:

– Bolívia (3º): em 2010, implementou a cota de 50% das candidaturas partidárias serem destinadas para mulheres e isso aumentou em 53% o número de mulheres deputadas e 47% de senadoras no país.

– Costa Rica (12º): em 1994, adotou a cota de 40% para candidaturas femininas nos partidos políticos. As mulheres eram apenas 12% das cadeiras na Assembleia Legislativa, hoje são 46%.

– Argentina (19º): em 1991, determinou o mínimo de 30% de candidaturas femininas nos partidos. A representatividade na Câmara dos Deputados aumentou de 5% para 41%. No Senado, a porcentagem de mulheres foi de 3% para 40%.

Dentro do cenário brasileiro, retomamos a pergunta central: as cotas de gênero nas eleições do Brasil funcionam?

A lei é positiva e proporcionou resultados significativos para o aumento na representação feminina nas eleições, mas ainda falta que isso se verifique nos resultados eleitorais. Importante dizer que os países citados, semelhantes ao Brasil, conseguiram alcançar resultados melhores quanto à participação feminina na política. Além das leis, há que se considerar como os partidos políticos tratam a questão, o desenho do sistema eleitoral e aspectos culturais, como o patriarcado e o machismo.

Para saber como essas questões estão presentes no dia a dia das mulheres candidatas, conversamos, em agosto de 2020, com duas então pré-candidatas a vereadora no estado de Santa Catarina: Mônica Duarte, de Florianópolis, e Giovana Mondardo, de Criciúma, que falaram um pouco sobre a realidade de ser candidata em nosso país.  Clique na imagem para assistir o vídeo.

Considerações

Percebe-se que a representação política é marcada por desigualdades de gênero, os homens detêm o monopólio político em um país onde as mulheres representam 52% da população. Podemos dizer que a reduzida participação de mulheres, assim como de diferentes etnias, idades e condições sociais, expressa uma fragilidade da democracia, que não representa a diversidade de perfis e de ideias que estão presentes no conjunto da população.

As mulheres enfrentam muitas limitações que as afastam na ocupação dos espaços de poder, como a violência política de gênero. E não se trata apenas do machismo, como podemos observar no vídeo com as pré-candidatas a vereadoras, também existe a falta de apoio e preparo dos partidos políticos, além da tentativa de burlar a lei de cotas de gênero na utilização de candidatas laranjas. Os partidos políticos, que são peças chaves na accountability do processo eleitoral, muitas vezes criam entraves para a participação das mulheres na política, e assim fragilizam o sistema de accountability democrático como um todo. Para evitar o enfraquecimento desse sistema, é importante a participação da sociedade no processo, cobrando transparência no preenchimento das cotas de gênero, no financiamento das campanhas e, também, demandando dos órgãos de controle a responsabilização de partidos que infringem as leis. Esses são alguns dos passos para a articulação da inclusão feminina e da diversidade nos espaços de poder.

Além disso, precisamos de mais mulheres e homens eleitos compromissados com a equidade de gênero, que lutem para construção de uma sociedade para todos e contribuam para uma política representativa.

“Não é suficiente que haja muitas mulheres, mais mulheres ou mesmo número de mulheres, se a maioria delas ainda obedecer aos patriarcas e repetir a linha sem questionar o porquê. Precisamos de uma reforma intelectual e moral” – fala da cientista política e ex-deputada da Bolívia, Jimena Costa.

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Camila Rizzatto e Géssina Zaniboni, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountabilily, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2020.

*Publicado também no Blog Gestão, Política & Sociedade, do Estadão, em 02 outubro de 2020.

Para saber mais sobre o tema participação feminina na política:

[Vídeo Jornal do Almoço Florianópolis] Mulheres na política: Por que a representatividade feminina em cargos públicos é baixa?

[Vídeo Jornal do Almoço Florianópolis] Mulheres na política: Como o poder do voto feminino ajuda a transformar a sociedade?

[Blog Az Minas] Mulheres ainda ocupam poucos espaços de liderança no Congresso

[Vídeo do Quebrando o Tabu] Série ELEITAS, co-produção entre Instituto Update, Maria Farinha Filmes, Quebrando o Tabu e Spray Content. A série é composta por 3 episódios: Mudança Cultural, Violência de Gênero e Paridade.

[BBC News Brasil] Candidatas laranjas: pesquisa inédita mostra quais partidos usaram mais mulheres para burlar cotas em 2018

[Blog Gênero e Número] Dos 35 partidos que disputaram as eleições, 25 apresentaram candidaturas com zero ou um voto em 2016

Referências

BRASIL. Lei n° 9.100, de 29 de setembro de 1995. Estabelece normas para realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9100.htm. Acesso em: 9 ago. de 2020.

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BRASIL. Lei n° 12.034, de 29 de setembro de 2009. Brasília, DF: Presidência da República, 2009. Altera as Leis n° 9.096 de 19 de setembro de 1995 – Lei dos Partidos Políticos, 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12034.htm. Acesso em: 9 ago. de 2020.

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