Por Marcos Alan Demikoski, Mariana de Oliveira Fuhrmann e Thais Figueredo*
Em uma democracia representativa como a brasileira, espera-se que o povo eleja seus representantes para criar e votar em leis, políticas e outros assuntos governamentais. Para que haja legitimidade na escolha dos representantes, há um processo eleitoral que é administrado por um ente especializado, a Justiça Eleitoral.
Entende-se que a ausência de representatividade democrática leva a uma disfunção do Estado Democrático de Direito que tende a gerar descrédito e desconfiança da população perante suas instituições governamentais. Além do mais, a tendência é de que a ausência de pluralidade representativa faça com que os eleitos governem em causa e interesses próprios, tomando decisões que afetam negativamente aquilo que se pode compreender por interesse público.
Assim, a legitimidade do processo eleitoral, nos apresenta eminente importância, pois é a base que sustenta o nosso pacto político constitucional. Uma eleição não pode ser um jogo de cartas marcadas, o processo deve ser íntegro e transparente para evitar a desconfiança generalizada da população perante o Estado e os eleitos.
Teóricos como Manuel Castells afirmam que nosso contemporâneo pode ser entendido como a era da pós-verdade, na qual as pessoas demonstram certa indiferença aos fatos objetivos e preferem acreditar em apelos emocionais e crenças pessoais. Essa tendência contemporânea leva a uma ruptura da relação entre governantes e governados, produzindo a “total decomposição do sistema político [inclusive] do Brasil”, por exemplo. Tal colapso da democracia liberal enquanto modelo político de representação e governança abre espaço ao pós-liberalismo, sob uma aparente expressão de ordem revestida pelo caos, que figura com partidos nacionalistas, xenofóbicos e críticos à política tradicional.
Para Castells, em tempos de pós-verdade, “a fragmentação da mensagem e a ambiguidade da comunicação remetem a emoções únicas e pessoais constantemente realimentadas por estratégias de destruição da esperança”. Portanto, ao evocar o medo na população, há uma quebra no vínculo entre o pessoal e o institucional, o que facilita a adesão às políticas ultra liberais e conservadoras da extrema-direita levando, por exemplo, um “personagem estrambólico, narcisista e grosseiro como Trump à presidência imperial dos Estados Unidos”, e a Jair Bolsonaro à do Brasil.
Em contraste ao processo eleitoral constitucionalmente instituído no Brasil, a campanha presidencial de 2018 foi marcada pela disseminação de desinformação em larga escala via mídias sociais e aplicativos como o WhatsApp. A proteção dada pela criptografia desses aplicativos dificulta o rastreamento da origem das mensagens, bem como a facilidade de encaminhamento de desinformações de forma viral a um segmento em particular é terreno fértil para a propagação de atos atentatórios ao processo eleitoral democrático.
Para além disso, a qualidade do debate depende de informações qualificadas, verdadeiras, disponíveis e acessíveis à população.
A consequência das campanhas de desinformação gera muito mais que um cenário eleitoral acirrado, mas uma sociedade dividida, ou melhor, polarizada. Uma sociedade desunida e em conflito é terreno fértil para discursos e narrativas autoritárias que necessitam do senso de desconfiança ao próximo para prosperar.
A disseminação de notícias falsas cria a dúvida, a desconfiança, polariza a sociedade entre nós e os outros, o bem e o mal. A consequência disso é desastrosa para as bases de um Estado de Direito Democrático que demanda principalmente uma sociedade civil unida e com fortes laços de confiança dentre seus cidadãos, ainda que apresentem opiniões divergentes. A confiança fortalece a cooperação entre os cidadãos e reforça as redes que dão alicerce as instituições democráticas.
A desconfiança corrói a sociedade civil organizada, que por conseguinte fragiliza as instituições democráticas deixando espaço para heróis com discursos autoritários prometendo exterminar o outro e seus atos que são reduzidos a criminosos e corruptos.
Atualmente, há algumas ações de investigação judicial eleitoral tramitando em sigilo junto ao Tribunal Superior Eleitoral contra a chapa vencedora do pleito presidencial. Há indícios de abuso de poder econômico, uso abusivo dos meios de comunicação, captação e gastos ilícitos de recursos na campanha eleitoral, corrupção e fraude. Ressalta-se que, se comprovada uma delas, há elementos para o reconhecimento da nulidade do último pleito presidencial.
Ante o exposto, observamos uma polarização e desorientação na sociedade com relação a seus representantes, mas espera-se que nas eleições de 2020, devido ao vários sistemas de combate às fake news, inclusive foi sancionada nesta segunda-feira (11) um trecho da Lei 13.834, de 2019, que pune com dois a oito anos de prisão quem divulgar notícias falsas com finalidade eleitoral. É um caminho para que os filtros e a disseminação de notícias falsas sejam mais rapidamente identificados pela população, com eleitores informados e não mais manipulados por falsas alegações.
Como proposta de resolução, destacam-se os sistemas de accountability, que podem ser resumidos como ferramentas de controle do aparelho estatal e dos cidadãos, com o objetivo de responsabilizar os agentes não comprometidos com as demandas e princípios democráticos. Em uma democracia, o povo é soberano, o verdadeiro detentor do poder, mas no cenário político em que nos encontramos, parece haver uma inversão de papéis.
Será que em 2020, nas eleições municipais, estaremos dispostos a aceitar o que aconteceu nas eleições de 2018? Cabe a nós, sociedade civil, trabalhar em rede de cooperação de controle social e institucional dos candidatos, partidos políticos e do processo eleitoral, visando evitar distorções que venham a afetar a nossa democracia representativa.
Confira o nosso bate papo com o Nícola Martins (ouça aqui), egresso em Administração Pública pela Udesc Esag e Bacharel em Comunicação Social pela Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina, SATC. Na conversa, abordamos os desafios ao combate à corrupção e fake news.
Afinal, o que estamos dispostos a aceitar nas eleições de 2020?
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Referências
ALTARES, Guillermo. A longa história das notícias falsas: utilização política das mentiras começou muito antes das redes sociais, e a construção de outras realidades era uma constante na Grécia antiga. El País. Madrid (2018). Acesso em 28 de outubro de 2018.
DOS SANTOS, João Guilherme Bastos et al. WhatsApp, política mobile e desinformação: a hidra nas eleições presidenciais de 2018. Comunicação & Sociedade, v. 41, n. 2, p. 307-334. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15603/2175-7755/cs.v41n2p307-334. Acesso em: 09 nov. 2019.
MAFFESOLI. Michel. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades pós modernas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000
O CAFEZINHO – https://www.ocafezinho.com/2019/07/03/senado-cria-cpi-das-fake-news/
SALVAGNI, Julice. Ruptura: a crise da democracia liberal, Manuel Castells, Zahar, Rio de Janeiro, Brasil, 2018, 150 p. Polis. Revista Latinoamericana, n. 52, 2019. Dispónível em: https://journals.openedition.org/polis/17173. Acesso em: 12 nov. 2019.
SILVA, Fernanda de Barros da. O regime de verdade das redes sociais on-line: pós-verdade e desinformação nas eleições presidenciais de 2018. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: http://repositorio.ibict.br/handle/123456789/1027. Acesso em: 09 nov. 2019.
Agência Senado. Com veto derrubado, lei prevê punição para quem divulgar fake news nas eleições. Brasília, 2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/11/com-veto-derrubado-lei-pune-quem-divulgar-fake-news-nas-eleicoes. Acesso em: 12 nov. 2019.
* Texto elaborado pelos acadêmicos de Administração Pública Marcos Alan Demikoski, Mariana de Oliveira Fuhrmann e Thais Figueredo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc ESAG, ministrada pela profª Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2019.