É legal, mas é moral? Por que uma pequena parte do funcionalismo público recebe remuneração acima do teto constitucional?




Se existe um teto estabelecido pela Constituição, como e por que isso acontece? É legal? É moral?
Os estudantes de administração pública da Udesc Esag realizaram uma pesquisa sobre o tema no primeiro semestre de 2017, tentando compreender e responder a questionamentos sobre o teto de remuneração de servidores. A pesquisa foi realizada com base na reportagem e dados publicados pelo Farol, relativos a auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) realizada em agosto de 2015, bem como informações dos portais de transparência, reportagens, legislação e consulta a especialistas.

A partir de hoje, 29 de Junho, publicaremos uma série de textos sobre o tema neste Blog do Grupo de Pesquisa Politeia, elaborados de forma coletiva por estudantes e professora da disciplina Sistemas de Accountability.
Nesta primeira parte, apresentamos um breve panorama sobre o tema. Nas próximas semanas, abordaremos alguns dos pontos que chamam a atenção na análise das planilhas de remuneração de diversos órgãos, em Santa Catarina, como o subsídio advogado, a venda de férias e licenças, o abono de permanência, e o acúmulo de vínculos. Daremos destaque a alguns órgãos, como a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, e às particularidades das empresas de economia mista no que tange à remuneração, como é o caso da Celesc. Mostraremos, ainda, uma “linha do tempo” com algumas das leis relativas ao tema.
O que diz a Constituição?
A Constituição Federal de 1988 estabelece tetos remuneratórios a serem observados pela Administração Pública:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[…]
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
O artigo 17 dos Atos das Disposições Transitórias prevê que:
Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

Desde 1988 até os dias atuais, a legislação pertinente ao tema vem sendo questionada e modificada (em breve publicaremos texto detalhado sobre isso), em meio a muitas controvérsias. Além disso, leis antigas, de antes da Constituição, ainda geram efeitos sobre a remuneração de certas categorias de servidores, muitas vezes em aspectos que, legalmente, não são considerados no limite do teto.

Para o cálculo do teto determinado pela Constituição, consideram-se apenas as verbas de caráter remuneratório, as quais incluem: vencimento básico, subsídio, gratificações e adicionais diversos. Verbas de caráter indenizatório – como auxílio moradia, abono permanência, vale alimentação, auxílio saúde, diárias e vale transporte – não integram o cálculo do teto, por força da própria norma constitucional.
O termo salárionão é apropriado quando se fala em servidores públicos. Embora seja comum falar em teto salarial, o correto, neste caso, é teto de remuneração, que corresponde à soma do vencimento com as vantagens pecuniárias.
Quadro 1: Os principais termos relativos à remuneração dos servidores públicos
Remuneração: é a soma do vencimento com as vantagens pecuniárias.
Subsídio: forma de remuneração usualmente aplicada aos agentes políticos.
Vencimentos: é a soma do vencimento com as vantagens pecuniárias permanentes.
Vencimento: é a retribuição pecuniária do cargo efetivo, fixada na tabela da lei.
Vantagens pecuniárias: é a soma dos adicionais com as gratificações e as verbas indenizatórias.
Adicionais: adicionam ao patrimônio do servidor. Exemplo: adicional de tempo de serviço.
Gratificação: pecúnia paga em virtude de atividade singular. Exemplo: função exercida.
Indenização: verba destinada a ressarcir ou compensar o servidor. Exemplo: Diária.
Por que foi estabelecido um teto de remuneração para os servidores públicos?
O propósito dos constituintes, ao estabelecer um teto de remuneração, era promover certa isonomia entre os servidores públicos, evitar privilégios de algumas categorias e órgãos e limitar os gastos com o funcionalismo público. Outras leis também foram estabelecidas nesse sentido, entre elas a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, LRF (Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000), que estabeleceu limite de gasto dos órgãos públicos com o pagamento da folha.
Desde 1988, no entanto, interpretações variadas, controvérsias e negociações têm garantido que certas categorias recebam remuneração bem maior do que outras. Embora a grande maioria dos servidores públicos receba muito abaixo do teto, chama a atenção que alguns poucos, concentrados em determinados órgãos, recebem os chamados supersalários.

Em Santa Catarina, os órgãos com o maior número de servidores que, em agosto de 2015, receberam remuneração além do teto são: Tribunal de Justiça (TJSC), Ministério Público (MPSC), Assembleia Legislativa (Alesc), Tribunal de Contas (TCE-SC), Secretaria da Fazenda (Sefaz), Procuradoria Geral do Estado e Celesc.

Em tempos de crise financeira, como a que estamos vivendo no Brasil desde 2014, inclusive com atraso de pagamento, as diferenças entre categorias de servidores são mais questionadas pela população e pelos próprios servidores.

Temos avançado? Quais as expectativas da população em relação à remuneração dos servidores públicos e seu desempenho?
Inúmeras reportagens e pesquisas vem demonstrando que a sociedade brasileira está mais vigilante em relação ao tema, exigindo transparência e justificação dos agentes públicos sobre sua remuneração. Tanto pelas diferenças entre eles, como pela qualidade do serviço que cada órgão entrega à sociedade em troca do investimento público que recebe.
A partir de 2012, com a entrada em vigor a Lei de Acesso à Informação, LAI (Lei nr. 12.527), a remuneração de servidores públicos passou a ser publicada nos portais de transparência de todos os órgãos públicos. Alguns órgãos tentaram escapar dessa previsão de Lei de Acesso à Informação, mas o entendimento do Judiciário tem sido o de fazer cumprir e divulgar todos os rendimentos, inclusive os chamados “penduricalhos” recebidos por cada servidor. A remuneração de servidores é um dos assuntos mais pesquisados pelos cidadãos nos portais.
Apesar dos avanços no sentido de estabelecer um teto, de buscar limitar os gastos com servidores públicos e de alcançar mais transparência na administração pública, ainda existem situações que geram dúvidas quanto à legalidade e à moralidade dos vencimentos, vantagens e gratificações de alguns servidores.
Ecoando expectativas e pressões da sociedade, em dezembro de 2016, o Senado aprovou e enviou para a Câmara o projeto de lei 6726/2016,  que pretende acabar com o “extra teto” de valores recebidos pelos servidores. O projeto lista 39 tipos de pagamentos que passam a entrar na conta dos valores que são abatidos do total da remuneração mensal do servidor, quando esta ultrapassa o teto constitucional. O presidente do Senado na época, Renan Calheiros (PMDB-AL), chamou de “penduricalhos” as gratificações e auxílios pagos para magistrados, integrantes do Ministério Público e deputados estaduais, por exemplo. Na Câmara, o projeto ainda aguarda designação de relator.

As justificativas para os excessos, ou as vantagens adicionais previstas incluem verbas indenizatórias, gratificações, ajudas de custo e auxílio-moradia ou auxílio-alimentação, ocorrendo muitas vezes, na visão do público em geral, abusos e inadequações quanto a essas vantagens adicionais. São essas vantagens que acabam por extrapolar o teto.
Os avanços em transparência geram oportunidade para debates mais profundos sobre o desempenho da administração pública, seus diversos órgãos e servidores. Inclusive os órgãos de controle, que se fortaleceram nas últimas décadas no Brasil, mas nem sempre correspondem às expectativas quanto ao seu desempenho.

As recentes descobertas sobre a corrupção no país e a crise financeira da administração pública, com muitos governos sem condições de pagar suas contas, vem aumentando as pressões, também, sobre os órgãos de controle. Os questionamentos do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Santa Catarina, Diogo Roberto Ringenberg, em manifesto de lançamento do movimento #MudaTC, ecoa as dúvidas de boa parte da população:
Onde estavam os tribunais de contas enquanto rombos fiscais bilionários eram construídos? O que faziam enquanto elefantes brancos eram erguidos para a Copa do Mundo e para as Olimpíadas, eventos que deixaram como legado apenas dívidas, despesas inúteis e escândalos de corrupção?
Ainda, os recentes debates no país sobre reforma trabalhista e reforma da previdência geram discussão sobre vantagens e benefícios que são concedidos a algumas categorias e não a outras. Até que ponto são direitos? Onde começam os privilégios? Como e porque foram aprovadas certos benefícios e gratificações? O que valia antes (e ainda vale para os servidores mais antigos) e não é mais sustentável do ponto de vista ético, moral e também legal, para os novos? 

Estas e outras questões estarão em pauta por aqui nas próximas semanas. Acompanhe!
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Esta é a primeira de uma série de textos que abordarão o tema do teto de remuneração dos servidores do estado de Santa Catarina. 
Os textos são de autoria coletiva dos estudantes do 8º semestre do curso de Administração Pública da Esag-Udesc, no primeiro semestre de 2017.
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Incentivos como promotores da coprodução: o caso do abastecimento de água da região metropolitana de São Paulo

Por Rogério Simões*
O processo de coprodução do bem público, segundo muitos estudiosos do assunto, deve ocorrer de forma voluntária por parte dos cidadãos, e não por imposição de obrigações, taxas ou multas. Os incentivos, em contraposição às punições, podem ser utilizados como uma forma de envolver os cidadãos em temas públicos, contribuindo para que estes coproduzam os serviços prestados por agentes governamentais. Jeffrey Brudney e Robert England (1983), pioneiros no estudo do tema, apontam que a coprodução requer uma combinação de atividades realizadas pelos produtores regulares de serviços públicos e usuários (cidadãos). Essas atividades são positivas (em vez de negativas), voluntárias (diferente das cumpridas por hábito ou temor de represálias) e ativas (e não passivas).

Um caso brasileiro interessante do emprego de incentivos para motivar a participação cidadã em assuntos públicos foi a crise hídrica pela qual o estado de São Paulo passou entre os anos de 2013 e 2015, que praticamente inviabilizou o abastecimento de água da região metropolitana da Capital.
Durante esse período, devido à grande escassez de chuvas na região e ao volume impressionante de mais de 70 m3/s necessários para o abastecimento de água nas cidades que formam a região metropolitana de São Paulo, o volume armazenado nos reservatórios ficou próximo a 10% de sua capacidade total. Isso exigiu que a companhia de abastecimento de água de São Paulo (SABESP) adotasse medidas de utilização dos volumes de reserva do Sistema Cantareira para viabilizar o abastecimento de água durante mais de um ano (dados disponíveis em Sabesp/mananciais).

Como alternativa para aumentar os níveis de seus reservatórios, não dependendo somente do aumento da pluviometria da região, no final de 2014, a SABESP criou um incentivo aos cidadãos usuários, que consistia em um abatimento percentual nas faturas de água e esgoto para aqueles que reduzissem o seu consumo de água tratada e, consequentemente, contribuíssem para uma redução na água retirada dos reservatórios.

Os consumidores não se restringiram a reduzir o consumo de água tratada, simplesmente como um dever cívico, uma consciência de coletividade e de cuidado com um recurso comum e limitado que todos devemos ter. Muitos deles implementaram em suas residências formas de coleta de água da chuva para que a mesma pudesse ser utilizada na lavagem de áreas externas das casas, para regar plantas, etc, além de serem fiscais do desperdício de água eventualmente realizado pelos seus vizinhos, na lavagem de carros e calçadas, ou mesmo de problemas estruturais, como vazamentos na rede de abastecimento. Desta forma, os usuários participaram do desenho e da implementação de alternativas para reduzir o desperdício de água, agindo de forma positiva, voluntária e ativa com relação ao problema. Com esta medida, o volume de água tratada reduziu para pouco mais de 50 m3/s no início de 2015 (uma redução de cerca de 30% na produção de água tratada no período de incentivo), o que auxiliou na recuperação progressiva dos níveis dos reservatórios geridos pela companhia.

Apesar desses incentivos terem sido retirados no segundo semestre de 2016, devido à normalização dos volumes armazenados nos reservatórios e, consequentemente, do aumento da produção de água tratada, que atualmente é cerca de 60 m3/s, a medida de incentivo promovida pela SABESP refletiu em uma economia atual de cerca de 15% no consumo de água tratada. Isso mostra que os incentivos foram uma boa forma de atrair a atenção dos cidadãos para a problemática do abastecimento de água da região, auxiliando na normalização da prestação dos serviços na época da crise hídrica e na posterior redução do consumo em períodos de abastecimento normal, o que contribuirá para atenuar futuras possíveis crises no abastecimento de água da região.
Referências

BRUDNEY, J. L.; ENGLAND, R. E. Toward a definition of the coproduction concept. Public Administration Review. 43 (1), 59-65, 1983.

SABESP. Situação dos mananciais. Disponível em http://www2.sabesp.com.br/mananciais/DivulgacaoSiteSabesp.aspx

* Texto elaborado por Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Vida alternativa (mas nem tanto): reflexões sobre o filme Capitão Fantástico à luz da delimitação dos sistemas sociais de Guerreiro Ramos (1989)

Por Maria Clara Ames*



Quem já assistiu ao filme Capitão Fantástico (2016) (trailer) sabe do inspirador personagem de Viggo Mortensen como pai de seis filhos. Ele e sua esposa haviam optado por morar com os filhos isolados em uma floresta. Longe da sociedade, a família cria seus próprios métodos de estudo, de produção de alimentos e de cuidados com a saúde do corpo e da mente.
O filme pode levar a uma reflexão sobre a diferença entre os sistemas de ensino tradicionais e a possibilidade de outras alternativas, como o ensino em casa ou homescholing.

Outro elemento para reflexão, para o qual este texto se direciona, diz respeito à escolha dos personagens por viver uma vida alternativa e isolada da sociedade convencional. A história se desenrola quando o “capitão fantástico”, como era chamado pela esposa, fica sabendo que ela cometera suicídio, enquanto estava internada para tratamento psicológico. Diante disso, os membros da família se veem obrigados a interagir com outras pessoas, enfrentando problemas decorrentes de seu estilo de vida peculiar.

Ao abrir mão do que seria uma vida típica em seu país, especialmente sua cultura de consumo (“O negócio dos Estados Unidos são os negócios”, ironiza o personagem de Mortensen), uma vida alternativa e livre de regras estabelecidas pela sociedade nem sempre permite uma ausência de regras ou um isolamento total do convívio social. Na verdade, as regras desse pequeno grupo eram bastante rígidas e seguiam uma rotina altamente disciplinada: acordar cedo, se exercitar, se alimentar, caçar, estudar, meditar, estudar música, regar plantas, entre outras tarefas.

O filme revela dilemas e desafios em se tentar reduzir a existência a um enclave individual e privado, longe de outros grupos ou regras convencionadas. Baseando-se no paradigma paraeconômico de Guerreiro Ramos (1989), o que vemos é a substituição do enclave econômico, altamente regrado e coletivo, por um enclave muito próximo do individual/familiar, porém não livre de regras.

Segundo Ramos (1989), o ser humano se atualiza ao participar de várias esferas da vida, em espaços de igualdade (isonomia) e em outros individuais, em contextos regulados e em esferas com poucas ou nenhuma regra. Além disso, quando um enclave, como o do mercado, predomina e seu ethos se insere nos demais, as pessoas perdem essa capacidade de atualização e desenvolvimento pessoal e passam a comportar-se segundo uma determinação externa. Nesse aspecto, a família em questão se aproxima do enclave isolado, o que, segundo França-Filho (2010), não constitui propriamente um sistema social.

O filme expõe pontos interessantes sobre o estilo de vida adotado, como diferentes possibilidades de crescimento intelectual e de conhecimento sobre o meio-ambiente. Mas suas exigências eram bastante rígidas, expondo os filhos a certos riscos, privações e constrangimentos. Tanto que os avós maternos se preocupavam com a segurança e o futuro dos netos.

Além disso, a falta de relacionamentos com outras pessoas fez com que os filhos tivessem dificuldades de interação, ao ir a um centro urbano ou ao fazer algo habitual para um jovem. Os dois mais velhos passam a questionar se o “método” do pai é adequado e paralelamente tecem planos para frequentar a escola e o ensino superior. O maior deles, por exemplo, com um incrível conhecimento sobre filosofia e ciências, ilustra essa dificuldade de interação social e, ao final, parte para conhecer outros países, como que compreendendo sua carência por experiência de vida.

Apoiando-se em Ramos (1989), percebe-se que a forma de criação do Capitão Fantástico parece ter reduzido as oportunidades de participação na esfera da vida convivial e política, pois embora desde crianças conhecessem a obra de pensadores políticos, não tinham oportunidades de debater essas ideias com quem pensasse diferente, ou de contribuir na coprodução de bens e serviços públicos em sua localidade.

O filme nos permite refletir que a unidimensionalização da vida humana pode restringir a atualização, se qualquer outro enclave social vier a predominar sobre os demais possíveis (Ver artigo França-Filho). O que se pode fazer então? Deve-se procurar viver uma vida harmoniosa entre os diferentes enclaves sociais, em espaços de isonomia (orientação comunitária) e de fenonomia (orientação individual), saber agir em esferas com alta ou pouca regulação, produzir, agir e participar da vida política, desenvolver diferentes atividades em diferentes organizações e saber distinguir entre as esferas reguladas e de lógica competitiva, como o mercado formal, de esferas onde prevalecem outras lógicas. Dito de outra forma, é estar atento para que um enclave não absorva ou anule as outras esferas da vida.

Referências

Capitão Fantástico (2016). Direção: Matt Ross. Universal Pictures, EUA, 118 min.

França-Filho, Genauto Carvalho de (2010). Decifrando a noção de Paraeconomia em Guerreiro Ramos: a atualidade de sua proposição. Organizações & Sociedade, 17(52), 175-197.
Ramos, Alberto Guerreiro (1989). A nova ciência das organizações. 2a ed. Rio de Janeiro: FGV.
* Texto elaborado por Maria Clara Ames, doutoranda em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

A coprodução como alternativa para aprimorar a coleta e a gestão de resíduos sólidos

Por Rogério Simões*

O crescimento populacional e a alteração dos modos de vida ao longo do último século acarretaram o surgimento de diversos problemas nas cidades. Um desses problemas é o volume de resíduos sólidos gerado, tanto no meio doméstico, como no meio industrial e comercial. Além do volume, as características dos resíduos gerados também se alterou, e seu impacto negativo na natureza se intensificou de forma exponencial.

A preocupação com a preservação do meio ambiente também vem ganhando destaque. Conforme Hannah Arendt, filósofa alemã, “Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida de homens mortais”. Este pensamento pode ser relacionado à preocupação ambiental, inclusive com a geração de resíduos sólidos, pois o tempo de absorção destes pela natureza (que no caso de alguns plásticos pode superar 200 anos) e sua correta destinação final em aterros sanitários (de forma a evitar a contaminação de solo, água e ar pela decomposição destes resíduos) se torna de suma importância para a criação de um espaço público adequado para o desenvolvimento das cidades.

Estima-se que, de todo resíduo sólido gerado pelo ser humano, aproximadamente 65% são de materiais que podem ser reciclados (papel, vidro, plástico, metal) e 20% são de materiais orgânicos que podem, através de compostagem, ser transformados em energia, adubo ou mesmo na geração de gás. Mas para tanto, deve-se ter os devidos cuidados de separação e armazenamento destes resíduos, para que possam ser aproveitados nos processos de reciclagem e/ou compostagem e, consequentemente, se reduzir o volume destinado aos aterros sanitários. Isto não é possível sem a participação ativa da população neste processo. Neste ponto, pode-se fazer relação com o conceito de coprodução, segundo o qual tanto os agentes públicos como os cidadãos são responsáveis pela prestação de um serviço público, visão apresentada por Verschuere, Bandsen e Pestoff (2012).

O envolvimento do cidadão nesse processo é fundamental para que o mesmo possa funcionar e gerar bons resultados. Na área de resíduos sólidos, o cidadão não pode atuar só como mero separador do resíduo produzido em seu ambiente doméstico, mas como multiplicador de suas ações (por exemplo, na participação da compostagem de seus resíduos orgânicos, seja na forma individual ou coletiva) e como fiscalizador dentro da comunidade onde está inserido. Pode também participar como fiscalizador do resultado final de todas as diversas ramificações do processo de coleta, observando a qualidade dos resíduos que chegam para a reciclagem e a compostagem, bem como a porcentagem de resíduos que ainda seguem aos aterros sanitários. Desta forma, poderá atuar eficazmente junto a sua comunidade para que o serviço prestado ocorrera da melhor forma possível.

Esta participação do cidadão só será possível se as concepções tradicionais de planejamento e gestão de serviços públicos forem atualizadas de forma a considerar o processo de coprodução como um mecanismo de integração e um incentivo para a mobilização dos recursos humanos presentes em uma comunidade.

Modelos de incentivo da participação cidadã através da regulamentação por leis (método normativo), como a taxação dos serviços de coleta de resíduos sólidos, de forma a punir aqueles que não participam do processo corretamente (método adotado em alguns países, onde os resíduos coletados são pesados e a taxa de lixo é proporcional ao volume/tipo de lixo gerado), apesar de muitas vezes apresentarem sua eficiência, não podem ser considerados coprodução, pois vários autores que abordam o tema assinalam o elemento “voluntário” como essencial na coprodução.

Como questionamento sobre isso, podemos apontar: será que a participação do cidadão deve ser incentivada somente através de uma maior conscientização e educação da população, mostrando sua importância no processo (o que podemos chamar de método comunitário), e dessa forma se configurar como uma coprodução do bem público? Ou existem outras formas de se obter os objetivos desejados de participação dos cidadãos, mesclando métodos normativos com comunitários?

Referências
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.


VERSCHUERE, Bram; BRANDSEN, Taco; PESTOFF, Victor. Co-production: The State of the Art in Research and the Future Agenda. Voluntas, 23(4):1083, 2012.

* Texto elaborado por Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

O que eu vejo perto de mim é coprodução? Relação entre prefeituras e comunidades

Por Bianca dos Santos Costa*


A literatura apresenta diversas dimensões e perspectivas relacionadas ao conceito de coprodução do bem público. Em nosso cotidiano, porém, não temos o costume de enxergar certas ações pensando em coprodução, ou seja, certas situações podem passar despercebidas e não discutidas como sendo um fenômeno dessa natureza.

A coprodução é definida por Salm e Menegasso (2010) como uma estratégia para a produção dos serviços públicos por meio do compartilhamento de responsabilidades e poder entre agentes públicos, agentes privados e cidadãos.

No âmbito municipal, as prefeituras lidam com diversas demandas e usualmente seus recursos e capacidades não são suficientes para atender a todos os serviços que a comunidade necessita. Considerando essa escassez de recursos e as impossibilidades de prestar todos os serviços, bem como o imenso potencial de contribuição da comunidade, a coprodução é uma alternativa para promover políticas que incentivem o engajamento do cidadão, juntamente com servidores, na prestação dos serviços públicos, seguindo alguns critérios.

A pavimentação de ruas com a participação das comunidades é um caso interessante para ser analisado sob as lentes da coprodução. Dependendo do município, esses projetos de pavimentação podem acontecer de diferentes maneiras. Em alguns casos, as prefeituras fornecem todo o material necessário para construção, como lajotas e cimento, e a mão de obra fica a cargo dos moradores, ou seja, a prefeitura busca esse apoio da comunidade para prover a prestação do serviço.

Um dos elementos que favorece a coprodução é a transparência dos processos, visto que as pessoas conseguem perceber quais os critérios e prioridades que estão sendo aplicados, fazendo com que o envolvimento do cidadão permita essa melhora na capacidade de reposta às necessidades da comunidade.

Outro caso que ocorre em prefeituras são os convênios efetuados com organizações não-governamentais, ONGs. No serviço de creches, por exemplo, as prefeituras podem fazer parcerias com ONGs que prestam o serviço a crianças e famílias, compartilhando recursos, conhecimentos e responsabilidade ao prestar esse serviço.

Porém, quando a relação entre uma prefeitura e uma ONG se resume ao repasse de recursos, muitas vezes insuficientes e instáveis, ocorre a dúvida se seria realmente coprodução ou se representaria apenas um tipo de terceirização precária. O simples fato de haver o envolvimento de um grupo na prestação do serviço pode não ser coprodução. Para isso, é preciso apresentar determinadas características que efetivamente considerem a participação de ambos os envolvidos – cidadãos/usuários e profissionais/servidores públicos – no planejamento e/ou na execução, representando mais do que o simples repasse de recursos para a prestação de um serviço por um valor menor do que seria necessário.

Acredito que tanto os projetos de pavimentação como as parcerias com ONGs podem ser representados como possibilidades de coprodução, pois conforme afirma Ostrom (1999), a coprodução representa a combinação de atividades em que tanto os agentes de serviço público como os cidadãos contribuem para a provisão dos serviços públicos. Porém, cada caso precisa ser analisado em detalhes, pois a simples transferência de recursos e responsabilidades não satisfaz essa definição, sendo necessária a observação de vários outros critérios, como a oportunidade de efetiva participação dos cidadãos, a contribuição para a qualidade nos serviços prestados e a redução dos custos, por meio de inovações em processos e compartilhamento de responsabilidades.


Referências

OSTROM, Elinor. (1999). Crossing the great divide: coproduction, synergy and development. World Development, Vol. 24, No. 6, pp. 1073-1087.1996.

SALM, José Francisco; MENEGASSO, Maria Ester. Proposta de modelos para a coprodução do bem público a partir das tipologias de participação. XXXIV Encontro Científico de Administração da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – ANPAD. Rio de Janeiro: ANPAD, Anais, CD-ROM.



* Texto elaborado por Bianca dos Santos Costa, aluna do mestrado profissional em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Práticas de coprodução em saneamento básico


Por André Souza Noronha Nepomuceno, Raphael Ewaldo de Souza e Vitor Bruno*

Muito se fala sobre a importância do saneamento para a qualidade de vida de uma sociedade. De acordo com dados do Instituto Trata Brasil/CEBDS (2014), a falta de saneamento básico é um transtorno em vários locais do Brasil e está relacionada diretamente com o aumento de doenças. Se toda a população brasileira tivesse acesso à coleta e tratamento de esgoto, estima-se que haveria uma redução, em termos absolutos, de mais de 70 mil internações por ano, associadas a infecções gastrintestinais; sendo que, dessa redução, mais da metade seria na região Nordeste. A restrição de água potável, o acúmulo de lixo e a destinação prematura dos efluentes líquidos favorecem o surgimento e o desenvolvimento de vetores e agentes que podem ocasionar doenças, como por exemplo, diarreia, verminoses, cólera, leptospirose e hepatite.
Saneamento é o conjunto de medidas que tem como objetivo resguardar ou mudar a situação ambiental com o interesse de reduzir ou eliminar doenças, promovendo saúde e melhoria na qualidade de vida da população. Em nosso país, o saneamento básico é um direito garantido pela Constituição Federal, definido pela Lei nº.11.445/2007 como o conjunto dos serviços de: abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais. Mesmo compreendendo que o conceito de saneamento abrange os serviços supracitados, o senso comum entende que o mesmo se resume ao acesso à água potável e à coleta e tratamento de esgoto (Instituto Trata Brasil, 2014).
Praticamente 17% da população mundial, em especial pessoas dos países em desenvolvimento, não possui acesso à quantidade mínima de água potável estabelecida pelas organizações competentes, cerca de 5 litros de água por dia; e 45% dos países do chamado terceiro mundo não possui acesso ao saneamento básico (ABES, 2016). No Brasil, a condição geral do saneamento, tanto no campo quanto nas cidades, continua ruim para as populações de baixa renda, apesar da evolução nos últimos 40 anos. Referente à participação da sociedade civil organizada, há uma garantia da participação de usuários e da sociedade civil em todos os plenários formalmente constituídos, desde o Conselho Nacional de Recursos Hídricos até os Comitês de Bacia Hidrográfica. Essa é uma forma de dar legitimidade às decisões e também uma maneira de ampliar as chances de implantação das decisões tomadas (Porto e Porto, 2008).
Neste texto, buscamos comparar distintas experiências associadas ao saneamento básico no Brasil, visando compreender se e de que maneira a coprodução de bens e serviços públicos ocorre nesta área, identificando pontos de convergência entre os casos analisados; sendo a coprodução entendida conforme a definição sugerida por Ostrom (1996), como o processo em que pessoas de diferentes organizações destinam esforços para a produção de bens e serviços que geram benefícios para o coletivo.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas
         Os comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs) são organismos colegiados, integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e começaram ser constituídos no Brasil a partir de 1988. A diversidade de atores que compõem os Comitês estabelece uma visão  democrática, que compreende diferentes perspectivas sobre os assuntos abordados, contribuindo para a representatividade da sociedade nas decisões relacionados à bacia hidrográfica. Os membros do colegiado são escolhidos entre si, quer sejam eles dos setores usuários de água, da sociedade civil organizada ou entidades do governo. Suas principais responsabilidades são: aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia; arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância; criar mecanismos e sugerir valores da cobrança pelo uso da água, além de implantar políticas de gestão ambiental no âmbito da bacia hidrográfica, como por exemplo, o Plano de Bacia.
Essencialmente, um comitê de bacia trabalha em sistema de redes e em coprodução. No âmbito de redes, sua própria estrutura favorece esse conceito, agregando diversos atores da sociedade em prol da gestão ambiental, do uso sustentável dos recursos hídricos e da sustentabilidade econômica. São agentes da sociedade civil, governos, indústrias e usuários de água que podem participar do comitê, fazendo parte da atividades e dando voz a diversos setores, tais como abastecimento público, energia, agricultura, pecuária e industrial.
O Plano define os usos dos recursos hídricos dentro de determinada bacia, operando como um plano diretor da água. A outorga do direito de uso da água depende, essencialmente, de um plano individual para cada bacia, considerando suas peculiaridades econômicas, geográficas e sociais. Na prática, baseado nas características físicas e econômicas da bacia, são definidos os principais usos com o intuito de preservar o recurso natural, priorizando atividades consideradas mais importantes e que mais demandam os recursos. Os Comitês foram oficializados pela Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997.
Existem diferentes exemplos da ocorrência de coprodução associados aos Comitês de Bacia. A própria definição das políticas ambientais compreende o envolvimento de diferentes atores, tanto no processo de elaboração das políticas como na implantação, em maior ou menor grau. Programas de pagamentos por serviços ambientais – PSA -, muito em evidência nos últimos anos, são essencialmente mecanismos de coprodução, uma vez que sua implementação e eficácia dependem da participação de proprietários rurais e de outros agentes usuários de água. Outros projetos podem se beneficiar da coprodução, por exemplo, a educação ambiental através de multiplicadores, que podem ser estudantes, associações de moradores e escolas.

Coprodução em casos de saneamento
            No Brasil, é possível observar em diferentes contextos e situações, arranjos de comunidades, organizações e governos atuando em conjunto para a concepção, desenvolvimento e execução de políticas e serviços públicos na área de saneamento. Destacamos três casos que trazem consigo distintos contextos e arranjos de atores. Um, envolvendo a provisão de um direito básico – água – em uma região totalmente escassa deste bem; outro, atuando na conservação de mananciais visando a manutenção da provisão deste recurso natural; e, por último, uma situação em que o planejamento e a execução do sistema de esgotamento de um condomínio foram realizados por meio de um arranjo típico de coprodução de bens e serviços públicos, por envolver governo, usuários e diferentes atores da sociedade no planejamento, desenvolvimento e manutenção do sistema.
         
          Consórcio Iberê

Figura 1: Logomarca do Consórcio IBERÊ
Fonte: website da iniciativa     

            O Consórcio Iberê surgiu de uma iniciativa da sociedade civil com o intuito de aplicar uma gestão por bacias hidrográficas no oeste de Santa Catarina. O objetivo do Consórcio é aplicar um gerenciamento ambiental e social integrando municípios pertencentes a uma mesma bacia. Em qualquer bacia, os impactos das ações se refletem em toda a sua extensão, principalmente em se tratando de recursos hídricos. É inócuo tratar essa questão isoladamente por municípios. Nesse caso, são sete os municípios integrantes e cada prefeitura disponibiliza um técnico como coordenador municipal do Consórcio, além da presença da sociedade civil e outras organizações. O presidente do Consórcio é sempre um prefeito de um dos municípios.
           Desde sua fundação, em 1999, o Consórcio Iberê já desenvolveu diversos projetos na área ambiental. O Projeto de Preservação, Conservação, Recuperação e Manutenção das Matas Ciliares é um caso de sucesso quanto à governança em rede e o modelo de coprodução. Os resultados mostram que quando há governança, participação e a sociedade civil é acionada para a solução de problemas, o resultado é imediato.
A coprodução acontece, por exemplo, com a participação de proprietários rurais que contribuem com seu trabalho na recuperação da mata ciliar existente em suas propriedades. Além disso, eles são multiplicadores de ideias; identificam, sensibilizam e trazem novos produtores para o projeto. Esse projeto conta com a participação financeira da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (CASAN) para: obtenção de materiais de isolamento das áreas a serem recuperadas; pagamento de pessoal (no caso, dois técnicos contratados pelo consórcio); material de divulgação e promoção de eventos educacionais e; compras de equipamentos, como computadores e material de expediente.

          ASA – P1MC


Figura 2: Logomarca da iniciativa ASA
Fonte: website do programa ASA
O programa desenvolvido pela Articulação Semiárido Brasileiro – ASA – no início dos anos 2000, visa a atender uma necessidade básica da população que vive na região: água para beber. Muito mais do que apenas água, suprir esta necessidade básica reflete diretamente no desenvolvimento de toda uma comunidade. Neste caso, por exemplo, possibilitou inúmeros avanços como: aumento da frequência escolar; diminuição de doenças e diminuição da sobrecarga de trabalho das mulheres, que antes precisavam caminhar quilômetros para obter um balde de água.

Figura 3: Cisterna do P1MC
Fonte: website do programa ASA

Como coloca o atual site do Programa, a experiência do Programa 1 Milhão de Cisternas – P1MC – demonstra um novo caminho para a construção de políticas públicas; um movimento que nasce com a mobilização da sociedade civil para propor uma política efetiva para o contexto onde vivem, e que se transforma em uma política de governo obtendo recursos previstos no Orçamento Geral da União.
A coprodução se dá, desde sua origem, por meio da tomada de decisão “de baixo para cima”, como mostra o vídeo-case do Programa, pois as comunidades decidem o município, doravante a localidade e, por último, a família que será beneficiada; há todo um consenso em planejar sistematicamente a implantação das cisternas para suprir o fornecimento para o maior número possível de famílias – uma vez que as famílias compartilham da mesma cisterna até que cada uma tenha a sua.
Da meta original, que corresponde a um milhão de cisternas instaladas, já foram implementadas 588 mil cisternas rurais  – até o final de 2016.

Esgotamento condominial em Recife

         Uma experiência brasileira emblemática foi analisada por Ostrom (1996), em artigo no qual a autora aborda dois casos para explorar a conceituação de coprodução, fazendo um paralelo entre  seus pontos-chave. Destacamos o caso que se desenrolou em Recife/PE, no nordeste do Brasil. Um engenheiro chamado José Carlos de Melo, junto a um grupo de cidadãos, desenvolveu um sistema condominial inovador de esgotamento, no qual pequenas adaptações em relação a projetos tradicionais fizeram com que cada unidade predial definisse seu modelo, tendo impacto no custo inicial de implementação e os custos contínuos de manutenção. Um exemplo foi a instalação das tubulações por baixo das calçadas ao invés das tradicionais tubulações que são enterradas por baixo das vias rodoviárias. Nessa etapa, o custo foi equivalente à ¼ do custo tradicional.    
 Esgotamento condominial
Figura 4: Ilustração condominial
Fonte: Google Images – busca livre
A coprodução ocorre no sistema condominial por envolver, além de especialistas na área, os residentes, desde o planejamento do layout, a manutenção e a negociação de custos. Isto promove uma cidadania ativa. Uma parte fundamental deste programa é a ativação dos cidadãos locais a participar desde o início, no planejamento dos seus próprios sistemas condominiais.
Os moradores se envolveram diretamente no planejamento, na instalação e na manutenção, e o sistema, por sua vez, foi ligado à rede de coleta do município. Fazer esse tipo de sistema funcionar de forma eficaz a longo prazo requer mudança na atitude e rotinas operacionais dos órgãos públicos, uma vez que exige a contribuição dos condôminos em todas as fases do projeto.
Embora os resultados sejam impressionantes para incentivar a coprodução em outras partes do mundo, o caso do sistema condominial demonstra três difíceis desafios: (i) a organização dos cidadãos e o engajamento futuro na realização das ações que envolvem o coletivo; (ii) o bom trabalho em equipe dentro de um órgão público; e (iii) uma coordenação eficaz entre os cidadãos e uma agência.

Implicações da coprodução no desenvolvimento de serviços públicos
Os casos apresentados mostram diversas possibilidades e bons resultados na coprodução de serviços públicos. Tanto no caso do Consórcio Iberê quanto no caso da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), os resultados se mostram expressivos e crescentes ao longo do tempo. Vale uma nota, em ambos a iniciativa partiu da sociedade civil e os governos entraram como agentes de apoio. Isso mostra a força que a coprodução tem de colaborar para que o Estado garanta acesso e assistência a toda a população. A dinâmica da sociedade civil se mostrou, nesses dois casos, mais eficaz que a centralização estatal.
Embora o campo pareça promissor para a coprodução e a gestão em rede, é inegável que há dificuldades para seu desenvolvimento de forma ampla no setor de saneamento. Questões culturais, econômicas, burocráticas e até mesmo um entendimento mais aberto por parte de nossos administradores ainda limitam as possibilidades.
           Não é arriscado dizer que as redes são uma tendência, quase inevitável, em certos setores da economia. A própria inabilidade do Estado em alguns setores, o gigantismo que o obriga a realizar cortes, além do potencial da cidadania, a dinâmica do mercado e a competitividade acabam criando um ambiente em que o Estado não pode fugir dessa nova ordem. Cabe então à sociedade encontrar novos caminhos e mostrar que é possível, adotando um papel ativo no serviço público, somando esforços às instituições e evoluindo o modelo de democracia e coprodução do bem público, transformando os modelos vigentes, entendidos como ultrapassados, na direção de novos modelos que atendam aos anseios da sociedade.
REFERÊNCIAS
ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. A importância do saneamento no contexto mundial. São Paulo. 10 ago. 2010.  44 slides. Apresentação em Power-point. Disponível em: <http://www.fenasan.com.br/arquivos/apresentacoes10/1008_15h30_dante.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2016Instituto Trata Brasil. Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro. São Paulo: Instituto Trata Brasil/CEBDS; 2014. Disponível em: <http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/expansao/BOOK-Benef%C3%ADcios%20-logos.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2016.

PORTO, M. F. A.; PORTO, R.L.L.. Gestão de bacias hidrográficas. Estud. av.,  São Paulo, v. 22, n. 63, p. 43-60, 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 08 dez. 2016
OSTROM, Elinor. Crossing the great divide: coproduction, synergy, and development. World Development. v.24, n.6, p.1073-1087, 1996
LINKS
http://www.tratabrasil.org.br/
http://www.ibere.org.br/

http://www.asabrasil.org.br/acoes/p1mc

* Texto elaborado por André Souza Noronha Nepomuceno, Raphael Ewaldo de Souza e Vitor Bruno, no contexto da disciplina Governança e Redes de Coprodução, do Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Smart Cities: os caminhos que levam uma cidade a ser inteligente

Por Luciano Valentim Silva, Natasha Cristine Costa e Raquel Brancher*

Grande parte das definições de Smart Cities as apresenta como sistemas de pessoas interagindo e usando energia, materiais, serviços e financiamento para catalisar o desenvolvimento econômico e contribuir para a melhoria da qualidade de vida. Essas interações são consideradas inteligentes por fazer uso estratégico de infraestrutura, serviços, informação e comunicação com planejamento e gestão urbana para dar resposta às necessidades sociais e econômicas da sociedade.

De acordo com o Cities in Motion Index, do IESE Business School na Espanha, dez dimensões indicam o nível de inteligência de uma cidade: governança, administração pública, planejamento urbano, tecnologia, meio-ambiente, conexões internacionais, coesão social, transporte e mobilidade, capital humano e economia.

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         (Fonte: FGV Projetos – Link: http://fgvprojetos.fgv.br/noticias/o-que-e-uma-cidade-inteligente)

Mas até que ponto esses elementos realmente definem o que são as Smart Cities? Como medimos e avaliamos se uma cidade é inteligente? Quais dimensões devem ser consideradas?

Nesse sentido, Castelnovo, Misuraca e Savoldelli (2016) propuseram um modelo de análise que não se preocupa apenas com a definição do que é uma Smart City, nem quais dimensões devem ser consideradas, mas em como essas dimensões interagem entre si, e de que forma acontece a governança desse sistema complexo.

Essa análise parte do pressuposto de que as cidades inteligentes são aquelas que não veem a tecnologia como ponto central, mas que a utilizam para simplificar e melhorar as operações do governo, facilitando a interação entre o Estado, cidadãos e demais interessados, permitindo a participação cidadã e garantindo a inclusão e igualdade de oportunidade para todos.

Para que essa interação entre as dimensões seja possível, como também o envolvimento dos cidadãos, as estruturas governamentais devem ser flexíveis, incentivando a participação, tanto na implementação, como no monitoramento e na avaliação dos serviços.

Ao aproximar a sociedade das discussões, os agentes públicos criam laços de confiança com os cidadãos e, além disso, estimulam a participação e o sentimento de pertencimento, e compartilham a responsabilidade na produção dos bens e serviços públicos. Este envolvimento dos cidadãos não é apenas uma forma de legitimar as ações e a tomada de decisão, mas pode ser visto como um processo de inovação social que permite coproduzir valor público.

Os modelos internacionais de Smart Cities, ao lado de outras iniciativas adotadas em diversas cidades ao redor do mundo, sugerem de que forma a inovação, a tecnologia e a otimização na gestão de recursos podem servir de norte para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida da população urbana brasileira.

Apresentamos, na sequência, projetos de sucesso de duas Smart Cities bem-conceituadas mundialmente, Amsterdam Smart City e Montréal Smart City. No primeiro caso, a funcionalidade da cidade inteligente de Amsterdam está na divisão dos temas para resolução dos problemas e melhoria dos serviços da cidade. Os temas são: Infra-estrutura e Tecnologia; Energia, Água e Resíduos; Mobilidade; Cidade Circular; Governança e Educação; e Cidadãos e Vida (Fonte: https://amsterdamsmartcity.com/)

Observa-se que na “aba” Projetos (impressão de tela abaixo) qualquer pessoa tem acesso às informações sobre o desenvolvimento da cidade inteligente, é possível conferir os projetos que estão sendo executados e também enviar o seu próprio projeto. Exige-se apenas que este contribua para o desenvolvimento urbano inteligente e se refira a um dos seis temas da plataforma.


A seguir, observa-se algumas ações desta cidade inteligente:

Amsterdam Smart City
Projetos
Objetivos
Smart Flow
Solução que visa guiar o fluxo de carros e pedestres dentro da cidade de uma forma mais inteligente, fornece aos motoristas conselhos para os melhores e mais baratos lugares para estacionar. Também fornece aos visitantes e turistas orientação para evitar multidões e longas filas de espera.
Powow
Aplicativo que funciona como um canal de comunicação inteligente que busca trazer transparência e facilidade de comunicação entre os cidadãos e os serviços públicos durante emergências e transmissão de informações (para um bairro-alvo).
Co-Criando Espaços Urbanos Responsáveis
O projeto reúne designers urbanos, desenvolvedores de conceitos interativos e interessados locais para explorar o desenvolvimento de espaços urbanos responsivos, que possam se adaptar aos seus utilizadores em tempo real, melhorando substancialmente a qualidade residencial do local e a percepção de segurança dos utilizadores.
Fundo de Sustentabilidade de Amsterdam
Seleciona tipos de projetos que são elegíveis para financiamento. Considera a instalação de painéis solares em telhados, instalação de armazenamento de calor/frio, edifícios sustentáveis com uma cooperativa de energia ou, por exemplo, a reciclagem de matérias-primas. Qualquer pessoa pode apresentar um pedido para o Fundo: iniciativas de moradores, empresas e instituições sociais.
Civocracy
Uma plataforma on-line que envolve os cidadãos em questões políticas e sociais. Possibilita que os cidadãos aprendam mais sobre o assunto e expressem suas opiniões, mostra os melhores argumentos, notícias relevantes, e também dá uma visão geral de todas as maneiras que você pode ser ativamente envolvido, como assistir a uma reunião de prefeitura ou se inscrever como um voluntário.
Smart Students
Neste projeto, estudantes da Universidade de Ciências Aplicadas de Amsterdã planejam estudar como os moradores de Nieuw-West reagem a soluções inteligentes para seu ambiente.
Comissão Democratização e descentralização
Aprofundar a relação com a comunidade de Amsterdam, renovar o orgulho de suas universidades.


No caso de Montreal Smart City, a proposta é de trabalhar em nove áreas-chave, tendo como objetivo principal tornar Montreal líder de renome mundial entre cidades inteligentes e digitais até 2017. As áreas-chave para resolução dos problemas e melhoria dos serviços da cidade são: Desenvolver a rede de telecomunicações; Definir dados abertos; Atualizar a arquitetura tecnológica; Codesenvolver soluções com a comunidade; Otimizar viagens; Crescimento dos serviços digitais disponíveis; Desenvolver sites de inovação e aprendizagem; Reforçar uma cultura de transparência e responsabilização, e Promover um setor emergente e de última geração. (Fonte: http://villeintelligente. montreal.ca/en):

Assim como no exemplo anterior, na “aba” Projetos é possível verificar as informações de todos os projetos já em andamento, e na “aba” Colaborativo o usuário pode descobrir projetos, monitorar seus resultados e contribuir para seu desenvolvimento. Mas diferentemente daquela primeira, não há possibilidade dos cidadãos encaminharem projetos.

A partir de um esforço conjunto do governo e de seus cidadãos, se firmou o compromisso de tornar Montreal uma cidade inteligente de classe mundial até 2017, e desta forma criou-se o Smart e Digital City Office na primavera de 2014. Sendo assim, foi organizado um diálogo civil com parceiros institucionais e do setor privado, funcionários municipais e a população em geral. Partindo das discussões das melhores práticas e visando as reais necessidades da cidade, o comitê executivo elaborou e adotou o Plano de Ação Smart 2015-2017 de Montreal Smart e Digital City. Este documento determina os mais de trinta projetos concluídos ou em andamento.


Na sequência, apresentam-se algumas ações desta “cidade inteligente”:

Montreal Smart City
Projetos
Objetivos
Ver orçamento
Ferramenta on-line para permitir aos cidadãos um maior acesso ao orçamento municipal. Aproveitando-se da apresentação do Orçamento 2016 da cidade de Montreal, foi lançado em 25 de novembro de 2016 a primeira versão de sua nova ferramenta de visualização chamado “Orçamento Visão Geral”, que permite aos cidadãos compreender melhor e de forma simplificada o acesso à informação financeira relacionada com o orçamento municipal.
Cidadãos testadores
Um grupo de cidadãos faz testes de aplicações e serviços públicos digitais destinados a eles. São atividades de cocriação, testes de aplicativos, serviços ou produtos recém-desenvolvidos, etc.
Montreal quer entender melhor as necessidades e expectativas dos utilizadores, o montante dos projetos, e mantê-los envolvidos durante todo o desenvolvimento
Visita da segurança pública
Divulgação de dados relacionados à segurança pública (resposta de emergência, dados sobre o crime, incêndio, dados de segurança, etc.) e desenvolvimento de uma ferramenta de visualização de pesquisa para os novos dados e aqueles disponíveis em dados abertos.
Fundos de investimento
Intelligent Capital Mtl, um grupo formado inicialmente por empresas de capital de risco, 23 grupos financeiros e corporações. Estes 23 membros disponibilizam o montante de US$ 100 milhões em capital privado para financiar empresas inovadoras que não contribuem apenas para construir a cidade inteligente, mas também para o desenvolvimento do conhecimento e a criação de emprego na metrópole.

Ainda neste sentido, existe uma iniciativa capitaneada por diversas empresas e organizações públicas e privadas, que vem apresentando como resultado um ranking anual, denominado “Ranking Connected Smart Cities”. Este projeto foi desenvolvido com o intuito de elencar as cidades brasileiras que possuem iniciativas relevantes para o desenvolvimento das cidades, promovendo um crescimento sustentável e conectado, rumo ao conceito de uma cidade inteligente. Trata-se de um estudo único no Brasil, que tem por meta propor um crescimento balanceado, de modo a possibilitar um avanço qualitativo em áreas deficientes, tão comuns nos espaços urbanos brasileiros.

A última edição do ranking foi elaborada em junho de 2016, com a participação de mais de setecentos municípios, que foram avaliados a partir de um total de setenta e três indicadores, distribuídos em onze áreas ou setores, como mobilidade, tecnologia, saúde, segurança e educação. Ainda que esta categorização não indique com precisão o grau efetivo de desenvolvimento apresentado pelas cidades mais bem posicionadas, podem ser observados aspectos interessantes. Por exemplo, destacam-se nas primeiras colocações as capitais brasileiras, além de um grupo de cidades do interior do estado de São Paulo. As regiões sul e sudeste chegaram a atingir o percentual de oitenta por cento dentre as cinquenta melhor classificadas.

Os fatores determinantes para conquistar uma posição de destaque neste ranking resultam de um equilíbrio entre o avanço tecnológico e um bom desempenho nos índices socioeconômicos da população, de forma a proporcionar um incremento profícuo e consolidado na qualidade de vida dos moradores destes municípios.

Já existem cidades no Brasil dando os primeiros passos para se tornar uma “Smart City”, contudo, é importante que tanto os munícipes quanto os administradores públicos tenham consciência de que é necessário muito mais do que soluções tecnológicas para que uma cidade possa ser considerada inteligente.

É importante que exista engajamento mútuo e forte investimento em setores essenciais para a população, como educação, infraestrutura, saúde e segurança. E até mesmo mudanças culturais podem ser necessárias, de forma a viabilizar, em um futuro próximo, cidades de fato inteligentes. Conforme afirma Roberts (2004), a participação dos cidadãos é intrinsicamente valiosa porque desenvolve as mais altas capacidades humanas e promove um caráter moral ativo, de espírito público. Quanto maior for a participação, mais pessoas são atraídas para esse processo, o que o torna mais democrático e inteligente. Em outras palavras, a participação é um importante mecanismo de mudança e transformação social.

Referências

CASTELNOVO,W.; MISURACA,G. ; SAVOLDELLI,A. Smart Cities Governance: The Need for a Holistic Approach to Assessing Urban Participatory Policy Making. Social Science Computer Review, 2016, Vol.34(6), pp.724-739.

ROBERTS, N. Public Deliberation in an age of direct citizen participation. American Review of Public Administration, v. 34, n. 4, p. 315-353, Dec. 2004.

Links:

http://ranking.connectedsmartcities.com.br/

* Texto produzido por Luciano Valentim Silva, Natasha Cristine Costa e Raquel Brancher, em 2016, no contexto da disciplina Governança e Redes de Coprodução do Bem Público, ministrada pela Professora Paula Chies Schommer, no Mestrado Profissional em Administração da Udesc Esag.

Raquel Brancher é graduada em administração pública pela Udesc Esag e atualmente é acadêmica do mestrado em administração pela UFSC. 

Natasha Cristine Costa é graduada em administração pública pela Udesc Esag e atualmente é analista de licitações e contratos da gerência de serviços de engenharia da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – FIESC
Luciano Valentim Silva é graduado em administração pela Udesc Esag e atualmente é auditor federal de finanças e controle do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União – CGU.