Lei Rouanet: a nova “Bruxa do Guarujá”?

Por Marcelo Cogo*

A Lei Rouanet é um instrumento de incentivo à cultura no país, sendo ferramenta essencial na garantia do pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, conforme art. 215 da Constituição Federal. Contudo, a imagem da Lei Rouanet tem sido afetada por notícias sensacionalistas e as famosas “fake news”. As polêmicas que rondam a legislação são facilmente encontradas em sites de pesquisas, em manchetes que explicitam escândalos e chegam a apelidá-la de “roubanet”. Como a bruxa do Guarujá[1], a Lei Rouanet estaria sendo difamada inocentemente?

A Lei nº 8.313, de 1991, é popularmente conhecida como Lei Rouanet, nome este que lhe foi atribuído em homenagem ao seu criador, o então

[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

Ministro da Cultura Sérgio Paulo Rouanet. Sancionada durante o governo de Fernando Collor de Mello, em momento de conturbadas reformas políticas, a lei tinha como propósito a redução do aparato estatal. Para isto, idealizou-se um mecanismo de participação da iniciativa privada no financiamento de recursos culturais.

A Lei Rouanet é pautada em três mecanismos: Fundo Nacional da Cultura (FNC), Fundos de Investimento Cultural e artístico (Ficart) e o mecenato. É este último o mais representativo e conhecido, que costuma ser alvo de questionamentos e difamações. O mecenato consiste em uma forma de captação de recursos privados para o financiamento de projetos no âmbito da cultura e funciona da seguinte maneira: determinado proponente apresenta projeto ao Ministério da Cultura, o Ministério por sua vez, avalia o projeto em conformidade com os ditames da lei; sendo o projeto aprovado, o proponente deverá buscar apoio junto a pessoas físicas e jurídicas, que poderão deduzir de seus impostos o aporte concedido ao projeto.

As polêmicas diante do mecenato giram em torno dos projetos aprovados como DVD do MC Guimê, no valor de R$ 516.550,00, Blog de poesias de Maria Bethânia, no valor de R$ 1.350.000,00, Turnê do Luan Santana, no valor de R$ 4.100.000,00, Turnê Cirque du Soleil, no valor de R$ 9.400.450,00, dentre outros valores astronômicos aprovados para a realização de eventos de artistas e eventos já consagrados.

Eis que chegamos ao ponto crítico. Quando a pessoa física ou jurídica aceita conceder parte de seus impostos para financiar um projeto cultural, é importante perceber que o valor concedido refere-se a um recurso público, do qual o Estado renuncia em prol da cultura. Contudo, quem escolhe a quem financiar é a própria iniciativa privada. É uma política com viés liberal, na qual se concede ao particular o poder da escolha do quê financiar, mas ao mesmo tempo, é o Estado quem arca com os custos do projeto e do próprio marketing que será aproveitado pelos financiadores.

A lei não explicita nenhum tipo de limitação quanto ao que deve ser financiado ou, ainda, a verificação de projetos que detenham potencial lucrativo e por isso não necessitariam ser objeto de financiamento público. Esse é o entendimento do Tribunal de Contas da União, ao analisar a aprovação de renúncia em relação ao Rock in Rio 2011: “projetos que apresentem forte potencial lucrativo, bem como capacidade de atrair suficientes investimentos privados independentemente dos incentivos fiscais”, ou seja, são autofinanciáveis, não sendo necessário a utilização de mecanismos de incentivo público, como a Lei Rouanet.

Deve-se considerar, porém, que apesar das distorções apresentadas, medidas regulatórias podem ser realizadas com o objetivo de aprimorar a ferramenta de mecenato. Esta, apesar das inconsistências, juntamente com as demais ferramentas que compõem a Lei Rouanet, são os pilares que atualmente mantém viva as aspirações da cultura brasileira, já que, os valores absorvidos por meio da lei se aproximam ou até ultrapassam o valor orçamentário da “função” cultura.

Assim sendo, deve-se reconhecer a importância que a lei representa para a cultura brasileira, não julgando erroneamente e sacrificando um instrumento a partir da opinião midiática, mas buscando conhecer o mecanismo e entender que processos regulamentares são suficientes para sanar distorções e tornar a política legitima e efetiva. Assim, não haverá linchamentos que levam à morte, equivocadamente, inocentes que apenas foram difamados, mas que são de boa fé, como a Bruxa do Guarujá e a própria Lei Rouanet.

Caso os leitores queiram mais informações ou dados efetivos dos projetos no âmbito da cultura, recomenda-se o site http://www.versalic.cultura.gov.br.


[1] A dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi morta após ter sido espancada por diversos moradores do bairro Guarujá, em São Paulo, após um boato gerado por uma página em uma rede social que afirmava que a dona de casa sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra.

 

Para saber mais sobre o tema:

http://www.cultura.gov.br/

https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2016/05/lei-rouanet-pros-contras-e-a-certeza-de-que-precisa-mudar-5812001.html

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/lei-rouanet-acertos-e-problemas-a7plazies5emx39nu46dt5wnd

https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/29/cultura/1467151863_473583.html

http://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_08.09.2016/art_215_.asp

https://tarabori.jusbrasil.com.br/artigos/295693224/lei-rouanet-um-meio-legalizado-de-desvio-de-verbas-publicas

http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2018/02/05/sa-leitao-lei-rouanet-e-extremamente-inteligente-e-bem-sucedida.html

*Texto elaborado por Marcelo Cogo, estudante de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

 

Accountability no Terceiro Setor: Como as Organizações da Sociedade Civil e o Instituto Hope House prestam suas contas.

Por Barbara Figueira Marcondes, Luan Deggau, Rafael Konishi, Orly Gonçalves*

O Terceiro Setor é composto por organizações sem finalidades lucrativas, que prestam serviços voltados ao impacto na sociedade. Logo, são buscam atender a  demandas da comunidade e agem por meio de atividades que fomentem questões de educação, cultura, arte, saúde, meio ambiente, conscientização, e muito mais. O sistema de accountability nesse setor não é tratado como nos governos e empresas, pois os procedimentos de prestação de contas, controle e transparência devem ser adaptados às necessidades específicas das entidades. Sendo assim, como tais assuntos são tratados por essas organizações em meio a tantas responsabilidades que estas sustentam?

Estudos na área da accountability nesse setor vêm sendo explorados, porém, uma das principais questões quando se trata da prática em si é o fato de que poucos gestores da área tratam tais assuntos de forma central: a grande prioridade dessas entidades é manter suas atividades e aumentar cada vez mais o impacto positivo, principalmente na comunidade ao seu redor, levando em conta que parte do trabalho realizado por elas mantêm jovens e adultos longe, ou ao menos afastados, de fragilidades sociais, como a pobreza e a criminalidade.

Atuar no Terceiro Setor significa resolver problemas e encontrar soluções para as mais diversas questões que o campo enfrenta, realizando serviços, principalmente, por meio da empatia e do propósito no bem público com enfoque social: as pessoas e suas principais necessidades, de modo a servir o próximo com competência. Para isso, sabemos que é necessário o envolvimento da sociedade como um todo, não apenas como público-alvo das atividades, mas também prestando serviços diretamente com essas organizações, fomentando cada vez mais a colaboração, ferramenta extremamente essencial nessa área, a qual lida, predominantemente, com imensas vulnerabilidades humanas.

Sendo assim, a prestação de contas é imprescindível, não apenas para com o governo e suas diversas esferas (de acordo com o serviço prestado pela entidade), como também com a sociedade, buscando a confiança e a credibilidade desta, o que pode gerar uma identificação da pessoa para com a organização e fazer com que esta queira se envolver nas importantes causas em pauta.

No Instituto Hope House, a arte é a principal ferramenta para a inclusão e a aprendizagem. Utilizando pilares como religião, família e comunidade, e como principal bandeira a adoção, a entidade começou com a intenção de apenas uma pessoa – a atual presidente da organização, Themis Duranti – que, aplicando sua criatividade em cada etapa do processo, engajou diversos recursos para institucionalizar sua ideia. A ajuda veio dos mais diversos parceiros: setor privado, recursos públicos, parceiros internacionais, doações anônimas, etc., e perceber elementos como o quê fazer, por quê, para quem e como realizar foi essencial para articular e entender qual a configuração, características e contexto do ambiente a ser tratado, até finalmente sua idealização se transformar em uma Organização da Sociedade Civil.

Porém, as prestações de contas e atividades exigidos pelo governo na institucionalização e definição das entidades, muitas vezes, podem atrasar seus processos. No Instituto Hope House, sempre existiram questões quanto à morosidade, erros, desconfiança pelo poder público, dentre muitos outros. Um exemplo foi o fato de que o Conselho da Criança e do Adolescente, quando demandado, levou dois anos para comparecer à organização e analisá-la conforme suas atividades, o que acabou por prejudicar o andamento dos serviços da organização. Ou seja, em seu processo de controle e transparência, o Instituto acaba por atrasar seu andamento efetivo em busca das aprovações corretas por parte do poder Público.

Para a realização de uma prestação de contas eficaz, não só de recursos financeiros, mas das atividades como um todo, é necessário que as organizações contem com pessoas competentes, engajadas e, principalmente, com conhecimento e formação técnica para lidar com questões que exigem entendimentos específicos. Cultivar uma rede de contatos para facilitar parcerias e obtenção de recursos é primordial, mas nem todas as organizações possuem gestores com esse tipo de pensamento estratégico. O setor obtém grande relevância devido ao seu papel social e muitos impactos podem surgir a partir desse relevo. Mas, para isso, a sociedade civil precisa estar em consonância e discernimento com a importância da prestação desses serviços. Além disso, a rigidez dos processos burocráticos solicitados pelas esferas governamentais, por muitas vezes, se tornam incoerentes com a realidade vivida por muitas dessas entidades, resultando em, meramente, mais atrasos, erros e desconfianças.

Portanto, vemos que o sistema de accountability nesse setor poderia ser um processo muito mais simplificado, prático e eficaz, não fosse tão enrijecida a burocracia envolvida a caminho da institucionalização das organizações, bem como raso o empenho da sociedade civil em tais questões. É preciso adequar as práticas burocráticas e humanas a estas entidades que preenchem papel tão fundamental na sociedade, a fim de compreender a importância de sua existência e simplificar o trabalho já tão árduo desses gestores que possuem tal vocação e vontade de mudar a realidade de centenas de cidadãos em vulnerabilidade social.

Aqui temos a imagem da abertura das inscrições da das turmas de 2018.

 

Referências:

CARNEIRO, A. F., OLIVEIRA, D. L., TORRES, L. C. Accountability e Prestação de Contas das Organizações do Terceiro Setor: Uma Abordagem à Relevância da Contabilidade. 2011. Disponível em: <http://www.atena.org.br/revista/ojs-2.2.3-08/index.php/ufrj/article/view/1206/1142>. Acesso em: 22 mai. 2018.

FÉLIX, Rodrigo Gonçalves de Almeida. O Enfoque Sistêmico: Capacidade de Accountability no Terceiro Setor. 2010. Disponível em: <https://terceirosetoremfoco.blogspot.com.br/2010/09/o-enfoque-sistemico-capacidade-de.html>. Acesso em: 22 mai. 2018.

Instituto Pe. Vilson Groh: Olhares Sobre a Atuação em Rede / Instituto Pe. Vilson Groh – Florianópolis: Imaginar o Brasil Editora, 2015. Disponível em: <http://www.redeivg.org.br/wp-content/uploads/2017/01/E-book_IVG-OlharesSobreAtuacaoEmRede.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2018.

MARTINS, Catarina Marisa Soares. A Accountability no Terceiro Setor: o caso de uma organização da atual geração. 2014. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/77107/2/33209.pdf>.  Acesso em: 22 mai. 2018.

MENDONÇA, P. M. E., Leep Fellowship. Parcerias entre Estado e OSCs – desafios na construção de colaborações para implementação da Lei 13.019/2014. 2017. Disponível em: <http://www.icnl.org/programs/lac/MendoncaMROSCimplementacao%20Final.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2018.

PEREZ, O. C., BRITO, T. S. Accountability no Terceiro Setor: Como as Organizações Civis prestam contas de suas atividades. 2014. Disponível em:<http://www.convibra.com.br/upload/paper/2014/40/2014_40_9929.pdf>.  Acesso em: 22 mai. 2018.

PEREZ, O. C., BRITO, T. S., Accountability nas organizações do terceiro setor. 2016. Disponivel em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ReFAE/article/viewFile/5567/5366>. Acesso em: 22 mai. 2018.

SCHEFER, L. F. N., SCHOMMER, P. C., GROH, V. Governança em Organizações da Sociedade Civil: Aprendizagem e Inovação na Rede Instituto Padre Vilson Groh. 2018. Disponivel em: <http://www.periodicos.adm.ufba.br/index.php/rs/article/view/565/508>. Acesso em: 22 mai. 2018.

SILVA, Carlos Eduardo Guerra; MUNIZ, Reinaldo Maya; Accountability no Terceiro Setor. 2017. Disponível em: <http://www.valorcompartilhado.org.br/accountability-no-terceiro-setor/>. Acesso em: 22 mai. 2018.

 

*Texto elaborado por Barbara Figueira Marcondes, Luan Deggau, Rafael Konishi, Orly Gonçalves, estudantes de administração pública da Udesc Esag, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Você sabe quanto e de que forma o dinheiro do Estado de Santa Catarina é transferido para Municípios e Organizações da Sociedade Civil?

Por Bianca Carolina Hilleshein e Lunara Stollmeier Pandini*

 

Grande parte dos brasileiros sonha com um país mais justo, igualitário, transparente e sem corrupção. Um país onde as pessoas tenham mais acesso às informações governamentais, para que possam cobrar e controlar as ações do governo. Um país onde haja uma participação social mais ativa.

Como reflexo disso, e com o intuito de aproximar os cidadãos e as instituições do governo, foram desenvolvidas duas leis que regulamentam a transparência. A Lei nº 101/2000 , conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, que exige a disponibilização de informações sobre a execução orçamentária em tempo real, e a Lei nº 12.527/2011 , denominada Lei de Acesso à Informação, que regulamenta que as informações das atividades do Estado sejam públicas.

Segundo o sociólogo Lino Martins da Silva (2009), a transparência tem como objetivo garantir a todos os cidadãos o acesso às informações por meio de uma vasta divulgação das ações governamentais: passadas, presentes e futuras. Outros estudiosos indicam que as iniciativas de tornar a administração pública mais acessível, favorecem o exercício da cidadania, auxiliam na redução da corrupção e no aumento da democracia.

Assim, iniciativas que desenvolvem os mecanismos de transparência de informações são consideradas boas práticas de governança (Cruz et al., 2012). Um exemplo é o Portal SC Transferências, idealizado a partir de 2009 pelas auditoras internas da Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina, Daniela Potrich e Larissa Heuko.

 

   Layout do Portal SC Transferências

Fonte: SC Transferências. Disponível em: <http://sctransferencias.sc.gov.br/>. Acesso: 20 jun. 2018.

O Portal SC Transferências foi ao ar em 2012, como uma solução para um cenário de controle mínimo e de escassez de informações sobre as movimentações de recursos, conforme relato obtido na entrevista com as auditoras no Programa Nas Entrelinhas, da Rádio Udesc, no dia 05 de junho de 2018.

 

Lembro que, antes de 2012, não era possível sequer elaborar relatórios confiáveis com os valores transferidos para fins de gestão desses recursos. Ainda, em 2011, houve uma auditoria realizada por nós, que constatou desvio de mais de 6 milhões em recursos recebidos por entidades privadas.  Esses fatos, entre outros, demonstravam a necessidade de controle e transparência na aplicação desses recursos, afirmou Daniela Potrich.

Logo, o intuito do Portal é facilitar o acesso à informação; a comunicação entre cidadão e gestores; e contribuir com o controle dos recursos públicos repassados a municípios, entidades e pessoas físicas pelo Estado mediante disponibilização de informações detalhadas e com acessibilidade para qualquer cidadão, promovendo o controle social na aplicação desses recursos.

Atualmente, o Portal possui diversos públicos. Fazem uso das informações que disponibiliza servidores e gestores públicos, beneficiários dos recursos e órgãos de controle – Ministério Público, Tribunal de Contas – e o próprio cidadão, que se torna um agente controlador e fiscalizador das ações do Estado, entidades e pessoas físicas beneficiadas.

Diferentemente do Portal Transparência – uma iniciativa da Controladoria-Geral da União que tem como objetivo ampliar a transparência, possibilitando aos cidadãos o acompanhamento da utilização dos recursos públicos e auxiliando na sua fiscalização-, o Portal SC Transferências vai além da Lei de Acesso à Informação. Segundo Larissa Heuko, “[…] o Portal SC Transferências é mais detalhado e demonstra dados sobre a aplicação do recurso pelo beneficiário, quem ele contratou e quanto pagou pelo bem ou serviço”.

Por conseguinte, há a redução da assimetria entre as informações a que os cidadãos e o governo têm acesso, como exemplificou a auditora Larissa Heuko:

 

Antes de construirmos o portal, as informações estavam apenas no papel, nos processos administrativos dentro de cada órgão. Agora, praticamente todas as informações estão no portal e qualquer cidadão consegue verificar quem recebeu recurso público e como o recurso foi aplicado: quem foi contratado, quando e qual o valor. Desta forma passamos de uma situação que podemos chamar de precária para uma situação de total transparência. Essa transparência também beneficiou os órgãos de controle que muitas vezes podem realizar seus trabalhos sem a necessidade de requisitar todos os processos físicos aos órgãos fiscalizados, já que as informações constantes do portal são detalhadas.

 

No entanto, existe uma série de dificuldades nas tentativas de tornar o setor público mais dinâmico, eficiente e inovador. E não foi diferente com o Portal SC Transferências. As resistências encontradas eram de caráter técnico, político, financeiro e cultural. A transição de um sistema baseado em papéis para um sistema eletrônico, a viabilização dos recursos financeiros, bem como a elaboração e a aprovação de normas legais que obrigassem a utilização do sistema fazem parte dos diversos desafios encontrados na elaboração do Portal.

Nesse viés, apesar do famigerado estereótipo da figura do funcionário público enraizado em nossa sociedade, são exemplos como o aqui exposto que permitem um vislumbrar no futuro, com base em iniciativas concisas e presentes, a busca por melhorias no meio social.

Dessa forma, percebe-se os numerosos obstáculos a serem vencidos para que se crie novos mecanismos de transparência para o setor público. Entretanto, deve-se evidenciar as incontáveis vantagens advindas de tal mecanismo, e os consequentes benefícios sociais para a população.

Convidamos você, leitor, para acessar o site do Portal SC Transferências e descobrir a riqueza de informações que essa ferramenta disponibiliza.

 

Referências

CRUZ, Cláudia Ferreira; FERREIRA, Aracéli Cristina de Souza; SILVA, Lino Martins da; MACEDO, Marcelo Álvaro da Silva. Transparência da gestão pública municipal: um estudo a partir dos portais eletrônicos dos maiores municípios brasileiros. Revista da Administração Pública, Rio de Janeiro, 46(1), p. 153-176, jan./fev. 2012.

SILVA, L.M. Contabilidade governamental: um enfoque administrativo. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

BRASIL. Ministério da Transparência e da Controladoria-Geral da União. Portal da Transparência. Disponível em: <http://www.transparencia.sc.gov.br/>. Acesso em: 14 maio 2018.

SANTA CATARINA. SCTransferências: Transferências voluntárias de Santa Catarina. Disponível em: <http://sctransferencias.sc.gov.br/>. Acesso em: 14 maio 2018.

 

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Bianca Carolina Hilleshein e Lunara Stollmeier Pandini, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no curso de Administração Pública da Udesc Esag

 

Reforma da Previdência e Accountability Democrática

Por Ana Beatriz Senna*

Em contextos democráticos, o poder deve emanar do povo. Os governantes têm o dever de prestar contas de suas ações e omissões, submetendo-se a procedimentos de responsabilização. Esse processo, encadeado por responsabilidade, transparência e responsabilização, é denominado accountability (Campos, 1990; Pinho e Sacramento, 2009).

Os questionamentos de Anna Maria Campos, em texto sobre o tema publicado em 1990, contribuem para esclarecer a relação entre poder e accountability nas democracias:

[…] de quem emana o poder delegado ao Estado? Que valores guiam o governo democrático? 

Daí decorreu que a accountability começou a ser entendida como questão de democracia. Quanto mais avançado o estágio democrático, maior o interesse pela accountability. E a accountability governamental tende a acompanhar o avanço de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação, representatividade (Campos, 1999, p. 4).

Os cientistas políticos Fernando Luiz Abrucio e Maria Rita Loureiro, em 2005, propuseram um modelo teórico de accountability que transparece a correlação direta com o conceito de democracia. Segundo esses autores, a democracia possui três princípios orientadores: (a) soberania da vontade popular; (b) dever dos governantes de prestarem contas ao povo; e (c) Estado regido por regras. Desses princípios, nascem as formas de accountability: (a) processo eleitoral; (b) controle institucional durante os mandatos; e (c) regras estatais intertemporais, esquematizados na Figura 1:

Figura 1 – Princípios democráticos e formas de accountability
Elaborado pela autora, com base em Abrucio e Loureiro (2005, p. 81-2)

De acordo com esses autores, a consecução das formas de accountability depende, ainda, de instrumentos específicos e de um contexto ambiental adequado. Na Figura 2, apresenta-se um modelo representativo da teoria, elaborado pela autora, com a utilização de fontes complementares de pesquisa.

Figura 2: Representação de sistema de accountability democrática

No Brasil, em um contexto de importante crise política e fiscal, o Governo Federal propõe uma agenda de reformas estruturais, justificando a necessidade urgente de recuperação econômica.

A Reforma da Previdência compõe o pacote de reformas estruturais sugerido pelo Governo em 2017. Trata-se de medida que impactará direitos de parcela significativa da população. Cabe destacar que há expressivas divergências quanto à legitimidade da reforma.

Diante da proposta governamental e das divergências provocadas, houve o acionamento de formas e instrumentos de accountability democrática, tais como a instauração da CPI da Previdência (controle parlamentar) e estudo das contas específicas por parte do Tribunal de Contas da União, TCU (controle administrativo-procedimental). Ambos mecanismos destacados na cor verde na Figura 2.

Considerando que a Reforma da Previdência impactará direitos de parcela significativa da população, seria lógico pensar que, com base na democracia, dever-se-ia aguardar os resultados da CPI e o parecer do TCU para posterior decisão do Congresso. Seria adequado, inclusive, o acionamento de instrumentos de controle social, a exemplo do referendo.

No entanto, esse não é o trâmite em curso. O Parlamento atribuiu caráter de urgência à Reforma proposta e o tema tende a ser votado antes de se obter qualquer resultado da CPI, do TCU, ou manifestação da vontade popular. No caso concreto, verifica-se o esvaziamento do sentido da accountability: aplicam-se instrumentos de controle institucional durante o mandato, no entanto estes não conseguem interferir na ação governamental.

Isso ocorre porque a efetividade da accountability democrática depende de condições ambientais mais gerais, tais como: regime democrático, transparência, independência entre Poderes e instituições, cultura e educação políticas, pluralismo de ideias e imprensa livre. Observando-se as condições ambientais apontadas na Figura na cor amarela, percebe-se que há diversas condições ambientais comprometidas, impossibilitando a efetividade dos instrumentos de accountability acionados no caso da Reforma da Previdência.

Entre os requisitos ambientais não atendidos, que obstam a accountability democrática, pode-se citar:

a) Transparência: há pouca transparência quanto às contas da Previdência;

b) Independência entre Poderes e Instituições: verifica-se claramente um jogo político entre os Poderes, que compromete o requisito de independência, com a submissão da Câmara e do Senado ao Poder Executivo;

c) Cultura/Educação Política: a cultura política brasileira demonstra fragilidade para impulsionar a efetividade dos sistemas de accountability;

d) Imprensa livre: não se verifica uma imprensa diversa, livre e isenta; mas sim frequentes manifestações favoráveis à Reforma em grandes veículos de mídia, possivelmente em razão de interesses corporativos.

Ao discorrer sobre a accountability no Brasil, Campos (1990) advoga que a maior dificuldade de tradução do termo não reside no campo linguístico, mas sim cultural, dada a fragilidade democrática nacional. José Antonio Pinho e Ana Rita Sacramento ponderavam, em 2009, que o país encontrava-se mais próximo da tradução do termo do que quando Campos se defrontou com a questão, em 1990; no entanto, “[…] ainda muito longe de construir uma verdadeira cultura de accountability” (p. 1365).

Diante do exposto, infere-se que, enquanto a democracia e a accountability não forem, de fato, incorporadas à cultura nacional, o povo brasileiro permanecerá distante do efetivo exercício do poder, como havia dito Rousseau sobre o povo inglês: “o povo inglês só é soberano no momento da votação; no dia seguinte passa a ser escravo” (citado por Abrucio e Loureiro, 2005, p. 82). A análise do contexto da Reforma da Previdência permite a validação da inferência.

REFERÊNCIAS

ABRUCIO, Fernando Luiz; LOUREIRO, Maria Rita. Finanças públicas, democracia e accountability. In: ARVATE, Paulo Roberto; BIDERMAN, Ciro. Economia do Setor Público no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier; Campus, 2005 (p.75-102).

CAMPOS, Anna Maria. Accountability: quando poderemos traduzi-la para o português? Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, fev./abr. 1990. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/9049. Acesso em: 10 mai. 2017.

PINHO, J.A.G.; SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, 43 (6): 1343-68, nov./dez. 2009. Disponível em:<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6898>. Acesso em: 25 fev. 2017.

* Texto elaborado por Ana Beatriz Senna, em maio de 2017, na disciplina Sistemas de Accountability, do curso de Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer.

Qual é o critério para a celeridade no julgamento?

Por Camila Corrrêa, Laurieti Delgado e Lucia Helena Maier*

No dia 8 dia abril de 2017, Breno Fernando Solon Borges, 37 anos, foi preso por tráfico de drogas e de armas. Breno, que é filho da desembargadora Tânia Garcia Freitas – presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, portava 130 quilos de maconha, munições de fuzil e uma pistola nove milímetros no momento da prisão.

Ele permaneceu preso pouco mais de 3 meses, numa penitenciária em Três Lagoas, tendo sua liberdade concedida depois de dois habeas corpus. No mês de julho, a defesa solicitou a substituição da prisão por uma internação provisória em uma clínica psiquiátrica, alegando que Breno sofre de uma doença conhecida como síndrome de borderline e, por essa razão, não seria responsável por seus atos.
Na primeira instância, o habeas corpus foi negado, após consulta à direção do presídio, que informou que a instituição prisional oferece tratamento psiquiátrico aos internos e, inicialmente, nem Breno e nem a sua família teriam comunicado da doença. A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça e um colega de Tânia Garcia – mãe de Breno, o Desembargador Ruy Celso Barbosa Florence determinou que ele fosse transferido da prisão para uma clínica.

Mas outro mandado de prisão pegou os advogados de surpresa. Breno é investigado também pela Polícia Federal pela participação no plano de fuga de um chefe do tráfico de drogas. Novamente, os advogados recorreram e o pedido caiu nas mãos de outro desembargador. José Ale Ahmad Netto deu novo habeas corpus e ainda criticou a decisão do juiz de primeira instância, afirmando que ele havia “implicando obstáculo indevido ao direito do paciente, que necessita de imediata submissão a tratamento de saúde”.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu então procedimento para investigar se houve algum ato indevido na decisão que permitiu a saída de Breno da prisão. Outro fato chamou a atenção do CNJ, envolvendo a mesma Desembargadora e seu outro filho, Bruno Edson Garcia Borges, condenado em 2005 por assalto a mão armada. O inquérito foi concluído em apenas seis dias pelo delegado responsável pelo caso. A partir daí, o processo “voou”. Do crime até a condenação, foram apenas sete dias. Esse trâmite é um recorde, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas, Elias Mattar Assad.

A semelhança entre os casos dos irmãos Borges, de acordo com o corregedor do CNJ, João Otávio Noronha, causou estranheza e perplexidade, pela celeridade no julgamento e pela maneira como foi dada a liminar, estendendo um habeas corpus de uma outra ação penal que estava tramitando.

Casos como estes citados têm sido mais noticiados. Processos e julgamentos mais céleres em determinadas circunstâncias, enquanto que, em outras, a espera pelo julgamento em segunda instância torna-se mais um dos motivos para o crescimento da população carcerária no Brasil, um terço dela relacionada ao tráfico de drogas. Em alguns casos, os acusados demoram anos até conseguirem uma audiência e passam esse tempo na cadeia aguardando o julgamento. Já em outros, como no exemplo citado, o réu consegue em pouco tempo sua liberdade.

Apesar de haver avanços na Justiça e aprimoramento de leis, além dos diferentes critérios para a celeridade, ainda se verifica impunidade, geralmente relacionada a pessoas bem posicionadas na sociedade. No início deste ano, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação de quatro anos e 11 meses de prisão de um homem preso em flagrante por entregar a outro um cigarro com 0,02 grama de maconha. Já o político tucano Aécio Neves, acusado de diversos crimes como nepotismo, caixa dois, desvios de verbas da saúde, relações com Alberto Yousseff, mensalão e diversas citações na Operação Lava Jato, não foi punido e continua desfrutando de sua liberdade.

É uma diferença discrepante nesses casos, uma maneira arcaica de fazer justiça, pois ela só funciona para alguns enquanto outros apostam na impunidade, dadas suas relações políticas, dinheiro e poder. Essas ações mostram que o poder é concentrado e utilizado como convém a quem o concentra. Não há tratamento igualitário para todos os cidadãos, revelando que a democracia brasileira ainda é marcada pelo patrimonialismo. A celeridade na justiça mostra-se possível, desde que haja vontade. Não faltam instrumentos para se avançar na investigação, julgamento e punição céleres, mas há contradições e desvios nas práticas burocráticas e políticas, que contribuem para a seletividade de quem será punido ou não pelos seus atos.

Referências:

JUSTIÇA EM NÚMEROS, Conselho Nacional de Justiça, CNJ – http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros

PINHO, J.A.G. e SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, 43 (6): 1343-68, nov./dez. 2009. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6898

* Texto elaborado pelas acadêmicas Camila Corrrêa, Laurieti Delgado e Lucia Helena Maier, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em Administração Pública da Udesc Esag.

Coprodução para cuidado e proteção dos animais em Florianópolis: o caso do Instituto É o Bicho

Por Maria Clara Ames*

Uma questão de interesse público que vem ganhando evidência em Florianópolis e várias outras cidades é a proteção e cuidado com animais, especialmente pelo número de animais domésticos que hoje fazem parte da vida das pessoas. Soltos nas ruas brasileiras, estima-se que haja em torno de 30 milhões de animais. Até pouco tempo, esses eram recolhidos e sacrificados. Atualmente, o município de Florianópolis mantém canis e gatil para os animais abandonados. Cuidado este que partiu do protagonismo da comunidade da cidade.

Em setembro de 2002 foi lançado o site eobicho.org, com a finalidade de ser um canal para a adoção de animais resgatados das ruas ou situações de maus-tratos, por um primeiro grupo de protetores. A iniciativa “É o Bicho!” foi pioneira na cidade e se tornou um importante e eficaz meio de encaminhamento dos animais para novos lares. Em 26 de setembro de 2003, foi criado oficialmente a Organização Não Governamental de Proteção Animal e Educação Ambiental, dirigida por Mauricio Varallo, chamada “Instituto É oBicho!”.

Fonte: Instituto É o Bicho

Atualmente, Florianópolis conta com este e alguns outros institutos que se dedicam à proteção de animais. Entre eles, o É o Bicho atua em parceria com a administração pública para cuidar de cães e gatos e garantir sua proteção e redução de sofrimento. Além de intermediar voluntários que abrigam os animais e que podem vir a adotá-los, e orientar sobre como fazer denúncias de maus tratos, a organização repassa alimentos e cuida da saúde dos animais, em colaboração com o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), uma das diretorias da Secretaria Municipal de Saúde (conforme CCZ). No âmbito da Prefeitura, também atua  a Diretoria do Bem-Estar Animal, Dibea, responsável pelo recolhimento e acolhimento de animais, cuidados veterinários (clínico, cirúrgico, atendimento domiciliar), atendimento a denúncias de maus tratos e castração.

Alice Castro, professora de Administração da Udesc Esag, foi uma das pessoas que adotaram um cãozinho. Além de relatar de forma geral como o Instituto e o centro de zoonoses coproduzem, Alice conta que, após a adoção, seus colaboradores têm todo um cuidado e acompanhamento para saber se o cão está sendo bem cuidado e tratado. Até mesmo por redes sociais, às vezes um contato informal é o suficiente para saber que está tudo bem com ele, afirma Alice.

O Instituto É o Bicho atua, ainda, no combate ao uso de animais como comércio ou para entretenimento, rodeios, farra do boi, animais em circo, vivissecção e qualquer ação que implique em desconforto, maus tratos e violação dos seus direitos. Realiza trabalhos educativos e de conscientização em escolas e outros espaços, atua ativamente no resgate de animais e participa de discussões legais que possam contribuir para protegê-los. Ainda, divulga o vegetarianismo como prática necessária para vivermos em harmonia com os animais e repudiam qualquer atividade baseada na exploração e sofrimento destes. Um termo com o qual define a condição dos animais é como seres sencientes. A senciência é a capacidade se sentir, de ter experiências que afetam o ser positiva ou negativamente.

Os cidadãos podem colaborar de várias maneiras nessa questão pública. Podem se candidatar para adoção, podem optar pelo voluntariado em campanhas ou podem, ainda, apadrinhar um animal, contribuindo com recursos para que ele seja cuidado. Outras formas de doação abrangem contribuições únicas ou mensais, para cobrir despesas de kits de serviços ou procedimentos médicos, tais como vacinas, exames e castração.

Segundo o Instituto, quando um bicho é resgatado, ele precisa de vários cuidados para começar sua nova vida. Além de alimento, segurança e conforto, todos os animais protegidos são doados somente depois de recuperados, vermifugados, vacinados e castrados. O objetivo é doar 100% dos animais já castrados, sendo a única forma de se garantir um trabalho eficiente.

O Instituto não trabalha com abrigo e para isso conta com o acolhimento dos animas na casa de um protetor, ou em lares temporários voluntários ou, quando não se tem vagas, em hospedagens pagas mensalmente.

Em 2014, foi composto o Conselho Municipal de Proteção Animal de Florianópolis. A Lei complementar 489/2014, de 20 de março de 2014, dispõe sobre a criação desse Conselho, composto por membros do poder público e da sociedade. Há um representante de cada uma das seguintes Secretarias: da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano, da Guarda Municipal de Florianópolis, e um representante do Ministério Público Estadual (Grupo de Defesa dos Direitos dos Animais). Além de cinco representantes de ONGs de proteção animal diferentes. Inicialmente, ficou decidido pela participação das Ongs: Instituto É o Bicho, Protetores e Amigos Trabalhando pelos Animais (PATA), OBA Floripa – Organização Bem Animal, Associação Catarinense de Proteção aos Animais (ACAPRA) e R3 Animal.

Entre outras prerrogativas, essa lei torna obrigatória a castração de todos os bichos protegidos pelos Institutos, antes da adoção, baseados no princípio de proteção consciente.

O Instituto É o Bicho considera a castração como um cuidado imprescindível, porque além de proteger a saúde, protege futuros descendentes de experimentar o sofrimento e o abandono, ajudando no controle da superpopulação de cães e gatos. Os gatos selvagens, que são devolvidos à rua quando terminam o pós-operatório, recebem um pic na orelha esquerda e, assim podem ser identificados como já castrados, caso sejam recolhidos em outro momento.

Segundo dados da Dibea, da prefeitura de Florianópolis, em fevereiro de 2017, havia mais de 100 animais à disposição para adoção. Além do Dibea e do Conselho Municipal de Proteção Animal, um indicativo recente da repercussão do problema foi a notícia de um projeto de lei que discute a proteção dos animais como seres sencientes, encaminhado à Assembleia Legislativa do Estado (Projeto Lei 160/2017).

Considerando que o abandono de animais é um problema que deve ser resolvido em conjunto com a comunidade, a Diretoria fez um apelo para somar os esforços e engajar o maior número possível de pessoas ao projeto, surgindo assim o corpo de voluntários que, embasados pela Lei 9.608/98, dão suporte à Diretoria de Bem-Estar Animal, atuando nas comunidades carentes e no Canil Municipal. Hoje, o número de voluntários chega a 400, atuando diariamente em parceria com a Dibea.

Com essa rede de atores, mais os passos legais e instituições que começam a se fortalecer, percebe-se o encontro de diferentes formas de se abordar o problema. Do ponto de vista da administração do município, interessa um controle populacional dos cães e gatos que vivem nas ruas. O Instituto É o Bicho e outros citados inserem-se como atores preocupados com a proteção e cuidado da vida desses animais. A comunidade em geral doa seu tempo, cuidado e recursos, que se somam aos demais esforços e contribuem ativamente para a redução do número de animais que sofrem por maus tratos ou estão abandonados.

Dito de outra forma, as iniciativas motivadas inicialmente por problemas distintos – população de animas nas ruas e proteção e cuidado para com os animais, convergem em uma solução quando os esforços coletivos se encontram, demonstrando a importância da participação conjunta de servidores públicos e cidadãos. Estes, ao mesmo tempo que buscam garantir o cuidado e a saúde dos animais, contribuem para a redução de animais soltos nas ruas, ao acolhê-los em suas casas.

* Texto elaborado por Maria Clara Ames, doutoranda em administração, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.

Coprodução como uma alternativa para serviços de emergência

Por Maria Clara Ames e Rogério Simões*
Os serviços públicos em situações de emergência representam um grande desafio, mas também uma oportunidade para a administração pública. Inundações, incêndios ou acidentes requerem ações articuladas e respostas rápidas para salvamento e socorro às vítimas, bem como a apropriada alocação de recursos e gestão de pessoas para a restauração de uma certa normalidade. Isso ilustra a complexidade e a responsabilidade dos grupos envolvidos e pode ser uma oportunidade para o cidadão participar do enfrentamento do problema, exercendo sua solidariedade e contribuindo para a resiliência comunitária.
Essas redes de atores que coproduzem o serviço público em situações de emergência são o tema que esse texto se propõe a analisar. As três experiências aqui discutidas envolvem a articulação do serviço de bombeiros com a participação de voluntários. Esses agentes cooperam, em maior ou menor grau, no planejamento e execução de ações voltadas para o combate de incêndios, enchentes, inundações e serviços de emergências em geral.
A primeira experiência é o caso do Corpo de Bombeiros Militares de Santa Catarina (CBMSC) que, desde 1996, conta com voluntários treinados e capacitados atuando junto a eles nos seus serviços. Esse grupo é conhecido como bombeiros comunitários e sua entrada no CBMSC foi objeto de estudo de Guideverson Heisler (2011). O segundo caso de coprodução ilustra uma tentativa de engajar a população do condado de San Diego, no Sul da Califórnia, por meio da Rede de Recuperação de Incêndio de San Diego (San Diego Fire Recovery Network, SDFRN), no problema de queimadas na vegetação nativa do chaparral, conhecido como Cedar Fire (GOLDSTEIN, 2008). O último caso retrata um a coprodução entre a administração pública de Queensland, nordeste da Austrália, juntamente com um voluntariado participativo em situações de emergência decorrentes de ciclones e enchentes na região, conhecido como Mud Armies, ou “exército de lama” (RAFTER, 2013). Estas três iniciativas de participação ilustram oportunidades de coprodução, algumas de fato delegando poder à população local em várias etapas do processo, outras apenas na entrega de soluções. Nessa interação, também se verificam resistências e conflitos.


O CBMSC, desde 2003, passou de 35 para 90 municípios atendidos. Essa expansão deu-se, em parte, graças à inclusão de voluntários na forma de bombeiros comunitários, que são selecionados e capacitados com vistas a uma boa disponibilização de seus serviços. A aceitação dos bombeiros comunitários por parte dos bombeiros militares sofreu certa resistência no início. Entretanto, com o passar do tempo, os próprios bombeiros militares começaram a ver os bombeiros comunitários como uma solução para a falta de contingente e para uma melhor prestação do serviço junto à comunidade. Entretanto, alguns problemas ainda podem ser identificados, como: a formação dos instrutores, os voluntários com graus de instrução muito diferenciados; problemas com a inserção de mulheres como voluntárias, pois na cultura militar anterior as mulheres não faziam parte dos bombeiros e estes não sabiam lidar com problemas como relacionamentos que surgiram dentro da corporação; além da hierarquia e da disciplina militar que divergia em muito do que os voluntários eram acostumados.
        Já a SDFRN teve início com o Cedar Fire, o maior incêndio florestal da Califórnia, que devastou 273.246 acres de terra, no ano de 2003. A vegetação nativa do chaparral, altamente inflamável, somada a uma sequência de ventos fortes, criam as condições ambientais para as queimadas, recorrentes na região de San Diego, no sudoeste da Califórnia. A SDFRN foi formada por ativistas da região, consultores ambientais e gestores ambientalmente engajados. Eles reconheciam os limites do controle humano sobre as dinâmicas do ecossistema. Assim, sua proposta contemplava: (1) reconstruir a identidade do povo de San Diego, com iniciativas de voluntariado e para o desenvolvimento da cidadania; (2) promover o abrigo local e desenvolver a capacidade de proteger suas vidas e lares; (3) sugerir aos proprietários de terra o cultivo de vegetação nativa resistente ao fogo, para uma  reforma ecológica e social; (4) construção de casas resistentes ao fogo, e no design de uma matriz regional de áreas urbanas separadas das áreas de preservação. No entanto, seis meses após o grande incêndio, a participação na SDFRN, que foi intensa no início, começou a diminuir. A resposta do Estado às reclamações da população foi que os incêndios nesta região eram previsíveis e possíveis de controlar, enfraquecendo os argumentos da SDFRN. Como consequência, as agências governamentais mudaram a legislação e fizeram grandes investimentos na infraestrutura para combate aos incêndios.

      Em outra parte do globo, entre novembro de 2010 e abril de 2011, ciclones e inundações causaram imensa destruição e várias vidas se perderam em meio às enchentes que avassalaram as cidades da região de Queensland, na Austrália. Estes eventos proporcionaram uma oportunidade para o Departamento de Segurança Comunitária de Queensland, juntamente com o governo, repensar a forma como se relacionavam com o público, construir a resiliência nas comunidades e mobilizar os voluntários. Como resposta a esse problema, a gestão de desastres se focou na resiliência e responsabilidade compartilhada (coprodução) por todos os setores da comunidade e do governo para prevenir e mitigar estes desastres. Uma das suas prioridades é prestar apoio contínuo ao recrutamento, à manutenção, à formação, à compra de equipamento e ao incentivo do apoio não remunerado, buscando facilitar o voluntariado. O Serviço de Emergência do Estado (SES) é uma organização voluntária e é a organização normalmente responsável por ser o primeiro no terreno quando ocorre uma catástrofe. O Serviço de Bombeiros Rural, que desempenha o papel de primeiros socorristas em eventos de desastre, é também uma organização predominantemente voluntária. A iniciativa enfrentou alguns problemas, como os desafios para atrair, apoiar e reter voluntários: tempo, treinamento, custo, reconhecimento e o compromisso dos voluntários. Além disso, atualmente observa-se que muitos voluntários estão envelhecendo, e alguns jovens usam o voluntariado como um caminho para o emprego remunerado, de modo que eles permanecem em seus papéis apenas por curtos períodos de tempo.


A reflexão sobre as formas de coprodução nos três casos possibilita reconhecer os diferentes meios e os resultados no crescimento da participação da comunidade. As três iniciativas revelam elementos característicos da coprodução, reunidos no Quadro 1.
Quadro 1 – Análise das experiências de coprodução
CBMSC
SDFRN
SES QUEENSLAND
Ideia inicial
Resultado
Participação dos cidadãos
Só Execução
Delegação de Poder
Consulta
Delegação de Poder
Continuidade e Consistência
Processo Contínuo
Processo Contínuo
Não alcançado
Processo Contínuo
Valores Compartilhados
Top-down
Botton-up
Entre interessados da comunidade
Entre governo e comunidade
Responsabilidade Compartilhada pelos cidadãos – no design e/ou na entrega
Entrega
Entrega e Design
Não alcançado
Entrega e Design
Conflitos e Resistências
Sim
Sim
Sim
Não
Resiliência na Comunidade
Sim
Sim
Não
Sim
Fonte: elaborado pelos autores.
Analisando as experiências segundo os níveis de participação discutidos por Arnstein (2002), o caso de Queensland foi a experiência de coprodução mais exitosa, pois além de delegar poder à comunidade, tem consistência e é uma oportunidade para o diálogo e o compartilhamento de valores. Os conflitos ou resistência enfrentados inicialmente, tais como a burocracia, foram ajustados gradativamente, possibilitando o atendimento das emergências, a manutenção das iniciativas e a resiliência da comunidade da região.
No caso dos CBMSC, conseguiu-se que: os bombeiros comunitários participassem apenas na entrega (não no design) dos serviços de forma consistente e contínua desde 1996; os valores compartilhados são predominantemente os da corporação militar; a responsabilidade na entrega é compartilhada; e, embora tenha havido resistências iniciais e conflitos, a iniciativa tem contribuído para a resiliência na comunidade.
A experiência do SDFRN tinha um potencial muito grande em termos de engajamento da população, no intuito de planejar ações que contribuiriam na resiliência e responsabilidade dos cidadãos, bem como na consciência ambiental dos envolvidos. No entanto, a iniciativa foi suprimida pelas agências governamentais e, seis meses após a contenção do incêndio, começou a perder sua capacidade de articulação. O SDFRN conseguiu promover o diálogo e a colaboração entre os participantes, mas não foi reconhecida pelo poder público, e consequentemente, o design e a execução planejados foram absorvidos por um programa distinto estabelecido pelos agentes governamentais.
Conjuntamente, essas experiências ilustram como a delegação de poder pode estar associada às várias etapas da coprodução e ao compartilhamento de responsabilidades, bem como contribuir para a resiliência local. Além das etapas, revelam que a comunicação e preparação dos envolvidos pode ajudar a evitar conflitos e resistências, bem como ponderar a burocracia, que às vezes limita as ações, especialmente na condução de situações de emergências, enchentes e incêndios. O caso de San Diego mostra o desafio em se alcançar consistência e continuidade. Apesar de sua curta duração, representou uma iniciativa com grande potencial para a resiliência e distribuição de poder à comunidade. Todavia, sua trajetória foi interrompida, entre outras razões, porque a proposta não foi adotada pelos agentes públicos locais. Em busca de uma administração pública mais responsiva, futuras reflexões podem abordar de que forma iniciativas como essa podem se manter em atividade em longo prazo. Ou ainda, como criar condições para que a participação cidadã ocorra no design, no planejamento e na entrega dos serviços.
Referências
ARNSTEIN. Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Participe. Revista da Associação Brasileira para Promoção da Participação. Ano 2, N. 2, p. 4-13. Jan. 2002.
GOLDSTEIN, Bruce Evan. Skunkworks in the embers of the Cedar Fire: Enhancing resilience in the aftermath of disaster. Human Ecology, 36(1), 15-28, 2008. Disponível em: <https://link.springer.com/article/10.1007/s10745-007-9133-6>
HEISLER, Guideverson de Lourenço. Novo serviço público: uma análise da participação de voluntários em organizações estatais a partir do estudo do caso do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina. Dissertação (mestrado), Universidade do Sul de Santa Catarina, Pós-graduação em Administração. Orientação: Profa. Dra. Gabriela Gonçalves Silveira Fiates, 2011. 184 f. Disponível em: <file:///C:/Users/Acer/Downloads/CCEM_2011_Heisler%20(1).pdf>
RAFTER, Fiona. Volunteers as agentes of co-production: “Mud armies” in emergency services. In: Lindquist, E. A., Vicent, S, Wanna, J. (Eds.) Putting citizens first: Engagement in policy and service delivery for the 21st century. Canberra: ANU E-Press, 2013. Disponível em: < http://press-files.anu.edu.au/downloads/press/p250381/pdf/ch20.pdf>
* Texto elaborado por Maria Clara Ames e Rogério Simões, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade do Estado de Santa Catarina, Udesc Esag.