Coprodução: “Nada sobre nós sem nós” e a construção de um diagnóstico social participativo

Por Anna Carolina Melo Goncalves, Flávia de Souza Hülse e Paula Maria Petersen Haben*

A coprodução ocorre quando há  o engajamento mútuo de profissionais-servidores e usuários-cidadãos para a entrega de bens e serviços públicos, gerando sinergia, um resultado que não seria alcançado se ambas as partes trabalhassem isoladas.

Um exemplo de resultado que foi alcançado porque envolveu colaboração de profissionais e cidadãos foi o “Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis” lançado em  maio de 2017. 

Imagem 1: Conexão entre os serviços e destes com o cadastramento para construção do processo de saída da situação de rua | Fonte: extraído do Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis (página 9).

A realização do Diagnóstico é resultado do trabalho conjunto entre o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis (ICOM) e o Movimento População de Rua de Santa Catarina (MNPR/SC). com outros parceiros. André Schafer, um dos líderes do Movimento População de Rua em Florianópolis e participante ativo do projeto, participou de um bate-papo, durante aula no curso de administração pública da Udesc Esag, quando  afirmou que essa iniciativa tornou-se singular porque a população de fato foi ouvida e seus pontos cruciais foram destacados. 

O Diagnóstico fez uma proposta incomum, no seu contexto, qual seja: tornar as pessoas em situação de rua protagonistas de um processo de produção de informações e compreensão de um tema no qual usualmente são vistas  como objetos, não como sujeitos. O projeto contou com a participação da população em situação de rua não somente para a contabilização e coleta de dados, mas também na construção, aplicação e formulação da pesquisa, e nos debates públicos a partir dos dados. Por conta disso, trouxe à tona a importância da coprodução nesse campo, especialmente quando se refere à participação de segmentos da população que seriam os “alvos” de uma política pública, um projeto ou um serviço.  

Na conversa com André Scheifer, entre outros pontos, foi relatada a importância da elaboração do Diagnóstico, a configuração da coprodução no projeto, e explanadas sugestões e considerações sobre como construir iniciativas que tenham continuidade e contem com a participação dos diversos interessados, incluindo os sujeitos, cidadãos-usuários que conhecem a fundo a realidade, pois são parte dela.  

Então, esta análise refere-se ao contexto da assistência social, especificamente relacionada ao papel do governo, da academia e da sociedade civil organizada e a atuação efetiva em colaboração com a população em situação de rua, aplicado ao caso visto na população de Florianópolis e pela voz de um líder do movimento. 

Ademais, o entrevistado expõe a realidade em que serviços básicos, que supostamente são direito de todos os cidadãos, são negados à população em situação de rua. Nesse quesito, ele se refere aos auxílios refeição e alimentação, banho, remédios, moradia, saúde e entre outros. Em sua fala, relata o cotidiano de mulheres que têm negado o acesso e cuidado à higiene pessoal básica. Isso porque grande parte das políticas públicas, iniciativas e programas realizados no Brasil são feitas sem a participação das populações chave. 

Foi relatado pelo convidado que grande parte das políticas públicas para a população em situação de rua são realizadas sem a participação ativa das mesmas, o que dificulta o real entendimento sobre as suas necessidades e particularidades. Entendemos que o principal diferencial deste movimento na grande Florianópolis é evitar a ausência desta voz ativa das pessoas em situação de rua, desta forma incluindo-as como participantes, incluindo em reuniões e tomada de decisão, o que possibilita um diálogo mais transparente e fiel às reais necessidades dos cidadãos-usuários. 

A coprodução justamente focaliza a necessidade de envolver os usuários dos serviços públicos, para que sejam revelados os verdadeiros problemas e possibilidades. Sem a participação das populações assume-se o risco da construção de políticas vazias, ineficazes e fracassadas. Cabe aqui citar o lema das pessoas com deficiência, lembrado por André Schafer na aula e que se aplica a qualquer segmento da população: “Nada sobre nós sem nós.” 

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Anna Carolina Melo Goncalves, Flávia de Souza Hülse e Paula Maria Petersen Haben, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências

AMORIM, Mariana; BALDISSERA, Débora; MARQUES, Ingrid. Coprodução da informação em saúde: os exemplos da ACBG Brasil e da Wigtownshire Women and Cancer. Politeia Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão. 2022, Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/coproducao-da-informacao-em-saude-os-exemplos-da-acbg-brasil-e-da-wigtownshire-women-and-cancer/

ICOM – INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS, MNPR-SC MOVIMENTO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE SANTA CATARINA, Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis, https://www.icomfloripa.org.br/wp-content/uploads/2017/07/Diagn%C3%B3stico-Social-Participativo-da-Popula%C3%A7%C3%A3o-em-Situa%C3%A7%C3%A3o-de-Rua-na-Grande-Florian%C3%B3polis.pdf

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, Floripa social projeto de atendimento integrrado às pessoas em situação de rua, 2018, https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Pessoas_em_Situacao_de_Rua.pdf

Como o conhecimento sobre a cultura afro-brasileira pode contribuir para uma sociedade mais tolerante, diversa e democrática? O exemplo da Oficina de Ritmos e Cânticos do Candomblé

Por Kamilly Silva de Oliveira e Cristian Schilisting*

De acordo com dados do IBGE (2020), 54% da população brasileira se autodeclara preta ou parda. No entanto, mesmo diante do histórico de escravização e construção do país a partir da mão de obra escravizada vinda da África, posteriormente majoritária nos chamados subempregos, pouco se conhece de suas tradições e cultos que influenciaram e formaram o Brasil, sob diversos aspectos (musical, culinário, linguístico, vestuário etc.).

Quando pensamos em coprodução de bens e serviços públicos, normalmente buscamos por iniciativas que visem saúde, educação ou segurança, que, de fato, são serviços públicos imprescindíveis. No entanto, especialmente nesses tempos de pandemia pelo novo Coronavírus, foi possível evidenciar o quanto a cultura é relevante para a saúde física e mental das pessoas. Projetos, oficinais, cultos, shows e eventos são não apenas distrações, podendo também proporcionar novos conhecimentos, emoções e relações.

A Oficina de Ritmos e Cânticos do Candomblé, realizada em parceria pelo professor em música Alagbe Willian Camargo e a Prefeitura de São José, por meio da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, focaliza a aprendizagem através da prática musical voltada para os toques e cantigas dessa religião afro-brasileira.

Por intermédio da música e dos cânticos tradicionais, se propicia conhecimento sobre aspectos da cultura e valores dos povos iorubás, contribuindo de maneira indireta para a diminuição de casos de intolerância religiosa, que costumam ser motivados pelo preconceito, derivado da falta de conhecimento e de estereótipos racistas ligados à cultura afro-brasileira, que há muito tempo não são mais compatíveis com o país que desejamos e precisamos.

Antes de apresentar o projeto em questão, faz-se necessário que se conheça alguns conceitos e informações básicas. Por isso, deixamos como sugestão de leitura introdutória o livro O Candomblé bem Explicado, além do vídeo no Youtube do canal QG do Enem,  Historiando: O candomblé.

Intolerância religiosa e estereótipos que motivam os ataques

Para mostrar um pouco o problema da intolerância religiosa e suas consequências, apresentamos a seguir trechos de reportagem do jornal Brasil de Fato, por Marina Duarte de Souza.

Há 22 anos, a Yalorixá Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda de Ogum, faleceu em decorrência de um ataque motivado por intolerância religiosa. Um atentado ocorrido em janeiro de 2000 teve como alvo o terreiro de Candomblé Ilê Axé Abassá de Ogum, nas imediações da Lagoa do Abaeté, no bairro de Itapuã, em Salvador, capital da Bahia.

Em homenagem à Yalorixá, a data foi instituída como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 2007. Décadas depois, os ataques que afetaram Mãe Gilda ainda acontecem. No primeiro semestre de 2019, por exemplo, aumentou em 56% o número de denúncias de intolerância religiosa, em comparação ao mesmo período do ano anterior. A maior parte dos casos ocorreu com praticantes de crenças como a Umbanda e o Candomblé.

Os casos são registrados via Disque 100, número de telefone do governo criado em 2011, que funciona 24 horas por dia para receber denúncias de violações de direitos humanos. Entre 2015 e o primeiro semestre de 2019, foram 2.722 casos de intolerância religiosa – uma média de 50 por mês.

Os números podem ser ainda mais expressivos, já que em muitos casos as vítimas não denunciam as agressões, por medo de que a violência se repita ou de que o Estado não preste o apoio necessário.

Para acompanhar a apuração dos casos e dar assistência psicológica e jurídica às casas e praticantes das religiões de matriz africana, nasceu o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões de Matriz Africana (IDAFRO). A organização reúne advogados, contabilistas, sociólogos(as), sacerdotes e sacerdotisas  que já estavam articulados em um coletivo da sociedade civil em ações contra a intolerância religiosa.

O Supremo Tribunal Federal, STF, e outros órgãos de Justiça também tem discutido o tema da intolerância religiosa e adotando medidas para combatê-la.

A intolerância e a violência decorrentes são muitas vezes geradas por estereótipos sobre a religião e a cultura afro-brasileira, pelo racismo estrutural e por desinformação. Para combatê-los, um dos caminhos é promover informação, conhecimento e oportunidade de encontro entre as pessoas, o que pode acontecer por meio da música.

Oficina de Ritmos e Cânticos do Candomblé

A Oficina de Ritmos e Cânticos do Candomblé, realizada nos dias 13, 16, 19 e 20/02/2022, refere-se a uma oficina de prática musical voltada para os ritmos e cânticos de candomblé Ketu e Jeje. Tem como foco a aprendizagem do repertório que é comumente tocado nas festas públicas desta religião/cultura afro-brasileira. Mediante práticas individuais e coletivas, são ensinados diversos ritmos tocados nos instrumentos de percussão e os principais cânticos tradicionais.

De acordo com o fundador, o professor de música Willian Camargo “no candomblé ketu e jeje, quase tudo se faz cantando, dançando e tocando atabaques. A música tocada nos terreiros é uma herança cultural resultante de combinações rítmicas, sonoras, textuais e gestuais, fruto do caráter de resistência de várias etnias africanas que vieram para o Brasil.

Diante da pandemia de Covid-19 e suas consequências, o apoio público a projetos culturais teve Mecanismos específicos como os da Lei Aldir Blanc, que dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública. Em Santa Catarina, foi possível inscrever-se por meio da Fundação Catarinense de Cultura. Cada projeto submetido passa por análise e, caso aprovado, recebe financiamento e outros tipos de apoio. Há também iniciativas organizadas e financiadas pelos governos locais, como acontece em São José/SC, por meio da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, que apoia a Oficina. O projeto é divulgado nos sites da prefeitura, promovendo publicidade, além de amparo legal para serem realizados e do apoio financeiro.

As oficinas são realizadas no salão principal do terreiro de candomblé Ilê Axé Omim Babá Oxaguian, conhecido como Terreiro do Pai Edenilson, sendo abertas a qualquer pessoa interessada, integrantes ou não do candomblé.

 Cada oficina tem duração de 60 minutos, em formato presencial com transmissão online em tempo real. A dinâmica da oficina estimula a interatividade entre o ministrante e os participantes. Posteriormente as aulas ficam gravadas no canal do Youtube: Alagbe Willian Camargo.

Através da relação entre o profissional da área, o poder público e os alunos, são compartilhados ensinamentos sobre a cultura candomblecista e, portanto, afro-brasileira. Além da música em si, o trabalho auxilia de maneira indireta no combate à intolerância religiosa, através do conhecimento e da empatia, dissipando medos e estereótipos comuns sobre religião e outros aspectos culturais.

Considerações

Com base nesse exemplo e nas fontes consultadas, foi possível identificar que projetos de coprodução ligados à cultura podem desempenhar um papel significativo e educativo para a sociedade.

Os africanos, assim como seus descendentes, tiveram seu culto proibido durante séculos, sua identidade apagada ao serem batizados com nomes e sobrenomes portugueses e foram perseguidos pelas religiões eurocêntricas por possuírem um modo diferente de leitura de mundo, bem como de externalizar sua fé (além de seu tom de pele).

Ainda nos dias atuais, não são raros os casos de intolerância religiosa, com terreiros queimados ou depredados puramente por resistirem ao preconceito derivado da desinformação ou do racismo estrutural. Ainda assim, por meio de diversas adaptações que os tornam únicos e genuinamente brasileiros, esses povos resistem e buscam, através de seus orixás, a ligação com seu continente de origem deixado para trás nos séculos passados, bem como o resgate de sua história, através do culto aos seus antepassados.

Desta forma, embora nos dias atuais o candomblé já tenha transcendido os povos pretos e seja reconhecido pelo acolhimento de diversas minorias, muitas vezes rejeitadas em outras religiões, projetos como a Oficina de Ritmos e Cânticos destacam-se pela disseminação do conhecimento da cultura afro-brasileira, fortalecendo terreiros e simpatizantes na promoção do resgate às raízes e, de quebra, auxiliando no combate à intolerância religiosa ao ampliar o conhecimento da cultura afro-brasileira.

Embora muito já tenha sido conquistado, o caminho a percorrer ainda é longo para alcançar o ideal de igualdade, tolerância e segurança para o povo de axé. É dever do Estado não somente apoiar iniciativas como estas como promovê-las, visto que conhecer a histórias do povo africano é conhecer a história do povo brasileiro e, portanto, do próprio Brasil.

Vale lembrar que o desenvolvimento de um país não se atinge apenas com saúde, educação e segurança, sendo a cultura o fio que interliga e dá sentido a todos esses objetivos em busca por um Estado Democrático de Direito melhor, mais justo e tolerante.

Como disse a atriz e diretora Bárbara Paz, “um país sem cultura é um corpo sem alma” e o Brasil tem espaço para muitas almas, basta sabermos que devemos alimentá-las e principalmente respeitá-las.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Kamilly Silva de Oliveira e Cristian Schilisting, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências

BEZERRA, Juliana. Candomblé. Toda Matéria.Disponível em:<https://www.todamateria.com.br/candomble/>. Acessado em 14 de fev. de 2022.

DE SOUZA, Marina Duarte. Denúncias de intolerância religiosa aumentaram 56% no Brasil em 2019. Brasil de Fato. 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/01/21/denuncias-de-intolerancia-religiosa-aumentaram-56-no-brasil-em-2019>. Acessado em 14 de fev. de 2022.

Portal São Francisco. História Geral do Candomblé. Disponível em: <portalsaofrancisco.com.br/historia-geral/candomblé>. Acessado em 12 de fev. de 2022.

Wikipédia. Templos Afro-brasileiros. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Templos_afro-brasileiros>. Acessado em 12 de fev. de 2022.

*Através dos ensinamentos dos mais velhos da acadêmica Kamilly Silva de Oliveira.

TÍTULOS PARA SABER MAIS:

  • Livro: Órun-Àiyé: O Encontro de Dois Mundos;
  • Livro: A Cadeira De Ogã E Outros Ensaios;
  • Livro: O Candomblé Bem Explicado;
  • Livro: Orixás, Deuses iorubás na África e no Novo Mundo;
  • Livro: Ewé: O uso das Plantas na Sociedade iorubá;
  • Livro: Os nagôs e a morte;
  • Documentário: Sankofa A África que te Habita;
  • Vídeo: Historiando – O Candomblé.

Coprodução na segurança pública: sinergia, dilemas e ação

Por Emilly Rosa, João Gabriel Almeida, Pabola Mafissoni e Felipe Serpa*

O Brasil é um dos países com maiores índices de violência e criminalidade do mundo (exemplo disso na Figura 1, de um estudo global sobre homicídios). A ação dos órgãos de segurança pública não é suficiente para dar conta do desafio. A coprodução de serviços públicos é uma forma de envolver o cidadão, juntamente com profissionais da área, para que seja possível enfrentar os variados problemas que temos em segurança pública. 

Figura 1 Taxa de homicídio por país | Fonte: Revista Época – Estudo Global sobre o Homicídio 2013.

Muitos podem pensar que a coprodução está longe da nossa realidade e que ela pode trazer riscos e dilemas, sobretudo quando se trata de segurança pública. No entanto, nesse texto vamos desmistificar alguns receios comuns e buscar explicar de forma didática sobre essas ações. 

O que é coprodução?

 A coprodução de bens e serviços públicos ocorre quando o servidor público ou profissional de certa área atua em conjunto com o cidadão-usuário dos serviços e a comunidade para que, nessa junção, ocorra a sinergia. Ou seja, se possa chegar a resultados que o serviço público não conseguiria atingir sozinho.

No texto Segurança cidadã: Formas de envolvimento e propensão do cidadão à coprodução de segurança pública no Distrito Federal (Marting, Farias e Junior, 2019), é possível conhecer as várias formas pelas quais o cidadão pode se envolver na segurança pública, na relação com profissionais da área. 

Entre as iniciativas que buscam promover alternativas em segurança pública em Santa Catarina, temos o Programa PROERD, proposto por integrantes da polícia militar no estado, com base em experiências em outros países, que conta com o apoio comunitário para ensinar jovens sobre os riscos das drogas (Figura 1). Outro exemplo é o dos Bombeiros Comunitários, que capacita para atuação de voluntários em conjunto com o corpo de bombeiros. Há, ainda, as estratégias de polícia comunitária, que se inserem na filosofia de policiamento comunitário com foco na prevenção dos problemas e proximidade entre policiais e cidadãos. 

Figura 2 – Aula do Proerd – Fonte: Site da Polícia Militar de Santa Catarina

Agora que conhecemos alguns exemplos de coprodução em segurança pública, nos diga, você já participou de alguma iniciativa de coprodução e não sabia? 

Qual a sinergia? 

A busca pela diminuição da violência no Brasil vem sendo desde sempre um dos assuntos mais preocupantes para a Nação. No momento, não há uma solução definitiva, mas quando a população trabalha junto com o Estado, temos o potencial de gerar sinergia, alcançando resultados que nenhuma das partes conseguiria se atuasse isolada. 

Se a população e os profissionais atuarem em conjunto para aprimorar o sistema de segurança pública, podemos construir soluções, ao menos parciais, para os problemas que enfrentamos. Se ambos apresentam disponibilidade para aprender, colaborar e ensinar, pode-se ampliar perspectivas e o leque de alternativas possíveis, promover ações efetivas e evitar supostas soluções que ferem direitos e geram ainda mais violência.

Isso pode acarretar em problemas ao invés de soluções? 

A coprodução em segurança pública implica questionamentos e dilemas sobre os limites entre a ação especializada, profissional e legal, por um lado, e desvios como o de “fazer justiça com as próprias mãos”, por outro. Ou a ilusão de que é possível garantir sua própria segurança, sem considerar o desafio coletivo. Há também os espaços de poder ocupados pelo crime organizado e as milícias, oferecendo “segurança comunitária” sob coerção, fora do regime do Estado Democrático de Direito.

Hoje, no Brasil, a prática de milícia (Figura 2) é uma grande preocupação. Essa prática ocorre quando agentes da segurança pública, ativos ou não, e algumas pessoas de determinado território se juntam para manter certa ordem, se aproveitando de práticas criminosas e extorquindo a população. 

Imagem digital fictícia de personagem de vídeo game

Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Figura 3 Charge do artista Junião sobre as milícias. Disponível em: https://bemblogado.com.br/site/o-assassinato-de-marielle-franco-e-o-avanco-das-milicias-no-rio/charge-milicia/

Há também casos em que a população local adota procedimentos exagerados e ilegais para promover segurança pública, como limitar a circulação em local público de pessoas que considera suspeitas, muitas vezes apenas baseados em preconceitos ou informações falsas.

Aí vem mais uma pergunta: isso é diferente da coprodução? A resposta é sim! A coprodução tem de ocorrer de acordo com princípios da legalidade, razoabilidade e proteção de direitos fundamentais. Além do mais, deve sempre ter um profissional e órgão responsável como orientador das ações. A partir do momento que a comunidade age sozinha, sem orientação de um especialista e sem responsabilidades claras, há o risco de afastamento da coprodução, da segurança e da democracia. 

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Emilly Rosa, Felipe Serpa, João Gabriel Almança e Pabola Maffisoni, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências 

AJNZYLBER, Pablo; ARAUJO JUNIOR, Ary de. Violência e criminalidade. Curso de Ciências Econômicas, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional, Ufmg, Belo Horizonte, 20012001. 50 f. Dissertação (Mestrado) Cap. 1. Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20167.pdf. Acesso em: 11 fev. 2022. 

BORGES JÚNIOR, José Martins. A coprodução de serviços públicos na perspectiva do cidadão: um estudo no Distrito Federal brasileiro. 2016. 73 f., il. Monografia (Bacharelado em Administração)—Universidade de Brasília, Brasília, 2016.

COMO SER BOMBEIRO COMUNITÁRIO. 2022. Disponível em: https://www.cbm.sc.gov.br/index.php/cidadao/como-ser-bombeiro-comunitario. Acesso em: 24 fev. 2022.

MARCELINO, Karina Francine; LIBÓRIO, João Vitor; VIEZZER, Julia; SANTOS, Jair Pereira. Policiamento Comunitário: uma alternativa de participação cidadã na prevenção da violência e melhoria da relação entre polícia e comunidade. Blog Politeia, 20 de dezembro de 2018. Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/policiamento-comunitario-uma-alternativa-de-participacao-cidada-na-prevencao-da-violencia-e-melhoria-da-relacao-entre-policia-e-comunidade/

MARTINS, Isabela Miranda; FARIAS, Josivania Silva; JUNIOR, Lucio Alves Angelo. Segurança cidadã: Formas de envolvimento e propensão do cidadão à coprodução de segurança pública no Distrito Federal. Contextus–Revista Contemporânea de Economia e Gestão, v. 17, n. 2, p. 160-189, 2019. 

MOÇÃO apela pela volta das atividades do Proerd. 2021. Disponível em: https://www.jaraguadosul.sc.leg.br/destaques/mocao-apela-pela-volta-das-atividades-do-proerd/. Acesso em: 24 fev. 2022. 

REDAÇÃO ÉPOCA (Brasil) (ed.). ONU: Mais de mil homicídios por dia no mundo: segundo relatório baseado em números de 2012, 11% das 437 mil mortes por homicídios intencionais daquele ano aconteceram no Brasil. 2014. Disponível em: https://epoca.oglobo.globo.com/tempo/noticia/2014/04/mais-de-mil-pessoas-morreram-bassassinadas-por-diab-em-2012-segundo-onu.html. Acesso em: 15 fev. 2022.

TUDO SOBRE: Polícia comunitária. Polícia comunitária. 2022. Disponível em: https://www.pm.sc.gov.br/tudo-sobre/policia-comunitaria. Acesso em: 24 fev. 2022.

Coprodução da informação em saúde: os exemplos da ACBG Brasil e da Wigtownshire Women and Cancer

Por Mariana Amorim, Débora Baldissera e Ingrid Marques*

A coprodução de informações em saúde pública, ou seja, o engajamento mútuo de profissionais e cidadãos na produção de informações relevantes a respeito de uma doença, sua prevenção e tratamento, pode contribuir para prevenir o adoecimento, facilitar o acesso a tratamento e a direitos, bem como aprimorar a relação entre profissionais da saúde, pacientes e familiares.

Vejamos como isso acontece, com base na experiência de duas organizações que atuam na área de câncer, no Brasil e na Escócia.

A Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG) é uma organização da sociedade civil, de direito privado e sem fins lucrativos que trabalha em prol das pessoas portadoras do câncer de cabeça e pescoço e seus familiares em todo o Brasil. Foi criada em 2015 por pacientes  portadores do câncer, seus familiares e profissionais da saúde. A missão da ACBG Brasil é “mobilizar a sociedade para que pacientes e portadores da doença tenham acesso a um tratamento integral e de qualidade e conscientizá-los para que tenham acesso aos seus direitos.”

Para alcançar sua missão, a organização definiu três  eixos de ação: Advocacy, Inclusão e Informação. O eixo Advocacy trabalha em defesa de pautas de interesse aos pacientes, portadores e profissionais da saúde, garantindo a atenção integral à saúde dos portadores, com a criação de políticas públicas. Em uma das suas conquistas, a ACBG, depois de anos de luta, conseguiu junto ao Ministério da Saúde a inclusão da laringe eletrônica e o reajuste do valor da prótese traqueosofágica na tabela do SUS. Sem essa conquista, os pacientes teriam que desembolsar, no mínimo, 2.000 reais para cada aparelho.

No eixo Inclusão, são trabalhados projetos que visam o acolhimento e a integração dos pacientes na sociedade e trabalham com a implementação de projetos que devolvem a dignidade àqueles que precisam de reabilitação. A associação dá suporte a sete Grupos de Acolhimento a Pacientes, GAL’s, e dois corais, com o programa Cantarolar.

O eixo Informação trabalha na execução e no apoio de campanhas de conscientização, organização de eventos, palestras de prevenção em organizações e escolas e na geração de conteúdos para mídias sociais.

Dentro do eixo Informação, a ACBG participa de diversas ações, envolvendo variados parceiros, como a Campanha Nacional da Prevenção do Câncer de Cabeça e Pescoço, a Campanha do Dia Mundial da Voz, e a Campanha MakeSense.

A Campanha Nacional da Prevenção do Câncer de Cabeça e Pescoço é também conhecida como Julho Verde (Figura 1), e tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância do autocuidado e dos primeiros sinais da doença. Na Campanha de 2021, com a pandemia de COVID-19, a associação teve que priorizar o on-line, então fez a distribuição de diversos cards informativos, vídeos com depoimentos de pacientes e informações compartilhadas por profissionais da saúde, realizou 7 audiências públicas com o núcleo de Advocacy e 8 lives informativas. A ACBG também fez a distribuição de sorvetes com propriedades nutricionais aos pacientes em quimioterapia, tornou 31 iluminações públicas da cor verde, lançou e distribuiu carteirinhas de identificação de pacientes com câncer de cabeça e pescoço e mais de 200 envios de materiais de campanha.

Figura 1- Campanha Julho Verde ACBG

Gabriel Marmentini, cofundador e diretor executivo da ACBG e filho de uma sobrevivente do câncer de laringe, explica que a motivação para o engajamento inicial da Associação veio da dificuldade de encontrar informações e do sentimento de desamparo quando sua mãe foi diagnosticada com a doença:

 “Fiquei me perguntando o quão mais difícil seria uma situação como essa para pessoas que convivem diariamente com diversas vulnerabilidades. Por isso a ideia de criar uma organização para incidir diretamente no tema, atuando para melhorar as políticas públicas no campo do câncer de cabeça e pescoço – grupo de cânceres onde está classificado o câncer de laringe -, incluir nossos pacientes e portadores na sociedade e disseminar informações para o maior número de pessoas, aumentando as taxas de diagnóstico precoce e, consequentemente, diminuindo as taxas de óbito e as sequelas que prejudicam a qualidade de vida após o câncer”.

A coprodução de informação está presente na ACBG desde o começo de sua história, e é possível destacar que o envolvimento de usuários e da comunidade mudam os modos como os profissionais da saúde atuam.

“Para os profissionais que preferem o caminho do amor – com mais empatia e conexão com os pacientes -, cabe dizer que também acabam aprendendo muito, pois a troca com o público-alvo em questão é extremamente rica”, destaca Gabriel.

“Há um conhecimento profundo sobre várias questões de vida, não apenas sobre a doença, que muitas vezes um determinado profissional não teve acesso anteriormente. Essa é a beleza da coprodução, pois valoriza qualquer tipo de conhecimento e dá voz para todos e todas”, complementa o diretor executivo da ACBG.

Wigtownshire Women and Cancer é um grupo voluntário sem fins lucrativos formado por 9 mulheres capacitadas da cidade de Wigtownshire na Escócia, que fornecem informações, sinalizações e dão voz a mulheres com câncer.

Figura 2 – Wigtownshire Women and Cancer

Por meio de um grupo fechado no Facebook com mais de 195 membros, ocorre uma troca de informações e esclarecimento de dúvidas. Wigtownshire Women and Cancer tem o objetivo de melhorar o bem-estar das pessoas acometidas pela doença, antes ou depois do tratamento, para preencher lacunas em relação ao compartilhamento de informações e disponibilidade de serviços disponíveis. O grupo faz encontros presenciais com a presença de um palestrante do National Health Service para tirar dúvidas sobre assuntos mais técnicos.

O último grande evento do WWAC foi o The Big Fashion Show, que ocorreu um desfile de roupas de lojas apoiadoras com modelos acometidos pelo câncer. Esse evento ocorreu por conta da parceria entre população e empresas, mais de 6.500 Libras foram arrecadadas.

Essas duas organizações são bastante diferentes, mas têm o mesmo objetivo: contribuir na produção e difusão de informações que muitas vezes não são fornecidas pelo poder público às pessoas que precisam delas. É necessário que haja cada vez mais informações qualificadas e conscientização sobre o câncer disponível para a população e, nesse cenário, a coprodução da informação tem um papel importante.

A ACBG Brasil e a Wigtownshire Women and Cancer são exemplos de associações que cumprem seu papel junto à sociedade, buscando fazer a diferença nas políticas públicas e na sociedade em geral. A coprodução, em casos como esses, não só contribui para o serviço de prestar informação à população, como contribui para salvar vidas e melhorar a qualidade de vida a tantos sobreviventes de câncer.

É importante que administradores públicos e profissionais da saúde entendam a importância dessas organizações e atuem para que elas continuamente possam se desenvolver e seguir fazendo diferença, para melhor, na sociedade.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Mariana Amorim, Débora Baldissera e Ingrid Marques no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências

ACBG. Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço. 2020. Disponível em: https://acbgbrasil.org/ . Acesso em: 22 fev. 2022.

HALLIDAY, Penny. Wigtownshire Women and Cancer: A new Governance International Co-Production Star Initiative powered by Courage, Compassion and Tea Parties! 2019. Disponível em: https://www.govint.org/good-practice/case-studies/wigtownshire-women-and-cancer/ . Acesso em: 22 fev. 2022.

SCHOMMER, P. C., ROCHA, A. C., SPANIOL, E. L., DAHMER, J., & SOUSA, A. D. de. (2015). Accountability, coprodução da informação e do controle: observatórios sociais e suas relações com órgãos governamentais. Revista de Administração Pública, 49(6), 1375-1400. Recuperado de https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/56590

Transparência no Processo de Tramitação de Leis na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, Alesc

Por Dienefer Leopoldo, Heitor Assunção, Izabela Lima, Luciana Xara*

No Brasil, o processo de institucionalização do direito de acesso à informação pública ocorreu após a redemocratização do país, depois do regime ditatorial (1964-1985). Na Constituição Federal de 1988, são estabelecidas as bases legais do direito de acesso à informação pública no Brasil. A partir disso, foram criados diversos mecanismos e legislação específica para promover a transparência, favorecendo o controle da gestão pública e a participação cidadã.

Décadas mais tarde, a Lei de Acesso à Informação, LAI (nº 12.527/2011) representou um importante avanço para o desenvolvimento do direito de acesso à informação pública. Porém, o início da validade da lei coloca o desafio ao Estado e à sociedade de transformá-la em um instrumento efetivo de apoio para a construção de um governo mais transparente e responsivo.

Desta forma, discutiremos sobre a transparência no processo de tramitação das leis na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – ALESC, com o intuito de destacar a importância de mecanismos ativos que efetivem a transparência e promovam a accountability no Legislativo.

Para iniciarmos, é importante ter conhecimento sobre o fluxo de tramitação das leis dentro do legislativo (Figura 1), documento disponível no sítio eletrônico da ALESC. 

Figura 1: Fluxograma de tramitação | Fonte: Alesc, 2022

O processo de tramitação de projetos de leis adotado pela ALESC conta com ferramentas e canais que buscam promover a transparência e a accountability, podendo-se citar: a Comissão de Transparência Institucional, que se divide em duas frentes, a que relata o que está acontecendo no Parlamento e, a outra, que atua como receptora de demandas a serem debatidas no Parlamento; o programa PUSH ALESC, que serve para acompanhamento dos projetos de interesse, mediante cadastro prévio; e, também, o Diário Oficial da Assembleia, canal responsável por tornar públicos todos os atos legislativos e administrativos praticados no órgão.

Conforme observamos, o processo legislativo é complexo e exige canais que viabilizem a participação cidadã. Atualmente, além dos mecanismos mencionados, a ALESC conta com a transmissão ao vivo  pela TV AL e a Rádio AL Online de audiências públicas, sessões e reuniões de comissões abertas ao público. A Agência AL é a responsável pela produção de reportagens e fotografias, além do canal de Transparência ALESC e a Ouvidoria.

Buscando conhecer mais detalhes sobre o tema, realizamos uma entrevista com o servidor Brian Michalski, anteriormente responsável pela comissão de transparência, hoje lotado na Diretoria Legislativa. Essa entrevista pode ser acessada através do link: https://www.youtube.com/watch?v=-1i_dOui9oo. Vale muito ouvir!

Figura 2: Entrevista dos autores com Brian Michalski disponível no YouTube

Mediante a contribuição do Brian, podemos destacar alguns pontos importantes: o primeiro, é a existência de grupos engajados em promover a accountability no legislativo e participar do processo legislativo, em temas de seu interesse. Entre eles, estão  certos grupos mais organizados, mas a maioria dos afetados pelas leis geralmente está desorganizada e não se mobiliza para exercer  poder de influência. 

É importante, portanto, que legisladores e interessados nos temas promovam a participação cidadã e que se busque considerar a  necessidade de previsão das consequências das ações manifestadas nas leis a serem aprovadas, no portal de transparência e por outros canais de comunicação da ALESC. É  importante  também o papel da mídia corporativa e da imprensa profissional na repercussão e discussão das  informações sobre as leis em tramitação. 

Pode-se concluir que, embora tenhamos evoluído muito no que diz respeito a accountability no Poder Legislativo, ainda encontramos espaço para aprimoramento da comunicação entre legisladores e população, sobretudo em relação aos grupos menos mobilizados e afetados pelas leis, bem como a melhoria dos mecanismos de controle para aprimorar as políticas, os serviços e a gestão pública. 

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Dienefer Leopoldo, Heitor Assunção, Izabela Lima e Luciana Xara, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 2011. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm. Acesso em: 15 fev. 2022

DE ANDRADE, Rodrigo Gondin; RAUPP, Fabiano Maury. Transparência do Legislativo local à luz da Lei de Acesso à Informação: evidências empíricas a partir dos maiores municípios brasileiros. Desenvolvimento em Questão, v. 15, n. 41, p. 85-130, 2017. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/752/75252699005/html/. Acesso em 07 fev. 2022. 

SANTA CATARINA. Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Estrutura organizacional Santa Catarina. Santa Catarina, SC. Disponível em: https://www.alesc.sc.gov.br/. Acesso em 01 fev. 2022. 

SANTA CATARINA. Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Transparência ALESC. Santa Catarina, SC. Disponível em: https://transparencia.alesc.sc.gov.br/faq.php. Acesso em: 01 fev. 2022.

Transparência e Dados Abertos: caminhos e desafios na construção de leis e sua implementação em Florianópolis

Por Ismael Tiago Motta, Luiz Carlos Ferreto Junior, Paulo Aranalde Carvalho e William Otoniel*

Como são elaboradas as leis que promovem transparência e dados abertos em municípios? Quem costuma participar do processo? Como se pode assegurar e acompanhar sua implementação?

Essas e outras questões nos levaram a investigar o tema no âmbito do município de Florianópolis. Nos acompanhe para saber um pouco do que descobrimos.

Um dos temas centrais da sociedade contemporânea tem sido a democratização do Estado no sentido de prover à sociedade informações relativas a seus atos, além de justificar suas omissões. Nisso se fundamenta a accountability, o prestar contas e a responsabilização a que gestores estão sujeitos, por seus atos e omissões, passíveis de serem punidos ou reconhecidos e valorizados. Dessa forma juntam-se elementos como responsabilização, fiscalização e controle social no sentido de melhorar a governança pública e o acesso e a qualidade dos serviços públicos, além de combater a corrupção e o desperdício, trazendo assim benefícios a toda a sociedade.

Contribuem para isso dispositivos legais no âmbito federal dispondo sobre transparência de dados, como a Lei da Transparência (LC 131/2009), a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), bem como a Lei n. 13.460/2017, que dispõe sobre a participação, proteção e defesa dos direitos dos usuários dos serviços públicos da administração pública. Dessa forma, vão se construindo pontes legais que possibilitam o controle social pela sociedade, das ações do setor público e seus agentes.

A Câmara Municipal de Florianópolis, CMF, é o órgão do poder local que abriga o Poder Legislativo do Município e é composta por representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional. O legislativo municipal atua na produção de leis e na fiscalização do Poder Executivo, com o objetivo de preservar o bem estar da comunidade e promover conexões entre a administração pública e os cidadãos. Em sua área de atuação, a Câmara Municipal propõe, delibera e vota Projetos de Leis, Projetos de Decretos Legislativos, Projetos de Resoluções e demais matérias. 

Alinhado às políticas de controle social e transparência emanadas do ente federal e a demandas de segmentos locais, o município de Florianópolis instituiu o Portal Da Transparência de Florianópolis (Lei 9.447/2014) e a Política de dados abertos do Poder público municipal (Lei 10.584/ 2019).

Ainda, foi estabelecida a Comissão Parlamentar Especial (CPE) pela Transparência na Administração Pública de Florianópolis, a partir do Requerimento 382/2019, em 12 de novembro de 2019, com o objetivo de elaborar uma proposta de “Política de Transparência na Administração Pública de Florianópolis”, por meio de uma cooperação interinstitucional entre a Câmara Municipal de Florianópolis, demais entes públicos, academia e sociedade civil. Esses atores, se reuniram e elaboraram um diagnóstico e um projeto de lei orientado à construção de uma agenda municipal permanente, voltada à transparência, aos dados abertos e à participação cidadã.  

Assim, chegou-se ao Projeto de Lei nº 18.124/2020, que dispõe sobre a instituição da Política Municipal da Transparência em Florianópolis. Esse projeto deu entrada na Câmara no dia 23 de setembro de 2020 e desde então percorre o trâmite legislativo, que inclusive teve mudança de mandato nesse período, cujas comissões analisam e emitem pareceres durante a sua tramitação. Na Figura 1 estão alguns dos principais passos. Mais detalhes sobre a tramitação aqui.

Figura 1 – Algumas etapas do trâmite do Projeto de Lei nº 18.124/2020

Fonte: CMF/Consulta a projetos/PL/18124/2020 – Elaborado pelos autores (2022)

O processo de tramitação dos projetos de lei podem passar por algumas das 13 comissões avaliadoras da Câmara, requerendo tempo para aprovação ou rejeição de um Projeto de Lei. As discussões são importantes, pois, ao ampliar o debate, permitem diferentes perspectivas. Porém, nem sempre a tramitação pelas diversas comissões conta com a participação dos diferentes segmentos interessados e dos que contribuíram na construção de um projeto de lei. A mobilização durante todo o período de tramitação pode vir a ser um fator que distancia seus agentes das alterações que o texto original do projeto de lei pode sofrer, dessa forma ocorrendo alterações sem o devido debate com os autores que o idealizaram.

Assim, ressaltamos que o debate deve prosseguir ativo, com participação daqueles que o idealizaram e outros que se somam durante o processo, mantendo uma agenda contínua de acompanhamento e vigilância. O controle social e a accountability são processos contínuos e permanentes.

 A partir dessa análise, suscitam questionamentos de como projetos de lei são acompanhados. O PL 18.124/2020 no momento encontra-se em tramitação percorrendo as comissões parlamentares da câmara municipal, entretanto, existe algum acompanhamento pelo grupo de cooperação interinstitucional: Câmara Municipal de Florianópolis, demais entes públicos, academia e sociedade civil?

Aqui se faz oportuno um questionamento sobre a Lei n. 10.584/2019, que versa sobre a Política de Dados Abertos do Município. Apesar de ser um importante avanço legal e social no quesito transparência e abertura de dados, e fruto de um longo debate na Câmara de Vereadores de Florianópolis, a partir de um projeto construído em colaboração entre estudantes de administração pública da Udesc Esag e o gabinete do vereador Gabriel Meurer, a sua implementação não está sendo executada com a devida transparência, conforme já apontado por Pedro Braga Montoya e Thaynná Machado Sene (2021) em artigo sobre a transparência em Florianópolis. 

Em  agosto de 2021, os estudantes não conseguiram obter informações sobre o andamento da implementação. A situação em fevereiro de 2022 não é diferente, pois buscamos novamente informações sobre a implementação da Política de Dados Abertos em Florianópolis, e também não se obteve resposta. Cabe ressaltar que a Lei n. 10.584/2019, em seu artigo 13, determina prazos para que o Poder Executivo e o Poder Legislativo Municipal apresentem um relatório sobre as atividades desenvolvidas no ano anterior, bem como sua evolução. 

Portanto, evidencia-se que os elementos de controle, fiscalização, prestação de contas e responsabilização integram um processo contínuo de accountability, no qual os diversos segmentos da sociedade, ao se unirem ao legislativo, podem contribuir para elaborar leis, acompanhar sua tramitação e, sobretudo, sua execução. Os atores ali envolvidos, governo e cidadãos, deverão estar em contínua mobilização, dialogando entre si, com base em transparência e vigilância, transformando a accountability não apenas num instrumento isolado que se encerra num decreto, uma lei ou relatório, mas num instrumento permanente de controle social, edificando uma sociedade mais justa e cidadã.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Ismael Tiago Motta, Luiz Carlos Ferreto Junior, Paulo Aranalde Carvalho e William Otoniel, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Sobre a Lei de Acesso à Informação. Disponível em:<

https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/servico-de-informacao-ao-cidadao/sobre-a-lei-de-acesso-a-informacao>. Acesso: 12 dez. 2021.

CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Cpe Da Transparência. Em de agosto de 2020. Disponível em:< https://www.youtube.com/watch?v=-8-DU4g3iBQ.>. Acesso: 12 de dez. 2021.

CÂMARA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Portal. Disponível em:<https://www.cmf.sc.gov.br/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

FLORIANÓPOLIS. Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: <https://www.cmf.sc.gov.br/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

FLORIANÓPOLIS. Projeto de Lei PL./18124/2020. Câmara Municipal de Florianópolis. Disponível em: Disponível em: <https://paperlessgov-editor.cmf.sc.gov.br/visualizador/publico/anexo/1261>. Acesso: 12 dez. 2021.

LEIS MUNICIPAIS. Lei N° Nº 10.584, de 02 de Agosto de 2019. Institui A Política De Dados Abertos Do Poder Público Municipal. Disponivel em:<https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2019/1059/10584/lei-ordinaria-n-10584-2019-institui-a-politica-de-dados-abertos-do-poder-publico-municipa>. Acesso 12 de dez. 2021.

LEIS MUNICIPAIS. Lei Nº 9447, de 20 de Janeiro de 2014. INSTITUI O PORTAL DA TRANSPARÊNCIA DE FLORIANÓPOLIS. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a1/sc/f/florianopolis/lei-ordinaria/2014/945/9447/lei-ordinaria-n-9447-2014-institui-o-portal-da-transparencia-de-florianopolis?q=9447>. Acesso: 12 de dez. 2021.

POLITEIA. Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão. Ed. Camila Pagani. 2020. Disponível em:<https://politeiacoproducao.com.br/comissao-parlamentar-especial-pela-transparencia-no-municipio-de-florianopolis/>. Acesso: 12 de dez. 2021.

Transparência e participação cidadã na iniciativa de governo aberto em Santa Catarina

Por Daniela de Jesus Lumertz, Douglas Davi Silveira, Luiza Debastiani e Silva e Verônica Pereira de Souza*

Santa Catarina começou a desenvolver, em março de 2021, um conjunto de ações incluídas em seu 1º Plano de Ação para promover o governo aberto no Estado, com o  intuito de aperfeiçoar de maneira contínua os serviços públicos, além de prevenir e combater a corrupção. Para que essa intenção se concretize, o Poder Executivo Estadual dispõe de dispositivos legais, seu aparato de servidores e recursos e parcerias com cidadãos e organizações locais, nacionais e internacionais para realizar e consolidar a abertura contínua de governo. As ações desse plano, orientadas pela Visão Estratégica de Governo Aberto, são uma forma para movimentar e impulsionar a abertura do governo em Santa Catarina (OGP, 2021).   

Neste texto, será analisado este 1º Plano de Ação, em especial suas ações voltadas para a promoção da transparência e da participação cidadã, explorando conceitos e projetos relacionados a essas áreas.  

De onde surgiu essa iniciativa de promoção do Governo Aberto no Estado de Santa Catarina? 

Santa Catarina possui em seu histórico ações que corroboram com o conceito de governo aberto, contando com instâncias de colaboração entre sociedade e setor público, um aspecto fundamental de governo aberto. Embora exista um avanço nessa aproximação entre Estado e sociedade, é percebido pelo próprio governo de Santa Catarina a ausência de uma visão de longo prazo para o fomento dessa colaboração, bem como a instalação de meios sistemáticos e continuados que fomentem a participação cidadão e a transparência pública (OGP, 2021).  

Dito isso, integrantes do governo de Santa Catarina entendem a importância das ações voltadas para o Governo Aberto, como forma de aprimorar suas práticas que tange a participação social, transparência e accountability, áreas estas fundamentais para o desempenho e a democratização do Estado e da própria sociedade. Por conta disso, Santa Catarina vem procurando empenhar esforços para se tornar uma referência em inovação, transparência e participação social. Este desejo se traduziu na participação de Santa Catarina na Parceria pelo Governo Aberto (Open Government Partnership, OGP) e na construção do seu 1º Plano de Ação (OGP, 2021).  

Para desenvolver esse 1º Plano de Ação, houve a colaboração de múltiplos agentes, como cidadãos, universidades, órgãos e entidades dos governos estaduais e municipais, organizações da sociedade civil, câmara de vereadores, empresas e outras organizações privadas. Para que esse grupo diversificado de colaboradores pudesse articular e criar em conjunto as ações de governo aberto, foram organizadas mesas temáticas, cada uma com um dos temas a ser deliberado. As mesas foram escolhidas pelo Grupo Motor, que coordena o processo, e os coordenadores de projetos em curso no Estado. Em cada mesa, houve participação de organizações governamentais e da sociedade civil, buscando-se alcançar certo equilíbrio entre os dois grupos (OGP, 2021). Os temas das mesas foram:   

  • Compras Públicas e Contratação Aberta; 
  • Transparência Ativa; 
  • Participação do Usuário e Avaliação dos Serviços Públicos; 
  • Articulação de Governo Aberto e Controle Social nos Municípios. 

Dessas mesas surgiram projetos relacionados às quatro temáticas mencionadas, sendo que aqui focalizamos aqueles mais diretamente relacionados com a transparência e a participação cidadã.

Transparência

O plano de Ação de Santa Catarina possui uma mesa temática relacionada à transparência ativa. Esta define  como compromisso “reestruturar instrumentos de transparência ativa utilizando desenho centrado no usuário para melhorar a qualidade, usabilidade e acessibilidade da informação pública, inclusive com a disponibilização de formatos abertos”. 

Está sendo desenvolvido o projeto de reestruturação e aperfeiçoamento continuado e participativo do Portal da Transparência. Busca-se criar um plano de melhoria continuada do Portal, para ampliar a participação social, transformando a estrutura da informação, em que as pesquisas dos dados e informações se tornem mais intuitivas e orgânicas, e melhorando a qualidade e a atualização dos conteúdos do portal através de novos canais de comunicação bidirecionais.

Este projeto se iniciou em janeiro de 2021 e está previsto para se encerrar em junho de 2022, totalizando um esforço de 18 meses para sua conclusão (CGE, 2021). Para desenvolvê-lo, são despendidos esforços como o benchmarking em portais (nacionais ou não), a análise e levantamento das funcionalidades necessárias para essa nova versão do portal (backlog de funcionalidades), modelagem da navegação do portal, a criação de um protótipo, seguida de testes para seu refinamento, e a implementação de funcionalidades (CGE, 2021).  

Dentre as dificuldades mapeadas que justificam essa reestruturação do portal, estão a falta de agilidade atual, a incompatibilidade de informações dentro do site,  informações incompletas e a ausência de um canal para que o cidadão possa dar feedbacks (CGE, 2021).  

Uma abordagem que pode ser útil para o grupo é a da Transparency by Design, termo que designa um método criado por Cavoukian (2009), que imaginou uma visão holística e integrativa referente à proteção da privacidade, com o objetivo de ajudar as organizações a promover a transparência. Esse método refere-se a um princípio de que os dados sobre o funcionamento do governo são, automaticamente, abertos, podendo ser acessados e interpretados facilmente sem serem pré-processados ou pré-definidos. Dessa forma, deve-se garantir que todos os dados relevantes de uma supervisão pública sejam disponibilizados à população, de forma clara (FELZMANN et al., 2020).

A Transparency by Design atua como uma orientação prática a fim de ajudar a promover as funções da transparência, enquanto mitiga seus desafios em ambientes que necessitam da tomada de decisão. O desenvolvimento da transparência é um equilíbrio entre desejabilidade e viabilidade. Por essa razão, o ideal de um sistema transparente completo só pode ser atingido com grandes despesas e esforços de longo prazo (FELZMANN et al., 2020).

Dessa forma, é importante refletir: para quem uma situação transparente é criada? Para quem tem conhecimento e tempo para usá-lo? Ou o objetivo é criar “transparência num piscar de olhos”, de modo que qualquer pessoa com um diploma de ensino médio e alguns minutos possa entender a situação? 

Segundo Felzmann el al. (2020), o nível ideal de transparência seria aquele em que a transparência desejada e alcançada correspondesse à perspectiva do indivíduo e de um grupo. Já que diferentes partes interessadas têm diferentes expectativas e percepções de transparência, negociar esse ponto é  visto como um grande desafio.

Portanto, ao implementar esse método, as organizações podem perceber os benefícios da transparência de maneira prática, incluindo o fomento da confiança, facilitando a responsabilização, apoiando a autonomia e permitindo um nível mais alto de controle. Ao mesmo tempo, é fundamental estar consciente das complexidades e da inserção da transparência com suas limitações associadas (FELZMANN et al., 2020).

Participação cidadã

O Plano de Ação de Santa Catarina possui duas mesas temáticas relacionadas diretamente à participação cidadã, além de este ser um princípio mais geral de todo o processo. A primeira tem como compromisso “promover princípios e práticas de governo aberto e controle social em municípios catarinenses, incentivando a aprendizagem compartilhada e articulando iniciativas de governos e sociedade civil nos âmbitos local e estadual”. A outra é a que busca “promover a participação social para aperfeiçoamento dos serviços públicos através da instituição de conselho de usuários, criação de ferramenta tecnológica de avaliação de serviços digitais e melhoria do sistema de ouvidoria e acesso à informação”.

Esses dois compromissos do Plano de Ação apresentam características de controle social que promovem a participação coletiva, como, por exemplo, através de conselhos de usuários e do controle social em municípios. 

A participação e o controle social estão relacionados. Os cidadãos, através da participação na gestão pública, podem orientar os governos para que sejam adotadas medidas que atendam ao interesse público, e ao mesmo tempo podem exercer controle sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação, com mais transparência e accountability.  A  participação  popular,  “no  que  tange  à  elaboração  de  políticas  embasadas  em  dados e informações públicas governamentais ou não (entre outras ações e possibilidades), se destaca como um  dos  fatores  de  transformação  social” (SANCHEZ, MARCHIORI, 2017, p.105). 

De acordo com Arnstein (2019, p. 24), a participação cidadã constitui um sinônimo para poder cidadão. A participação é a redistribuição de poder que permite aos cidadãos sem-nada, quando excluídos dos processos políticos e econômicos, serem ativamente incluídos no futuro.

Segundo Wijnhoven et al. (2015, p.30), as novas plataformas da internet tornam mais fácil para os cidadãos articular suas opiniões e interagir com a administração pública e representantes políticos. Além disso, “essas plataformas também podem aumentar a aceitação de decisões políticas, porque os cidadãos podem compreender quem e quantas pessoas apoiam uma decisão” (WIJNHOVEN et al. 2015, p.30).

É possível analisar e identificar em qual etapa de participação cidadã que determinado governo se encontra. É o que apresenta um clássico texto de Arnstein, publicado originalmente na década de 1970. De acordo com esse estudo, a partir da experiência da autora na gestão pública e na academia, a participação cidadã pode ser representada através de oito  degraus  de participação, que simbolizam os níveis de participação cidadã existentes em qualquer estrutura política, social ou econômica. 

Esses degraus são divididos em 3 estágios. O primeiro é chamado de  “Não participação” e nele as pessoas não participam efetivamente do planejamento ou da  realização de programas, “mas os detentores do poder estabelecem alguns espaços – audiências, reuniões comunitárias, etc.- e se utilizam destes para mascarar um tipo de participação” (SANCHEZ e MARCHIORI. 2017 p.114). No segundo estágio, chamado de “esforços simbólicos de participação”, os cidadãos podem ouvir e ser ouvidos, porém eles não têm o poder de assegurar que seus pontos de vista serão atendidos. Quando a participação é restrita a esses níveis, não há acompanhamento e, portanto, não há garantia de mudanças. O patamar mais alto dessa “escada” é chamado de “Poder do cidadão”, que inclui a tomada  de  decisão,  representada pelo degrau 6 (Parceria), que lhes permite negociar com detentores de poder tradicionais a possibilidade de tomada de decisão,  a “Delegação de Poder” (degrau 7) e o “Controle cidadão” (degrau 8), nos quais os cidadãos podem atingir pleno poder gerencial sobre certo projeto ou tema (SANCHEZ e MARCHIORI. 2017 p.114). 

Figura 1: Oito degraus de uma escada de participação cidadã | Fonte: ARNSTEIN, Sherry. A ladder of citizen participation. In: The city reader. Routledge, 2015, p.26

Para Arnstein (2015, p. 25), conhecer esta gradação possibilita cortar os exageros retóricos e entender tanto a crescente demanda por participação por parte dos sem-nada, como o leque completo de respostas confusas por parte dos poderosos.

Além dessa clássica “escada da participação cidadã”, de Arnstein, diversas outras tipologias de participação podem ser úteis aos envolvidos em processos de governo aberto, para avaliar o compartilhamento de poder, as expectativas de cada envolvido e as contribuições dos participantes ao processo.

Além disso, Hilgers (2012, conforme citado por WIJNHOVEN et al. 2015, p.31) afirma que a participação no governo aberto tem três metas: ideação e inovação cidadã, fonte cidadã e democracia colaborativa. Ideação e inovação cidadã visam reunir conhecimento externo, principalmente dos cidadãos, para melhorar as realizações da administração pública. A fonte cidadã visa o apoio do cidadão nas tarefas diárias da administração pública. Por último, a democracia colaborativa reúne iniciativas governamentais abertas para processos de decisão política (HILGERS, 2012 apud WIJNHOVEN et al. 2015, p.31). Democracia colaborativa procura respostas para questões normativas para desenvolvimentos futuros da sociedade.

É com base nesses conceitos e com uma análise da situação atual da participação cidadã no estado de Santa Catarina que é possível identificar caminhos  que proporcionem maior grau de compartilhamento de poder entre governantes e cidadãos.

Exemplos Internacionais

Entendemos que são muitos os desafios que envolvem a utilização da participação cidadã, porém trazemos como sugestão que as iniciativas internacionais a seguir sejam analisadas como exemplo, e que possam auxiliar no debate quanto às ações a serem tomadas para uma participação social mais direta e próxima do cidadão.

  • Sciencewise é uma iniciativa em que cidadãos do Reino Unido podem participar do projeto de políticas públicas através de um projeto de diálogo público. Segundo o site da iniciativa, eles ajudam a garantir que as políticas sejam informadas pelas opiniões e aspirações do público.

Figura 2: Página inicial do site Sciencewise | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • Challenge.gov é o ambiente virtual onde instituições governamentais dos Estados Unidos podem postar problemas e esperar possíveis soluções dos cidadãos, sendo este  um exemplo de ideação e inovação cidadã. 

Figura 3: Página inicial do site Challenge.Gov | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • FixMyStreet: o cidadão pode informar sobre problemas nas estradas e lugares que precisam de manutenção no Reino Unido. Essa iniciativa ajuda a  poupar mão de obra, fornece informações sobre infraestrutura e possibilita uma resposta mais rápida ao problema postado.

Figura 4: Página inicial do site FixMyStreet | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

  • Buergerhaushalt.org é um exemplo de meio para a democracia colaborativa de projetos de “orçamento participativo”, no qual os cidadãos podem fazer sugestões sobre os ativos no próximo exercício financeiro. Contudo, não é necessário buscar somente em fontes externas exemplos sobre orçamento participativo, visto que o Brasil é referência nessa iniciativa, que foi instituída pela primeira vez em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, no ano de 1989, e que, desde então, foi difundida e adaptada globalmente.

Figura 5: Página inicial do site Challenge.Gov | Fonte: elaborado pelos autores, 2022

Os cidadãos podem participar, também, do processo de abertura de dados através da utilização dos portais de dados abertos, efetuando pesquisas, analisando, visualizando o conjunto de dados e compartilhando suas descobertas. Dados abertos capacitam o cidadão a ser mais bem informado sobre o que o governo decide e fornece como, por exemplo, escolher uma escola melhor ou serviço de saúde, entender onde o dinheiro público foi gasto ou estar ciente dos problemas ambientais na sua área.

Por fim, compreendemos que o Governo do Estado de Santa Catarina tem realizado iniciativas em governo aberto através da parceria com a Open Government Partnership (OGP), rede que inclui iniciativas de muitos países e locais pelo mundo e que é fonte de estímulo, ideias e apoio para ações continuadas e transformadoras. Entendemos, também, que o incentivo à participação cidadã é um grande desafio a ser continuamente reconhecido e trabalhado, em conjunto entre governos e sociedade. 

Para que seja possível uma ampla e intensa participação social, é necessário que o governo considere as diferentes necessidades e capacidades da cidadania, entenda os usuários de cada serviço, identifique e ouça o que os cidadãos precisam, crie interfaces fáceis e que o acesso aos dados e às ferramentas de participação social sejam de fácil compreensão e que seja oferecido um feedback sobre o que é feito com a contribuição para motivá-los a participar. Outro ponto importante é o cuidado necessário para que grupos marginalizados também façam parte e contribuam com sua participação. Caso contrário, corre-se o risco de reforçar as estruturas existentes, focando apenas naqueles que já possuem mais capacidades e acesso à tomada de decisões.

Entendemos que a tecnologia e a informação são sim necessárias, embora não suficientes, para proporcionar transparência. Além da transparência, é por meio da proximidade em ações conjuntas e da abertura dos governos aos cidadãos, que estes  encontram a possibilidade de realmente participar na tomada de decisão dos governos e na implementação das políticas públicas, na coprodução dos serviços públicos e no monitoramento e avaliação dos resultados.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Daniela de Jesus Lumertz, Douglas Davi Silveira, Luiza Debastiani e Silva e Verônica Pereira de Souza, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

 Referências

ARNSTEIN, Sherry. A ladder of citizen participation. In: The city reader. Routledge, 2015. p. 323-336. Disponível em: http://www.remineo.org/repositorio/ciao/xviii/talleres/t1/Mirada2.Arnstein1968Ladderofparticipation.pdf Acesso em 21 fev. 2022

BUERGER HAUS HAULT. BuergerHausHault.org, c2022. Página inicial. Disponível em: <https://www.buergerhaushalt.org/>. Acesso em: 15 fev. 2022.

CAVOUKIAN, A. Privacy by design: The 7 foundational principles. Privacy by Design Foundational Principles, 2009.

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