Prestação de Contas e Organizações da Sociedade Civil: processo, resultados e confiança

Por Laís Dorigon Rodrigues, Julianna Luiz Steffens e Juliana Sartori*

A atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) é indispensável para a garantia dos direitos fundamentais, para complementar e equilibrar a ação do  Estado, além de suprir  demandas coletivas da população. Essas organizações nascem com a intenção de reafirmar o caráter autônomo, a finalidade pública e a voz própria da sociedade civil organizada.

No Brasil, o crescimento do número e a diversidade de OSCs ocorre com a democratização do Estado e a ampliação de direitos de cidadania, como fruto de conquistas de movimentos sociais e outros segmentos, que reivindicavam ao Estado direitos sociais para a sociedade, tais como o direito à educação, saúde, alimentação e trabalho, dispostos no título II da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), e que por muito tempo foram menosprezados pelas elites que compunham parte do aparato estatal (ALVES, 2013). 

As organizações da sociedade civil fazem parte do chamado terceiro setor, um termo que remete ao conjunto de relações sociais diferentes das do Estado e do mercado de caráter privado, mas que se dedicam ao bem-estar e ao aperfeiçoamento social (FERREIRA, 2009). Elas não possuem fins lucrativos, entretanto precisam de recursos para proverem suas atividades. Dentre as fontes de recursos possíveis, estão as doações, que podem ser  dedutíveis ou não dedutíveis do imposto de renda, de pessoas físicas e jurídicas, patrocínios, subvenções e auxílios, entre outros. Entre os financiadores da ação das OSCs, podem estar os governos e o setor privado, geralmente a partir de editais de fomento.

A partir da Lei 13.019/2014, conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), foram  criadas novas regras para as relações de parceria entre governos e organizações, possibilitando mais segurança e visibilidade ao trabalho que a sociedade civil organizada desenvolve no Brasil. Isso é reflexo da abertura do Estado à participação social e do reconhecimento aos resultados que essas organizações podem ter  na busca de uma comunidade mais justa e participativa. Isso reforça a importância da sociedade organizada para a criação e o desenvolvimento de novas tecnologias sociais e para a formulação e execução das políticas públicas.  (LOPES; SANTOS; XAVIER, 2014)

De acordo com Willian Narzetti, gerente executivo do Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, (ICOM), a Lei n. 13.019/2014 trouxe uma nova ótica para o terceiro setor, desta vez orientada para resultados, ou seja, as organizações precisam cumprir aquilo que elas se propõem a fazer em projetos específicos. O mais importante na atuação das OSCs é o impacto que geram para a sociedade.

Figura 1: Entrevista com Willian Narzetti | Disponível em: https://youtu.be/6prUhec51s8

O ICOM participa da Plataforma MROSC, uma rede de articulação de organizações sem fins lucrativos e de interesse público, que tem por objetivo aprimorar o ambiente social e legal de atuação das organizações. Um dos objetivos da Plataforma é garantir que não haja diferença na interpretação do que foi acordado no Congresso Nacional, através da Lei 13.019/2014, tentando manter o espírito dessa lei que busca fortalecer as organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado.

Uma das frentes de trabalho do ICOM é auxiliar organizações da sociedade civil a terem uma gestão mais eficiente e a servirem como canais de participação dos cidadãos para melhorarem a qualidade de vida na Grande Florianópolis e em Santa Catarina. As principais áreas de atuação do Instituto são: investimentos sociais na comunidade, apoio técnico e financeiro a OSCs e produção e disseminação de conhecimento. 

Dentre as atividades de apoio técnico, estão as de orientação para as organizações a respeito de prestação de contas quando elas participam de editais de fomento, ou seja, quando recebem recursos financeiros para algum projeto social e precisam se submeter ao processo de prestação de contas desse dinheiro. Esse processo está relacionado com a accountability, ao trazer informação e justificação do uso do recurso e a responsabilização sobre o seu  uso correto ou inadequado. Aqui entra também o aspecto de enforcement – quando a OSC presta contas corretamente, ela é premiada, ganhando legitimidade por sua capacidade e correção e podendo obter recursos novamente, ou punida, quando fica impedida, por exemplo, de obter o próximo recurso até sanar as pendências na prestação de contas.

Para William, a prestação de contas é algo bastante delicado, pois muitas vezes quem analisa a prestação de contas não  observa  a finalidade de cada  organização, ou seja, não se pensa no benefício maior e no impacto que a instituição exerce na sociedade, mas sim, se verifica apenas os meios. Esse é um dos aspectos que se relaciona com um tipo de accountability mais formal ou institucional, que focaliza os  padrões  estabelecidos por leis, normas, regulamentos e procedimentos. Isso se reflete  em muitos  editais e suas exigências de prestação de contas, com mais  apego ao processo e não ao fim.

Ao analisar os diversos editais de fomento que a organização já participou, é notória a diferença entre editais nacionais e internacionais, com ênfase na etapa de prestação de contas. Na entrevista realizada com a Guardiã de Relacionamentos do ICOM, Mariana de Assis, foi possível entender as diferenças dos editais. Organizações internacionais como a CFLeads e a Mott Foundation – que possuem o objetivo de auxiliar as fundações da comunidade no mundo inteiro a acessar ferramentas para reunir recursos e desenvolver projetos que promovam uma sociedade justa, equitativa e sustentável – adotam  um tipo de prestação de contas que prioriza o resultado e o impacto que determinada ação causou na sociedade. É um formato menos burocrático, indo além do valor monetário e dos documentos fiscais.

Em relação às instituições nacionais, podemos citar o Fundo para a Infância e Adolescência, FIA, um fundo vinculado aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente Municipais e Estaduais, criado para captar e aplicar recursos financeiros destinados especificamente para a área da infância e adolescência. Os fundos especiais são constituídos por receitas definidas em lei, que estão vinculadas à realização de determinado objetivo ou serviço. Os fundos públicos geralmente possuem  uma estrutura de prestação de contas complexa e burocrática, ao cobrar documentos físicos com carimbos específicos e previsão de  devolução de recursos não utilizados. Em diversos editais,  as regras para prestação de contas e devolução de recursos não são claras, divulgadas depois  das inscrições para o edital. 

Na entrevista com gestores do ICOM, foi comentado que muitas organizações não possuem sequer estrutura para fazer uma prestação de contas elaborada em tantas minúcias como as exigidas em certos editais, pois não dispõem de recursos humanos excedentes para isso, o que torna ainda mais difícil cumprir esse processo. Isso vai na contramão do que propõe a Lei do Marco Regulatório das OSCs, cuja orientação é voltada para resultados e não para processos. Isso contribui para uma cultura ainda mais burocrática e para o engessamento dessas organizações, tornando seu trabalho mais moroso e menos efetivo.

A partir  das reflexões dos nossos entrevistados, percebemos a necessidade de utilização efetiva dos mecanismos disciplinados no Marco Regulatório das organizações da sociedade civil e da proposição e consolidação de mudanças no processo de prestação de contas das OSCs, entre elas:

  • Mudança do foco do controle financeiro para um controle de resultados; 
  • Processos de prestação de contas mais adaptáveis conforme o contexto de cada projeto;
  • Divulgação das exigências dos processos de prestação de contas em conjunto com a divulgação os editais de fomento; 
  • Mais flexibilidade na utilização dos recursos recebidos; 
  • Trâmites menos burocráticos, apoiados em novos recursos virtuais, como a utilização de documentos assinados de forma digital; 
  • Capacitação das OSCs para estarem aptas a prestarem contas ao órgão de fomento, de preferência incluindo essa qualificação nos editais.

Cabe nos apoiarmos mais no Princípio da Confiança e partir do pressuposto que as organizações da sociedade civil, assim como os cidadãos e os agentes públicos estatais, trabalham de forma íntegra com os recursos públicos, visto que poucas são exceção. Ou seja, talvez seja necessário punir a exceção e não tornar a punição – o endurecimento das regras de prestação de contas – uma regra geral, e assim punir a todos, o tempo todo.  As OSCs  devem direcionar seus esforços para aquilo em que são excelentes, ou seja, seu escopo de atuação. A informação e a transparência devem caminhar junto ao processo de responsabilização, de forma a ampliar a visibilidade para as causas e seus resultados alcançados. 

Você pode acessar a entrevista completa do Gerente Executivo do ICOM, Willian Carlos Narzetti neste link: https://youtu.be/6prUhec51s8 

Você pode acessar a entrevista completa da Guardiã de Relacionamento com a Sociedade Civil Organizada do ICOM, Mariana de Assis neste link: https://youtu.be/ou2x1nucrvQ 

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Laís Dorigon Rodrigues, Julianna Luiz Steffens e Juliana Sartori, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

REFERÊNCIAS  

ALVES, Mario Aquino. Empresas, Sociedade Civil e Desenvolvimento Local. In: Ecossistema do Desenvolvimento Local no Brasil: Diálogos sobre a Relação e o Papel do Governo Da Iniciativa provada e da Sociedade Civil Organizada. São Paulo: ICE, GIDE, IBRF, FGV: 2013. P. 15 – 19. Disponível em: http://gife.issuelab.org/resource/ecossistema_do_desenvolvimento_local_no_brasil_dialogos_sobre_a_relacao_e_o_papel_do_governo_da_iniciativa_privada_e_da_sociedade_civil_organizada

CFLeads. Disponível em: <https://cfleads.org/>. Acesso em: 08, jul 2022.

FERREIRA, Sílvia. Terceiro sector. Dicionário internacional da outra economia, p. 322-327, 2009.

LOPES, Laís de Figueiredo; SANTOS, Bianca dos; XAVIER, Iara Rolnik (orgs.). Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A Construção da Agenda no Governo Federal – 2011 a 2014. Secretaria-Geral da Presidência da República – Brasília: Governo Federal, 2014. 240 pp. I

MÂNICA, Fernando Borges. O que muda com o novo Marco Regulatório das organizações da sociedade civil lei 13019/2014. Atuação. Disponível em: <https://saotomedasletras.mg.gov.br/wp-content/uploads/2022/03/cartilha_do_marco_regulatorio_terceiro_setor.pdf > . Acesso em: 07, jul  2022.

Mott Foundation. Disponível em: <https://www.mott.org/>. Acesso em: 08, jul 2022.

TJSC. Fundo para a Infância e Adolescência – FIA. TJSC. Disponível em: <https://www.tjsc.jus.br/web/infancia-e-juventude/fundo-para-a-infancia-e-adolescencia-fia>. Acesso em: 02, jul 2022.

SOBRAL, Miriam Oliveira de Aguiar. O novo marco regulatório das organizações do terceiro setor: o que muda na captação e gestão de recursos públicos? 2016.

Para saber mais sobre o tema:

Plataforma OSCs – Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil – Articulação de organizações e pessoas que vem trabalhando para aprimorar e estudar a implementação do MROSC.

Coprodução e lógicas institucionais no processo de implementação do Marco Regulatório… (usp.br) Dissertação  de Bruna Holanda e da Patrícia Mendonça sobre o tema.

OSC Legal – organização que produz conteúdos (textos blog, vídeos e debates sobre MROSC e outros aspectos da gestão de OSCs.

A Associação dos Pacientes Renais de Santa Catarina e como a prestação de contas pode ser aliada para a credibilidade de organizações da sociedade civil – POLITEIA (politeiacoproducao.com.br) – texto de colegas em semestre anterior que possui relação com o tema.

Transparência de dados ambientais no Brasil

Por Gislaine Lilian Rowedder*

O acesso à informação é um direito reconhecido pela Constituição Federal de 1988. O Brasil, desde a sua redemocratização, tem avançado na criação de leis e práticas voltadas à transparência e abertura de dados, a exemplo da  Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei nº 12.527/2011) e da Política de Dados Abertos do Executivo Federal (Decreto nº 8.777/2016).

No campo ambiental, a história é um pouco mais antiga, pois em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) já estabelecia a divulgação de dados e informações ambientais. Uma alteração desta lei, em 1989, passou a prever a prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando o Poder Público a produzir tais informações, quando inexistentes. Outra lei que se destaca é a Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei nº 10.650/2003), que determina o acesso público a documentos e informações ambientais pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Além disso, outras leis ambientais possuem a transparência e o acesso à informação como diretrizes e preveem a existência de sistemas e cadastros que permitem a organização e a divulgação de dados e informações ambientais.

Vale lembrar que, desde 2011, o Brasil participa da OGP (Open Government Partnership ou Parceria para o Governo Aberto), uma iniciativa internacional que busca difundir e incentivar práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social. Como membro, o país elabora a cada dois anos um Plano de Ação Nacional, em que assume compromissos com os princípios de governo aberto e delimita as estratégias e as atividades para implementá-los (Figura 1). A partir do terceiro Plano de Ação (2016-2018), a área ambiental passou a integrar os temas e compromissos assumidos pelo país, contribuindo para o avanço de ações na transparência e abertura de dados sobre meio ambiente no âmbito do executivo federal.

Figura 1 – Áreas temáticas dos Planos de Ação | Elaborado pela autora, com base em dados da CGU/OGP

Atualmente, vários órgãos federais envolvidos na gestão ambiental já possuem suas bases de dados abertos. Entretanto, ainda existem obstáculos que precisam ser superados. Um relatório do projeto Achados e Pedidos1 apontou sete grupos de problemas relacionados à transparência de dados ambientais no Brasil (Figura 2):

  1. não produção de dados necessários ao controle social da execução de políticas públicas;
  2. falta de atualização de dados disponíveis;
  3. dificuldades no acesso a informações e dados, mesmo via transparência ativa;
  4. dados descentralizados em múltiplas fontes;
  5. cumprimento insatisfatório da LAI;
  6. ausência de políticas para abertura de dados;
  7. interrupção de produção e disponibilização de dados por questões técnicas.

Figura 2 – Problemas de transparência em dados ambientais | Fonte: Adaptado pela autora com base em Achados e Pedidos (2021)

A este cenário, somam-se a emergência de fake news e discursos de governantes que tentam desqualificar o campo ambiental. Um estudo do Imaflora2 aponta que, desde o início de 2019, foram veiculadas diversas notícias sobre ações do governo federal no sentido de reduzir o acesso à informação ambiental, incluindo a deslegitimação de órgãos públicos responsáveis pela produção de dados ambientais, alterações nos protocolos de comunicação dos órgãos ambientais, ameaças a servidores, elevação do sigilo de documentos públicos e apagões em bases de dados ambientais.

Nesse contexto, destaca-se a importância do trabalho de diversas organizações da sociedade civil, de pesquisadores e da imprensa que atuam ativamente na fiscalização e no monitoramento das ações do Poder Público, além de contribuir para o levantamento e a divulgação de dados socioambientais.

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1 O projeto Achados e Pedidos, é realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Transparência Brasil e Fiquem Sabendo. Por um ano, desde fevereiro de 2020, eles monitoraram a disponibilidade de dados socioambientais no governo federal, em bases de dados produzidas por 43 órgãos federais da gestão socioambiental no Brasil.

2 A Imaflora é uma organização da sociedade civil que atua no Brasil com ações que contribuem para a conservação do meio ambiente. Em uma de suas linhas de ação, dedica-se à construção de políticas ambientais que contenham os princípios de um Governo Aberto.

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*Texto elaborado pela acadêmica de administração pública Gislaine Lilian Rowedder, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

Referências

ACHADOS E PEDIDOS. Área socioambiental: império da opacidade. Maio 2021. https://www.achadosepedidos.org.br/uploads/publicacoes/Imperio_da_Opacidade_Socioambiental.pdf

IMAFLORA. Mapeamento dos retrocessos de transparência e participação social na política ambiental brasileira – 2019 e 2020. 2021 https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/mapeamento_dos_retrocessos_de_transparencia_e_participacao_social_na_politica_ambiental_.pdf

Lei de Acesso à Informação – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Lei de Acesso à Informação Ambiental – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.650.htm

Planos de Ação Nacional do Brasil – https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/planos-de-acao

Política de Dados Abertos do Executivo Federal – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8777.htm

Política Nacional de Meio Ambiente – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm

Iniciada a Semana de Governo Aberto, com participação do Politeia

A programação segue até 20 de Maio

Hoje iniciamos a Semana de Governo Aberto, organizada em parceria entre a Controladoria-Geral da União, CGU, a Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, CGE/SC, a Prefeitura de Osasco e a Prefeitura de São Paulo. São os quatro integrantes brasileiros da Parceria pelo Governo Aberto, Open Government Partnership, OGP, que nesta semana promove a OpenGovWeek, em diversos países.

Compartilhamos a seguir o link da mesa inicial do evento e a fala da professora Paula Chies Schommer, do grupo de pesquisa Politeia e da Act4Delivery, que são parceiros do 1º Plano SC Governo Aberto, liderado pela CGE em Santa Catarina.

“É uma alegria estar aqui neste momento inicial da Semana de Governo Aberto, embora estejamos em um momento difícil de nossa história e de nosso país. Fome, doenças, guerras e violências várias, que vinham sendo controladas e reduzidas pelo mundo, voltam a nos assombrar em grande escala. Desafiam nossa capacidade de colaboração, conhecimento, inovação e solidariedade. Desafiam os governos, que se mostram ainda mais relevantes diante de problemas coletivos complexos, contando com seus cidadãos para enfrentá-los.

Governar é difícil. O exercício do poder pode ser feito de modo mais concentrado, fechado, obscuro, violento, o que ocorre sobretudo em momentos de crise e medo. Ou pode ser feito de modo mais compartilhado, aberto, transparente e colaborativo, ainda que haja divergência e conflito, também necessários para ampliar perspectivas e possibilidades. Porque há também capacidades muitas que podem ser articuladas e desenvolvidas a partir da colaboração.

Um governo que se abre para seus cidadãos é um governo que se fortalece. Em lugar da força concentrada e imposta, um poder distribuído e multiplicado, cuja força está no diálogo, na colaboração, na diversidade de ideias, recursos e capacidades. Em lugar do poder monólogo, que não se explica, que agride, manipula e corrompe, um poder que se amplia à medida que escuta, explica, negocia, coordena, media, articula, estimula e valoriza seus cidadãos.

Não está dado que esta alternativa, mais aberta e democrática, seja a vencedora ou a preferida pela maioria dos governantes, servidores públicos e cidadãos. Embora seja preciso dialogar e travar a disputa no âmbito dos valores, desejos coletivos e palavras, é preciso ir além. É preciso demonstrar que uma cidadania ativa e um governo aberto, juntos, são capazes de gerar resultados concretos, na forma de sociedades mais justas e sustentáveis, com melhores serviços para todas as pessoas. Seja em educação, saúde, segurança pública e saneamento de boa qualidade para todas as pessoas, seja em atividades como as de controle ou compras e contratações públicas, para que tenhamos também bons processos internos e parceiros privados e sociais qualificados. Cabe experimentar, aprender e demonstrar que o governo aberto é um caminho viável e mais sustentável para responder aos imensos desafios de nosso tempo.

Do que vivencio em organizações da sociedade civil, na academia, junto a órgãos de gestão pública e de controle interno, externo e social, observo que estes ampliam seu poder a capacidade de ação ao se abrir para o diálogo e a construção conjunta com a cidadania. Isso foi visível na trajetória da Controladoria-Geral da União, CGU, que liderou processos colaborativos na construção e implementação da Lei de Acesso à Informação, LAI, que agora completa 10 anos, na organização da primeira Conferência Nacional de Transparência e Controle Social, Consocial, e na presença do Brasil desde o lançamento da Parceria pelo Governo Aberto, em 2012. Isso foi evidente também na recente implantação da Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, CGE/SC, que desde sua concepção, e agora como integrante da OGP Local, vem trabalhando em colaboração com diversos segmentos dentro e fora do governo.

Este evento é uma demonstração dos potenciais da colaboração. Organizado em conjunto por várias pessoas, de diferentes locais, níveis de governo e seus parceiros, promoverá debates e aprendizagens ao longo da semana, e seguirá na condução de um mapeamento de práticas de governo aberto, que agora lançamos.

Que sejamos capazes de fazer com que a abertura e a colaboração sejam o padrão básico do governo e da governança. E a partir disso, tenhamos governos e sociedades fortalecidas, servidores públicos valorizados, cidadãos plenos e ativos na coprodução da gestão, do controle, dos serviços públicos, do bem público.”

O evento prossegue até o dia 20 de maio, com participação de outros membros e egressos do grupo Politeia, entre eles o Professor Fabiano Raupp, pesquisador destacado na área de transparência pública, e o mestre Leonardo Valente Favaretto, que durante seu mestrado pesquisou as relações entre os controles interno, externo e social. Este que será o tema de Painel nesta 5ª feira, dia 18 de maio, às 15:30h.

Combate à corrupção no Brasil: estágio atual, desafios, possibilidades e prêmio

Integrante do grupo de pesquisa Politeia participou de entrevista sobre o combate à corrupção o Brasil. Nas duas matérias do jornalista Guilherme Resck, são abordados o estágio atual do combate à corrupção no Brasil, avanços, obstáculos e perspectivas. São destacados os potenciais do uso de tecnologia de informação no combate à corrupção e o Prêmio Não Aceito Corrupção.

Link para a matéria: https://www.sbtnews.com.br/noticia/brasil/206644-combate-a-corrupcao-no-brasil-nao-e-efetivo-avaliam-especialistas

https://www.sbtnews.com.br/noticia/tecnologia/206646-tecnologia-e-muito-importante-no-combate-a-corrupcao-diz-conselheira-do-inac

Grupo de pesquisa Politeia passará a integrar Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da CGU

Publicado em Notícia – Grupo de pesquisa da Udesc Esag passa a integrar Conselho de Transparência da CGU
11/04/2022-14h21

Grupo de pesquisa da Udesc Esag passa a integrar Conselho de Transparência da CGU

O Grupo de Pesquisa Politeia, da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), foi escolhido para integrar o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (CTPCC) da Controladoria-Geral da União (CGU). O conselho, com 14 membros (sete do governo federal e sete da sociedade civil), discute políticas e estratégias na área, sugerindo avanços.

Conselho da Transparência ligado à CGU tem 7 representantes do  governo federal e 7 da sociedade civil – Foto: Divulgação/CGUO Grupo de

O resultado de edital da CGU para seleção da organização ou grupo de pesquisa com assento no conselho será oficializado na segunda-feira, 18, após o prazo de análise de recursos. O Politeia foi o melhor ranqueado, à frente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do grupo de pesquisa em Tecnologia de Gestão Estratégica & Inovação da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).

O Politeia é um dos grupos de pesquisa do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc, em Florianópolis.  É dedicado ao estudo da coprodução do bem público, com foco em accountability e gestão. Terá como representante titular no CTPCC a professora Paula Schommer, com o professor Fabiano Raupp como suplente.

Impacto

Para Paula Schommer, que também lidera o grupo de pesquisa, o resultado é um reconhecimento do trabalho desenvolvido na Udesc Esag. “As pesquisas realizadas por integrantes do grupo, em temas como transparência, accountability, coprodução, controle, orçamento e finanças públicas, inovação, governança e governo aberto, fundamentam publicações, debates e o aprimoramento da ação em diversos órgãos públicos”.

O grupo espera contribuir para que o Brasil “siga avançando em transparência, participação cidadã e abertura dos governos e para que se evite retrocessos e se aprenda com acertos e erros no combate à corrupção”, de acordo com a professora. “É também uma oportunidade de aprender com outros membros do conselho e pessoas que vêm se dedicando a promover transparência como caminho para aprimorar a gestão pública e desenvolver a cidadania”.

Membros do conselho

O governo federal é representado no CPTCC pela CGU, Casa Civil, Advocacia-Geral da União (AGU), Comissão de Ética Pública da Presidência da República e os ministérios da Justiça, da Economia e do Planejamento. Uma sétima vaga é alternada entre os ministérios da Infraestrutura, Educação, Cidadania, Saúde, Meio Ambiente e Direitos Humanos.

Já a sociedade civil é representada por quatro organizações com experiência comprovada em projetos voltados a áreas como transparência, avaliação de políticas públicas, combate à corrupção e integridade organizacional, além de uma organização ou grupo de pesquisa (vaga ocupada pelo Politeia), um representante dos órgãos de controle estaduais e um do setor produtivo.

Saiba mais sobre o CTPCC

Assessoria de Comunicação da Udesc Esag
Jornalista Carlito Costa
E-mail: comunicacao.esag@udesc.br

Campanha Conexão e Suporte de Vidas em Tempos de Pandemia: resultados e aprendizagens na coprodução do bem público

*Por Sueli Farias Kieling, André Luiz Caneparo Machado, Luana Casagrande e Maxiliano de Oliveira

A pandemia de Covid-19 vem se mostrando desafiadora, persistente e complexa. Devido ao alto grau de transmissibilidade da doença, as pessoas internadas em hospitais e os familiares precisavam de distanciamento social, sobretudo quando não havia vacinas disponíveis. Mas a dificuldade de comunicação entre pacientes e familiares persiste e não apenas para pessoas com Covid.

As unidades hospitalares buscam promover vias de comunicação entre pacientes e seus familiares, de forma a aproximá-los virtualmente. Diante desse cenário, um grupo de alunos da disciplina Governança e Redes de Coprodução do Bem Público, do Mestrado Profissional da Universidade do Estado de Santa Catarina Udesc Esag, ministrada em 2021, após conversas e trocas de ideias com assistentes sociais de hospitais da região da Grande Florianópolis, desenvolveram um projeto colaborativo.

Assim surgiu a Campanha Conexão e Suporte de Vidas em Tempos de Pandemia, realizada entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, buscando arrecadar fundos para aquisição de equipamentos tecnológicos a serem doados aos hospitais participantes, contribuindo um pouco para enfrentar o desafio posto.

A Campanha foi noticiada em canais de comunicação – rádio, mídias sociais como blog do Grupo de Pesquisa Politeia Udesc Esag, Facebook, Twitter e Instagram vinculados à Universidade. Manifestamos aqui nossos agradecimentos pelo trabalho e dedicação disponibilizados pela equipe de jornalismo da Udesc.

Finalizada a Campanha, o grupo de alunos formado por André Luiz Caneparo Machado, Luana Casagrande, Maxiliano de Oliveira, Sueli Farias Kieling, com orientação da professora Paula Chies Schommer, conseguiu por meio das arrecadações comprar 02 tablets e 03 roteadores para serem doados aos hospitais participantes: Hospital Florianópolis, Hospital Governador Celso Ramos, Hospital Infantil Joana de Gusmão, Hospital Nereu Ramos, Hospital Regional Homero de Miranda Gomes.

Como os bens que seriam doados são de características diferentes entre si, foi realizada uma reunião de fechamento da Campanha, na qual houve o sorteio dos itens a serem doados entre os participantes. Esta reunião ocorreu no dia 25/02/2022, e está disponível na íntegra por meio deste link.

Com a entrega dos equipamentos aos hospitais, entre os dias 09 e 11 de março de 2022, o grupo se sente gratificado ao vencer os obstáculos do processo de coproduzir para a realização do bem público e, especialmente, por contribuir de alguma maneira com essas instituições, de importância expressiva para a sociedade. 

A realização se apresentou desafiadora em todas as nuances do projeto. Ao mesmo tempo, contou com a participação e o engajamento necessários dos alunos nesta iniciativa, a credibilidade e legitimidade perante os hospitais, o engajamento de assistentes sociais nos hospitais e das pessoas que foram convidadas a participar e fizeram suas doações. Houve também a busca de transparência sobre cada etapa, buscando esclarecer a todos os interessados sobre os critérios e ações, além de apresentar a prestação de contas da Campanha, ao final. Esses aspectos se mostraram na concretização dos denominados elementos estruturantes para a realização da coprodução do bem público, como engajamento, transparência, informação, confiança e participação (Rocha et al, 2021).

Outro aspecto relevante foi a participação do Instituto Comunitário Grande Florianópolis, ICOM, que atua junto às comunidades de maneira a fortalecê-las, tendo como pilares: investimentos sociais nas comunidades, apoio técnico e financeiro às OSCs e produção e disseminação de conhecimento (ICOM, 2021). Por meio do Fundo de Impacto para a Justiça Social, Linha Emergencial Coronavírus, do ICOM, foi possível o  auxílio a alguns hospitais, por intermédio das associações  vinculadas às unidades hospitalares, com a doações de recursos para itens como cestas básicas, produtos de higiene e fraldas.

Diante de todo o exposto, queremos por fim agradecer a todos os participantes desta Campanha, que se sensibilizaram pela ação e motivaram-se em auxiliar os hospitais no trabalho desafiador que executam. 

Alguns dados são importantes de serem expostos e estão disponíveis por meio deste link:

-A prestação de contas com relatório e comprovante das arrecadações;

-As notas fiscais para fins de comprovação das aquisições;

-A gravação da reunião de fechamento da Campanha com sorteio dos itens tecnológicos, que contou com a participação de servidores dos Hospitais participantes; e

-Termos de doação assinados pelos Hospitais.

Nosso muito obrigado!

A relação entre conselhos de políticas públicas e a coprodução do bem público

Por Gabriela Baia, Isabela Troyo e Monyze Weber*

O presente texto tem como objetivo analisar a relação entre os conselhos gestores de políticas e a coprodução de bens e serviços públicos. Pretende-se, aqui, apresentar  um pouco sobre o funcionamento dos  conselhos e discutir  sobre seus papéis frente à sociedade e a administração pública, bem como os principais desafios enfrentados pelos conselhos da cidade de Florianópolis. 

Pretende-se entender o porquê de a participação cidadã em conselhos de políticas públicas se configurar como um exercício de socialização, publicização e construção coletiva e de como os conselhos se configuram como um mecanismo para garantir espaços de participação. Abordaremos a configuração dos conselhos no município de Florianópolis, dando ênfase ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA).

Participação social, conselhos e coprodução

Entende-se coprodução como o compartilhamento de responsabilidades no planejamento e/ou na provisão de bens e serviços públicos, por meio  da interação entre profissionais-servidores e cidadãos-usuários. Os arranjos organizacionais que promovem a participação social e a interação entre agentes, públicos privados e cidadãos, como os conselhos, geram oportunidade para que a coprodução ocorra e se desenvolva (RONCONI, DEBETIR, DE MATTIA, 2011). Os conselhos gestores de políticas públicas são relevantes, também, para o exercício do controle social.

A participação social consiste no compartilhamento de poder político entre o Estado e demais agentes, não necessariamente caracteriza-se como coprodução, enquanto o  controle social é a inserção dos cidadãos no papel de orientar e fiscalizar a ação do estado (BAVA, 2016).

Para que seja possível ocorrer de fato a participação social no Estado é preciso mais que a articulação e a organização da sociedade civil. É necessário um tipo de gestão pública específica, que coopere para o trabalho em rede, denominado governança pública (RONCONI, 2018). 

Na democracia liberal, a participação social é institucionalizada, estruturada e intermediada pela legislação, mas também verifica-se outras formas de auto organização e movimento não formais. Existem  instrumentos normativos (leis, decretos e resoluções) que criam e regulam conselhos e conferências de políticas públicas na administração pública. Para ser viável a continuidade dos conselhos, eles precisam apresentar aspectos de legitimidade que se desdobram em condições de governabilidade (capacidades políticas) e governança (capacidades administrativas) (SPECIE, 2015).

Por isso, a abertura e apoio do gestor público à participação, juntamente com seu conhecimento técnico e viabilização de condições para as atividades conjuntas, se torna imprescindível no desenvolvimento e consolidação dos conselhos. A atuação conjunta entre agentes públicos, profissionais e cidadãos, representando diversos segmentos da sociedade interessados e afetados por certa política ou serviço, permite um processo contínuo de aprendizagem, que ocorre na prática, que requer e também desenvolve capacidades  específicas.

Portanto, a participação social é uma condição imprescindível para que os conselhos existam e funcionem, sendo um meio pelo qual o cidadão informa, opina, produz e acompanha o andamento da administração pública local.

A participação nesses conselhos pode ter características diferentes, dependendo da natureza do conselho: consultivo, deliberativo, normativo e fiscalizador (Quadro 1). Alguns deles podem desempenhar mais de um desses papéis.

Quadro 1: Tipos de conselho conforme seu papel na política pública

Tipos de conselhos de políticas públicas:Características relativas ao papel e ao poder dos conselhos:
ConsultivoAquele em que seus integrantes têm o papel apenas de estudar e indicar ações ou políticas sobre sua área de atuação.
DeliberativoAquele que efetivamente tem poder de decidir sobre a implantação de políticas e/ou a administração de recursos relativos à sua área de atuação.
NormativoEstabelece normas e diretrizes para as políticas e/ou a administração de recursos relativos à sua área de atuação.
FiscalizadorFiscaliza a implementação e o funcionamento de políticas e/ou a administração de recursos relativos à sua área de atuação.
Fonte: Elaborada pelas autoras com base em Oliveira, Martins e Melo, 2018

Os conselhos são caracterizados como “canais de participação política, de controle público sobre a ação governamental, de deliberação legalmente institucionalizada e de publicização das ações do governo” (BRONZO, 1988, p. 280).  A partir da Constituição Federal, houve o aumento da participação dos cidadãos com a divisão paritária dos conselhos. Tendo, portanto, a sociedade civil e o governo o mesmo poder deliberativo nesses espaços, apesar de que nem todos os conselhos representativos carregam consigo essa definição de paridade, como será explicado a seguir.

Conselhos e controle social

Um dos elementos estruturantes da coprodução é a accountability (ROCHA, SCHOMMER, DEBETIR e PINHEIRO, 2021), conceito esse que corresponde à  “responsabilização  permanente  dos  gestores  públicos  em  termos  da avaliação sobre a conformidade e legalidade, mas também da economia, da eficiência, da eficácia e da efetividade dos atos praticados em decorrência do uso do poder que lhes é outorgado pela sociedade” (ROCHA, 2007, p.3). Os mecanismos e processos de controle interno, controle externo e controle social da administração pública são necessários para a realização da accountability. 

Órgãos como o Tribunal de Contas e o Ministério Público são parte do sistema de controle externo da administração pública. As controladorias ou auditorias internas, por exemplo, são órgãos de controle interno. As ouvidorias e conselhos, por sua vez, estabelecem relações entre o controle interno e o controle social. 

Um papel relevante dos conselhos é a demanda e a produção de informações públicas qualificadas, e o debate sobre elas, para subsidiar a análise e a deliberação sobre políticas públicas e a alocação de recursos. Sem informação, também não existe controle social. Conselhos são essenciais para a coprodução através da construção de instrumentos, de diagnósticos para direcionar, definir, publicizar informações sobre determinadas áreas de atuação de cada um deles. Assim, é possível que  a sociedade civil se esclareça e construa um caminho que as guie nos processos de participação social, que podem gerar a coprodução no futuro. A partir da coleta dessas informações e dados, da transformação em um diagnóstico sobre determinada problemática social, e posteriormente da aplicação de um recurso público, é possível promover coprodução de bem ou serviço público (PEREIRA, 2021).

Logo, o controle social é uma ferramenta importante tanto para a organização interna dos conselhos, bem como para seus participantes cobrarem o uso por parte do governo. Os conselhos se configuram como uma forma de ampliar e qualificar a democracia, por meio de gestores e cidadãos interessados, os quais permitem o aprimoramento do controle social e a melhoria na confiança daqueles que buscam e participam, de alguma forma, da tomada de decisões (MENDONÇA, 2021).

Conselhos de políticas públicas em Florianópolis

Quando se olha para cada município, apesar de os conselhos manterem suas características: deliberativos, paritários e normativos, nota-se mudança na estrutura, os atores responsáveis e seus papéis dentro dos conselhos. Essas características são pautadas por uma legislação municipal e pela trajetória e dinâmica própria de cada contexto. Cada conselho confere singularidade em suas características, e por isso, cada um tem uma estrutura, lei e características próprias.

Em relação aos papéis dos conselheiros, o mesmo se configura como um trabalho voluntário, que exige uma carga de trabalho grande, devido ao conhecimento específico que cada área temática exige, e há a necessidade de levar as questões à sociedade civil antes da tomada de decisões. Esses aspectos demandam tempo, conhecimento e conexões com o segmento que representa. 

O Articula Floripa é um projeto que tem como objetivo promover e garantir direitos de crianças e adolescentes em Florianópolis por meio do fortalecimento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e da articulação entre os atores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA). Logo após seu início, em 2017, elaborou um plano de ação que guiou as ações. Uma delas incluiu encontros, workshops e entrevistas com os conselheiros do CMDCA. Esse trabalho foi  apelidado de “diagnóstico da atuação dos conselheiros”, pois antes de fortalecer o trabalho realizado, era necessário conhecer quem está por trás dessa mediação.

Apesar de os conselheiros possuírem um currículo qualificado, um desafio atual é o de como utilizar esses perfis para produzir algo em conjunto, pois, muitas vezes, os conselheiros eleitos não conhecem o fluxo dos processos dentro do conselho, e esse processo de aprendizagem demanda tempo e energia. 

Os conselhos acabam se tornando, também, espaços de aprendizagem e formação, tanto para os cidadãos, como para os gestores que pouco conhecem sobre as atividades realizadas por eles. Algo que exige tempo e certa continuidade nas ações e relações.

Esse tipo de  diagnóstico, que tem a participação de usuários, do poder público e da sociedade civil, permite uma coleta de dados que servem de base para dimensionar as necessidades, iniciar novos projetos, realizar ações conjuntas e tomar decisões. A participação desses outros atores envolvidos permite um olhar mais amplo para o problema. 

Guerreiro Ramos (1989) diz que há espaços sócio-aproximadores e sócio-afastadores. Aqui, nota-se que os conselhos se configuram como um espaço sócio-aproximador ao passo que estabelece essa dinâmica de participação entre diversos atores, configurando como um movimento de coparticipação e coprodução.

Os conselhos em Florianópolis enfrentam alguns desafios de gestão e comunicação. Há certa dificuldade em achar informações básicas sobre ele, como a qual órgão estatal o conselho está vinculado, qual a composição da gestão atual e anteriores, atribuições e objetivos dos mesmos. 

Cíntia Moura Mendonça, co-vereadora do Coletiva Bem Viver e presidenta do Fórum Intersetorial de Políticas Públicas de Florianópolis nos Conselhos de Assistência Social e CMDCA, pontua que a necessidade de desburocratizar o acesso às informações que os conselhos possuem, e que, infelizmente, não possuem apoio do poder público para utilizar de um sistema capaz de fazer essa ponte com a sociedade (MENDONÇA, 2021).

Essa falta de visibilidade dos conselhos é observada no site da Prefeitura Municipal de Florianópolis, no qual constam apenas a descrição de quatro conselhos municipais: Conselho Municipal de Direitos LGBT; Política Cultural de Florianópolis; Transparência e Combate a Corrupção e o Conselho da Cidade de Florianópolis. Porém, só no ano de 2018, foram contabilizados 37 conselhos gestores de políticas em Florianópolis, durante a Assembleia Popular de debate sobre conselhos de políticas públicas e defesa de direitos (POPULAR, 2018).

 Percebe-se, portanto, a necessidade de a Prefeitura melhorar a transparência e visibilidade direcionadas aos conselhos, pois, caso contrário, corre-se o risco de se tornarem menos responsivos e reconhecidos pela sociedade e consequentemente não cumprirem o papel para o  qual se propõem. 

Renata Pereira da Silva, Coordenadora de Desenvolvimento Institucional e Programas Sociais do ICOM e Coordenadora do Articula Floripa, pontua uma outra questão importante acerca dos conselhos de Florianópolis: atualmente, um dos pontos que mais enfraquece o movimento é a falta de participação nas lutas que defendem a permanência dos conselhos. Muitos integrantes de conselhos, inclusive os do poder público, não conseguem dedicar as  horas necessárias ao trabalho no conselho e há uma baixa procura por parte de voluntários para participar dessa luta constante que os conselhos travam buscando por permanência e recursos para se manter (SILVA, 2021).

A coordenadora do ICOM afirma que já houve movimentações para solucionar esse problema, que seria necessário pagamento e destinação de tempo de trabalho para servidores específicos realizarem certas tarefas. Contudo, isso não ocorreu e isso deixa os conselhos mais expostos perante aqueles que detém poder (SILVA, 2021). 

Conclui-se que os conselhos se tornam um mecanismo para garantir espaços da participação através da representação das organizações e segmentos da população, sendo vistos como uma contribuição para a qualificação na participação política. 

Para que cumpram com seus propósitos, é necessário  promover transparência por parte do governo local e dos conselhos em si, instigar a participação por parte da sociedade, divulgar sua função e quais as vantagens de utilizar tal mecanismo para melhoria nas entregas da administração pública para a sociedade, promover capacitações e outras condições para que se aproveite as capacidades de seus participantes e se compartilhe poder nas decisões e ações e no controle sobre processos e resultados.

Convergências e delimitações entre coprodução e conselhos

A partir das definições dos termos apresentados, é possível notar a semelhança entre conselhos e coprodução, sob a perspectiva da participação social. Ambos incluem a participação cidadã no Estado, fortalecendo a democracia. Mas os conselhos, por si só, não representam o mesmo significado teórico e prático que a coprodução. Enquanto os conselhos são dispositivos instaurados por lei na constituição para incluir a população nas decisões estatais e no controle social, a coprodução vai no sentido do compartilhamento de responsabilidade para planejar ou elaborar as políticas e bens públicos, mas sobretudo que haja participação dos cidadãos-usuários na implementação das políticas e na entrega (ou no uso) dos serviços em si. 

Os conselhos podem ser instrumentos importantes para promover a coprodução. Como a coprodução não é garantida por lei, ela depende de um arranjo governamental que colabore para a sua execução: a governança pública. Quanto mais fortalecida estiver a participação social em uma localidade, seja através de conselhos ou por outras ferramentas, existe mais chance de o Estado trabalhar com a coprodução. Conselhos gestores ativos, através do controle social, podem fazer pressão pública, além de promover oportunidades para que os governantes utilizem mais amplamente a coprodução como uma estratégia para a entrega de serviços públicos. 

Conclusão

Diante do exposto, nota-se o quanto o papel dos conselhos é imprescindível para a uma administração pública que preza pela democracia e direitos de seus cidadãos. Uma das principais funções dos conselhos é justamente promover participação social nos processos que gerem o país. Essa participação torna o cidadão um agente mais efetivo na sociedade em que está inserido. 

Nesse sentido, os conselhos realizam controle social de maneira organizada, analisam as políticas necessárias para sua área, para decidir sobre a implementação das mesmas ou mesmo para fiscalizar o andamento das políticas públicas que devem ser aplicadas.

Apesar da grande responsabilidade que um conselho tem para com o país, estado ou município, ainda enfrenta muitos problemas para continuar realizando seu propósito, assim como foi mencionado anteriormente, por pessoas que lidam com a realidade de trabalhar em conselhos, como Renata Pereira da Silva e Cíntia Moura Mendonça.

A ausência de soluções para algumas problemáticas, como a falta de uma cadeira para adolescentes no CMDCA ou mesmo sem a presença do movimento estudantil em causa correlacionadas, é algo a mudar.. Segundo Cíntia Mendonça, o problema com as últimas gestões do município de Florianópolis que não fornecem apoio para os conselhos, configuram-se como empecilhos notáveis na execução do trabalho dessa ferramenta de participação social.

 Nos últimos anos, o Brasil tem sido bombardeado de ações políticas que tentam, pouco a pouco, extinguir certas inovações institucionais que estavam sendo consolidadas desde os anos 1980. Apesar disso, os conselhos e seus agentes, independente de suas instâncias, continuam ativos, tentando promover o controle social e a coprodução do serviço público, fomentando a transparência e fiscalização da gestão pública. Eles são essenciais para que o Brasil possa continuar fornecendo o que é direito do cidadão, que são políticas públicas de qualidade e adequadas a cada realidade, buscando, assim, a manutenção de uma administração pública mais justa e democrática.

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Gabriela Baia, Isabela Pedroso Troyo e Monyze Weber Kutlesa, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências

BAVA. Maria; ROCHA, Juan. Participação e o Controle Social e seu papel na construção da Saúde. Ministério Público de Santa Catarina: Controle e participação social, Cap.18,  2016. 

GUERREIRO RAMOS, A. A nova ciência das organizações. São Paulo: FGV, 1989

MENDONÇA, C; PEREIRA, Renata. Conselhos e coprodução. Aula da disciplina de coprodução do bem público da Universidade do Estado de Santa Catarina. Data: 9-Dez-20212

MENDONÇA, Cíntia Moura. (RE) PENSANDO A PARTICIPAÇÃO E O SEU PAPEL NA DEMOCRACIA À LUZ DO PRAGMATISMO: um estudo junto ao fórum de políticas públicas de Florianópolis. 2019. 231 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Administração, A Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.

OLIVEIRA, A.; MARTINS, S.; MELO, E. Participação e Funcionamento dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Sociedade, Contabilidade e Gestão, Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, mai/ago, 2018

POPULAR, Assembleia.  Assembléia Popular de debate sobre conselhos de políticas públicas e defesa de direitos, 2018

ROCHA, A; SCHOMMER, P; DEBETIR, E; PINHEIRO, D. Elementos estruturantes para a realização da coprodução do bem público: uma visão integrativa. Cad. EBAPE.BR, v. 19, no 3, Rio de Janeiro, Jul./Set. 2021

Ronconi, L. F. de A., Debetir, E., & De Mattia, C. (2011). Conselhos Gestores de Políticas Públicas: Potenciais Espaços para a Coprodução dos Serviços Públicos. Contabilidade Gestão E Governança, 14(3). Recuperado de https://www.revistacgg.org/contabil/article/view/380

RONCONI, Luciana. COPRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AOS DIREITOS DA MULHER: O CASO DO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA MULHER DE FLORIANÓPOLIS. Revista dos Estudantes de Públicas,  vol. 3 n. 1, 2018.

SALM, José Francisco Coprodução de bens e serviços públicos In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.) Dicionário para a formação em gestão social Salvador: CIAGS/UFBA. 2014 p. 42-44

SPECIE, Priscila. Direito e participação social. 2015. Tese (Doutorado em Filosofia e Teoria Geral do Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/T.2.2016.tde-16092016-132522. Acesso em: 2022-02-11.

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