Qual é o critério para a celeridade no julgamento?

Por Camila Corrrêa, Laurieti Delgado e Lucia Helena Maier*

No dia 8 dia abril de 2017, Breno Fernando Solon Borges, 37 anos, foi preso por tráfico de drogas e de armas. Breno, que é filho da desembargadora Tânia Garcia Freitas – presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul, portava 130 quilos de maconha, munições de fuzil e uma pistola nove milímetros no momento da prisão.

Ele permaneceu preso pouco mais de 3 meses, numa penitenciária em Três Lagoas, tendo sua liberdade concedida depois de dois habeas corpus. No mês de julho, a defesa solicitou a substituição da prisão por uma internação provisória em uma clínica psiquiátrica, alegando que Breno sofre de uma doença conhecida como síndrome de borderline e, por essa razão, não seria responsável por seus atos.
Na primeira instância, o habeas corpus foi negado, após consulta à direção do presídio, que informou que a instituição prisional oferece tratamento psiquiátrico aos internos e, inicialmente, nem Breno e nem a sua família teriam comunicado da doença. A defesa recorreu ao Tribunal de Justiça e um colega de Tânia Garcia – mãe de Breno, o Desembargador Ruy Celso Barbosa Florence determinou que ele fosse transferido da prisão para uma clínica.

Mas outro mandado de prisão pegou os advogados de surpresa. Breno é investigado também pela Polícia Federal pela participação no plano de fuga de um chefe do tráfico de drogas. Novamente, os advogados recorreram e o pedido caiu nas mãos de outro desembargador. José Ale Ahmad Netto deu novo habeas corpus e ainda criticou a decisão do juiz de primeira instância, afirmando que ele havia “implicando obstáculo indevido ao direito do paciente, que necessita de imediata submissão a tratamento de saúde”.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu então procedimento para investigar se houve algum ato indevido na decisão que permitiu a saída de Breno da prisão. Outro fato chamou a atenção do CNJ, envolvendo a mesma Desembargadora e seu outro filho, Bruno Edson Garcia Borges, condenado em 2005 por assalto a mão armada. O inquérito foi concluído em apenas seis dias pelo delegado responsável pelo caso. A partir daí, o processo “voou”. Do crime até a condenação, foram apenas sete dias. Esse trâmite é um recorde, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas, Elias Mattar Assad.

A semelhança entre os casos dos irmãos Borges, de acordo com o corregedor do CNJ, João Otávio Noronha, causou estranheza e perplexidade, pela celeridade no julgamento e pela maneira como foi dada a liminar, estendendo um habeas corpus de uma outra ação penal que estava tramitando.

Casos como estes citados têm sido mais noticiados. Processos e julgamentos mais céleres em determinadas circunstâncias, enquanto que, em outras, a espera pelo julgamento em segunda instância torna-se mais um dos motivos para o crescimento da população carcerária no Brasil, um terço dela relacionada ao tráfico de drogas. Em alguns casos, os acusados demoram anos até conseguirem uma audiência e passam esse tempo na cadeia aguardando o julgamento. Já em outros, como no exemplo citado, o réu consegue em pouco tempo sua liberdade.

Apesar de haver avanços na Justiça e aprimoramento de leis, além dos diferentes critérios para a celeridade, ainda se verifica impunidade, geralmente relacionada a pessoas bem posicionadas na sociedade. No início deste ano, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação de quatro anos e 11 meses de prisão de um homem preso em flagrante por entregar a outro um cigarro com 0,02 grama de maconha. Já o político tucano Aécio Neves, acusado de diversos crimes como nepotismo, caixa dois, desvios de verbas da saúde, relações com Alberto Yousseff, mensalão e diversas citações na Operação Lava Jato, não foi punido e continua desfrutando de sua liberdade.

É uma diferença discrepante nesses casos, uma maneira arcaica de fazer justiça, pois ela só funciona para alguns enquanto outros apostam na impunidade, dadas suas relações políticas, dinheiro e poder. Essas ações mostram que o poder é concentrado e utilizado como convém a quem o concentra. Não há tratamento igualitário para todos os cidadãos, revelando que a democracia brasileira ainda é marcada pelo patrimonialismo. A celeridade na justiça mostra-se possível, desde que haja vontade. Não faltam instrumentos para se avançar na investigação, julgamento e punição céleres, mas há contradições e desvios nas práticas burocráticas e políticas, que contribuem para a seletividade de quem será punido ou não pelos seus atos.

Referências:

JUSTIÇA EM NÚMEROS, Conselho Nacional de Justiça, CNJ – http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros

PINHO, J.A.G. e SACRAMENTO, A.R.S. Accountability: já podemos traduzi-la para o português? Revista da Administração Pública, 43 (6): 1343-68, nov./dez. 2009. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/6898

* Texto elaborado pelas acadêmicas Camila Corrrêa, Laurieti Delgado e Lucia Helena Maier, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em Administração Pública da Udesc Esag.