Uma breve análise sobre a transparência do processo e a qualidade da execução do objeto.
Por Bruno Azevedo, Freya Bayer, Marcela Neiva e Vanessa Royer *
Como a accountability pode ocorrer nas compras públicas, sob o ponto de vista do poder público e sob a ótica do fornecedor? É o que abordamos neste texto.
Iniciamos com uma apresentação geral da legislação existente no país no tocante às compras públicas, mencionamos algumas dificuldades comuns encontradas pelas empresas privadas, bem como os requisitos e precauções a serem tomados quando estas pretendem ser contratadas pelo Estado para fornecer um produto, realizar uma obra ou prestar um serviço. A intenção principal é instigar a reflexão sobre a necessidade de se pensar em accountability sob o ponto de vista de diferentes envolvidos no processo de compras públicas.
Previamente à análise, cabe dar um passo atrás e destacar o conceito de accountability, aqui entendido como responsabilização pessoal e institucional pelos atos praticados e a exigência de prontidão para a prestação de contas, seja no âmbito público ou no privado. Em contextos democráticos, a accountability envolve mecanismos relativos a regras estatais intertemporais, ao processo eleitoral e ao controle institucional sobre o mandato (Abrucio e Loureiro, 2005). Para saber mais você pode acessar este vídeo.
Uma das bases da accountability é a transparência, por meio da qual, no contexto da administração pública, os representantes políticos ou servidores públicos disponibilizam dados e informações sobre sua atuação. Esses dados podem ser utilizados por outros órgãos da administração pública, instâncias de controle, organizações privadas, como empresas fornecedoras e parceiros em projetos.
Para que as contratações públicas sejam realizadas de forma organizada e transparente, o Estado criou um aparato legal capaz de abarcar diversas formas de compra, para diversos preços e objetos. Para saber mais sobre como se estruturam os processos de compras públicas no Brasil e sobre estudos e tendências nessa área, você pode acessar este artigo sobre compras públicas.
As licitações, por meio das quais se realiza a maior parte das compras públicas, exigem das empresas a sua submissão ao ordenamento jurídico, que busca definir procedimentos e critérios para as contratações e proteger a administração pública de ações que possam lhe trazer prejuízos.
Entre as leis que regem as contratações públicas, estão a Lei n. 8.666/93 conhecida como a Lei Geral das Licitações, a Lei n. 10.520/2002, conhecida como a Lei do Pregão, a Lei n. 12.349/2010, que regulamenta o Art. 3º da Lei n. 8.666/93, a Lei n. 12.462/2011, que regulamenta o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), e em caso de Micro e Pequenas Empresas, a Lei n. 123/2006, Lei n. 147/2014, Lei n. 13.979/2020 e a Medida Provisória n. 926/2020.
A Lei n. 8.666/93 abarca uma série de possibilidades de compra. Entre as modalidades que institui estão a concorrência, para contratações de maior valor, a tomada de preços, para contratações de valor intermediário, o concurso, para contratação de trabalhos intelectuais, o convite, através da carta convite, para instrumentos de menor valor, e o leilão, para venda de bens móveis e imóveis.
O Pregão é a modalidade de licitação mais utilizada atualmente, destinada à aquisição de bens e serviços considerados comuns, independentemente do valor da licitação. A legislação define que são comuns aqueles objetos cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. Não se aplica às contratações de obras, às locações imobiliárias, às alienações em geral e nem aos bens e serviços especiais.
Em 2010, foi sancionada a Lei n. 12.349/2010, que estabeleceu preferência de produtos nacionais em licitações, e também estendeu seus efeitos aos bens e serviços originários de países integrantes do Mercado Comum do Sul (Mercosul), a fim de privilegiar os mercados mais regionalizados. Entretanto, ela tratou de prever situações em que a concessão de preferências não seria admitida. Não se aplicam as ditas preferências aos bens e aos serviços cuja capacidade de produção ou prestação no país seja inferior à quantidade a ser adquirida ou contratada; ou ao quantitativo fixado com fundamento no § 7º do art. 23 da Lei n. 8.666/93. Além disso, cabe à Administração Pública avaliar os casos em que a contratação de produtos de origem nacional ou de países do Mercosul são realmente vantajosos.
O Regime Diferenciado de Contratação, instituído pela Lei n. 12.462/2011, seria aplicado apenas às contratações de obras e serviços necessários aos eventos Copa das Confederações, Copa do Mundo e Olimpíadas, perdendo sua validade após 2016. A Lei do RDC começou a sofrer alterações, permitindo o uso do procedimento para ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), licitações e contratos para obras e serviços de engenharia do sistema público de ensino e obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Lei n. 123/2006, também conhecida como Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (MPE), instituiu um tratamento mais simples e favorável para as Micro e Pequenas Empresas, na medida em que criou o mais recente estatuto nacional para este ramo. Já a partir das alterações promovidas pela Lei n. 147/2014, o Microempreendedor individual (MEI) passa a ser considerado política pública de incentivo à formalização e inclusão social.
Por último, cabe destaque à Nova Lei de Licitações, referente ao Projeto de Lei nº 4.253, de 2020 que prevê alterações e acréscimos à Lei nº 8.666/1993 com o objetivo de tornar as contratações mais eficientes e atualizar vários aspectos. Uma análise sobre a nova lei pode ser vista neste texto.
Do ponto de vista das empresas, existe uma série de requisitos para que seja possível participar de um processo de contratação. A Cartilha do Fornecedor do Sebrae abre orientações pontuando que, para começar a vender para o governo, é preciso que a empresa se prepare com toda documentação necessária e que permita comprovar:
- sua habilitação jurídica – a legalidade da empresa, ramo de atividade e situação societária;
- sua qualificação técnica – laudos técnicos, declarações ou documentos comprobatórios do tipo de produto ou serviço que é capaz de oferecer;
- sua qualificação econômico-financeira – a situação financeira da empresa, comprovada pelo balanço patrimonial, demonstrações contábeis do último exercício e certidão negativa de falência. Em muitas das vezes, também são exigidas informações sobre o patrimônio da empresa, a fim de verificar se tem condição de assumir determinados compromissos;
- sua regularidade fiscal – comprovantes de cadastramento e regularidade com o CNPJ, certidões demonstrando regularidade com as Fazendas federal, estadual e municipal, FGTS e regularidade relativa à seguridade social (INSS).
Uma vez concluída essa fase, a empresa estará apta a buscar oportunidade de venda para os governos nas mais diversas esferas. A depender do segmento de atuação, do seu porte ou experiência com contratações públicas, as empresas podem focar suas atenções a contratações no âmbito municipal, estadual ou federal, ou certos setores específicos. Percebe-se uma certa segmentação, ou especialização conforme serviço ou produto que a empresa oferece, e conforme as necessidades do poder público.
Ainda segundo a Cartilha do Sebrae, e também de acordo com a convidada em aula de sistemas de accountability da Udesc Esag, Doutora Gisele de Souza Pes, gerente na área de licitação e contratos da empresa Plansul, ao identificar oportunidades, é aconselhável que a empresa tome precauções e faça uma análise de riscos versus oportunidades. Cabe avaliar minuciosamente os editais e verificar se tem condições de atendê-los, sem que comprometa um percentual muito significativo de seu capital de giro e estoque, e se tem condições de cumprir o contrato nos quesitos qualidade e prazos, haja vistas as penalidades previstas com o seu descumprimento.
Vale lembrar que o interesse do Estado tem supremacia sobre os demais entes participantes nos processos de compras públicas. Nesse sentido, a empresa deve, em havendo atraso nos pagamentos ou inadequação dos seus produtos ao esperado, ser capaz de absorver os custos e lidar com imprevistos. Convém, também, que formalize antes, durante e ao final do certame, todos os pedidos e dúvidas, por escrito, além de, ao final, solicitar o “Atestado de boa Execução”, o que agregará valor à sua qualificação nos eventos futuros.
Finalmente, a empresa deve atentar para os efeitos da Lei n. 12.846/2013, que, independentemente da pessoa física que possa realizar ilícito em seu nome, prevê a punição administrativa e civil da pessoa jurídica que corrompa agentes públicos e cometa fraude em contratos ou licitações. A mesma Lei autoriza que seja requerido do participante de licitação a comprovação de programa de compliance.
O compliance é uma das tendências atuais na iniciativa privada, e é posto em prática através da implementação de programas de integridade, que orientam a organização a adotar uma postura mais transparente, lícita, ética e íntegra, não só internamente, mas também visando às relações com o público externo, inclusive as contratações públicas.
A partir do que foi exposto, é possível perceber que, no que tange à accountability, o setor público precisa constantemente se atualizar através de legislações e mecanismos de controle e transparência de contas públicas para que seus atos sejam realizados sob os princípios constitucionais da publicidade, da eficiência, da legalidade e da imparcialidade. Nota-se ainda que, para que seja vantajoso para uma empresa se lançar nesse mercado das contratações públicas, é necessário que isso seja feito de igual maneira com responsabilidade e busca pela eficiência. Muitos são os desafios impostos, tanto pelos requisitos, quanto pelas modalidades de contratação, quanto pela concorrência e dificuldade em entregar serviços e produtos tão específicos.
Além disso, as empresas precisam estar preparadas para arcar com prejuízos e imprevistos devido a atrasos em pagamentos e burocracias criadas pelo poder público. Por último, é preciso pensar que, sob o ponto de vista das empresas, o controle dos processos e da qualidade dos serviços prestados é fundamental.
Conclui-se que são inesgotáveis as questões que podem ser refletidas no âmbito das contratações públicas e na accountability do processo e entre os envolvidos. Enquanto o poder público precisa se responsabilizar por seus atos, existe uma contrapartida das empresas, que precisam se adequar e superar concorrência e desafios ao participar dos processos licitatórios. Além disso, cabe lembrar que existe um cidadão esperando por qualidade e eficiência nos serviços públicos, e especial cuidado com os gastos públicos. Por fim, pode-se esperar tanto evoluções, como retrocessos no entendimento geral sobre o assunto nas legislações que o regem e nos desafios que o permeiam nas práticas, em cada contexto concreto. Por fim, ressalta-se a importância de sobressair as aprendizagens e mudanças geradas, mesmo em cenários de clara desordem.
* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Bruno Azevedo, Freya Bayer, Marcela Neiva e Vanessa Royer, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com a mestranda Bárbara Ferrari, entre 2020 e 2021.
REFERÊNCIAS
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