Transparência e cidadania em serviços públicos: análise de três municípios no Vale Europeu 

*Por Laís Bratti, Rafaela Politi e Thiago Mattos 

Com a interação através da internet, as obras de pavimentação em regime de mutirão nos municípios catarinenses de Blumenau, Pomerode e Brusque, no Vale Europeu, propiciaram à população a busca pela produção do bem público de forma mais eficiente e transparente, em diferentes graus e aspectos.

Os princípios do novo serviço público, assim como reflexões sobre inovação no âmbito governamental, demonstram a necessidade de incorporar preceitos de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) na administração pública (Osborne e Brown, 2011).

A gestão de TIC cresceu em importância com a chegada do governo eletrônico na administração pública (Marques, Cunha e Meirelles, 2002). O portal mantido pelo governo federal do Brasil – https://www.gov.br/pt-br – define e-government (governo eletrônico ou e-gov) como “uso da tecnologia para aumentar o acesso e melhorar o fornecimento de serviços do governo para cidadãos, fornecedores e servidores” (ZUGMAN, 2006, p. 39).

A dinâmica empregada pelo Executivo municipal das três cidades, envolvendo também o setor privado e a sociedade civil organizada, disponibiliza por meio de suas plataformas governamentais dados referentes às fases das obras, evidenciando esforços em torno da e-governança, os quais tem sua base na arquitetura de governo eletrônico, acrescida de elementos da governança pública, bem como das TIC (Pacheco et al, 2015).  

A governança pública, que é o modo pelo qual o controle e o poder são exercidos pelo governo, na administração dos recursos sociais e econômicos, visando o desenvolvimento (The World Bank, 2008), somada aos princípios da administração pública previstos na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1998) – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e ao uso das TIC, enseja a e-governança.   

A e-governança, que se busca observar nos três municípios, atua através de ações integradas como o uso das TIC, princípios de governança pública e e-governança, buscando eficiência governamental, além da tentativa de melhorar o relacionamento entre poder público e a sociedade. Um dos efeitos da governança pública pode ser compreendido na chamada coprodução de serviços públicos, a qual pode gerar sinergia a partir da interação entre Estado, mercado e sociedade civil, no compartilhamento de responsabilidades, cooperação e diálogos com a sociedade (JANN, 2002).   

Desta forma, sustenta-se tanto as bases democráticas e o interesse da administração pública, quanto a e-cidadania – que, aos moldes do que detalha o governo federal (SENADO FEDERAL, 2012), descreve-se como a possibilidade de maior participação dos cidadãos nas atividades legislativas, orçamentárias, de fiscalização e execução, na tentativa de oportunizar a participação cidadã, como, também, a transparência no ambiente online.

Importante destacar que cada um dos três municípios conta localmente com o seu “Observatório Social”, que, por sua vez, está associado à rede do “Observatório Social do Brasil – OSB”, órgão que orienta e controla os demais países através da Rede de Controle Social. As equipes dessas organizações integram um movimento atuante em prol da transparência na administração pública. Vale destacar, ainda, que Brusque é pioneiro no estado na dinâmica de transparência, junto ao seu observatório

O uso de TIC na gestão de obras em cada município

Blumenau

Blumenau possui o Programa de Mutirão denominado ‘PavimentAção’. Em seu site, apresentam-se planilhas atualizadas com diversos dados em relação às obras realizadas desde 2013. O Programa é uma parceria entre os moradores e a prefeitura. A comunidade arca com cerca de 30% da obra e o município com o restante. Critérios técnicos, conforme a prefeitura, regulamentam com clareza a ordem das ruas participantes, intentando, assim, maior credibilidade e transparência às execuções, provendo um ambiente favorável à cidadania (Rocha et al, 2019). Os dados disponibilizados na página da prefeitura mostram que mais de 80 ruas já foram pavimentadas neste regime até o momento (PMB, 2022). 

Outra alternativa oportunizada ao blumenauense é a busca pela pavimentação particular, regulamentada pelo Decreto municipal n° 11.671/2018. Neste caso, os moradores têm a autonomia para negociar a obra com terceiros, desde que o projeto atenda aos requisitos exigidos pela prefeitura e tenha o aval técnico da secretaria de obras. Contudo, trabalhos feitos sem o conhecimento do executivo municipal são considerados irregulares. Além de o município não se responsabilizar pelas obras, futuras manutenções também não serão realizadas. 

Pomerode

No município de Pomerode, percorrendo seu website na aba ‘Portal da Transparência’, há menção de que se busca, por meio deste site “assegurar a boa e correta aplicação dos recursos públicos aumentando a transparência da gestão pública, permitindo que o cidadão acompanhe como o dinheiro público está sendo utilizado e ajude a fiscalizar”, (PMP – 2022).   

Nesse município, ocorre o programa ‘Pavimentação Comunitária’, equivalente ao projeto blumenauense. A prefeitura de Pomerode disponibiliza um canal de comunicação com o munícipe em seu site.  Na aba ‘Obras Públicas’, contudo, constam os dados referentes ao que foi executado, com uma variada quantidade, almejando a transparência tanto com o gasto, quanto na execução pública, de forma detalhada.  

Brusque

Já na cidade de Brusque, de acordo com as informações correspondentes ao seu Programa de Pavimentação Comunitária, pelo advento da Lei Municipal 4.420 de 2021, novos critérios técnicos de transparência foram implantados, pretendendo oferecer maior segurança e controle aos cidadãos. Porém, na página do programa, até este momento, havia apenas a indicação de baixar o documento e o telefone da Diretoria de Pavimentações Comunitárias, não apresentando, contudo, dados concernentes ao planejamento e à execução das obras. 

Desta forma, recorremos ao jornal ‘O Município’, que atua na região. A inquietação de “como o município de Brusque, pioneiro na soma de forças em prol da transparência, não apresentava nenhum dado referente ao programa?” encontrou, na reportagem de Bruno da Silva, em 05/10/2022, possível resposta para este anseio público.        

Nessa reportagem, é possível perceber que, em setembro de 2021, a Câmara de Vereadores aprovou o projeto de lei referente ao programa de Pavimentação Comunitária. Embora a lei tenha sido homologada naquela data, o Diretor de Parcerias Comunitárias da Secretaria de Obras, Marcos Deichmann, esclarece que o decreto que regulamenta a legislação só foi publicado em 18 de agosto do ano seguinte.  

Deichmann afirma ainda que, como aconteceram alterações da antiga lei para a nova, “é normal os primeiros processos serem mais demorados devido às adequações que vão surgindo”. O diretor presume que, após a padronização dos processos, isso será agilizado. 

Ainda que existam a manutenção do website e readequação da lei, como é o caso de Pomerode e Brusque, não se enfraquece o fato de que são cidades que somam esforços orientados à prática da transparência, em torno de suas gestões e para com seus munícipes.  

O Vale em números

O Conselho Federal de Administração divulga anualmente o Índice de Governança Municipal (IGM/CFA), cuja estrutura é baseada numa hierarquia bottom-up (de baixo para cima), na qual constam os dados brutos como variáveis, cuja média serve de base para a criação dos Indicadores. 

Visando propiciar mais celeridade na entrega de bens e serviços públicos, as referidas cidades revelam persistência na tomada de decisões assertivas junto à sua população. Através de legislações pertinentes, demonstram esforços na apresentação de resultados e ações integradas via e-governança, como, também, na prestação de contas e no fomento ao processo accountable em suas gestões. 

O Projeto denominado “Proposta de padronização para a Geração de Dados abertos em Compras e Contratações Públicas”, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Politeia da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC-ESAG), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC), é outro bom exemplo de como a Prefeitura de Blumenau se direciona quanto ao tema accountability

Direitos, recursos, accountability e cidadania

Na obra Rights, Resources and Politics of Accountability (2006, p. 5-6), Peter Newell e Joanna Wheeler demonstram que as mobilizações populares que reivindicam direitos podem produzir novas formas de accountability, apenas pelo fato de terem ciência dos seus direitos e reivindicá-los, pois se considera que há uma relação de accountability entre o Estado e os cidadãos. 

Através da representação na Figura 1, a seguir, revela-se a interação entre os pontos ora mencionados:

Figura 1 – A sinergia entre os tópicos

Fonte: Adaptado de The Relationship Between Rights, Resources and Politics of Accountability (2006, p. 5-6)

Dessa triangulação entre direitos, recursos e accountability, há um fortalecimento da cidadania. Com isso, para Newell e Wheeler (2006), o conceito de cidadania relaciona as reivindicações que as pessoas acreditam ser capazes de fazer às instituições, bem como os seus direitos de ter acesso aos recursos materiais.

Considerações finais

Desse modo, pela soma desses fatores, a accountability é fortalecida e se constitui como ferramenta no desenvolvimento da e-Governança, fomentando, assim, a coprodução de serviços públicos e a e-Cidadania, resultando em potenciais benefícios aos cidadãos e eficiência aos processos públicos. Pela relação entre direitos, recursos e accountability, clarifica-se a noção básica de cidadania, esta encontrada como elemento na sinergia gerada a partir da interação contínua entre servidores públicos municipais e população, bem como, seus direitos e acesso a recursos materiais.   

Como efeito da análise dessa região catarinense e seus programas de mutirão, com as lentes do novo serviço público proposto por Denhardt e Denhardt (2003), infere-se um tipo de accountability ‘multifacetada’, sendo classificada como democrática, com a característica em que servidores devem cumprir a lei, atender aos valores comunitários, às normas políticas e profissionais e ao interesse dos cidadãos.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Laís Bratti, Rafaela Politi e Thiago Mattos, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

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