Quanto custa uma campanha política? De onde vem o dinheiro? A conta fecha?

Por Rafael Telles de Carvalho, Brunna Maila dos Santos e Matheus Silva Duarte de Oliveira*

O processo eleitoral em 2018 e a atual situação econômica e financeira do Brasil levantaram inúmeras questões referentes aos gastos em campanhas políticas.

Quando se questiona “quanto custa uma campanha política?”, remete-se não apenas à quantidade de dinheiro gasto, também de onde vieram os recursos e se a arrecadação foi feita de acordo com as leis. Esses aspectos foram amplamente abordados nas recentes eleições, tanto por candidatos quanto pela população.

O total de gastos de candidatos e partidos em 2018, no 1º turno, chegaram aos R$ 2,9 bilhões de reais. É o que mostra um levantamento do portal de notícias G1 em 10/11/2018, a partir de informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Esse número representa 50% menos nos gastos em comparação com a eleição de 2014, como se pode ver no Gráfico a seguir, divulgado pelo TSE:

Fonte: TSE, 2018

Os novos números são considerados por alguns analistas como um excelente resultado, representando uma maior consciência e bom senso dos candidatos. Outros consideram que a redução é apenas resultado das novas regras e condições que passaram a valer este ano, tais como: período de duração da campanha, que em 2014 era de 90 dias e diminuiu para 45 dias em 2018; o estabelecimento de teto de gastos por candidato (para presidente da república, por exemplo, são R$ 70 milhões no primeiro turno das eleições, com acréscimo de R$ 35 milhões na hipótese de realização de segundo turno) e; a proibição de doações por empresas.

Esta última tem muito a ver com a diminuição dos gastos neste ano, na opinião do entrevistado para esta matéria, o professor de administração pública da Udesc Esag, Leonardo Secchi (áudio da entrevista ao final do texto). O professor observa que a proibição de doações empresariais para as campanhas foi positiva, embora a redução dos recursos totais em si talvez seja algo negativo, sob o ponto de vista de que se deve investir mais em campanhas políticas, pois é um processo essencial da democracia, que requer debate e aprendizagem. O investimento em campanhas é visto como um incentivo à cidadania, um estímulo à participação da população no processo eleitoral. Nesse sentido, o fundo público acaba tendo um papel importante neste processo.

Algo colocado por muitos candidatos é a necessidade de ter mais independência em relação aos doadores públicos e privados. É o que mostrou a campanha de 2018, pois muitos candidatos têm usado recursos próprios nas suas campanhas, o chamado autofinanciamento. Sobre isso, Secchi considera um aspecto positivo e outro negativo:

O ponto de vista positivo é que, se ele é um político virtuoso e vai fazer a defesa do que é de interesse coletivo, ele não vai estar nas mãos ou atrelado a grandes financiadores, mas sim com autonomia para fazer o seu mandato. Por outro lado, também existe o risco desse mandatário privatizar o seu mandato, ou seja, por ter investido o seu próprio dinheiro na sua campanha, acredita que o retorno deve ser dele também. Claro que aí cabe à população saber separar o “joio do trigo” e saber eleger candidatos que, nas suas propostas, nos seus conteúdos, façam defesas de pautas coletivas e não pautas corporativistas, individuais, que venham a privatizar o mandato.

Leonardo Secchi

No ano de 2018, alguns candidatos investiram fortunas nas suas campanhas. O candidato à presidência Henrique Meirelles, por exemplo, investiu 54 milhões de reais em sua própria campanha, sendo 100% do valor vindo de seu “bolso”. Foi o candidato que mais colocou recursos próprios em campanha. Outros partidos vêm incentivando essa prática, entre eles o partido NOVO, financiado com o dinheiro dos próprios filiados.

Cabe questionar, entretanto, se o investimento financeiro em campanhas realmente faz tanta diferença. Em 2018, além da redução significativa nos gastos, houve um movimento dos candidatos para o forte uso da internet como instrumento nas suas campanhas, o chamado impulsionamento digital, que exige menos recursos financeiros. Muitos candidatos optaram por fazer suas campanhas mais pelas redes sociais, produzindo conteúdos para esses canais de comunicação, os quais demandam menor investimento de recursos. E parece ter dado certo para muitos candidatos, de diversos partidos, eleitos em 2018 tendo as redes sociais como principal meio de comunicação.

A campanha eleitoral de 2018, com as novas regras para o financiamento e as novas estratégias adotadas pelos candidatos, mostrou que o custo de uma campanha política é relativo.

Não podemos esquecer que o atual modelo de financiamento veio acompanhado de um novo momento em que se encontra o país. É preciso avaliar o que deve ser aproveitado do modelo antigo e adaptar-se às novas demandas da sociedade para alimentar a democracia, de forma a possibilitar a maior participação possível da população no processo eleitoral.

O modelo atual ainda sofre muitas críticas, principalmente no que se refere ao dinheiro público destinado aos Fundos Partidário e Eleitoral, enquanto muitos setores e serviços públicos carecem de recursos. Sobre o Fundo Partidário, por exemplo, de acordo com o Senado Notícias, no final de 2017, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) lamentou em plenário o veto do presidente Michel Temer de artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias que previa  recursos para o cumprimento de metas do Plano Nacional de Educação. Cristovam questiona:

E por que esse dinheiro para campanha? Primeiro ponto: campanha, quem tem que financiar são os simpatizantes. Segundo: por que essa campanha custa tanto? Depois que inventaram isso aqui, internet, a gente consegue fazer campanha barata.

Enquanto o governo veta um dispositivo que tem mais um peso simbólico do que financeiro, disse Cristovam, a comissão especial da Câmara dos Deputados que trata da reforma política aprovou a criação de um fundo público de R$ 3,6 bilhões para financiar as campanhas políticas (Senado Notícias, 2017)

Por conta disso, o senador conclamou a sociedade, em especial a comunidade científica e os estudantes, na luta contra o fundo. Na opinião dele, “só assim as autoridades saberão eleger prioridades em um tempo em que o dinheiro é escasso e muitos são os setores públicos que precisam de investimento” (Senado Notícias, 2017).

Em 2018, foram autorizados 888,7 milhões de reais para o Fundo Partidário, sendo que 20% desse total deve ser empregado na manutenção das fundações partidárias, responsáveis por atividades de pesquisa e formação política, e 5% para a promoção de mulheres na política.

O Fundo Eleitoral também sofre críticas. Segundo o Estadão, em 2018, o fundo bilionário criado serviu para bancar campanhas políticas, retirando R$ 472,3 milhões originalmente destinados pelos parlamentares para educação e saúde. O valor corresponde a uma transferência do dinheiro de emendas de bancada, que seria destinado a esses setores.

A questão dos gastos no financiamento de campanha divide opiniões e, sem dúvida, faz refletir a respeito do montante realmente necessário para uma boa campanha política. As inúmeras fragilidades em áreas como educação, saúde e segurança pública levam a questionar a razoabilidade em destinar tanta verba pública para campanhas eleitorais. Bem como, visualiza-se como óbvia a importância dos sistemas de transparência e o controle social sobre a administração pública, para quantificar e qualificar as necessidades de gastos com algo tão importante que é o processo eleitoral democrático. Sobre isso, outra questão que se coloca é o custo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os cofres públicos. Segundo o site JConline, de acordo com levantamento feito pela ONG Contas Abertas, o TSE custou R$ 5,4 milhões aos cofres públicos por dia no ano de 2017.

Além disso, embora se tenha avançado nos sistemas de prestação de contas e responsabilização dos candidatos pelo chamado “Caixa 2”, a diminuição significativa nos gastos pode não significar nada nos bastidores. A prática, que era e continua sendo ilegal, pode ter se atualizado e seguir acontecendo, com pouco ou nenhum conhecimento da população e dos sistemas oficiais de prestação de contas.

Cabe aos cidadãos e aos candidatos estimularem o controle e exigirem maior accountability no processo eleitoral para encontrar as verdadeiras causas da redução dos gastos e preencher as brechas que permitem com que haja novas maneiras de desequilibrar o jogo político-eleitoral. Além de refletir se o dinheiro público vem sendo bem empregado, vale analisar o que pode ser aprimorado para que se tenha mais controle e indicadores que certifiquem de que mudanças no sistema eleitoral e de financiamento de campanha estão surtindo efeito. Vale indagar sempre se, afinal, a conta fecha. Será que esses novos números apontam sinais de que estamos no caminho certo?

No link a seguir, pode-se ouvir a entrevista sobre o tema com o professor de administração pública da Udesc Esag, Leonardo Secchi, doutor em ciência política e especialista na formatação de mandatos compartilhados, sobre os custos em uma campanha política.

Referências e mais sobre o tema em:

Cristovam critica criação de fundo partidário bilionário e veto de Temer a dispositivo da LDO. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/08/10/cristovam-critica-criacao-de-fundo-partidario-bilionario-e-veto-de-temer-a-dispositivo-da-ldo> Acesso em: 23 de novembro.

Saúde e educação perdem R$ 472 milhões para campanhas. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,saude-e-educacao-perdem-r-472-mi-para-campanhas,70002142094>. Acesso em: 20 de novembro.

Gastos de campanha no 1° turno das eleições caem pela metade em comparação a 2014. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-em-numeros/noticia/2018/11/10/gastos-de-campanha-no-1o-turno-das-eleicoes-caem-pela-metade-em-comparacao-a-2014.ghtml>. Acesso em: 10 de novembro.

As mudanças no financiamento de campanha para as eleições de 2018. Disponível em: <http://iespnaseleicoes.com.br/as-mudancas-no-financiamento-de-campanha-para-as-eleicoes-de-2018/>. Acesso em: 10 de novembro.

Meirelles gasta R$ 54 milhões do próprio bolso e tem campanha mais cara. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/meirelles-gasta-r-54-milhoes-do-proprio-bolso-e-tem-campanha-mais-cara.shtml>. Acesso em: 20 de novembro.

TSE divulga limites de gastos de campanha e de contratação de pessoal. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2018/Junho/eleicoes-2018-tse-divulga-limites-de-gastos-de-campanha-e-de-contratacao-de-pessoal>. Acesso em: 25 de novembro.

Quanto vale uma eleição? Regra de financiamento favorece ricos e quem já tem mandato. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2018/07/20/quanto-vale-uma-eleicao-regra-de-financiamento-favorece-ricos-e-quem-ja-tem-mandato/>. Acesso em: 25 de novembro.

Quanto custa a democracia. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/quanto-custa-a-democracia/>. Acesso em: 25 de novembro.

TSE custa R$ 54 milhões por dia, aponta ONG Contas Abertas. Disponível em: https://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/nacional/noticia/2017/06/09/tse-custa-r-54-milhoes-por-dia-aponta-ong-contas-abertas-288979.php>. Acesso em: 25 de novembro.

*Texto elaborado pelos acadêmicos Rafael Telles de Carvalho (rafaelcarva4@gmail.com), Brunna Maila dos Santos (brunnamaila@gmail.com) e Matheus Silva Duarte de Oliveira (vizaduarteoliveira@gmail.com), no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da graduação em Administração Pública da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, com participação do mestrando Rafael Tachini de Melo.