A transparência dos dados e a sobrevivência de transexuais

Por Shely de Farias, Valeska Boscato Eede e Carlos Eduardo Machado Massulo*

Entre os instrumentos para garantir os direitos básicos à vida dos transexuais e enfrentar as desigualdades históricas  que afetam essa população, estão as leis e o aparato estatal para seu cumprimento. Apesar da importância das leis, apenas isso não garante a proteção à vida dos transexuais. É importante que se tenha conhecimento dessas leis e que as informações sobre esse tema, que ainda hoje é um tabu, sejam difundidas para a sociedade. Os dados sobre o cumprimento ou não da legislação são também fundamentais para a manutenção e o aprimoramento das políticas que afetam diretamente a sobrevivência dos transexuais.  

O Brasil está dentro do grupo de países com maior número de leis em defesa das pessoas LGBTQIA+. A Constituição de 1988, apesar de não fazer menção explícita ao tema, assegura em diversos artigos a todo e qualquer cidadão o direito à vida, à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à igualdade, à liberdade, bem como aos direitos civis e políticos. 

Há também  leis  específicas, como a Portaria nº 2.836 do Ministério da Saúde, em 2011, que estabeleceu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT, com o objetivo de promover a saúde dessa população, instituindo mecanismos de gestão para atingir mais equidade no Sistema Único de Saúde, SUS, e a Resolução nº 175, de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou proibição às autoridades competentes de recusarem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero. Ainda, em 2019, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, o STF decretou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, com base na Lei nº 7.716/1989, até que uma lei específica que trate sobre a homofobia e transfobia seja elaborada.

Na imagem 1, a seguir, é possível ver a situação atual quando o assunto são leis relacionadas à orientação sexual no mundo. A coloração varia entre aqueles com maior aparato protetivo legal – quanto mais intenso o azul, mais desenvolvido é o arcabouço legal de proteção de direitos – e aqueles com maior aparato legal voltado à criminalização, em que quanto mais intenso o  vermelho, mais fortes são as penalidades.

Imagem 1 – Leis de orientação sexual no mundo

Fonte: ILGA (2020)

Em contrapartida, ao buscar por dados em relação à violência às pessoas LGBTQIA+, podemos identificar que o Brasil é o país que mais mata transexuais no mundo há alguns anos, além de registrar outros atos de crueldade. Segundo o projeto de pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM), que monitora, coleta e analisa os relatórios de homicídios de pessoas trans e com diversidade de gênero em todo o mundo, desde o início do levantamento, o Brasil tem sido o país que mais reporta assassinatos de pessoas trans no mundo. 

Dados atualizados em 2021 pela Transgender Europe (TGEU) mostram que, do total de 4.042 assassinatos catalogados, 1.549 foram no Brasil. Ou seja, sozinho, o país acumula 38,2% de todas as mortes notificadas de pessoas trans do mundo. A atualização de 2021 revelou, ainda, o total de 375 casos reportados de pessoas trans em 74 países em todo o mundo, entre 1 de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021. Conforme é possível visualizar no gráfico a seguir (Imagem 2), o Brasil permanece como o país que mais assassinou pessoas trans do mundo neste período, com 125 mortes, seguido do México (65) e dos Estados Unidos (53).

Imagem 2 – Gráfico: Levantamento Assassinatos TGEU

Fonte: Antra (2022)

Segundo a TGEU, no entanto, esses números não representam a transfobia no Brasil, já que não existem dados oficiais sobre a população trans. São redes como o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), Antra e a Rede Trans que fazem o levantamento desses dados. Além disso, estima-se uma  quantidade gritante de casos não reportados e mortes com motivação transfóbica não registradas no sistema  de segurança pública. 

Mas quais os motivos para o contraste: um dos países que tem mais leis de proteção à diversidade de gênero é também o que mais mata? O caminho que buscamos para entender essa questão foi pela accountability e seus princípios, sendo ela uma obrigação que os governos e agentes públicos têm de justificar e explicar suas ações (answerability) e serem responsabilizados por seus atos e omissões (enforcement). Uma das dimensões essenciais para se garantir a accountability é a informação, disponibilizada de forma transparente e confiável, pois sem isso não é possível aplicar os instrumentos de controle e encontrar soluções para os problemas identificados.

A informação pública possibilita a accountability, enriquece o debate para a criação e avaliação das políticas públicas, reforça a defesa dos direitos humanos e ajuda a prevenir e  combater a corrupção. Com a transparência de dados e informações, os cidadãos podem inclusive apurar se tais informações estão de acordo com a realidade. O que vemos no Brasil com a falta de dados oficiais sobre as mortes dos transexuais parte de uma prerrogativa em que, se não há dados, não há responsabilização. A ausência de dados qualificados e disponíveis é um mecanismo que o governo e outros responsáveis utilizam para evitar a responsabilização.

Por isso, é importante que a sociedade cobre que essas informações sejam fornecidas de forma efetiva e que haja o cumprimento dos instrumentos legais já existentes. A confiança já está afetada, o espaço público, corrompido, a violência, difundida. Para que se possa (re)construir confiança nas relações entre as pessoas e entre cidadãos e governantes, para que se possa proteger a vida e os direitos, e desenvolver a democracia, há que promover continuamente a transparência, a accountability, a participação cidadã e o controle social. Para as pessoas transexuais, é uma questão de sobrevivência.

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Shely de Farias, Valeska Boscato Eede e Carlos Eduardo Machado Massulo, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

Referências 

BRUNA G. BENEVIDES (Brasília). ANTRA, 2022. Dossiê assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2021.  Disponível em: <https://antrabrasil.files.wordpress.com/2022/01/dossieantra2022-web.pdf >. Acesso em: 08 jun. de 2022.

ILGA (Brasil, 2020). Mapas: leis de orientação sexual. Este mapa é apoiado pelos dados coletados em Homofobia Patrocinada pelo Estado 2020: Atualização da Visão Geral da Legislação Global (publicado em dezembro de 2020). Disponível em: <https://ilga.org/maps-sexual-orientation-laws >. Acesso em: 06 jun. 2022.

PINHEIRO, Ester. Há 13 anos no topo da lista, Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo: segurança pública no país continua a ignorar questões de gênero e 11 estados brasileiros não têm dados sobre lgtbi+fobia. Segurança pública no país continua a ignorar questões de gênero e 11 estados brasileiros não têm dados sobre LGTBI+fobia. 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/01/23/ha-13-anos-no-topo-da-lista-brasil-continua-sendo-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-no-mundo >. Acesso em: 09 jun. 2022.

Para saber mais sobre a luta para sobrevivência dos transexuais no Brasil:

[NUGEN – Núcleo De Gênero e Diversidade] Dia da Visibilidade Trans: uma linha do tempo da luta e dos direitos de travestis, transexuais e transgêneros

[UNIPÊ] Travestis-e-Transexuais-desigualdade-e-exclusão-social-.pdf (unipe.edu.br)

[POLITEIA] Pessoas autodeclaradas LGBTQIA+ no sistema penitenciário brasileiro: o que dizem (e não dizem) os dados – POLITEIA

[Associação Nacional de Travestis e Transexuais] https://antrabrasil.org/

[No Corpo Certo]  https://nocorpocerto.com/tag/trans/    

Como fiscalizar as proibições das propagandas eleitorais? 

Por Estefani Silva, Guilherme Althoff, Lízia Lessa e Marcelo Caldas* 

A Pré-Campanha é algo relativamente recente na legislação eleitoral brasileira. O período de Pré-Campanha foi instituído no processo eleitoral brasileiro em 2015, através da Lei Federal nº 13.165. Antes dessa reforma eleitoral, nenhum tipo de propaganda eleitoral era permitido antes das convenções partidárias. Com a mudança, foi permitida a pré-campanha, desde que não contenha pedido de votos. Historicamente, o tempo de campanha era de 90 dias. Após a reforma, visando a redução dos gastos de campanha, este prazo foi reduzido pela metade. Um dos objetivos foi o de promover mais paridade entre os candidatos, visto que aqueles que possuíam mais recursos poderiam manter sua campanha/propaganda por mais tempo do que os concorrentes com menos disponibilidade de recursos. Outro fator está relacionado ao interesse dos eleitores. Com um prazo menor de campanha, busca-se obter mais atenção dos eleitores quanto ao processo eleitoral como um todo. As novas regras passaram a valer nas eleições municipais de 2016. 

Não apenas durante a pré-campanha, quando se trata de eleições, muitas dúvidas vêm à mente dos eleitores. Trataremos de algumas delas a seguir.

Afinal, o que é permitido e o que é proibido?

De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, TSE, na pré-campanha, desde que não haja pedido explícito de voto, o artigo 36 da chamada Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) prevê que não configura propaganda eleitoral antecipada situações como mencionar uma eventual candidatura e exaltar as qualidades pessoais dos pré-candidatos. Neste ano, a campanha terá apenas 46 dias de ações nas ruas e na internet, entre 16 de agosto e 1º de outubro. 

Outro tema que costuma gerar dúvidas é o impulsionamento de conteúdo, ou seja, a promoção de candidatos e propostas através da inserção de anúncios e divulgação de posts segmentados em redes sociais. 

Como funciona o impulsionamento de conteúdo nas propagandas eleitorais? O que pode e o que não pode nesse quesito? 

● É permitido a partir da pré-campanha; 

● Não pode haver disparo em massa de conteúdo por meio de aplicativos de mensagem instantânea; 

● Não pode haver pedido explícito de votos; 

● O limite de gastos deve ser respeitado, afinal cada partido tem o valor a ser gasto.

Conforme destacado pelo TRE-MG, quem pode realizar o impulsionamento:

“Apenas as empresas cadastradas na Justiça Eleitoral poderão realizar o impulsionamento de propaganda eleitoral, uma vez que é necessário identificar quem contratou os serviços.” 

Entrevistas são permitidas? 

As entrevistas são uma forma de levar conteúdo aos eleitores. É liberada a participação de pessoas filiadas a partidos políticos ou pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos. No entanto, as emissoras de rádio e de televisão têm o dever de dar o mesmo tratamento a todos. 

O órgão que assegura e monitora essas questões é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo a resolução TSE nº 23.610 “ […] não é permitido dar tratamento privilegiado a determinada candidatura, legenda, federação ou coligação e veicular filmes, novelas e qualquer tipo de programa que faça alusão ou crítica aos participantes da eleição.” 

Em debates, por exemplo, é necessário que todos sejam convidados, mas o programa pode ser levado ao ar sem a presença daqueles que não aceitarem o convite, desde que haja no mínimo três concorrentes. 

Roberto Carlos Martins Pontes, Consultor legislativo da Câmara dos Deputados na área de Direito Constitucional, Administrativo e Eleitoral, explica a importância das leis e normas nas propagandas eleitorais. Segundo Roberto, desta forma é possível estabelecer uma igualdade entre os candidatos, conforme se pode ver no vídeo Regras de Propaganda Eleitoral, Jornada de Debates Eleitorais 2022, disponível no canal Escola da Câmara no Youtube.

Quando e como o eleitor pode se manifestar

Anterior à data da eleição, é permitido o uso de alto-falantes e amplificadores de som em horários determinados, no primeiro turno (dentre as datas de 16 de agosto à 01 de outubro), no eventual segundo turno após 24 horas do encerramento da votação do primeiro turno (dentre as datas de 03 de outubro à 29 de outubro). É permitido o uso de camisas e itens como broches e adesivos e, em seus automóveis adesivos e plotagem. 

No dia da eleição o eleitor poderá revelar a sua preferência por determinado candidato, desde que seja por meio de manifestação silenciosa. São permitidos o uso de exclusivamente: broches, bandeiras, dísticos, adesivos e camisetas.

Outras proibições de pré-campanhas e campanhas eleitorais 

Desde 2006, não é permitido qualquer tipo de propaganda eleitoral em outdoors, em qualquer época, uma vez que extrapola o tamanho permitido por lei (50 centímetros por 40 centímetros de dimensão – Lei das Eleições – artigo 38, parágrafo 3º). Os partidos políticos, as federações, as coligações, as candidatas e os candidatos e até mesmo a empresa responsável por instalar outdoor poderão pagar multa no valor de R$ 5 a R$ 15 mil reais. 

Durante a campanha eleitoral em geral, incluindo a pré-campanha, é proibida a realização, presencial ou transmitida pela internet, para promoção de candidatos e a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. A única exceção é a realização de shows e eventos com o objetivo específico de arrecadar recursos para a campanha, sem que haja pedido de voto. 

A propaganda antecipada também é proibida, entretanto são muitos os impasses, conforme se vê neste trecho que cita Acacio Miranda da Silva Filho, especialista em direito constitucional e eleitoral:

“Existe muita dificuldade na interpretação. Sobre a questão dos outdoors, em regra, o próprio candidato não pode custear. Os do Bolsonaro foram custeados por terceiros, e aí entra na questão da liberdade de manifestação. A bandeira do Lollapalooza também foi usada por terceiros, sem o número da campanha. Não há, até o momento, um caso realmente de propaganda antecipada (entre os presidenciáveis)” 

Agora que conhecemos as proibições, como podemos ajudar a fiscalizar? 

É responsabilidade de cidadãos, candidatos, partidos ou coligações fiscalizar e reportar às autoridades (Ministério Público Eleitoral e Juízes Eleitorais) possíveis irregularidades vistas. Existem alguns meios para isso e um deles é o aplicativo Pardal, do TSE. Está disponível tanto na loja google play, quanto na app store. Este aplicativo permite que o fiscalizador denuncie de forma rápida a irregularidade encontrada. 

Nas denúncias feitas por meio do Pardal, deverão constar, obrigatoriamente, o nome e o CPF do cidadão que as encaminhou, além de elementos que indiquem a existência do fato, como vídeos, fotos ou áudios, resguardada ao denunciante a opção pelo sigilo de suas informações pessoais. Via aplicativo, é possível ter acesso a todas as proibições nas propagandas eleitorais. 

Mesmo com o auxílio do aplicativo possibilitando o conhecimento sobre as regras e meios de controle estipulados, as constantes novidades nas campanhas tornam mais difícil a fiscalização e a coibição de irregularidades durante a campanha. Alguns casos poderão ser investigados e punidos depois, como por exemplo no caso julgado pelo TSE, que pune o deputado Heitor Freire por ter impulsionado vídeo com propaganda negativa de seus adversários nas eleições de 2020. Outros casos poderão ser perdoados, como no caso em que a Câmara aprovou anistia a partidos que descumprem verba a mulheres e negros. Outros casos que venham a ocorrer neste ano talvez serão coibidos em legislação futura e outros sequer serão considerados. 

* Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Estefani Silva, Guilherme Althoff, Lizia Lessa e Marcelo Caldas, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

Referências

CASOY. Boris. Na calada da noite, Câmara aprova anistia a partidos que descumprem verba a mulheres e negros. Disponível em: 

<https://www.cnnbrasil.com.br/politica/na-calada-da-noite-camara-aprova-anistia-a-p artidos-que-descumprem-verba-a-mulheres-e-negros/>. Acesso em: 13 de junho de 2022. 

CORREIA, Victor. Correio Braziliense. Pré-campanha eleitoral está mais flexível, mas pedir voto é proibido. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/05/5009780-pre-campanha-mai s-flexivel.html>. Acesso em 10 de junho de 2022. 

MENDES. Lucas. TSE multa por vídeo impulsionado com propaganda negativa. Disponível em:  <https://www.poder360.com.br/justica/tse-multa-por-video-impulsionado-com-propag anda-negativa/. Acesso em: 13 de junho de 2022. 

SCALCO, Patrick. Impulsionamento de conteúdo em pré-campanha – Migalhas. Migalhas. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/364943/impulsionamento-de-conteudo-em-pr e-campanha>. Acesso em: 13 de junho de 2022. 

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, TSE. Aplicativo Pardal permite denunciar irregularidades em campanhas. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2020/Setembro/aplicativo-pardal-permi te-denunciar-irregularidades-em-campanhas>. Acesso em 12 de junho de 2022. 

TSE. Conheça as regras para exibição de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Janeiro/eleicoes-2022-conheca-a s-regras-para-exibicao-de-propaganda-eleitoral-gratuita-no-radio-e-na-televisao>. Acesso em: 13 de junho de 2022.

TSE. Resolução nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019. <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2019/resolucao-no-23-610-de-18-de -dezembro-de-2019>. Acesso em: 13 de junho de 2022. 

TSE. Denúncia eleitoral. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/denuncias-eleitorais>. Acesso em 12 de junho de 2022. 

TSE. Eleições 2022: confira ações antes do início oficial da campanha. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Marco/eleicoes-2022-confira-aco es-permitidas-antes-do-inicio-oficial-da-campanha>. Acesso em 10 de junho de 2022. 

Lei de Acesso à Informação e Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais: Conflito ou Harmonia?

Por Eliézer Firmiano, Jessica Medeiros, Patricia Corrêa e Thael Rosa*

Quais são os limites entre a transparência pública e a proteção dos dados pessoais? 

Para descobrirmos se a Lei de Acesso à Informação (LAI) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) estão em conflito ou em harmonia, precisamos antes compreender o que é o acesso à informação e, em seguida, entender essas leis.

O acesso à informação pública no Brasil é definido sobretudo na Lei nº 12.527 (Lei de Acesso à Informação), de 18 de novembro de 2011, e por decretos regulamentadores de órgãos públicos. O interesse coletivo é o balizador do acesso à informação. Isto permite o acesso a diversos dados e documentos relativos, por exemplo, a processos licitatórios, planejamento e execução orçamentária, execução de obras, prestação de contas e serviços públicos, com exceção de informações definidas como sigilosas.

Além das informações que já são publicadas pelos órgãos públicos, a LAI garante que qualquer pessoa, física ou jurídica, possa solicitar acesso às informações públicas, desde que não sejam classificadas como sigilosas. O procedimento deverá respeitar os prazos, regras, instrumentos de controle e recursos previstos na LAI e suas regulamentações em cada órgão. Há prazos estipulados para resposta e, em caso de indeferimento do pedido, cabe recurso ao próprio órgão, às demais instâncias administrativas ou a judicialização.

A LAI segue um dos princípios basilares da administração pública, a publicidade, sendo este o argumento para embasar os pedidos de acessos. Conforme o Artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal:

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

A importância da LAI é inquestionável, uma vez que ela preza pela democracia e pela abertura do governo, além de funcionar como um mecanismo essencial para a transparência. As informações obtidas através da LAI são necessárias para a integração da população com o Estado.

Já a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, LGPD, Lei n° 13.709, de 14 de agosto de 2018, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, estabelece diretrizes importantes e obrigatórias para a coleta, o processamento e o armazenamento de dados pessoais. Esta lei tem como principal objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade, privacidade e personalidade dos cidadãos. 

É importante ressaltar que a LGPD não se aplica para fins jornalísticos, acadêmicos e de segurança pública, para fins particulares e não econômicos e para investigações e expressões de infrações penais. Além disso, a LGPD é de interesse particular, isso significa que apenas o titular dos dados tem o direito de fazer a  solicitação ao controlador dos dados pessoais, conforme o artigo 18 da LGPD, onde estão definidos os direitos que o titular dos dados possui e que podem ser exercidos.

A LGPD também estipula prazos e obriga o ente público a disponibilizar as informações pessoais do titular dos dados. Entretanto, em caso de negação, os órgãos a serem acionados são a Associação Nacional dos Profissionais de Privacidade de Dados – ANPPD, as instâncias administrativas e o judiciário.

A figura 1, a seguir, apresenta dois exemplos de solicitação de informações, tanto pela LAI quanto pela LGPD. O pedido do projeto pedagógico da escola pelos pais de um aluno é fornecido pela escola através da LAI. Já o pedido do histórico escolar de seu filho é embasado pela LGPD. Estes pais não conseguiriam o histórico escolar de outra criança que não fosse seu filho, pois esta criança estaria protegida pela LGPD. 

Figura 1 – Exemplo dos filtros de informaçãoC:\Users\patricia.correa\Desktop\Capturar.PNGFonte: Elaborado pelos autores (2022)

A LGPD preocupa-se com violações dos dados e obriga as empresas privadas de qualquer porte e pessoas jurídicas de direito público a nomearem um encarregado de dados, com a finalidade de identificar falhas, mapear fluxos de dados e elaborar um relatório de análise de impacto no caso de vazamento de informações pessoais.

O dado ou a informação, conforme ilustrado na figura 2, tem um ciclo de vida, que se inicia com sua coleta, seu uso, armazenamento e descarte apropriado. Em todas essas etapas é preciso certificar que esta informação pessoal estará segura, para manter algumas de suas características essenciais. A confidencialidade é um atributo que garante que a informação seja acessada somente a quem é de direito. Integridade corresponde à preservação da precisão, consistência e confiabilidade dessa informação. Já a disponibilidade tem relação com a possibilidade de consulta a qualquer momento.

Figura 2 – Tratamento da InformaçãoC:\Users\patricia.correa\Desktop\Capturar2.PNGFonte: Elaborado pelos autores (2022)

A ANPPD elencou as dez principais características da LAI e da LGPD (Figura 3), facilitando comparar e identificar particularidades e a complementaridade  entre ambas.

Figura 3 – Principais Pontos LAI x LGPDFonte: Teixeira (2020)

Não há contradição evidente entre LAI e LGPD. Ambas as leis tratam da transparência no fluxo e no acesso de informações. É assegurado o acesso às informações de interesse público e coletivo, que não sejam sigilosas e nem sensíveis, resguardando o direito que tanto a Administração Pública quanto as pessoas possuem de proteger seus dados sensíveis, particulares e sigilosos. Portanto, não é razoável que se use de uma das leis como subterfúgio para dificultar o acesso à informação pública, ou para publicizar dados propriamente privados. 

*Texto elaborado pelos acadêmicos de administração pública Eliézer Firmiano, Jessica Medeiros, Patricia Terezinha Corrêa e Thael Rosa, no âmbito da disciplina sistemas de accountability, da UDESC/ESAG, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no primeiro semestre de 2022.

Referências 

TEIXEIRA, Ilderlândio. Acesso à Informação vs. LGPD. Brasília: Anppd, 2020.

BRASIL. Lei Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. LEI DE ACESSO A INFORMAÇÃO (LAI), 2011. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 04 jul. 2022BRASIL.

BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm>. Acesso em: 04 jul. 2022.

Prestação de Contas e Organizações da Sociedade Civil: processo, resultados e confiança

Por Laís Dorigon Rodrigues, Julianna Luiz Steffens e Juliana Sartori*

A atuação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) é indispensável para a garantia dos direitos fundamentais, para complementar e equilibrar a ação do  Estado, além de suprir  demandas coletivas da população. Essas organizações nascem com a intenção de reafirmar o caráter autônomo, a finalidade pública e a voz própria da sociedade civil organizada.

No Brasil, o crescimento do número e a diversidade de OSCs ocorre com a democratização do Estado e a ampliação de direitos de cidadania, como fruto de conquistas de movimentos sociais e outros segmentos, que reivindicavam ao Estado direitos sociais para a sociedade, tais como o direito à educação, saúde, alimentação e trabalho, dispostos no título II da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), e que por muito tempo foram menosprezados pelas elites que compunham parte do aparato estatal (ALVES, 2013). 

As organizações da sociedade civil fazem parte do chamado terceiro setor, um termo que remete ao conjunto de relações sociais diferentes das do Estado e do mercado de caráter privado, mas que se dedicam ao bem-estar e ao aperfeiçoamento social (FERREIRA, 2009). Elas não possuem fins lucrativos, entretanto precisam de recursos para proverem suas atividades. Dentre as fontes de recursos possíveis, estão as doações, que podem ser  dedutíveis ou não dedutíveis do imposto de renda, de pessoas físicas e jurídicas, patrocínios, subvenções e auxílios, entre outros. Entre os financiadores da ação das OSCs, podem estar os governos e o setor privado, geralmente a partir de editais de fomento.

A partir da Lei 13.019/2014, conhecida como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), foram  criadas novas regras para as relações de parceria entre governos e organizações, possibilitando mais segurança e visibilidade ao trabalho que a sociedade civil organizada desenvolve no Brasil. Isso é reflexo da abertura do Estado à participação social e do reconhecimento aos resultados que essas organizações podem ter  na busca de uma comunidade mais justa e participativa. Isso reforça a importância da sociedade organizada para a criação e o desenvolvimento de novas tecnologias sociais e para a formulação e execução das políticas públicas.  (LOPES; SANTOS; XAVIER, 2014)

De acordo com Willian Narzetti, gerente executivo do Instituto Comunitário da Grande Florianópolis, (ICOM), a Lei n. 13.019/2014 trouxe uma nova ótica para o terceiro setor, desta vez orientada para resultados, ou seja, as organizações precisam cumprir aquilo que elas se propõem a fazer em projetos específicos. O mais importante na atuação das OSCs é o impacto que geram para a sociedade.

Figura 1: Entrevista com Willian Narzetti | Disponível em: https://youtu.be/6prUhec51s8

O ICOM participa da Plataforma MROSC, uma rede de articulação de organizações sem fins lucrativos e de interesse público, que tem por objetivo aprimorar o ambiente social e legal de atuação das organizações. Um dos objetivos da Plataforma é garantir que não haja diferença na interpretação do que foi acordado no Congresso Nacional, através da Lei 13.019/2014, tentando manter o espírito dessa lei que busca fortalecer as organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado.

Uma das frentes de trabalho do ICOM é auxiliar organizações da sociedade civil a terem uma gestão mais eficiente e a servirem como canais de participação dos cidadãos para melhorarem a qualidade de vida na Grande Florianópolis e em Santa Catarina. As principais áreas de atuação do Instituto são: investimentos sociais na comunidade, apoio técnico e financeiro a OSCs e produção e disseminação de conhecimento. 

Dentre as atividades de apoio técnico, estão as de orientação para as organizações a respeito de prestação de contas quando elas participam de editais de fomento, ou seja, quando recebem recursos financeiros para algum projeto social e precisam se submeter ao processo de prestação de contas desse dinheiro. Esse processo está relacionado com a accountability, ao trazer informação e justificação do uso do recurso e a responsabilização sobre o seu  uso correto ou inadequado. Aqui entra também o aspecto de enforcement – quando a OSC presta contas corretamente, ela é premiada, ganhando legitimidade por sua capacidade e correção e podendo obter recursos novamente, ou punida, quando fica impedida, por exemplo, de obter o próximo recurso até sanar as pendências na prestação de contas.

Para William, a prestação de contas é algo bastante delicado, pois muitas vezes quem analisa a prestação de contas não  observa  a finalidade de cada  organização, ou seja, não se pensa no benefício maior e no impacto que a instituição exerce na sociedade, mas sim, se verifica apenas os meios. Esse é um dos aspectos que se relaciona com um tipo de accountability mais formal ou institucional, que focaliza os  padrões  estabelecidos por leis, normas, regulamentos e procedimentos. Isso se reflete  em muitos  editais e suas exigências de prestação de contas, com mais  apego ao processo e não ao fim.

Ao analisar os diversos editais de fomento que a organização já participou, é notória a diferença entre editais nacionais e internacionais, com ênfase na etapa de prestação de contas. Na entrevista realizada com a Guardiã de Relacionamentos do ICOM, Mariana de Assis, foi possível entender as diferenças dos editais. Organizações internacionais como a CFLeads e a Mott Foundation – que possuem o objetivo de auxiliar as fundações da comunidade no mundo inteiro a acessar ferramentas para reunir recursos e desenvolver projetos que promovam uma sociedade justa, equitativa e sustentável – adotam  um tipo de prestação de contas que prioriza o resultado e o impacto que determinada ação causou na sociedade. É um formato menos burocrático, indo além do valor monetário e dos documentos fiscais.

Em relação às instituições nacionais, podemos citar o Fundo para a Infância e Adolescência, FIA, um fundo vinculado aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente Municipais e Estaduais, criado para captar e aplicar recursos financeiros destinados especificamente para a área da infância e adolescência. Os fundos especiais são constituídos por receitas definidas em lei, que estão vinculadas à realização de determinado objetivo ou serviço. Os fundos públicos geralmente possuem  uma estrutura de prestação de contas complexa e burocrática, ao cobrar documentos físicos com carimbos específicos e previsão de  devolução de recursos não utilizados. Em diversos editais,  as regras para prestação de contas e devolução de recursos não são claras, divulgadas depois  das inscrições para o edital. 

Na entrevista com gestores do ICOM, foi comentado que muitas organizações não possuem sequer estrutura para fazer uma prestação de contas elaborada em tantas minúcias como as exigidas em certos editais, pois não dispõem de recursos humanos excedentes para isso, o que torna ainda mais difícil cumprir esse processo. Isso vai na contramão do que propõe a Lei do Marco Regulatório das OSCs, cuja orientação é voltada para resultados e não para processos. Isso contribui para uma cultura ainda mais burocrática e para o engessamento dessas organizações, tornando seu trabalho mais moroso e menos efetivo.

A partir  das reflexões dos nossos entrevistados, percebemos a necessidade de utilização efetiva dos mecanismos disciplinados no Marco Regulatório das organizações da sociedade civil e da proposição e consolidação de mudanças no processo de prestação de contas das OSCs, entre elas:

  • Mudança do foco do controle financeiro para um controle de resultados; 
  • Processos de prestação de contas mais adaptáveis conforme o contexto de cada projeto;
  • Divulgação das exigências dos processos de prestação de contas em conjunto com a divulgação os editais de fomento; 
  • Mais flexibilidade na utilização dos recursos recebidos; 
  • Trâmites menos burocráticos, apoiados em novos recursos virtuais, como a utilização de documentos assinados de forma digital; 
  • Capacitação das OSCs para estarem aptas a prestarem contas ao órgão de fomento, de preferência incluindo essa qualificação nos editais.

Cabe nos apoiarmos mais no Princípio da Confiança e partir do pressuposto que as organizações da sociedade civil, assim como os cidadãos e os agentes públicos estatais, trabalham de forma íntegra com os recursos públicos, visto que poucas são exceção. Ou seja, talvez seja necessário punir a exceção e não tornar a punição – o endurecimento das regras de prestação de contas – uma regra geral, e assim punir a todos, o tempo todo.  As OSCs  devem direcionar seus esforços para aquilo em que são excelentes, ou seja, seu escopo de atuação. A informação e a transparência devem caminhar junto ao processo de responsabilização, de forma a ampliar a visibilidade para as causas e seus resultados alcançados. 

Você pode acessar a entrevista completa do Gerente Executivo do ICOM, Willian Carlos Narzetti neste link: https://youtu.be/6prUhec51s8 

Você pode acessar a entrevista completa da Guardiã de Relacionamento com a Sociedade Civil Organizada do ICOM, Mariana de Assis neste link: https://youtu.be/ou2x1nucrvQ 

*Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Laís Dorigon Rodrigues, Julianna Luiz Steffens e Juliana Sartori, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

REFERÊNCIAS  

ALVES, Mario Aquino. Empresas, Sociedade Civil e Desenvolvimento Local. In: Ecossistema do Desenvolvimento Local no Brasil: Diálogos sobre a Relação e o Papel do Governo Da Iniciativa provada e da Sociedade Civil Organizada. São Paulo: ICE, GIDE, IBRF, FGV: 2013. P. 15 – 19. Disponível em: http://gife.issuelab.org/resource/ecossistema_do_desenvolvimento_local_no_brasil_dialogos_sobre_a_relacao_e_o_papel_do_governo_da_iniciativa_privada_e_da_sociedade_civil_organizada

CFLeads. Disponível em: <https://cfleads.org/>. Acesso em: 08, jul 2022.

FERREIRA, Sílvia. Terceiro sector. Dicionário internacional da outra economia, p. 322-327, 2009.

LOPES, Laís de Figueiredo; SANTOS, Bianca dos; XAVIER, Iara Rolnik (orgs.). Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil: A Construção da Agenda no Governo Federal – 2011 a 2014. Secretaria-Geral da Presidência da República – Brasília: Governo Federal, 2014. 240 pp. I

MÂNICA, Fernando Borges. O que muda com o novo Marco Regulatório das organizações da sociedade civil lei 13019/2014. Atuação. Disponível em: <https://saotomedasletras.mg.gov.br/wp-content/uploads/2022/03/cartilha_do_marco_regulatorio_terceiro_setor.pdf > . Acesso em: 07, jul  2022.

Mott Foundation. Disponível em: <https://www.mott.org/>. Acesso em: 08, jul 2022.

TJSC. Fundo para a Infância e Adolescência – FIA. TJSC. Disponível em: <https://www.tjsc.jus.br/web/infancia-e-juventude/fundo-para-a-infancia-e-adolescencia-fia>. Acesso em: 02, jul 2022.

SOBRAL, Miriam Oliveira de Aguiar. O novo marco regulatório das organizações do terceiro setor: o que muda na captação e gestão de recursos públicos? 2016.

Para saber mais sobre o tema:

Plataforma OSCs – Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as Organizações da Sociedade Civil – Articulação de organizações e pessoas que vem trabalhando para aprimorar e estudar a implementação do MROSC.

Coprodução e lógicas institucionais no processo de implementação do Marco Regulatório… (usp.br) Dissertação  de Bruna Holanda e da Patrícia Mendonça sobre o tema.

OSC Legal – organização que produz conteúdos (textos blog, vídeos e debates sobre MROSC e outros aspectos da gestão de OSCs.

A Associação dos Pacientes Renais de Santa Catarina e como a prestação de contas pode ser aliada para a credibilidade de organizações da sociedade civil – POLITEIA (politeiacoproducao.com.br) – texto de colegas em semestre anterior que possui relação com o tema.

Transparência de dados ambientais no Brasil

Por Gislaine Lilian Rowedder*

O acesso à informação é um direito reconhecido pela Constituição Federal de 1988. O Brasil, desde a sua redemocratização, tem avançado na criação de leis e práticas voltadas à transparência e abertura de dados, a exemplo da  Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei nº 12.527/2011) e da Política de Dados Abertos do Executivo Federal (Decreto nº 8.777/2016).

No campo ambiental, a história é um pouco mais antiga, pois em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) já estabelecia a divulgação de dados e informações ambientais. Uma alteração desta lei, em 1989, passou a prever a prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando o Poder Público a produzir tais informações, quando inexistentes. Outra lei que se destaca é a Lei de Acesso à Informação Ambiental (Lei nº 10.650/2003), que determina o acesso público a documentos e informações ambientais pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Além disso, outras leis ambientais possuem a transparência e o acesso à informação como diretrizes e preveem a existência de sistemas e cadastros que permitem a organização e a divulgação de dados e informações ambientais.

Vale lembrar que, desde 2011, o Brasil participa da OGP (Open Government Partnership ou Parceria para o Governo Aberto), uma iniciativa internacional que busca difundir e incentivar práticas governamentais relacionadas à transparência dos governos, ao acesso à informação pública e à participação social. Como membro, o país elabora a cada dois anos um Plano de Ação Nacional, em que assume compromissos com os princípios de governo aberto e delimita as estratégias e as atividades para implementá-los (Figura 1). A partir do terceiro Plano de Ação (2016-2018), a área ambiental passou a integrar os temas e compromissos assumidos pelo país, contribuindo para o avanço de ações na transparência e abertura de dados sobre meio ambiente no âmbito do executivo federal.

Figura 1 – Áreas temáticas dos Planos de Ação | Elaborado pela autora, com base em dados da CGU/OGP

Atualmente, vários órgãos federais envolvidos na gestão ambiental já possuem suas bases de dados abertos. Entretanto, ainda existem obstáculos que precisam ser superados. Um relatório do projeto Achados e Pedidos1 apontou sete grupos de problemas relacionados à transparência de dados ambientais no Brasil (Figura 2):

  1. não produção de dados necessários ao controle social da execução de políticas públicas;
  2. falta de atualização de dados disponíveis;
  3. dificuldades no acesso a informações e dados, mesmo via transparência ativa;
  4. dados descentralizados em múltiplas fontes;
  5. cumprimento insatisfatório da LAI;
  6. ausência de políticas para abertura de dados;
  7. interrupção de produção e disponibilização de dados por questões técnicas.

Figura 2 – Problemas de transparência em dados ambientais | Fonte: Adaptado pela autora com base em Achados e Pedidos (2021)

A este cenário, somam-se a emergência de fake news e discursos de governantes que tentam desqualificar o campo ambiental. Um estudo do Imaflora2 aponta que, desde o início de 2019, foram veiculadas diversas notícias sobre ações do governo federal no sentido de reduzir o acesso à informação ambiental, incluindo a deslegitimação de órgãos públicos responsáveis pela produção de dados ambientais, alterações nos protocolos de comunicação dos órgãos ambientais, ameaças a servidores, elevação do sigilo de documentos públicos e apagões em bases de dados ambientais.

Nesse contexto, destaca-se a importância do trabalho de diversas organizações da sociedade civil, de pesquisadores e da imprensa que atuam ativamente na fiscalização e no monitoramento das ações do Poder Público, além de contribuir para o levantamento e a divulgação de dados socioambientais.

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1 O projeto Achados e Pedidos, é realizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Transparência Brasil e Fiquem Sabendo. Por um ano, desde fevereiro de 2020, eles monitoraram a disponibilidade de dados socioambientais no governo federal, em bases de dados produzidas por 43 órgãos federais da gestão socioambiental no Brasil.

2 A Imaflora é uma organização da sociedade civil que atua no Brasil com ações que contribuem para a conservação do meio ambiente. Em uma de suas linhas de ação, dedica-se à construção de políticas ambientais que contenham os princípios de um Governo Aberto.

 _________

*Texto elaborado pela acadêmica de administração pública Gislaine Lilian Rowedder, no âmbito da disciplina Sistemas de Accountability, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, em 2022.

Referências

ACHADOS E PEDIDOS. Área socioambiental: império da opacidade. Maio 2021. https://www.achadosepedidos.org.br/uploads/publicacoes/Imperio_da_Opacidade_Socioambiental.pdf

IMAFLORA. Mapeamento dos retrocessos de transparência e participação social na política ambiental brasileira – 2019 e 2020. 2021 https://www.imaflora.org/public/media/biblioteca/mapeamento_dos_retrocessos_de_transparencia_e_participacao_social_na_politica_ambiental_.pdf

Lei de Acesso à Informação – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm

Lei de Acesso à Informação Ambiental – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.650.htm

Planos de Ação Nacional do Brasil – https://www.gov.br/cgu/pt-br/governo-aberto/a-ogp/planos-de-acao

Política de Dados Abertos do Executivo Federal – https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/D8777.htm

Política Nacional de Meio Ambiente – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm

Iniciada a Semana de Governo Aberto, com participação do Politeia

A programação segue até 20 de Maio

Hoje iniciamos a Semana de Governo Aberto, organizada em parceria entre a Controladoria-Geral da União, CGU, a Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, CGE/SC, a Prefeitura de Osasco e a Prefeitura de São Paulo. São os quatro integrantes brasileiros da Parceria pelo Governo Aberto, Open Government Partnership, OGP, que nesta semana promove a OpenGovWeek, em diversos países.

Compartilhamos a seguir o link da mesa inicial do evento e a fala da professora Paula Chies Schommer, do grupo de pesquisa Politeia e da Act4Delivery, que são parceiros do 1º Plano SC Governo Aberto, liderado pela CGE em Santa Catarina.

“É uma alegria estar aqui neste momento inicial da Semana de Governo Aberto, embora estejamos em um momento difícil de nossa história e de nosso país. Fome, doenças, guerras e violências várias, que vinham sendo controladas e reduzidas pelo mundo, voltam a nos assombrar em grande escala. Desafiam nossa capacidade de colaboração, conhecimento, inovação e solidariedade. Desafiam os governos, que se mostram ainda mais relevantes diante de problemas coletivos complexos, contando com seus cidadãos para enfrentá-los.

Governar é difícil. O exercício do poder pode ser feito de modo mais concentrado, fechado, obscuro, violento, o que ocorre sobretudo em momentos de crise e medo. Ou pode ser feito de modo mais compartilhado, aberto, transparente e colaborativo, ainda que haja divergência e conflito, também necessários para ampliar perspectivas e possibilidades. Porque há também capacidades muitas que podem ser articuladas e desenvolvidas a partir da colaboração.

Um governo que se abre para seus cidadãos é um governo que se fortalece. Em lugar da força concentrada e imposta, um poder distribuído e multiplicado, cuja força está no diálogo, na colaboração, na diversidade de ideias, recursos e capacidades. Em lugar do poder monólogo, que não se explica, que agride, manipula e corrompe, um poder que se amplia à medida que escuta, explica, negocia, coordena, media, articula, estimula e valoriza seus cidadãos.

Não está dado que esta alternativa, mais aberta e democrática, seja a vencedora ou a preferida pela maioria dos governantes, servidores públicos e cidadãos. Embora seja preciso dialogar e travar a disputa no âmbito dos valores, desejos coletivos e palavras, é preciso ir além. É preciso demonstrar que uma cidadania ativa e um governo aberto, juntos, são capazes de gerar resultados concretos, na forma de sociedades mais justas e sustentáveis, com melhores serviços para todas as pessoas. Seja em educação, saúde, segurança pública e saneamento de boa qualidade para todas as pessoas, seja em atividades como as de controle ou compras e contratações públicas, para que tenhamos também bons processos internos e parceiros privados e sociais qualificados. Cabe experimentar, aprender e demonstrar que o governo aberto é um caminho viável e mais sustentável para responder aos imensos desafios de nosso tempo.

Do que vivencio em organizações da sociedade civil, na academia, junto a órgãos de gestão pública e de controle interno, externo e social, observo que estes ampliam seu poder a capacidade de ação ao se abrir para o diálogo e a construção conjunta com a cidadania. Isso foi visível na trajetória da Controladoria-Geral da União, CGU, que liderou processos colaborativos na construção e implementação da Lei de Acesso à Informação, LAI, que agora completa 10 anos, na organização da primeira Conferência Nacional de Transparência e Controle Social, Consocial, e na presença do Brasil desde o lançamento da Parceria pelo Governo Aberto, em 2012. Isso foi evidente também na recente implantação da Controladoria-Geral do Estado de Santa Catarina, CGE/SC, que desde sua concepção, e agora como integrante da OGP Local, vem trabalhando em colaboração com diversos segmentos dentro e fora do governo.

Este evento é uma demonstração dos potenciais da colaboração. Organizado em conjunto por várias pessoas, de diferentes locais, níveis de governo e seus parceiros, promoverá debates e aprendizagens ao longo da semana, e seguirá na condução de um mapeamento de práticas de governo aberto, que agora lançamos.

Que sejamos capazes de fazer com que a abertura e a colaboração sejam o padrão básico do governo e da governança. E a partir disso, tenhamos governos e sociedades fortalecidas, servidores públicos valorizados, cidadãos plenos e ativos na coprodução da gestão, do controle, dos serviços públicos, do bem público.”

O evento prossegue até o dia 20 de maio, com participação de outros membros e egressos do grupo Politeia, entre eles o Professor Fabiano Raupp, pesquisador destacado na área de transparência pública, e o mestre Leonardo Valente Favaretto, que durante seu mestrado pesquisou as relações entre os controles interno, externo e social. Este que será o tema de Painel nesta 5ª feira, dia 18 de maio, às 15:30h.

Projeto lança rede de padronização de dados abertos em compras e contratações públicas

Texto publicado originalmente em: https://www.udesc.br/esag/noticia/projeto_lanca_rede_de_padronizacao_de_dados_abertos_com_apoio_da_udesc_esag

06/05/2022-15h25

Projeto lança rede de padronização de dados abertos com apoio da Udesc Esag

Rede foi lançada durante evento em Blumenau – Foto: Prefeitura de  Blumenau

A Rede de Padronização de Dados Abertos foi lançada nesta quinta-feira, 5, em Blumenau, com a participação de órgãos públicos municipais, intermunicipais, estaduais e de controle, organizações da sociedade civil e de pesquisa. O objetivo da rede é criar um modelo padrão para publicação e gerenciamento de dados sobre compras públicas. 

A iniciativa conta com o apoio da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), por meio do grupo de pesquisa Politeia. Dedicado ao estudo da coprodução do bem público, com foco em accountability e gestão, o Politeia é um dos grupos de pesquisa do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc, em Florianópolis. 

Piloto

Um projeto piloto foi desenvolvido em conjunto com a Prefeitura de Blumenau por pesquisadores do grupo de pesquisa Politeia, da Udesc Esag, em parceria com a organização da sociedade civil Act4Delivery e servidores da Secretaria de Estado da Administração (SEA). O projeto foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado (Fapesc).

Apresentada durante o evento de lançamento da rede, a primeira proposta teve como ponto de partida o mapeamento e análise de alternativas já existentes. Foram apresentadas também ferramentas e procedimentos adotados pela Open Contracting Partnership, Banco Mundial, Bolsa Eletrônica de Compras (BEC/SP) e Secretaria de Administração de Santa Catarina. 

Por fim, foram definidos procedimentos para o trabalho em rede e apresentada a aplicação prática do projeto nos municípios, quando ele for concluído. 

Gestão

De acordo com a professora Paula Schommer, coordenadora do projeto e líder do grupo de pesquisa Politeia, da Udesc Esag, a legislação prevê a publicação de dados abertos nos portais de transparência, mas não define um modelo. “Cada município faz de uma forma diferente, o que dificulta o processo de comparação e análise desses dados”. 

E não se trata apenas de transparência, mas principalmente da gestão das compras públicas. “Ter um padrão que todos os municípios utilizem facilita a comparação de preços e itens, por exemplo, ajudando o gestor a tomar decisões”, explica Schommer. “Também fica mais fácil para o cidadão e os órgãos de controle analisarem como podemos melhorar”.

Poder público e universidade

“O lançamento da rede concretiza o propósito do grupo de pesquisa Politeia de vincular a universidade à gestão pública e à sociedade, para coproduzir melhores serviços públicos e accountability”, explica a professora. “Tivemos a participação ativa de vários graduados pela Udesc Esag, demonstrando o valor da formação para aprimorar o serviço público catarinense”.

Participaram do evento em Blumenau também outras prefeituras, a agência reguladora de serviços públicos e consórcios da região da Associação de Municípios do Vale Europeu (Amve), observatórios sociais, Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público de Contas (MPC), Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), órgãos públicos e internacionais. 

Saiba mais sobre o projeto em udesc.br/esag/projetodadosabertos

Assessoria de Comunicação da Udesc Esag
Jornalista Carlito Costa
E-mail: comunicacao.esag@udesc.br 

com informações da Assessoria de Comunicação
da Prefeitura de Blumenau