Coprodução: “Nada sobre nós sem nós” e a construção de um diagnóstico social participativo

Por Anna Carolina Melo Goncalves, Flávia de Souza Hülse e Paula Maria Petersen Haben*

A coprodução ocorre quando há  o engajamento mútuo de profissionais-servidores e usuários-cidadãos para a entrega de bens e serviços públicos, gerando sinergia, um resultado que não seria alcançado se ambas as partes trabalhassem isoladas.

Um exemplo de resultado que foi alcançado porque envolveu colaboração de profissionais e cidadãos foi o “Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis” lançado em  maio de 2017. 

Imagem 1: Conexão entre os serviços e destes com o cadastramento para construção do processo de saída da situação de rua | Fonte: extraído do Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis (página 9).

A realização do Diagnóstico é resultado do trabalho conjunto entre o Instituto Comunitário da Grande Florianópolis (ICOM) e o Movimento População de Rua de Santa Catarina (MNPR/SC). com outros parceiros. André Schafer, um dos líderes do Movimento População de Rua em Florianópolis e participante ativo do projeto, participou de um bate-papo, durante aula no curso de administração pública da Udesc Esag, quando  afirmou que essa iniciativa tornou-se singular porque a população de fato foi ouvida e seus pontos cruciais foram destacados. 

O Diagnóstico fez uma proposta incomum, no seu contexto, qual seja: tornar as pessoas em situação de rua protagonistas de um processo de produção de informações e compreensão de um tema no qual usualmente são vistas  como objetos, não como sujeitos. O projeto contou com a participação da população em situação de rua não somente para a contabilização e coleta de dados, mas também na construção, aplicação e formulação da pesquisa, e nos debates públicos a partir dos dados. Por conta disso, trouxe à tona a importância da coprodução nesse campo, especialmente quando se refere à participação de segmentos da população que seriam os “alvos” de uma política pública, um projeto ou um serviço.  

Na conversa com André Scheifer, entre outros pontos, foi relatada a importância da elaboração do Diagnóstico, a configuração da coprodução no projeto, e explanadas sugestões e considerações sobre como construir iniciativas que tenham continuidade e contem com a participação dos diversos interessados, incluindo os sujeitos, cidadãos-usuários que conhecem a fundo a realidade, pois são parte dela.  

Então, esta análise refere-se ao contexto da assistência social, especificamente relacionada ao papel do governo, da academia e da sociedade civil organizada e a atuação efetiva em colaboração com a população em situação de rua, aplicado ao caso visto na população de Florianópolis e pela voz de um líder do movimento. 

Ademais, o entrevistado expõe a realidade em que serviços básicos, que supostamente são direito de todos os cidadãos, são negados à população em situação de rua. Nesse quesito, ele se refere aos auxílios refeição e alimentação, banho, remédios, moradia, saúde e entre outros. Em sua fala, relata o cotidiano de mulheres que têm negado o acesso e cuidado à higiene pessoal básica. Isso porque grande parte das políticas públicas, iniciativas e programas realizados no Brasil são feitas sem a participação das populações chave. 

Foi relatado pelo convidado que grande parte das políticas públicas para a população em situação de rua são realizadas sem a participação ativa das mesmas, o que dificulta o real entendimento sobre as suas necessidades e particularidades. Entendemos que o principal diferencial deste movimento na grande Florianópolis é evitar a ausência desta voz ativa das pessoas em situação de rua, desta forma incluindo-as como participantes, incluindo em reuniões e tomada de decisão, o que possibilita um diálogo mais transparente e fiel às reais necessidades dos cidadãos-usuários. 

A coprodução justamente focaliza a necessidade de envolver os usuários dos serviços públicos, para que sejam revelados os verdadeiros problemas e possibilidades. Sem a participação das populações assume-se o risco da construção de políticas vazias, ineficazes e fracassadas. Cabe aqui citar o lema das pessoas com deficiência, lembrado por André Schafer na aula e que se aplica a qualquer segmento da população: “Nada sobre nós sem nós.” 

* Texto elaborado pelas acadêmicas de administração pública Anna Carolina Melo Goncalves, Flávia de Souza Hülse e Paula Maria Petersen Haben, no âmbito da disciplina Coprodução do Bem Público, da Udesc Esag, ministrada pela professora Paula Chies Schommer, no segundo semestre de 2021.

Referências

AMORIM, Mariana; BALDISSERA, Débora; MARQUES, Ingrid. Coprodução da informação em saúde: os exemplos da ACBG Brasil e da Wigtownshire Women and Cancer. Politeia Coprodução do Bem Público: Accountability e Gestão. 2022, Disponível em: https://politeiacoproducao.com.br/coproducao-da-informacao-em-saude-os-exemplos-da-acbg-brasil-e-da-wigtownshire-women-and-cancer/

ICOM – INSTITUTO COMUNITÁRIO GRANDE FLORIANÓPOLIS, MNPR-SC MOVIMENTO DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA DE SANTA CATARINA, Diagnóstico social participativo da população em situação de rua na Grande Florianópolis, https://www.icomfloripa.org.br/wp-content/uploads/2017/07/Diagn%C3%B3stico-Social-Participativo-da-Popula%C3%A7%C3%A3o-em-Situa%C3%A7%C3%A3o-de-Rua-na-Grande-Florian%C3%B3polis.pdf

PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS, Floripa social projeto de atendimento integrrado às pessoas em situação de rua, 2018, https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Pessoas_em_Situacao_de_Rua.pdf